Fui distinguido por uma chamada deste meu post:
A ideologia do afrobrasileirismo - um artigo PRA de 2004
no blog de meu colega de combates acadêmicos e debates intelectuais Orlando Tambosi, neste link: http://otambosi.blogspot.com/2011/01/afro-brasileirismo-apenas-uma-ideologia.html
E também por um extenso comentário do leitor sempre atento Paulo Araujo, que me permito transcrever aqui, in totum, para que não se perca como simples nota de rodapé.
Permito-me também esclarecer-lhe que conheço, desde longa data, o diário de Hipólito da Costa, de sua viagem aos Estados Unidos em 1798-1799, "Diário de Minha Viagem à Filadélfia", tendo escrito diversos trabalhos a respeito desse livro, cujas referências vou buscar para fazer um post especial, pois ele merece, nosso patrono do jornalismo independente, futuro editor do Correio Braziliense (editado em Londres, de 1808 a 1823).
Segue o comentário:
paulo araújo disse...
Caro Paulo
É o retorno ao idealismo chulé anti-iluminista pomposamente denominado pós-modernismo. Vivemos neste começo de século sob o império de uma metafísica cada vez mais influente: o relativismo. Tudo é discurso. E nesse plano discursivo, no qual o que é efetivo (histórico) é denunciado como “um texto a mais entre outros”, o que de fato existe é o trabalho incessante da construção e da desconstrução de narrativas. Assim, e todos estariam livres para, no plano narrativo, reeditar a realidade (o efetivo) do modo que bem entenderem. Assim, ganha quem grita mais alto.
O afrobrasileirismo, vertente ideológica “africana” do multiculturalismo, seria, então, mais uma trincheira na luta contra o imperialismo cultural, finalmente desvelado na pós-modernidade em sua forma de uma pretensa “racionalidade mais elevada”, mas que apenas legitima, no passado e no presente, a destruição de outras culturas.
Observo que em um outro pólo dessa discursividade descontrutivista é cada vez mais generalizada a denúncia de um outro engodo: “os americanos”. Os discursos pseudo-científicos do meio intelectual penetram o meio jornalístico e este, por sua vez, executa a sua função de caixa de ressonância do neologismo “os estadunidenses”.
Hipólito José da Costa partiu de Lisboa em 10 de outubro 1798 para os EUA, a serviço do governo português e a mando de D. Rodrigo de Souza Coutinho (futuro conde de Linhares). Partiu a bordo da corveta americana William e no mesmo dia iniciou um diário pessoal, que manteve atualizado até 27 de dezembro de 1799.
Em 1955 a ABL, na Coleção Afrânio Peixoto, publicou o diário sob o título DIÁRIO DA MINHA VIAGEM PARA FILADÉLFIA (1798-1799). Recomendo vivamente. Comprei o meu exemplar bem baratinho em sebo de SP. Acho que foram só R$ 12,00.
Tudo isso para lhe dizer que o neologismo "estadunidense" seria impossível na época de Hipólito. O tempo todo Hipólito registra que está na América, e quando se refere aos cidadãos da primeira república do mundo moderno ele os designa sempre por "os americanos". Por que? Simples. Era inconcebível para um europeu, mesmo que natural da Colônia do Sacramento, afirmar uma identidade (ou uma alteridade) americana ou mesmo brasileira. Ressalvo que dizer-se brasileiro na época de Hipólito, e até mesmo durante quase toda metade do século XIX no Brasil, era algo bem mais ligado à naturalidade, semelhante ao que hoje são os naturais de SP, MG, RJ, RS etc. Mesmo exilado em Londres, Hipólito pensava-se e agia como um integrante do império português e súdito de SAR. E também era assim com os espanhóis naturais das colônias hispânicas.
No entanto, os relativismos e seus ideólogos, que hoje nos aborrecem e nos insultam (vide a defesa dos direitos ao apedrejamento de mulheres no Irã e ao infanticídio entre populações indígenas no Brasil ) com o discurso multiculturalista politicamente correto, ignoram a história e, paradoxalmente, negam o direito dos cidadãos dos EUA a sua autodenominação original, nascida com a Revolução Americana: americanos. Ou seja, a cidadania e a conseqüente identidade americana forjaram-se sobretudo na guerra de libertação contra o opressivo e absolutista colonialismo inglês: americanos contra ingleses. Ao contrario do que propaga a ideologia antiamericana, essa identidade não foi roubada dos americanos nascidos no Continente (e afinal, essa identidade nem sequer existia), mas foi historicamente constituída como fato histórico absolutamente novo no Continente pelos cidadãos fundadores dos Estados Unidos da América. Já os britânicos do Canadá permaneceram, nessa ocasião, súditos fieis de Sua Alteza Real George III.
Sábado, Janeiro 22, 2011 11:09:00 PM
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
domingo, 23 de janeiro de 2011
sábado, 22 de janeiro de 2011
A diferenca entre nos e os muito ricos - um exemplo
Se não estou enganado, o romancista americano Scott Fitzgerald, do Great Gatsby (1928, creio), escreveu uma vez que a diferença entre os ricos e nós é que eles, os ricos, têm dinheiro, muito dinheiro.
Também acho, mas eles também vivem cercados de empregados em grandes mansões, recheadas de obras de arte.
Aqui abaixo um exemplo da espécie, eu diria da pior espécie, que por acaso também é um dos grandes crápulas da criminalidade de colarinho branco no Brasil.
Não sei como um juiz deixa que um crápula desses acumule um débito de aluguel de mais de um milhão de reais. Vai ver o juiz também tem muuuuito dinheiro...
Paulo Roberto de Almeida
Ex-dono do Banco Santos é despejado de casa do Morumbi por dever aluguel
MARIO CESAR CARVALHO
FOLHA DE SÃO PAULO, 20/01/2011
O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, que controlava o Banco Santos, foi despejado da casa em que morava no Morumbi, na zona sul de São Paulo. Ele não pagava o aluguel mensal de R$ 20 mil desde 2004. A dívida já alcançara R$ 1,727 milhão.
Edemar estava na casa por volta das 11h de hoje e recebeu Vânio Aguiar, o administrador judicial da massa falida do banco, e um oficial de Justiça.
Ex-banqueiro teve que deixar a mansão no Morumbi, em São Paulo, onde morava desde 2004 com a família
Segundo Vânio, ele tentou reverter a ordem de despejo até o último momento e não retirara nem roupas nem objetos pessoais da casa.
Edemar contou a Aguiar que ele e a mulher, Marcia Cid Ferreira, estavam de mudança para um flat.
O ex-banqueiro foi um dos mais importantes mecenas do país no final do século passado e ficou famoso pelas exposições que realizou na Bienal, como a "Brasil 500 Anos", apanhado da arte brasileira desde a chegada de Cabral, em 1500.
Após a quebra do Banco Santos, em novembro de 2004, foi condenado a 21 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Edemar, que recorre em liberdade, nega ter praticado esses crimes e diz que o banco não estava quebrado quando sofreu intervenção do Banco Central. O rombo, segundo o BC, era de R$ 2,5 bilhões.
A ordem de despejo foi dada pelo juiz Régis Rodrigues Bonvicino, da 1ª Vara Cível de Pinheiros, a pedido da massa falida do Banco Santos. A casa pertence à Atalanta, empresa criada pelo próprio Edemar, mas que foi retirada do seu controle.
Bonvicino determinou o despejo, o pagamento da dívida e a permanência dos e todos os bens no imóvel.
Edemar tinha uma coleção de arte avaliada entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões.
Algumas das obras mais caras foram enviadas para fora do país com a quebra do banco, mas acabaram recuperadas pelo FBI (a polícia federal dos Estados Unidos).
Parte da coleção, porém, continua na casa. Entre outros artistas, Edemar tem telas do americano Frank Stella e do alemão Anselm Kiefer e esculturas dos brasileiros Brecheret e Tunga.
O imóvel e as obras passam para a massa falida, ordenou o juiz, e devem ser vendidos "para satisfazer credores".
Bonvicino escreveu na decisão que Edemar e a mulher "não têm qualquer direito líquido e certo de permanecer no bem, porque possui ao menos duas outras residências, estando descaracterizado o conceito de bem de família para uma mansão de 4 mil metros quadrados de área construída e terreno de 8 mil metros quadrados".
Projetada pelo arquiteto Ruy Ohtake, a casa com a fachada de concreto aparente custou R$ 142,7 milhões, de acordo com documentos contábeis de Edemar revelados pela Folhaem 2005.
A mesa de mogno da sala de jantar, para 20 pessoas, consumiu US$ 390 mil (R$ 652 mil). Uma luminária do alemão Ingo Maurer custou 262,5 mil euros (R$ 592 mil).
A decoração da casa foi feita pelo arquiteto norte-americano Peter Marino, que assina as lojas da Channel.
A Folha procurou o advogado de Edemar, Luis Corvo, em seu escritório, mas ele não ligou de volta.
Também acho, mas eles também vivem cercados de empregados em grandes mansões, recheadas de obras de arte.
Aqui abaixo um exemplo da espécie, eu diria da pior espécie, que por acaso também é um dos grandes crápulas da criminalidade de colarinho branco no Brasil.
Não sei como um juiz deixa que um crápula desses acumule um débito de aluguel de mais de um milhão de reais. Vai ver o juiz também tem muuuuito dinheiro...
Paulo Roberto de Almeida
Ex-dono do Banco Santos é despejado de casa do Morumbi por dever aluguel
MARIO CESAR CARVALHO
FOLHA DE SÃO PAULO, 20/01/2011
O ex-banqueiro Edemar Cid Ferreira, que controlava o Banco Santos, foi despejado da casa em que morava no Morumbi, na zona sul de São Paulo. Ele não pagava o aluguel mensal de R$ 20 mil desde 2004. A dívida já alcançara R$ 1,727 milhão.
Edemar estava na casa por volta das 11h de hoje e recebeu Vânio Aguiar, o administrador judicial da massa falida do banco, e um oficial de Justiça.
Ex-banqueiro teve que deixar a mansão no Morumbi, em São Paulo, onde morava desde 2004 com a família
Segundo Vânio, ele tentou reverter a ordem de despejo até o último momento e não retirara nem roupas nem objetos pessoais da casa.
Edemar contou a Aguiar que ele e a mulher, Marcia Cid Ferreira, estavam de mudança para um flat.
O ex-banqueiro foi um dos mais importantes mecenas do país no final do século passado e ficou famoso pelas exposições que realizou na Bienal, como a "Brasil 500 Anos", apanhado da arte brasileira desde a chegada de Cabral, em 1500.
Após a quebra do Banco Santos, em novembro de 2004, foi condenado a 21 anos de prisão por crimes contra o sistema financeiro, lavagem de dinheiro e formação de quadrilha. Edemar, que recorre em liberdade, nega ter praticado esses crimes e diz que o banco não estava quebrado quando sofreu intervenção do Banco Central. O rombo, segundo o BC, era de R$ 2,5 bilhões.
A ordem de despejo foi dada pelo juiz Régis Rodrigues Bonvicino, da 1ª Vara Cível de Pinheiros, a pedido da massa falida do Banco Santos. A casa pertence à Atalanta, empresa criada pelo próprio Edemar, mas que foi retirada do seu controle.
Bonvicino determinou o despejo, o pagamento da dívida e a permanência dos e todos os bens no imóvel.
Edemar tinha uma coleção de arte avaliada entre R$ 20 milhões e R$ 30 milhões.
Algumas das obras mais caras foram enviadas para fora do país com a quebra do banco, mas acabaram recuperadas pelo FBI (a polícia federal dos Estados Unidos).
Parte da coleção, porém, continua na casa. Entre outros artistas, Edemar tem telas do americano Frank Stella e do alemão Anselm Kiefer e esculturas dos brasileiros Brecheret e Tunga.
O imóvel e as obras passam para a massa falida, ordenou o juiz, e devem ser vendidos "para satisfazer credores".
Bonvicino escreveu na decisão que Edemar e a mulher "não têm qualquer direito líquido e certo de permanecer no bem, porque possui ao menos duas outras residências, estando descaracterizado o conceito de bem de família para uma mansão de 4 mil metros quadrados de área construída e terreno de 8 mil metros quadrados".
Projetada pelo arquiteto Ruy Ohtake, a casa com a fachada de concreto aparente custou R$ 142,7 milhões, de acordo com documentos contábeis de Edemar revelados pela Folhaem 2005.
A mesa de mogno da sala de jantar, para 20 pessoas, consumiu US$ 390 mil (R$ 652 mil). Uma luminária do alemão Ingo Maurer custou 262,5 mil euros (R$ 592 mil).
A decoração da casa foi feita pelo arquiteto norte-americano Peter Marino, que assina as lojas da Channel.
A Folha procurou o advogado de Edemar, Luis Corvo, em seu escritório, mas ele não ligou de volta.
sexta-feira, 21 de janeiro de 2011
A ideologia do afrobrasileirismo - um artigo PRA de 2004
Para complementar a informação iniciada em dois posts abaixo, em que registro a reação irada de um militante da causa negra no Brasil -- não exatamente um afrobrasileiro, no máximo um afrodescendente -- a meu artigo sobre essa ideologia nefasta, importada, racista e divisiva, transcrevo abaixo o artigo em questão, não sem antes lançar um desafio a meu irado leitor:
Desafio esse militante a provar, de fato (ou seja, com base em evidências explícitas e não apenas baseadas em autodeclaração), que ele é um afro-brasileiro, ou seja, um brasileiro que conserva traços culturais, linguísticos, gastronômicos, ideológicos, ou quaisquer outros que sejam especificamente africanos e exclusivamente africanos, e não apenas brasileiros, ou seja, integrando elementos culturais de diversas culturas que foram incorporadas ao mainstream do Brasil, nesse imenso cadinho que constitui a sociedade nacional.
Provando, merece ganhar um ou dois livros, a sua escolha.
Paulo Roberto de Almeida
Rumo a um novo apartheid?: Sobre a ideologia afro-brasileira
Paulo Roberto de Almeida, Sociólogo (ítalo e luso-descendente).
revista Espaço Acadêmico (Ano IV, nº 40, setembro 2004)
link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm
“Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003)
1. Colocando a questão
Um espectro parece rondar, atualmente, a sociedade brasileira: o do apartheid. Refiro-me à possibilidade de surgimento, disseminação e consolidação de uma nova forma, não menos insidiosa do que a tradicional (já suficientemente conhecida e combatida), de apartheid. Trata-se de um apartheid social – não necessariamente racial –, baseado numa nova separação cultural e ideológica, e portanto mental, dos brasileiros. Eles passariam a ser divididos em duas categorias fundamentais: a dos afrodescendentes, de um lado, a de todos os demais brasileiros, de outro.
Antes que alguém me acuse de “inimigo dos afrodescendentes” quero deixar bem claro que reconheço, sim, a existência de uma enorme defasagem social, educacional, cultural e profissional atuando em desfavor dos chamados “afro-brasileiros”, que é o resultado histórico das condições sociais de pobreza e desigualdade que sempre atingiram com maior acuidade a população de origem negra. Também sou, sim, explicitamente, a favor de políticas de ação afirmativa e de favorecimento educacional para os brasileiros pobres em geral e, em especial, no que for possível, com ênfase acrescida na situação da população negra. Mas quero deixar manifesto, desde já, que não acredito que qualquer tipo de “reserva de mercado” nos exames vestibulares de ingresso no terceiro ciclo represente uma mudança dramática da situação dos mais desfavorecidos, brasileiros pobres em geral e populações negras em particular.
A questão das cotas no vestibular é um aspecto menor, não o mais importante, de um problema maior, que é a desigualdade de chances que vitima os negros e mulatos brasileiros nas várias vertentes de uma inserção social que teima em ser persistentemente lenta, na educação, no emprego, nas possibilidades de ascensão social, enfim. Tenho dúvidas, porém, de que políticas de promoção desse tipo devam ser conduzidas como resultado de algum tipo de consciência (ou “remorso”) quanto à necessidade de reparação histórica à comunidade negra pelos males sofridos desde o tráfico e a escravidão (e nas fases seguintes de discriminação de fato ou de indiferença “ativa”). Também rejeito as alegações dos que são contrários às cotas universitárias pela suposta necessidade de preservar ensino de qualidade e sistema de mérito nas universidades públicas (elas já estão, de fato, trabalhando em uma situação “sub-ótima” no que respeita seus presumidos “padrões de qualidade” ou de “excelência”, em razão das muitas disfunções acumuladas ao longo de anos e anos de democratismo populista, de irresponsabilidade no controle do desempenho de seus professores, de corporativismo exacerbado e outros males).
O que pretendo tratar neste ensaio é uma outra questão: a da emergência e atual afirmação, ainda que incipiente, de uma ideologia do “afrobrasileirismo” (à falta de uma melhor definição).
2. Um problema não apenas conceitual
Em primeiro lugar, recuso a qualificação de “afro-brasileiros”, ainda que aceite a realidade de que temos, obviamente, “afrodescendentes”. Mas os nossos brasileiros “afrodescendentes” são tão africanos, hoje, quanto eu sou português ou italiano pela minha ascendência, ou seja, hoje em dia quase nada, ou de fato absolutamente nada. Somos todos brasileiros, e apenas brasileiros, ponto.
Isso se deu ao cabo de um imenso e bem sucedido experimento de miscigenação étnica e cultural, um processo único no mundo, já suficientemente explorado por autores vários – entre eles Gilberto Freyre – para ser novamente explorado aqui. Somos o verdadeiro melting-pot do mundo, muito mais do nos Estados Unidos, que conservaram vários traços de apartheid racial ou étnico. Não existem afro-brasileiros no Brasil, assim como não existem AfroAmericans nos EUA: existem negros americanos ou brasileiros negros, mulatos e das mais variadas colorações, que foram trazidos ao Brasil – ou aos EUA – como escravos e que se converteram em brasileiros – ou americanos – como quaisquer outros, independentemente de serem, e permanecerem, desfavorecidos nos planos social, profissional e até do reconhecimento cultural. Nos EUA, a condição estritamente material é até mais favorável aos negros, bem mais do que no Brasil, diga-se de passagem, mas o isolamento cultural – e racial – é bem maior, em virtude da segregação legal que acabou criando duas culturas e até mesmo dois “universos mentais”, totalmente distintos e em grande medida opostos. Todo e qualquer processo de miscigenação racial – ou étnica, para evitar uma terminologia indevida – é único e original, e o nosso foi verdadeiramente de miscigenação, à diferença dos EUA, onde jamais ocorreu (salvo de maneira extremamente marginal) qualquer “osmose” racial entre negros e as demais comunidades formadoras da população americana.
Quando digo que recuso o “afrobrasileirismo” é porque acredito que esse conceito não é o resultado de uma condição étnica, cultural ou mesmo histórica, mas sim uma ideologia, politicamente importada e artificialmente explorada, que pode contribuir, também no Brasil, para a criação do mesmo sistema de aparteísmo racial ou cultural que se constata existir nos Estados Unidos. Não creio que seja bom para o Brasil, aliás para os próprios “afrodescendentes” – quer reconheço existir, como disse –, aderirmos a uma ideologia que vai contra todos os princípios do nosso bem sucedido melting-pot, introduzindo em seu lugar a divisão, a diferenciação e o apartheid. A promoção dos valores “negros” não deveria em princípio ser feita em detrimento de valores universais e igualitários que estão na base de nosso sistema constitucional e cultural.
Muito bem, diriam os “afrodescendentes”, como resolver o problema da desigualdade de fato que impede, basicamente, a maior parte dos “negros” e assemelhados de entrarem na universidade e de galgarem postos profissionais mais condizentes com o perfil de ascensão social que se deseja para todos, inclusive os milhões de brasileiros pobres, brancos ou mestiços de outras etnias, que também sofrem os mesmos problemas? Como reconheço que a “solução universal” da melhoria da qualidade das escolas públicas pode ser uma quimera irrealizável no curto prazo, sou absolutamente a favor de bolsas de estudo (e outras formas de ajuda) generosamente distribuídas a “afrodescendentes” candidatos a ingressar em nossas escolas, de maneira a habilitá-los a prestar um vestibular nas mesmas condições (ou quase) que os demais.
Ainda que esta medida possa ser injusta do ponto de vista do branco pobre, igualmente morador de favelas ou zonas rurais periféricas, creio que ela pode e deve representar um começo de ação afirmativa no sentido de resgatar todo o sofrimento imposto pela sociedade nacional – majoritariamente branca, pelos seus estratos dirigentes e pelas suas decisões políticas, reconheça-se – à sua comunidade negra brasileira e outros estratos desfavorecidos. Aliás, acho que as universidades públicas poderiam e deveriam começar a oferecer cursinhos pré-vestibulares nos quais elas passariam a admitir, de modo maciço, todos os brasileiros pobres, em especial os negros e mulatos. Os estados deveriam desenvolver programas extensivos de bolsas de estudos (gratuitas, isto é, sem reembolso) dirigidas prioritariamente aos estratos de baixa renda, em especial os negros.
Trata-se de um sistema de “cotas”, sem qualquer “reserva de mercado” e baseado inteiramente no princípio da meritocracia, que permanece um sistema válido de seleção de candidatos a quaisquer cargos ou escolas públicas. Os negros – e outros pobres – do Brasil precisam de programas intensos de formação educacional e de preparação profissional: bolsas e cursos de preparação podem fazer a diferença positiva, sem introduzir a “diferença negativa” do regime de cotas baseadas em critérios raciais ou demográficos de escassa legitimidade democrática.
3. Agora ao coração do problema: a ideologia do “afrobrasileirismo”
Acredito que o “afro-brasileirismo” é um conceito em busca de definição, até mesmo entre seus promotores mais ativos. Não sou um conhecedor extenso da literatura a esse respeito, mas não me lembro de ter lido uma definição que fosse sociologicamente sustentável sobre essa “condição”. Por isso pretendo abordar o problema de um ponto de vista histórico, antropológico e, em seguida, político-ideológico.
As definições raciais brasileiras são tão diversificadas quanto a plasticidade da língua nacional, ou como a própria realidade étnica subjacente às populações que aqui se misturaram ao longo dos séculos. Sobretudo a partir da “importação” de negros africanos, entre os séculos 16 e 19, mas também com base nos elementos autóctones e nas muitas etnias imigradas desde a independência, constituiu-se um povo legitimamente brasileiro, dotado de características singulares no conjunto dos “povos novos” — a definição é devida ao antropólogo Darcy Ribeiro — e que é certamente original do ponto de vista das relações interétnicas e culturais que essas comunidades mantêm entre si. Pode-se indicar a preservação de certos traços “culturais”, gastronômicos ou religiosos no interior desses diversos elementos constitutivos do povo brasileiro, mas dificilmente se poderá apontar, entre eles, diferenças significativas ou considerar que seus modernos representantes possam reivindicar um “pertencimento” geográfico outro que não ao próprio Brasil.
Entretanto, a partir da importação acrítica de um conceito estranho à cultura e às tradições sociais brasileiras, a questão da “alteridade” étnico-geográfica começa agora a ser colocada em questão no caso dos negros e mulatos brasileiros. Com efeito, a partir de uma matriz importada dos Estados Unidos está sendo introduzida no Brasil a concepção segundo a qual, dentre os diversos segmentos da população brasileira, se encontrariam, não mais negros, pardos e mulatos (e suas infinitas variações subjetivas), mas um grupo novo na paisagem social do país: os afro-brasileiros. Tal como apresentada por seus proponentes, tratar-se-ia não apenas de uma nova categoria (ou classificação) étnico-cultural, mas de todo um programa político de promoção social e da identidade cultural desse segmento talvez majoritário no País.
Em que medida essa proposta é demograficamente pertinente, sociologicamente consistente, historicamente sustentável, etnicamente adequada e “politicamente correta”? Desde já esclareço minha posição por um ceticismo de princípio em relação a esse tipo de conceito e à “realidade” que o sustenta. Não creio que a noção de “afro-brasileiro” seja positiva do ponto de vista da integração social das diversas vertentes do povo brasileiro, podendo mesmo ser negativo para o programa que supostamente deveria ser o de todos os cidadãos nacionais: superar a velha segregação racial que ainda persiste apesar dos avanços logrados, em lugar de construir um novo apartheid racial.
Este é exatamente o ponto que constitui o objeto destas minhas reflexões pouco sistemáticas: em última instância, a proposta dos afro-brasileiros, se implementada como programa político, redundaria na substituição da velha discriminação racial contra negros e mulatos, combatida por gerações inteiras da causa negra brasileira, por um novo tipo de apartheid, a exemplo daquele que se constituiu nos Estados Unidos depois da abolição da escravidão. Ele significa, sinteticamente falando, a separação e a promoção de atitudes, comportamentos e práticas sociais exclusivamente reservados às populações de origem negra, com todas as suas implicações negativas para a integração ampliada das diversas componentes do povo brasileiro.
Antes, contudo, que se queira ver nos propósitos do autor algum elemento de racismo antinegro ou de descaracterização da luta antidiscriminação conduzida por muitos movimentos militantes da causa negra, gostaria de deixar bem claro minha posição de partida. Creio, como muitos outros sociólogos ou simples cidadãos, que o mito da “democracia racial” brasileira é exatamente isso, um mito, mascarando as muitas práticas não institucionais de discriminação de fato que, ainda hoje, dificultam a afirmação econômica, a ascensão social e a auto-estima psicológica dos negros e mestiços do Brasil. São bastante conhecidos os problemas que afetam negros e mulatos no Brasil: menor escolarização, renda inferior e chances reduzidas de mobilidade ascensional, seja no emprego, seja em outros canais de inclusividade social. A pobreza que atinge os negros e outras camadas mestiças não é simplesmente pobreza, mas vem acoplada a outros problemas que alguns sociólogos chamam de “ciclo cumulativo de desvantagens”.
Feito o diagnóstico sumário e bem estabelecida a justificativa para uma política (ou políticas setoriais) de promoção ativa desses segmentos — às quais sou amplamente favorável, geralmente num sentido não diretamente discriminatório, mas incidindo de forma preferencial, e concentrada, nas populações pobres — a questão que pretendo colocar neste pequeno ensaio é esta aqui: em que a ideologia afro-brasileira pode contribuir para a superação dessas desvantagens cumulativas que penalizam obviamente com maior acuidade aqueles que são objeto de sua atenção?
4. As conseqüências ideológicas do “afro-brasileirismo”: o novo apartheid
Quando utilizo o conceito de ideologia para referir-me ao programa político “afro-brasileiro” pretendo denotar exatamente essa característica básica do termo: trata-se de uma importação acrítica, mais ou menos clandestina — pois que não reconhecida de forma cabal, e sem o pagamento do devido copyright —, de um conceito racial-geográfico pronto e acabado e que se refere a uma experiência histórica e social alheia às realidades brasileiras, qual seja a dos Estados Unidos. Como pretendo discutir, subsistem problemas enormes, e não apenas de ordem epistemológica, à incorporação ingênua desse conceito ao universo racial, social e político brasileiro.
O que seria um afro-brasileiro? Trata-se tão simplesmente de um brasileiro dotado de ascendência africana? Certamente, mas em que sentido esse brasileiro negro, da era contemporânea, continua sendo africano? Provavelmente tanto quanto eu, neto de imigrantes portugueses e italianos, continuo sendo europeu, ou seja: nada, ou quase nada. Sou tão “europeu” quanto meu concidadão negro é “africano”, ou seja muito pouco, apenas por vagas identidades ancestrais que nos definem muito pouco em nossa atual identidade. Quero crer que somos ambos apenas e tão somente brasileiros.
Em outros termos, não apenas é difícil, mas afigura-se impossível definir grupos humanos mediante uma origem indistintamente “continental”, uma vez que pessoas e núcleos familiares se afiliam a determinados grupos humanos com identidades mais restritas do que o âmbito geográfico continental. Mormente no caso dos atuais brasileiros negros, trazidos ao Brasil como escravos em lotes individuais (em alguns casos do mesmo grupo de origem), suas tribos e etnias de origem perderam-se irremediavelmente, logo em seguida, na terrível mistura humana realizada pelos escravagistas e depois pela sociedade de “acolhimento”. Assim como parece difícil, no Brasil contemporâneo, falar de “eurobrasileiros” ou “ásiobrasileiros”, seria virtualmente impossível, nas condições ainda mais desestruturadoras da “imigração” africana, justificar a existência dessa categoria recriada de “afro-brasileiros”.
A rigor, pretendendo atribuir uma origem geográfica a todos os outros imigrantes voluntários, poderíamos falar de “ítalo-brasileiros”, ou “nipo-brasileiros”, por exemplo, pois eles possuem características sociais e culturais similares, identificando-se pela língua ou pelos costumes comuns, inclusive religiosos e alimentares. Ora, tal não ocorre com os supostos “afro-brasileiros” — ou ocorreria em escala muito menor, apenas no caso de certos grupos lingüísticos e religiosos concentrados na Bahia, identificados com a religião islâmica —, uma vez que eles são o resultado da mais trágica e desumana “emigração” conhecida em toda a história da humanidade, processo ocorrido ao longo de séculos e séculos de transferência forçada de lotes inteiros de indivíduos, arrancados de grupos de origem que poderiam ser bantos, ovambos, ibos, haussas ou quaisquer outros capturados pelos mercadores. Contrariamente aos imigrantes voluntários, eles não tiveram condições de preservar — salvo casos extremamente restritos — línguas ou costumes de origem, que de resto se espalhavam por várias regiões africanas. Um história sem dúvida alguma trágica, mas esta é a herança de vários séculos de escravismo e de colonização do Novo Mundo.
Não se trata, assim, de uma realidade brasileira, pois esta é uma história universal. Ou seja, não existem afro-brasileiros, assim como não existem afroamericanos ou afroqualquer outra nacionalidade que se queira. Existem negros, ou mestiços, americanos, brasileiros, colombianos, venezuelanos, cubanos, e vários outros mais, em resumo, cidadãos negros ou mulatos que se tornaram cidadãos de seus atuais estados nacionais. Se isto é um fato, como se justifica o aparecimento e consolidação dessa ideologia racialista?
Segundo minha interpretação, essa construção ideológica apenas surge como resultado da situação peculiar dos negros americanos, submetidos durante décadas e décadas a uma situação de apartheid de fato e de direito que os converteu em cidadãos de uma categoria à parte nos Estados Unidos. Eles já não eram africanos, a qualquer título — tanto porque o tráfico foi precocemente substituído pela “criação” de escravos —, mas não possuíam os direitos e franquias dos demais americanos, de origem branca e européia. A situação se agravou, paradoxalmente, depois da guerra civil, uma vez que a segregação foi sendo lentamente construída ao longo do último terço do século 19 e início do século 20 (aqui com o consentimento e o estímulo do governo federal e da Suprema Corte). A evolução terminológica acompanhou a tomada de consciência do problema negro nos Estados Unidos: eles primeiro foram “negros”, no sentido mais pejorativo do termo, isto é niggers, depois se converteram, numa conotação menos agressiva, em colored ou black people, para serem finalmente enquadrados, até com o seu consentimento, nessa categoria aparentemente inocente de African Americans.
Este o termo oficial — falso, hipócrita, de fato irreal e historicamente não fundamentado — sob o qual são atualmente identificados os negros americanos, aliás bem mais negros do que no Brasil, pois que não dispondo do mesmo “estoque” (inicial ou produzido) de mestiços e mulatos e dos “fluxos e refluxos” de outras categorias intermediárias. Compreende-se sua utilização, nos Estados Unidos, num sentido parcialmente ideológico, pois que servindo para fundamentar uma luta pela afirmação de direitos civis e, concomitantemente, pela promoção da igualdade de chances nos mercados laboral e educacional, luta sustentada tradicionalmente pela Associação Nacional para o Avanço do Povo de Cor (NAACP). Menos compreensível parece ser a introdução no Brasil, de forma consciente, de um conceito de separação, não de inclusão, que seria supostamente o objetivo maior de todos as categorias de brasileiros.
Aparentemente, porém, os negros brasileiros não desejam ser simplesmente brasileiros, mas sim esta outra condição, irreal e construída, de “afro-brasileiros”. Que tipo de conseqüência poderia ter esta atitude para a (des)construção da nação brasileira?
5. A revolução cultural em marcha: a valorização das diferenças
Transcrevo novamente, para comentar, a frase destacada em epígrafe, retirada de um dos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, certamente preparada por um militante da chamada “causa negra” para apoiar as políticas de promoção de direitos das minorias e de grupos sociais desfavorecidos, adotadas conscientemente pelo governo: “Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”
Minha opinião é a de que “garantia de direitos iguais” deve existir, em princípio, via criação de condições ou oportunidades iguais para todos, o que se dá geralmente por meio da educação (essencialmente nos dois primeiros ciclos de ensino e na vertente técnico-profissional). Políticas afirmativas são, por definição, discriminatórias em sua essência e intenção, o que acarreta o risco de criar novas formas de apartheid social ou racial, num país que deveria eliminar as desigualdades eliminando também as diferenças, por meio da miscigenação ativa, não via exaltação de valores étnicos ou raciais exclusivos (e portanto excludentes).
Antevejo um sério problema “político” em relação ao que acabo de expor, isto é, a promoção de uma política de “miscigenação ativa”, que entendo ser a única solução efetiva para os males – não só no Brasil, mas em todo mundo – da discriminação e do racismo: os militantes da “causa negra” me acusarão de tentativa de “branqueamento”, quando não do “crime de etnocídio”, ao pretender eliminar o problema via mistura racial. Eu responderia de imediato que é isso mesmo, pretendo não apenas “acabar” com a “raça negra” – mesmo não concordando com tal caracterização – mas também com a “raça branca” (e a “asiática”, e a “médio-oriental”) e outras tantas mais que podem existir neste país tão variado, e instintivamente tão integrado, como é o Brasil. A eliminação das diferenças de “raça” – essa palavra tão enganosa e deformadora, mas ainda assim tão útil do ponto de vista daqueles que se colocam do ponto de vista das diferenças, que não é o meu – é a única forma efetiva de se cortar pela raiz qualquer sentimento de rejeição em face da “alteridade”, pelo simples motivo de que não haveria mais, pelo menos idealmente, nenhum tipo de “alteridade” estritamente definida.
Creio mesmo que o Brasil encontra-se muito mais perto de realizar esse ideal da miscigenação “hegemônica” antes que qualquer outro povo do mundo. Os EUA poderão ser, talvez, e de certa forma já são, o primeiro país “multinacional” do planeta, haja vista a constante imigração e o afluxo ininterrupto dos mais diversos povos naquele país continente. Mas eles demorarão um certo tempo, se é que conseguirão de verdade chegar à condição desejável, para atingir a etapa que reputo indispensável e necessária de ser ou constituir progressivamente uma sociedade verdadeiramente “multirracial”. Acho que o Brasil encontra-se mais perto desse ideal, ainda que sua “inclusividade nacional” seja bem inferior à dos EUA. Não importa: o relevante é a atitude mental e o comportamento social subjacentes à esse ideal de miscigenação, e nisso o Brasil parece imbatível.
O único obstáculo a esse estado de “abolição de fronteiras étnicas” – uma imensa revolução no caminho de um gênero humano potencialmente “globalizado” – é representado, precisamente, pela ideologia das “diferenças”. Por que a “diferença” teria de ser um valor em si, independentemente e à parte da diversidade cultural entre povos distintos, o que é um fato da história? O perigo que vejo nesse “culto das diferenças”, em especial em se tratando de grupos étnicos, é justamente o da separação, o do apartheid.
Registre-se, aliás, que não vejo a promoção das “diferenças” como iniciativa política de qualquer outro grupo racial ou étnico no Brasil, à exceção dos próprios negros ou “afrodescendentes”. Atribuo essa especificidade “política” à história de discriminação social e mesmo de racismo aberto ou velado que reconheço ter existido e que ainda existe no Brasil. Compreendo sua existência, mas não creio, sinceramente, que ela seja boa, desejável ou até mesmo funcional do ponto de vista das políticas de promoção ativa de inclusão social, de igualdade de fato, racial e cultural, e do ponto de vista da construção de uma “nacionalidade brasileira” inclusiva e abrangente.
A ideologia afro-brasileira representa a negação de tudo o que representamos como nação e como povo. Não creio que os afrodescendentes brasileiros estarão mais bem servidos, do ponto de vista cultural, material ou mesmo espiritual, com uma ideologia grupal que exalta a diferença e promove a separação. Acredito mesmo que os militantes da causa negra não deveriam jactar-se de defender a causa de uma ideologia importada, que não tem nada a ver com a realidade brasileira e que resultaria, afinal de contas, numa construção artificial do ponto de vista da história e da psicologia social dos negros.
As discriminações devem ser efetivamente combatidas, não pela criação de novas formas de discriminação, tanto mais patéticas quanto voluntariamente adotadas, em nome de uma ideologia importada que não visa, de fato, promover a inclusão social, mas o desenvolvimento separado e combinado dos vários grupos étnicos em que se divide, até aqui, a população nacional de grandes países multi-étnicos como o Brasil e os EUA. Uma sociedade verdadeiramente integrada, como pode chegar a ser a sociedade brasileira em futuro não muito distante – se não socialmente, mas pelo menos do ponto de vista “racial” –, representa uma sociedade na qual não apenas as discriminações de fato sejam uma relíquia do passado mas também uma formação social na qual o racismo se torne uma hipótese inexistente até do ponto de vista teórico, pela impossibilidade prática de qualquer tipo de “separação racial”.
Isto é o que eu penso, de verdade. Se ouso parodiar o líder negro Martin Luther King, incansável batalhador das causas cívicas (e não da causa racial) nos EUA, eu diria, simplesmente: “eu tive um sonho…”
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Desafio esse militante a provar, de fato (ou seja, com base em evidências explícitas e não apenas baseadas em autodeclaração), que ele é um afro-brasileiro, ou seja, um brasileiro que conserva traços culturais, linguísticos, gastronômicos, ideológicos, ou quaisquer outros que sejam especificamente africanos e exclusivamente africanos, e não apenas brasileiros, ou seja, integrando elementos culturais de diversas culturas que foram incorporadas ao mainstream do Brasil, nesse imenso cadinho que constitui a sociedade nacional.
Provando, merece ganhar um ou dois livros, a sua escolha.
Paulo Roberto de Almeida
Rumo a um novo apartheid?: Sobre a ideologia afro-brasileira
Paulo Roberto de Almeida, Sociólogo (ítalo e luso-descendente).
revista Espaço Acadêmico (Ano IV, nº 40, setembro 2004)
link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm
“Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (2003)
1. Colocando a questão
Um espectro parece rondar, atualmente, a sociedade brasileira: o do apartheid. Refiro-me à possibilidade de surgimento, disseminação e consolidação de uma nova forma, não menos insidiosa do que a tradicional (já suficientemente conhecida e combatida), de apartheid. Trata-se de um apartheid social – não necessariamente racial –, baseado numa nova separação cultural e ideológica, e portanto mental, dos brasileiros. Eles passariam a ser divididos em duas categorias fundamentais: a dos afrodescendentes, de um lado, a de todos os demais brasileiros, de outro.
Antes que alguém me acuse de “inimigo dos afrodescendentes” quero deixar bem claro que reconheço, sim, a existência de uma enorme defasagem social, educacional, cultural e profissional atuando em desfavor dos chamados “afro-brasileiros”, que é o resultado histórico das condições sociais de pobreza e desigualdade que sempre atingiram com maior acuidade a população de origem negra. Também sou, sim, explicitamente, a favor de políticas de ação afirmativa e de favorecimento educacional para os brasileiros pobres em geral e, em especial, no que for possível, com ênfase acrescida na situação da população negra. Mas quero deixar manifesto, desde já, que não acredito que qualquer tipo de “reserva de mercado” nos exames vestibulares de ingresso no terceiro ciclo represente uma mudança dramática da situação dos mais desfavorecidos, brasileiros pobres em geral e populações negras em particular.
A questão das cotas no vestibular é um aspecto menor, não o mais importante, de um problema maior, que é a desigualdade de chances que vitima os negros e mulatos brasileiros nas várias vertentes de uma inserção social que teima em ser persistentemente lenta, na educação, no emprego, nas possibilidades de ascensão social, enfim. Tenho dúvidas, porém, de que políticas de promoção desse tipo devam ser conduzidas como resultado de algum tipo de consciência (ou “remorso”) quanto à necessidade de reparação histórica à comunidade negra pelos males sofridos desde o tráfico e a escravidão (e nas fases seguintes de discriminação de fato ou de indiferença “ativa”). Também rejeito as alegações dos que são contrários às cotas universitárias pela suposta necessidade de preservar ensino de qualidade e sistema de mérito nas universidades públicas (elas já estão, de fato, trabalhando em uma situação “sub-ótima” no que respeita seus presumidos “padrões de qualidade” ou de “excelência”, em razão das muitas disfunções acumuladas ao longo de anos e anos de democratismo populista, de irresponsabilidade no controle do desempenho de seus professores, de corporativismo exacerbado e outros males).
O que pretendo tratar neste ensaio é uma outra questão: a da emergência e atual afirmação, ainda que incipiente, de uma ideologia do “afrobrasileirismo” (à falta de uma melhor definição).
2. Um problema não apenas conceitual
Em primeiro lugar, recuso a qualificação de “afro-brasileiros”, ainda que aceite a realidade de que temos, obviamente, “afrodescendentes”. Mas os nossos brasileiros “afrodescendentes” são tão africanos, hoje, quanto eu sou português ou italiano pela minha ascendência, ou seja, hoje em dia quase nada, ou de fato absolutamente nada. Somos todos brasileiros, e apenas brasileiros, ponto.
Isso se deu ao cabo de um imenso e bem sucedido experimento de miscigenação étnica e cultural, um processo único no mundo, já suficientemente explorado por autores vários – entre eles Gilberto Freyre – para ser novamente explorado aqui. Somos o verdadeiro melting-pot do mundo, muito mais do nos Estados Unidos, que conservaram vários traços de apartheid racial ou étnico. Não existem afro-brasileiros no Brasil, assim como não existem AfroAmericans nos EUA: existem negros americanos ou brasileiros negros, mulatos e das mais variadas colorações, que foram trazidos ao Brasil – ou aos EUA – como escravos e que se converteram em brasileiros – ou americanos – como quaisquer outros, independentemente de serem, e permanecerem, desfavorecidos nos planos social, profissional e até do reconhecimento cultural. Nos EUA, a condição estritamente material é até mais favorável aos negros, bem mais do que no Brasil, diga-se de passagem, mas o isolamento cultural – e racial – é bem maior, em virtude da segregação legal que acabou criando duas culturas e até mesmo dois “universos mentais”, totalmente distintos e em grande medida opostos. Todo e qualquer processo de miscigenação racial – ou étnica, para evitar uma terminologia indevida – é único e original, e o nosso foi verdadeiramente de miscigenação, à diferença dos EUA, onde jamais ocorreu (salvo de maneira extremamente marginal) qualquer “osmose” racial entre negros e as demais comunidades formadoras da população americana.
Quando digo que recuso o “afrobrasileirismo” é porque acredito que esse conceito não é o resultado de uma condição étnica, cultural ou mesmo histórica, mas sim uma ideologia, politicamente importada e artificialmente explorada, que pode contribuir, também no Brasil, para a criação do mesmo sistema de aparteísmo racial ou cultural que se constata existir nos Estados Unidos. Não creio que seja bom para o Brasil, aliás para os próprios “afrodescendentes” – quer reconheço existir, como disse –, aderirmos a uma ideologia que vai contra todos os princípios do nosso bem sucedido melting-pot, introduzindo em seu lugar a divisão, a diferenciação e o apartheid. A promoção dos valores “negros” não deveria em princípio ser feita em detrimento de valores universais e igualitários que estão na base de nosso sistema constitucional e cultural.
Muito bem, diriam os “afrodescendentes”, como resolver o problema da desigualdade de fato que impede, basicamente, a maior parte dos “negros” e assemelhados de entrarem na universidade e de galgarem postos profissionais mais condizentes com o perfil de ascensão social que se deseja para todos, inclusive os milhões de brasileiros pobres, brancos ou mestiços de outras etnias, que também sofrem os mesmos problemas? Como reconheço que a “solução universal” da melhoria da qualidade das escolas públicas pode ser uma quimera irrealizável no curto prazo, sou absolutamente a favor de bolsas de estudo (e outras formas de ajuda) generosamente distribuídas a “afrodescendentes” candidatos a ingressar em nossas escolas, de maneira a habilitá-los a prestar um vestibular nas mesmas condições (ou quase) que os demais.
Ainda que esta medida possa ser injusta do ponto de vista do branco pobre, igualmente morador de favelas ou zonas rurais periféricas, creio que ela pode e deve representar um começo de ação afirmativa no sentido de resgatar todo o sofrimento imposto pela sociedade nacional – majoritariamente branca, pelos seus estratos dirigentes e pelas suas decisões políticas, reconheça-se – à sua comunidade negra brasileira e outros estratos desfavorecidos. Aliás, acho que as universidades públicas poderiam e deveriam começar a oferecer cursinhos pré-vestibulares nos quais elas passariam a admitir, de modo maciço, todos os brasileiros pobres, em especial os negros e mulatos. Os estados deveriam desenvolver programas extensivos de bolsas de estudos (gratuitas, isto é, sem reembolso) dirigidas prioritariamente aos estratos de baixa renda, em especial os negros.
Trata-se de um sistema de “cotas”, sem qualquer “reserva de mercado” e baseado inteiramente no princípio da meritocracia, que permanece um sistema válido de seleção de candidatos a quaisquer cargos ou escolas públicas. Os negros – e outros pobres – do Brasil precisam de programas intensos de formação educacional e de preparação profissional: bolsas e cursos de preparação podem fazer a diferença positiva, sem introduzir a “diferença negativa” do regime de cotas baseadas em critérios raciais ou demográficos de escassa legitimidade democrática.
3. Agora ao coração do problema: a ideologia do “afrobrasileirismo”
Acredito que o “afro-brasileirismo” é um conceito em busca de definição, até mesmo entre seus promotores mais ativos. Não sou um conhecedor extenso da literatura a esse respeito, mas não me lembro de ter lido uma definição que fosse sociologicamente sustentável sobre essa “condição”. Por isso pretendo abordar o problema de um ponto de vista histórico, antropológico e, em seguida, político-ideológico.
As definições raciais brasileiras são tão diversificadas quanto a plasticidade da língua nacional, ou como a própria realidade étnica subjacente às populações que aqui se misturaram ao longo dos séculos. Sobretudo a partir da “importação” de negros africanos, entre os séculos 16 e 19, mas também com base nos elementos autóctones e nas muitas etnias imigradas desde a independência, constituiu-se um povo legitimamente brasileiro, dotado de características singulares no conjunto dos “povos novos” — a definição é devida ao antropólogo Darcy Ribeiro — e que é certamente original do ponto de vista das relações interétnicas e culturais que essas comunidades mantêm entre si. Pode-se indicar a preservação de certos traços “culturais”, gastronômicos ou religiosos no interior desses diversos elementos constitutivos do povo brasileiro, mas dificilmente se poderá apontar, entre eles, diferenças significativas ou considerar que seus modernos representantes possam reivindicar um “pertencimento” geográfico outro que não ao próprio Brasil.
Entretanto, a partir da importação acrítica de um conceito estranho à cultura e às tradições sociais brasileiras, a questão da “alteridade” étnico-geográfica começa agora a ser colocada em questão no caso dos negros e mulatos brasileiros. Com efeito, a partir de uma matriz importada dos Estados Unidos está sendo introduzida no Brasil a concepção segundo a qual, dentre os diversos segmentos da população brasileira, se encontrariam, não mais negros, pardos e mulatos (e suas infinitas variações subjetivas), mas um grupo novo na paisagem social do país: os afro-brasileiros. Tal como apresentada por seus proponentes, tratar-se-ia não apenas de uma nova categoria (ou classificação) étnico-cultural, mas de todo um programa político de promoção social e da identidade cultural desse segmento talvez majoritário no País.
Em que medida essa proposta é demograficamente pertinente, sociologicamente consistente, historicamente sustentável, etnicamente adequada e “politicamente correta”? Desde já esclareço minha posição por um ceticismo de princípio em relação a esse tipo de conceito e à “realidade” que o sustenta. Não creio que a noção de “afro-brasileiro” seja positiva do ponto de vista da integração social das diversas vertentes do povo brasileiro, podendo mesmo ser negativo para o programa que supostamente deveria ser o de todos os cidadãos nacionais: superar a velha segregação racial que ainda persiste apesar dos avanços logrados, em lugar de construir um novo apartheid racial.
Este é exatamente o ponto que constitui o objeto destas minhas reflexões pouco sistemáticas: em última instância, a proposta dos afro-brasileiros, se implementada como programa político, redundaria na substituição da velha discriminação racial contra negros e mulatos, combatida por gerações inteiras da causa negra brasileira, por um novo tipo de apartheid, a exemplo daquele que se constituiu nos Estados Unidos depois da abolição da escravidão. Ele significa, sinteticamente falando, a separação e a promoção de atitudes, comportamentos e práticas sociais exclusivamente reservados às populações de origem negra, com todas as suas implicações negativas para a integração ampliada das diversas componentes do povo brasileiro.
Antes, contudo, que se queira ver nos propósitos do autor algum elemento de racismo antinegro ou de descaracterização da luta antidiscriminação conduzida por muitos movimentos militantes da causa negra, gostaria de deixar bem claro minha posição de partida. Creio, como muitos outros sociólogos ou simples cidadãos, que o mito da “democracia racial” brasileira é exatamente isso, um mito, mascarando as muitas práticas não institucionais de discriminação de fato que, ainda hoje, dificultam a afirmação econômica, a ascensão social e a auto-estima psicológica dos negros e mestiços do Brasil. São bastante conhecidos os problemas que afetam negros e mulatos no Brasil: menor escolarização, renda inferior e chances reduzidas de mobilidade ascensional, seja no emprego, seja em outros canais de inclusividade social. A pobreza que atinge os negros e outras camadas mestiças não é simplesmente pobreza, mas vem acoplada a outros problemas que alguns sociólogos chamam de “ciclo cumulativo de desvantagens”.
Feito o diagnóstico sumário e bem estabelecida a justificativa para uma política (ou políticas setoriais) de promoção ativa desses segmentos — às quais sou amplamente favorável, geralmente num sentido não diretamente discriminatório, mas incidindo de forma preferencial, e concentrada, nas populações pobres — a questão que pretendo colocar neste pequeno ensaio é esta aqui: em que a ideologia afro-brasileira pode contribuir para a superação dessas desvantagens cumulativas que penalizam obviamente com maior acuidade aqueles que são objeto de sua atenção?
4. As conseqüências ideológicas do “afro-brasileirismo”: o novo apartheid
Quando utilizo o conceito de ideologia para referir-me ao programa político “afro-brasileiro” pretendo denotar exatamente essa característica básica do termo: trata-se de uma importação acrítica, mais ou menos clandestina — pois que não reconhecida de forma cabal, e sem o pagamento do devido copyright —, de um conceito racial-geográfico pronto e acabado e que se refere a uma experiência histórica e social alheia às realidades brasileiras, qual seja a dos Estados Unidos. Como pretendo discutir, subsistem problemas enormes, e não apenas de ordem epistemológica, à incorporação ingênua desse conceito ao universo racial, social e político brasileiro.
O que seria um afro-brasileiro? Trata-se tão simplesmente de um brasileiro dotado de ascendência africana? Certamente, mas em que sentido esse brasileiro negro, da era contemporânea, continua sendo africano? Provavelmente tanto quanto eu, neto de imigrantes portugueses e italianos, continuo sendo europeu, ou seja: nada, ou quase nada. Sou tão “europeu” quanto meu concidadão negro é “africano”, ou seja muito pouco, apenas por vagas identidades ancestrais que nos definem muito pouco em nossa atual identidade. Quero crer que somos ambos apenas e tão somente brasileiros.
Em outros termos, não apenas é difícil, mas afigura-se impossível definir grupos humanos mediante uma origem indistintamente “continental”, uma vez que pessoas e núcleos familiares se afiliam a determinados grupos humanos com identidades mais restritas do que o âmbito geográfico continental. Mormente no caso dos atuais brasileiros negros, trazidos ao Brasil como escravos em lotes individuais (em alguns casos do mesmo grupo de origem), suas tribos e etnias de origem perderam-se irremediavelmente, logo em seguida, na terrível mistura humana realizada pelos escravagistas e depois pela sociedade de “acolhimento”. Assim como parece difícil, no Brasil contemporâneo, falar de “eurobrasileiros” ou “ásiobrasileiros”, seria virtualmente impossível, nas condições ainda mais desestruturadoras da “imigração” africana, justificar a existência dessa categoria recriada de “afro-brasileiros”.
A rigor, pretendendo atribuir uma origem geográfica a todos os outros imigrantes voluntários, poderíamos falar de “ítalo-brasileiros”, ou “nipo-brasileiros”, por exemplo, pois eles possuem características sociais e culturais similares, identificando-se pela língua ou pelos costumes comuns, inclusive religiosos e alimentares. Ora, tal não ocorre com os supostos “afro-brasileiros” — ou ocorreria em escala muito menor, apenas no caso de certos grupos lingüísticos e religiosos concentrados na Bahia, identificados com a religião islâmica —, uma vez que eles são o resultado da mais trágica e desumana “emigração” conhecida em toda a história da humanidade, processo ocorrido ao longo de séculos e séculos de transferência forçada de lotes inteiros de indivíduos, arrancados de grupos de origem que poderiam ser bantos, ovambos, ibos, haussas ou quaisquer outros capturados pelos mercadores. Contrariamente aos imigrantes voluntários, eles não tiveram condições de preservar — salvo casos extremamente restritos — línguas ou costumes de origem, que de resto se espalhavam por várias regiões africanas. Um história sem dúvida alguma trágica, mas esta é a herança de vários séculos de escravismo e de colonização do Novo Mundo.
Não se trata, assim, de uma realidade brasileira, pois esta é uma história universal. Ou seja, não existem afro-brasileiros, assim como não existem afroamericanos ou afroqualquer outra nacionalidade que se queira. Existem negros, ou mestiços, americanos, brasileiros, colombianos, venezuelanos, cubanos, e vários outros mais, em resumo, cidadãos negros ou mulatos que se tornaram cidadãos de seus atuais estados nacionais. Se isto é um fato, como se justifica o aparecimento e consolidação dessa ideologia racialista?
Segundo minha interpretação, essa construção ideológica apenas surge como resultado da situação peculiar dos negros americanos, submetidos durante décadas e décadas a uma situação de apartheid de fato e de direito que os converteu em cidadãos de uma categoria à parte nos Estados Unidos. Eles já não eram africanos, a qualquer título — tanto porque o tráfico foi precocemente substituído pela “criação” de escravos —, mas não possuíam os direitos e franquias dos demais americanos, de origem branca e européia. A situação se agravou, paradoxalmente, depois da guerra civil, uma vez que a segregação foi sendo lentamente construída ao longo do último terço do século 19 e início do século 20 (aqui com o consentimento e o estímulo do governo federal e da Suprema Corte). A evolução terminológica acompanhou a tomada de consciência do problema negro nos Estados Unidos: eles primeiro foram “negros”, no sentido mais pejorativo do termo, isto é niggers, depois se converteram, numa conotação menos agressiva, em colored ou black people, para serem finalmente enquadrados, até com o seu consentimento, nessa categoria aparentemente inocente de African Americans.
Este o termo oficial — falso, hipócrita, de fato irreal e historicamente não fundamentado — sob o qual são atualmente identificados os negros americanos, aliás bem mais negros do que no Brasil, pois que não dispondo do mesmo “estoque” (inicial ou produzido) de mestiços e mulatos e dos “fluxos e refluxos” de outras categorias intermediárias. Compreende-se sua utilização, nos Estados Unidos, num sentido parcialmente ideológico, pois que servindo para fundamentar uma luta pela afirmação de direitos civis e, concomitantemente, pela promoção da igualdade de chances nos mercados laboral e educacional, luta sustentada tradicionalmente pela Associação Nacional para o Avanço do Povo de Cor (NAACP). Menos compreensível parece ser a introdução no Brasil, de forma consciente, de um conceito de separação, não de inclusão, que seria supostamente o objetivo maior de todos as categorias de brasileiros.
Aparentemente, porém, os negros brasileiros não desejam ser simplesmente brasileiros, mas sim esta outra condição, irreal e construída, de “afro-brasileiros”. Que tipo de conseqüência poderia ter esta atitude para a (des)construção da nação brasileira?
5. A revolução cultural em marcha: a valorização das diferenças
Transcrevo novamente, para comentar, a frase destacada em epígrafe, retirada de um dos discursos do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, certamente preparada por um militante da chamada “causa negra” para apoiar as políticas de promoção de direitos das minorias e de grupos sociais desfavorecidos, adotadas conscientemente pelo governo: “Faço questão de me comprometer, igualmente, com o combate às discriminações. Adotaremos políticas afirmativas para garantir direitos iguais a todos, sem distinção de gênero, etnia, raça, condição física, crença religiosa ou opção sexual. Queremos eliminar as desigualdades, valorizando as diferenças.”
Minha opinião é a de que “garantia de direitos iguais” deve existir, em princípio, via criação de condições ou oportunidades iguais para todos, o que se dá geralmente por meio da educação (essencialmente nos dois primeiros ciclos de ensino e na vertente técnico-profissional). Políticas afirmativas são, por definição, discriminatórias em sua essência e intenção, o que acarreta o risco de criar novas formas de apartheid social ou racial, num país que deveria eliminar as desigualdades eliminando também as diferenças, por meio da miscigenação ativa, não via exaltação de valores étnicos ou raciais exclusivos (e portanto excludentes).
Antevejo um sério problema “político” em relação ao que acabo de expor, isto é, a promoção de uma política de “miscigenação ativa”, que entendo ser a única solução efetiva para os males – não só no Brasil, mas em todo mundo – da discriminação e do racismo: os militantes da “causa negra” me acusarão de tentativa de “branqueamento”, quando não do “crime de etnocídio”, ao pretender eliminar o problema via mistura racial. Eu responderia de imediato que é isso mesmo, pretendo não apenas “acabar” com a “raça negra” – mesmo não concordando com tal caracterização – mas também com a “raça branca” (e a “asiática”, e a “médio-oriental”) e outras tantas mais que podem existir neste país tão variado, e instintivamente tão integrado, como é o Brasil. A eliminação das diferenças de “raça” – essa palavra tão enganosa e deformadora, mas ainda assim tão útil do ponto de vista daqueles que se colocam do ponto de vista das diferenças, que não é o meu – é a única forma efetiva de se cortar pela raiz qualquer sentimento de rejeição em face da “alteridade”, pelo simples motivo de que não haveria mais, pelo menos idealmente, nenhum tipo de “alteridade” estritamente definida.
Creio mesmo que o Brasil encontra-se muito mais perto de realizar esse ideal da miscigenação “hegemônica” antes que qualquer outro povo do mundo. Os EUA poderão ser, talvez, e de certa forma já são, o primeiro país “multinacional” do planeta, haja vista a constante imigração e o afluxo ininterrupto dos mais diversos povos naquele país continente. Mas eles demorarão um certo tempo, se é que conseguirão de verdade chegar à condição desejável, para atingir a etapa que reputo indispensável e necessária de ser ou constituir progressivamente uma sociedade verdadeiramente “multirracial”. Acho que o Brasil encontra-se mais perto desse ideal, ainda que sua “inclusividade nacional” seja bem inferior à dos EUA. Não importa: o relevante é a atitude mental e o comportamento social subjacentes à esse ideal de miscigenação, e nisso o Brasil parece imbatível.
O único obstáculo a esse estado de “abolição de fronteiras étnicas” – uma imensa revolução no caminho de um gênero humano potencialmente “globalizado” – é representado, precisamente, pela ideologia das “diferenças”. Por que a “diferença” teria de ser um valor em si, independentemente e à parte da diversidade cultural entre povos distintos, o que é um fato da história? O perigo que vejo nesse “culto das diferenças”, em especial em se tratando de grupos étnicos, é justamente o da separação, o do apartheid.
Registre-se, aliás, que não vejo a promoção das “diferenças” como iniciativa política de qualquer outro grupo racial ou étnico no Brasil, à exceção dos próprios negros ou “afrodescendentes”. Atribuo essa especificidade “política” à história de discriminação social e mesmo de racismo aberto ou velado que reconheço ter existido e que ainda existe no Brasil. Compreendo sua existência, mas não creio, sinceramente, que ela seja boa, desejável ou até mesmo funcional do ponto de vista das políticas de promoção ativa de inclusão social, de igualdade de fato, racial e cultural, e do ponto de vista da construção de uma “nacionalidade brasileira” inclusiva e abrangente.
A ideologia afro-brasileira representa a negação de tudo o que representamos como nação e como povo. Não creio que os afrodescendentes brasileiros estarão mais bem servidos, do ponto de vista cultural, material ou mesmo espiritual, com uma ideologia grupal que exalta a diferença e promove a separação. Acredito mesmo que os militantes da causa negra não deveriam jactar-se de defender a causa de uma ideologia importada, que não tem nada a ver com a realidade brasileira e que resultaria, afinal de contas, numa construção artificial do ponto de vista da história e da psicologia social dos negros.
As discriminações devem ser efetivamente combatidas, não pela criação de novas formas de discriminação, tanto mais patéticas quanto voluntariamente adotadas, em nome de uma ideologia importada que não visa, de fato, promover a inclusão social, mas o desenvolvimento separado e combinado dos vários grupos étnicos em que se divide, até aqui, a população nacional de grandes países multi-étnicos como o Brasil e os EUA. Uma sociedade verdadeiramente integrada, como pode chegar a ser a sociedade brasileira em futuro não muito distante – se não socialmente, mas pelo menos do ponto de vista “racial” –, representa uma sociedade na qual não apenas as discriminações de fato sejam uma relíquia do passado mas também uma formação social na qual o racismo se torne uma hipótese inexistente até do ponto de vista teórico, pela impossibilidade prática de qualquer tipo de “separação racial”.
Isto é o que eu penso, de verdade. Se ouso parodiar o líder negro Martin Luther King, incansável batalhador das causas cívicas (e não da causa racial) nos EUA, eu diria, simplesmente: “eu tive um sonho…”
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Stratfor: Brasil (ou Brazil) na berlinda...
Eu tinha sido solicitado a falar com a analista do Stratfor, Reva Bhalla, mas por razões de calendário de viagem e de férias, não foi possível. Fico satisfeito de encontrar em minha caixa este material, que vem seguido de um video, que infelizmente, na minha incompetência técnica, não sei colocar aqui.
Ainda não li, e não vi o video. depois comento.
Paulo Roberto de Almeida
Agenda: Brazil at a Crossroads
Stratfor, January 21, 2011
Latin America analyst Reva Bhalla discusses the challenges new Brazilian President Dilma Rousseff will face on crime, defense, the economy and foreign affairs in 2011.
Editor’s Note: Transcripts are generated using speech-recognition technology. Therefore, STRATFOR cannot guarantee their complete accuracy.
Colin: Brazil’s President Dilma Rousseff is no newcomer to politics, after all she was her predecessor’s chief of staff. 2011 is shaping up as having a very full agenda. Apart from recovery from deadly floods, where the death toll is approaching 800, there is much to be done. A full half of one percent increase in interest rates reminded us the economy is overheating.
Welcome to Agenda where I’m joined by webcam to STRATFOR’s Latin America analyst Reva Bhalla. Reva, let’s start by discussing the new president’s agenda.
Reva: Well Colin, Dilma Rousseff has a lot of items on her plate. Everything from major defense deals that she has to make decisions on, security issues with the country’s favela issue to important decisions Brazil has to take as it is emerging as a major regional power. One thing to keep in mind is that Dilma may not have the charisma as Lula, but she has a reputation for being very non-ideological, very technocratic. She employs this sort of no-nonsense attitude with her staff and she expects her staff to come to her with a plan B in pretty much every proposal. So she’s very much in the process of re-evaluating a lot of major decisions right now, including the jet fighter deal, which is taking a lot of attention these days. Colin: Who’s in the frame to win the jet fighter contract?
Reva: Well, toward the end of the Lula administration, it seemed pretty clear that Brazil would go ahead and opt for the French Rafale jet, for mainly political and strategic reasons. Now Dilma has basically re-opened the bidding process. U.S. firm Boeing is trying to sweeten the deal, but Brazil is very concerned about being tied to certain congressional constraints in agreeing to the U.S. deal, something that Brazil is very irked by especially when it comes to technology transfers. Now the Swedish Gripen offers more to Brazil in terms of price and performance, but we think this decision is still going to boil down to mainly a political and strategic decision in that Brazil is more likely to lean more toward the French jet.
Colin: Brazilian interest rates are very high, up half of one percent this week and more to come. That’s forcing the currency up, which might have two harmful effects: attracting hot money and damaging exports. ? Reva: Brazil maintains very strict fiscal policy and for good reason considering that the country was mired in an economic crisis just less than two decades ago. Now, in trying to keep inflation under control, Brazil has kept extremely high interest rates — right now it’s at about 11.25 percent. Now, with a government that is likely very unwilling to cut down on public spending, there are serious side effects to this kind of policy. One of those side effects is the boost to the country’s already appreciating currency. Now the stronger the Brazilian real gets, the less competitive Brazilian exports are on the open market. The Brazilian government really doesn’t have any good options in trying to deal with this currency crisis, but it’s transforming slowly and slowly into more of a political issue, especially as business and trade unions especially in the financial hub of Sao Paulo are applying more pressure on the state to do something to protect Brazilian industry. Again, Brazil doesn’t have very good options in dealing with this, but it is definitely an issue that is going to be pre-occupying the state in the coming year.
Colin: Let’s turn to resources. Can Brazil really realize its dream and become a major oil exporter? ?Reva: Well, its going to be difficult, but Brazil is definitely dedicated to this project. By the “project,” we are referring to the pre-salt fields — Brazil’s offshore deepwater fields that could potentially make Brazil a major oil exporter in the years to come. Now, this is going to require a lot of investment. We have already seen Brazil’s Petrobras employ some rather unorthodox means of capitalizing this endeavor. But the Brazilian government has made clear it’s going to be dedicating its resources in hopes of realizing this geopolitical dream.
Colin: What about domestic political problems like crime and drugs?
Reva: Now, Brazil faces a major challenge ahead to both pacify and integrate major favelas in the city of Rio de Janeiro. They’ve been employing a strategy called the UPP strategy that basically involves first overt military force that drives the drug-traffickers out and then a long-term police occupation. Now, this is an impressive model that’s worked on a small scale but replicating it on a larger scale is going to be extremely difficult. What’s happened so far is that a lot of the drug-traffickers in Complexo Alemao, which was the last favela targeted, are simply being displaced. Now that has side effects, especially when more drug-trafficking activity is just going from favela to favela or coming more from the favelas into city centers. Also, these drug-trafficking groups, particularly Comando Vermelho, the main group in Rio, they’re extremely well armed. And, if the state keeps pushing them in this pacification campaign, they do have the means of perhaps selectively carrying out attacks and trying to pressure the state to backing off of this offensive.
Colin: The other so-called BRIC countries are Russia, India and China. To what extent is Brazil joining them on the global scene?
Reva: Well, Brazil is most definitely emerging on the global scene; it’s no longer this insular power that it has been for decades now. And so of course we see a lot of countries reacting to that. You know, Brazil is interacting with the French on major defense deals, with the Chinese in this deepening economic relationship, also with the Indians where Brazil and India face a lot of competition with each other in certain industries. And so Brazil is learning more and more how to assert itself on the global scene and we can expect Brazil to fumble in a lot of respects. You know, Brazil is also trying to involve itself in issues that are very distant from the South American continent. For example, in very thorny Middle East issues. But, while this attracts a lot of attention, Brazil is slowly gradually attempting to assume this leadership role but it may not necessarily want to make very hard decisions or deal with the negative repercussions that may be attached to such a role.
Colin: Reva, it’s good to have you with us on Agenda, I’m sure we’ll talk again soon.
Reva: Certainly Brazil is a high priority for STRATFOR and we will be watching all these issues closely.
Ainda não li, e não vi o video. depois comento.
Paulo Roberto de Almeida
Agenda: Brazil at a Crossroads
Stratfor, January 21, 2011
Latin America analyst Reva Bhalla discusses the challenges new Brazilian President Dilma Rousseff will face on crime, defense, the economy and foreign affairs in 2011.
Editor’s Note: Transcripts are generated using speech-recognition technology. Therefore, STRATFOR cannot guarantee their complete accuracy.
Colin: Brazil’s President Dilma Rousseff is no newcomer to politics, after all she was her predecessor’s chief of staff. 2011 is shaping up as having a very full agenda. Apart from recovery from deadly floods, where the death toll is approaching 800, there is much to be done. A full half of one percent increase in interest rates reminded us the economy is overheating.
Welcome to Agenda where I’m joined by webcam to STRATFOR’s Latin America analyst Reva Bhalla. Reva, let’s start by discussing the new president’s agenda.
Reva: Well Colin, Dilma Rousseff has a lot of items on her plate. Everything from major defense deals that she has to make decisions on, security issues with the country’s favela issue to important decisions Brazil has to take as it is emerging as a major regional power. One thing to keep in mind is that Dilma may not have the charisma as Lula, but she has a reputation for being very non-ideological, very technocratic. She employs this sort of no-nonsense attitude with her staff and she expects her staff to come to her with a plan B in pretty much every proposal. So she’s very much in the process of re-evaluating a lot of major decisions right now, including the jet fighter deal, which is taking a lot of attention these days. Colin: Who’s in the frame to win the jet fighter contract?
Reva: Well, toward the end of the Lula administration, it seemed pretty clear that Brazil would go ahead and opt for the French Rafale jet, for mainly political and strategic reasons. Now Dilma has basically re-opened the bidding process. U.S. firm Boeing is trying to sweeten the deal, but Brazil is very concerned about being tied to certain congressional constraints in agreeing to the U.S. deal, something that Brazil is very irked by especially when it comes to technology transfers. Now the Swedish Gripen offers more to Brazil in terms of price and performance, but we think this decision is still going to boil down to mainly a political and strategic decision in that Brazil is more likely to lean more toward the French jet.
Colin: Brazilian interest rates are very high, up half of one percent this week and more to come. That’s forcing the currency up, which might have two harmful effects: attracting hot money and damaging exports. ? Reva: Brazil maintains very strict fiscal policy and for good reason considering that the country was mired in an economic crisis just less than two decades ago. Now, in trying to keep inflation under control, Brazil has kept extremely high interest rates — right now it’s at about 11.25 percent. Now, with a government that is likely very unwilling to cut down on public spending, there are serious side effects to this kind of policy. One of those side effects is the boost to the country’s already appreciating currency. Now the stronger the Brazilian real gets, the less competitive Brazilian exports are on the open market. The Brazilian government really doesn’t have any good options in trying to deal with this currency crisis, but it’s transforming slowly and slowly into more of a political issue, especially as business and trade unions especially in the financial hub of Sao Paulo are applying more pressure on the state to do something to protect Brazilian industry. Again, Brazil doesn’t have very good options in dealing with this, but it is definitely an issue that is going to be pre-occupying the state in the coming year.
Colin: Let’s turn to resources. Can Brazil really realize its dream and become a major oil exporter? ?Reva: Well, its going to be difficult, but Brazil is definitely dedicated to this project. By the “project,” we are referring to the pre-salt fields — Brazil’s offshore deepwater fields that could potentially make Brazil a major oil exporter in the years to come. Now, this is going to require a lot of investment. We have already seen Brazil’s Petrobras employ some rather unorthodox means of capitalizing this endeavor. But the Brazilian government has made clear it’s going to be dedicating its resources in hopes of realizing this geopolitical dream.
Colin: What about domestic political problems like crime and drugs?
Reva: Now, Brazil faces a major challenge ahead to both pacify and integrate major favelas in the city of Rio de Janeiro. They’ve been employing a strategy called the UPP strategy that basically involves first overt military force that drives the drug-traffickers out and then a long-term police occupation. Now, this is an impressive model that’s worked on a small scale but replicating it on a larger scale is going to be extremely difficult. What’s happened so far is that a lot of the drug-traffickers in Complexo Alemao, which was the last favela targeted, are simply being displaced. Now that has side effects, especially when more drug-trafficking activity is just going from favela to favela or coming more from the favelas into city centers. Also, these drug-trafficking groups, particularly Comando Vermelho, the main group in Rio, they’re extremely well armed. And, if the state keeps pushing them in this pacification campaign, they do have the means of perhaps selectively carrying out attacks and trying to pressure the state to backing off of this offensive.
Colin: The other so-called BRIC countries are Russia, India and China. To what extent is Brazil joining them on the global scene?
Reva: Well, Brazil is most definitely emerging on the global scene; it’s no longer this insular power that it has been for decades now. And so of course we see a lot of countries reacting to that. You know, Brazil is interacting with the French on major defense deals, with the Chinese in this deepening economic relationship, also with the Indians where Brazil and India face a lot of competition with each other in certain industries. And so Brazil is learning more and more how to assert itself on the global scene and we can expect Brazil to fumble in a lot of respects. You know, Brazil is also trying to involve itself in issues that are very distant from the South American continent. For example, in very thorny Middle East issues. But, while this attracts a lot of attention, Brazil is slowly gradually attempting to assume this leadership role but it may not necessarily want to make very hard decisions or deal with the negative repercussions that may be attached to such a role.
Colin: Reva, it’s good to have you with us on Agenda, I’m sure we’ll talk again soon.
Reva: Certainly Brazil is a high priority for STRATFOR and we will be watching all these issues closely.
A ideologia do afrobrasileirismo: uma reacao tardia...
Recebi, em minha caixa da UnB (sim, ainda tenho uma, mesmo depois de anos sem dar aulas naquela universidade bizarra), a mensagem abaixo, que reproduzo tal qual, sem o e-mail de origem (por razões óbvias), que protesta contra um artigo meu de 2004.
Demorou seis anos, portanto, para que alguém resolvesse protestar, defendendo as cores (se ouso dizer) do afrobrasileirismo, essa ideologia que pretende que o Brasil se divide em pretos, de um lado, e todo o resto, do outro, sendo que os pretos (ou negros, ou afrobrasileiros, como voces quiserem), seriam uma "minoria" discriminada.
"Minoria" apenas para os militantes racistas da raça negra -- sorry, mas eles adoram se identificar com a "raça negra", seja lá o que isso queira dizer --, pois, segundo a última PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2009-2010) a população autodeclarada como sendo afrodescendente é de 53% por cento do total, ou mais (sempre aumentando, claro, pois muitos estão de olho em políticas discriminatórias a favor deles, com base em cotas raciais e similares).
Bem, não pretendo responder agora ao Marcus, mas vou remeter a meu artigo, e depois retomar o assunto, em algum novo trabalho sobre a ideologia afrobrasileira.
Vale a pena este debate, pois ele é um dos mais importantes da sociedade brasileira contemporânea. Dele depende saber se vamos criar uma sociedade inclusive, verdadeiramente multirracial, misturada, miscigenada -- como aliás já acontece na prática -- ou se vamos caminhar para uma sociedade segmentada em "raças", ou, sendo mais preciso, uma sociedade dividida em pretos, de um lado (e segundo os ideólogos do afrobrasileirismo todo e qualquer mulato é negro por definição), e, do outro, todo o resto da sociedade, amarelos, brancos, levemente avermelhados, acobreados (como os índios, por exemplo), enfim, todo esse povo que não merece receber o rótulo de "afrobrasileiro" e que, portanto, não deve fazer juz a nenhuma política dita de ação afirmativa, na verdade de cunho racista, mesmo tendo de pagar a conta dos anos de escravidão e injustiça que todos nós, não-negros, devemos como reparação aos ditos afrodescendentes.
Disso depende, como eu disse, se vamos viver numa sociedade de Apartheid, ou numa sociedade "normal", o que eles dizem que a sociedade brasileira nunca foi, por ser racista e discriminatória contra os negros mesmo sem reconhecer. Enfim, vocês conhecem toda a argumentação e não preciso me estender agora. Mas prometo voltar...
Paulo Roberto de Almeida
===========
Eis a mensagem recebida: (tal qual)
From: ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| |||||||
Subject: Rumo a um novo Apartheid - Sobre a ideologia Afro-brasileira
Date: 21 de janeiro de 2011 18:49:15 BRST
To: Paulo Roberto de Almeida - UnB
Em primeiro lugar... Não está sendo implantado um apartheid no Brasil. Sempre existiu um Apartheid aqui. No entanto, diferentemente de outros países que são abertamente racistas, o Brasil é um país de falsidades e dissimulações... Tudo aqui é por debaixo dos panos.
Nós afro-brasileiros, temos sido SISTEMATICAMENTE prejudicados ao longo da história desse país. E não adianta nem falar que a exclusão é social e não racial porque, no caso dos afro-brasileiros, é tanto social quanto racial.
As cotas não acirraram o racismo, como muitos afirmaram e desejaram.
Outra coisa:
Você escreveu: ...recuso a qualificação de “afro-brasileiros”...
Quem é você pra recusar ou aceitar alguma coisa... Nós negros é que devemos nos definir da forma que acharmos mais adequada... Você não tem nada com isso!
Como se já não bastasse todos os anos de escravidão, e uma abolição feita de forma a empurrar os negros para as margens da sociedade, mantendo-nos em condições de extrema pobreza, que nos expôs à mortalidade infantil, desnutrição, doenças e mazelas sociais... Ainda temos que esperar que os branquinhos nos digam como devemos nos definir?
Eu sou afro-brasileiro, e ponto final.
Duvido que algum negro já tenha lhe dito que você está errado ao definir-se como “ítalo e luso-brasileiro”... Então, vê se cuida da tua vida!!!
Marcus.
=========
O Marcus protesta contra este meu artigo:
472. “Rumo a um novo apartheid?: sobre a ideologia afrobrasileira”
revista Espaço Acadêmico (Ano IV, nº 40, setembro 2004)
link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm
Relação de Trabalhos nº 1322.
Suponho que ele ainda esteja disponível no mesmo URL, do contrário podem me pedir.
O Marcus está manifestamente com raiva desse meu artigo. Então, em lugar de argumentar contra minhas posições, ele simplesmente me "convida", ou ordena, a ficar fora da discussão:
"Quem é você pra recusar ou aceitar alguma coisa... Nós negros é que devemos nos definir da forma que acharmos mais adequada... Você não tem nada com isso!"
ou no final:
"Então, vê se cuida da tua vida!!!"
Bem, isso pode ser típico da UnB, ou de certos alunos da UnB: em lugar de argumentar com base em regras simples do diálogo socrático, eles colocam logo um monte de !!!s, como se isso fosse um substituto para um debate racional.
Vou responder ao Marcus, e a todos os que pensam como ele, mas não agora.
Por enquanto eu apenas gostaria de dizer o seguinte:
Não vou ficar fora disso, e tenho muito a fazer, além de cuidar da minha vida. Sou um simples brasileiro, como o Marcus, cidadão consciente, como ele parece ser -- embora um tantinho exaltado e dado a repentes de agressividade -- pagador de impostos, como ele certamente é -- pelo menos indiretamente -- e pretendo exercer em toda a plenitude meus direitos de cidadão.
Entre esses direitos se inclui o de contribuir para a construção de uma sociedade inclusiva -- como ele parece também pretender -- sem os laivos do racismo e do Apartheid, uma sociedade que não precise catalogar e carimbar os seus filhos com qualquer rótulo racial ou geográfico, que os una como brasileiros, de preferência miscigenados, misturados, sem uma cor precisa, a não ser aquela cor morena que parece predominar no Brasil (mas isso pode despertar acusações de "etnocídio" em certas áreas, que pretendem a preservação da "raça negra").
Por isso mesmo, vou continuar exercendo meu direito de expressar minha opinião, em toda liberdade, sem constrangimentos de qualquer espécie, e sem ceder a ameaças de quem quer que seja.
Voltarei ao debate Marcus. Aguarde...
Paulo Roberto de Almeida
Demorou seis anos, portanto, para que alguém resolvesse protestar, defendendo as cores (se ouso dizer) do afrobrasileirismo, essa ideologia que pretende que o Brasil se divide em pretos, de um lado, e todo o resto, do outro, sendo que os pretos (ou negros, ou afrobrasileiros, como voces quiserem), seriam uma "minoria" discriminada.
"Minoria" apenas para os militantes racistas da raça negra -- sorry, mas eles adoram se identificar com a "raça negra", seja lá o que isso queira dizer --, pois, segundo a última PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio, 2009-2010) a população autodeclarada como sendo afrodescendente é de 53% por cento do total, ou mais (sempre aumentando, claro, pois muitos estão de olho em políticas discriminatórias a favor deles, com base em cotas raciais e similares).
Bem, não pretendo responder agora ao Marcus, mas vou remeter a meu artigo, e depois retomar o assunto, em algum novo trabalho sobre a ideologia afrobrasileira.
Vale a pena este debate, pois ele é um dos mais importantes da sociedade brasileira contemporânea. Dele depende saber se vamos criar uma sociedade inclusive, verdadeiramente multirracial, misturada, miscigenada -- como aliás já acontece na prática -- ou se vamos caminhar para uma sociedade segmentada em "raças", ou, sendo mais preciso, uma sociedade dividida em pretos, de um lado (e segundo os ideólogos do afrobrasileirismo todo e qualquer mulato é negro por definição), e, do outro, todo o resto da sociedade, amarelos, brancos, levemente avermelhados, acobreados (como os índios, por exemplo), enfim, todo esse povo que não merece receber o rótulo de "afrobrasileiro" e que, portanto, não deve fazer juz a nenhuma política dita de ação afirmativa, na verdade de cunho racista, mesmo tendo de pagar a conta dos anos de escravidão e injustiça que todos nós, não-negros, devemos como reparação aos ditos afrodescendentes.
Disso depende, como eu disse, se vamos viver numa sociedade de Apartheid, ou numa sociedade "normal", o que eles dizem que a sociedade brasileira nunca foi, por ser racista e discriminatória contra os negros mesmo sem reconhecer. Enfim, vocês conhecem toda a argumentação e não preciso me estender agora. Mas prometo voltar...
Paulo Roberto de Almeida
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Eis a mensagem recebida: (tal qual)
From: ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| ||||||| |||||||
Subject: Rumo a um novo Apartheid - Sobre a ideologia Afro-brasileira
Date: 21 de janeiro de 2011 18:49:15 BRST
To: Paulo Roberto de Almeida - UnB
Em primeiro lugar... Não está sendo implantado um apartheid no Brasil. Sempre existiu um Apartheid aqui. No entanto, diferentemente de outros países que são abertamente racistas, o Brasil é um país de falsidades e dissimulações... Tudo aqui é por debaixo dos panos.
Nós afro-brasileiros, temos sido SISTEMATICAMENTE prejudicados ao longo da história desse país. E não adianta nem falar que a exclusão é social e não racial porque, no caso dos afro-brasileiros, é tanto social quanto racial.
As cotas não acirraram o racismo, como muitos afirmaram e desejaram.
Outra coisa:
Você escreveu: ...recuso a qualificação de “afro-brasileiros”...
Quem é você pra recusar ou aceitar alguma coisa... Nós negros é que devemos nos definir da forma que acharmos mais adequada... Você não tem nada com isso!
Como se já não bastasse todos os anos de escravidão, e uma abolição feita de forma a empurrar os negros para as margens da sociedade, mantendo-nos em condições de extrema pobreza, que nos expôs à mortalidade infantil, desnutrição, doenças e mazelas sociais... Ainda temos que esperar que os branquinhos nos digam como devemos nos definir?
Eu sou afro-brasileiro, e ponto final.
Duvido que algum negro já tenha lhe dito que você está errado ao definir-se como “ítalo e luso-brasileiro”... Então, vê se cuida da tua vida!!!
Marcus.
=========
O Marcus protesta contra este meu artigo:
472. “Rumo a um novo apartheid?: sobre a ideologia afrobrasileira”
revista Espaço Acadêmico (Ano IV, nº 40, setembro 2004)
link: http://www.espacoacademico.com.br/040/40pra.htm
Relação de Trabalhos nº 1322.
Suponho que ele ainda esteja disponível no mesmo URL, do contrário podem me pedir.
O Marcus está manifestamente com raiva desse meu artigo. Então, em lugar de argumentar contra minhas posições, ele simplesmente me "convida", ou ordena, a ficar fora da discussão:
"Quem é você pra recusar ou aceitar alguma coisa... Nós negros é que devemos nos definir da forma que acharmos mais adequada... Você não tem nada com isso!"
ou no final:
"Então, vê se cuida da tua vida!!!"
Bem, isso pode ser típico da UnB, ou de certos alunos da UnB: em lugar de argumentar com base em regras simples do diálogo socrático, eles colocam logo um monte de !!!s, como se isso fosse um substituto para um debate racional.
Vou responder ao Marcus, e a todos os que pensam como ele, mas não agora.
Por enquanto eu apenas gostaria de dizer o seguinte:
Não vou ficar fora disso, e tenho muito a fazer, além de cuidar da minha vida. Sou um simples brasileiro, como o Marcus, cidadão consciente, como ele parece ser -- embora um tantinho exaltado e dado a repentes de agressividade -- pagador de impostos, como ele certamente é -- pelo menos indiretamente -- e pretendo exercer em toda a plenitude meus direitos de cidadão.
Entre esses direitos se inclui o de contribuir para a construção de uma sociedade inclusiva -- como ele parece também pretender -- sem os laivos do racismo e do Apartheid, uma sociedade que não precise catalogar e carimbar os seus filhos com qualquer rótulo racial ou geográfico, que os una como brasileiros, de preferência miscigenados, misturados, sem uma cor precisa, a não ser aquela cor morena que parece predominar no Brasil (mas isso pode despertar acusações de "etnocídio" em certas áreas, que pretendem a preservação da "raça negra").
Por isso mesmo, vou continuar exercendo meu direito de expressar minha opinião, em toda liberdade, sem constrangimentos de qualquer espécie, e sem ceder a ameaças de quem quer que seja.
Voltarei ao debate Marcus. Aguarde...
Paulo Roberto de Almeida
Precisao nos calculos, nos trilhoes de digitos...
Acho que não precisava tanto para saber o valor exato de Pi, mas sempre tem gente que não se contenta com imprecisões...
O problema seria o que fazer com toda essa certeza...
E atenção, os cálculos ainda não terminaram...
Sabe-se lá se terminarão um dia...
Paulo Roberto de Almeida
Empresário japonês conquista novo recorde mundial por cálculo do Pi
Reuters, 21 de janeiro de 2011
Shigeru Kondo chegou a 5 trilhões de casas do conceito matemático em agosto do ano passado
TÓQUIO - Um empresário japonês de 54 anos, usando um computador construído em casa, calculou o conceito matemático Pi (3,14159) com 5 trilhões de casas em agosto do ano passado e marcou um novo recorde mundial, reconhecido com um certificado pelo Guinness World Records na semana passada.
Shigeru Kondo, engenheiro de sistemas em uma empresa de alimentos em Nagano, no centro do país, calculou a razão da circunferência de um círculo por seu diâmetro e quase duplicou a precisão do recorde anterior, de 2,7 trilhões de dígitos. Ele começou o processo como um hobby.
"Eu realmente quero elogiar meu computador, que fez os cálculos por três meses sem reclamar", disse Kondo ao jornal Chunichi Shimbun. O executivo dividiu a honra com o estudante de ciência da computação dos EUA Alexander Yee, que programou o software e manteve contato com Kondo por e-mail.
Usando peças de armazéns locais e lojas online, o engenheiro montou um computador que conta com dois processadores avançados da Intel e 20 discos rígidos externos. Após 90 dias de processamento ininterrupto, Kondo obteve a sequência de 5 trilhões de números. Ele verificou o resultado com diferentes métodos, o que levou 64 horas adicionais.
O recorde anterior havia sido estabelecido por um consultor de software francês em janeiro de 2010. Calcular um Pi mais preciso, que tende ao infinito, é um desafio para estudiosos há milhares de anos, desde que esse parâmetro foi utilizado no Egito Antigo.
Kondo tenta agora calcular o número com até 10 trilhões de casas. "Se tudo correr bem, devo chegar a esse ponto em julho. Estou realmente ansioso para isso", afirmou.
O problema seria o que fazer com toda essa certeza...
E atenção, os cálculos ainda não terminaram...
Sabe-se lá se terminarão um dia...
Paulo Roberto de Almeida
Empresário japonês conquista novo recorde mundial por cálculo do Pi
Reuters, 21 de janeiro de 2011
Shigeru Kondo chegou a 5 trilhões de casas do conceito matemático em agosto do ano passado
TÓQUIO - Um empresário japonês de 54 anos, usando um computador construído em casa, calculou o conceito matemático Pi (3,14159) com 5 trilhões de casas em agosto do ano passado e marcou um novo recorde mundial, reconhecido com um certificado pelo Guinness World Records na semana passada.
Shigeru Kondo, engenheiro de sistemas em uma empresa de alimentos em Nagano, no centro do país, calculou a razão da circunferência de um círculo por seu diâmetro e quase duplicou a precisão do recorde anterior, de 2,7 trilhões de dígitos. Ele começou o processo como um hobby.
"Eu realmente quero elogiar meu computador, que fez os cálculos por três meses sem reclamar", disse Kondo ao jornal Chunichi Shimbun. O executivo dividiu a honra com o estudante de ciência da computação dos EUA Alexander Yee, que programou o software e manteve contato com Kondo por e-mail.
Usando peças de armazéns locais e lojas online, o engenheiro montou um computador que conta com dois processadores avançados da Intel e 20 discos rígidos externos. Após 90 dias de processamento ininterrupto, Kondo obteve a sequência de 5 trilhões de números. Ele verificou o resultado com diferentes métodos, o que levou 64 horas adicionais.
O recorde anterior havia sido estabelecido por um consultor de software francês em janeiro de 2010. Calcular um Pi mais preciso, que tende ao infinito, é um desafio para estudiosos há milhares de anos, desde que esse parâmetro foi utilizado no Egito Antigo.
Kondo tenta agora calcular o número com até 10 trilhões de casas. "Se tudo correr bem, devo chegar a esse ponto em julho. Estou realmente ansioso para isso", afirmou.
China: o que vai acontecer em 2011 - McKinsey’s Shanghai office
Esta é a opinião de um "analista empresarial", ou executivo de consultoria, baseado em Shanghai. Pode ser que as coisas sejam diferentes, e a tendência é sempre ser um pouco pior do que as previsões, mas com a China nunca se sabe...
Paulo Roberto de Almeida
What might happen in China this year?
Gordon Orr
McKinsey’s Shanghai office, January 2011
Despite inflation, bankruptcies, and other problems, industrial enterprises should remain highly profitable.
Gordon Orr, a director in McKinsey’s Shanghai office, peers into 2011 and finds ways China may once again surprise the world.
Inflation in food prices will take longer than expected to control. The drivers of inflation are much more structural than cyclical. Indeed, the entire system is now so highly stressed that one snowstorm brings large spikes in food and energy prices as coal runs short. When ice shuts down the roads, as it does today in much of southwestern China, agricultural products simply cannot get to market.
Chinese consumption patterns are shifting as people become wealthier—more meat eating requires more cereals to feed the animals. The food supply chain, running at the limit, is close to breaking, and the pressures this problem creates will lead to further food quality crises. What’s more, price caps won’t be effective in creating a better balance between supply and demand. Rising food prices are a pan-Asian issue: inflation has recently surged in Indonesia (chilies), India (onions), and South Korea (cabbage and now beef as a result of foot-and-mouth disease). China, given its large absolute demand for so many agricultural products, will shape food prices across Asia.
A major second- or third-tier Chinese city will see demonstrations over food price rises, unemployment, or both, on a much larger scale than anything that has occurred in recent years. The demonstrators will probably be satisfied quickly by local action to increase financial support for them and to replace local-government leaders. Yet concerns over copycat actions elsewhere will lead to a nationwide preemptive program to support the urban unemployed.
Middle-class bankruptcies will expand dramatically. Buyers have aggressively bought multiple properties with every penny of free cash flow. All that is needed for a wave of bankruptcies is further interest rate rises (targeting inflation) that result in a blip down in house prices just as mortgage payments rise. We have seen this before across major cities in Asia. The government will probably decide that it cannot bail such people out, as that would be seen as rewarding recklessness among the haves at the expense of the have-nots. There is already significant noise on the Internet to the effect that government leaders are completely out of touch with the true cost of urban housing. These leaders must take material action to show that they are aligned with the hopes of people just getting on the real-estate ladder.
Minimum wages will rise, but productivity gains will outstrip labor costs. The profitability of industrial enterprises remained high at the end of 2010—indeed, higher, in many cases, than it had been a year earlier, despite the minimum-wage increases rolled out in 2010—and will probably remain high. Yet a government seeking to enhance its stature with lower-income workers will find that increasing minimum wages, perhaps by 15 to 20 percent, is an easy lever to pull. Once again, multinationals, especially Asian multinationals, will find themselves being monitored first for compliance. More broadly, 2011 is likely to see further increases in the number of complaints that blue-collar workers bring in the legal system against employers for failure to pay overtime and to give employees the required time off from work.
China’s economic growth will be lower than expected. The rollback of subsidies to consumers will, in 2011, lead to a slow start for consumption, which will never quite catch up during the year. In recent months, for example, automotive purchases accounted for 20 percent of consumption. With the rollback of subsidies, the imposition of quotas in Beijing (and probably other cities), and increased prices for license plates and parking, car sales are likely to plateau if not fall in 2011. This problem will be exacerbated by food price inflation, which will cause lower-income workers to cut back on nonfood and other discretionary expenditures.
China will step up its “invest out” program in the new five-year plan. The government may well seek to double the country’s cumulative outbound investment within the next five years. There will be resistance by governments in some countries (probably in Africa, Eastern Europe, and Latin America) where public opinion is not yet convinced that so much Chinese ownership of key assets is really attractive. This opposition will visibly upset China’s leaders, who may decide to sell the bonds of the reluctant governments and to increase the challenges that enterprises from these nations face in selling to Chinese state entities.
The state will again try to reduce its ownership role in business. If the government relaunches its program to sell off more of its stake in companies, domestic share prices will probably decline or at least remain flat. The program will also soak up much of the liquidity currently supporting Chinese IPOs, thus reducing the ability of entrepreneurs to cash out quickly through them. Also, private-equity firms that have been investing in pre-IPO growth stocks in China may hold on to these investments longer than planned.
Gordon Orr is a director in McKinsey’s Shanghai office.
Paulo Roberto de Almeida
What might happen in China this year?
Gordon Orr
McKinsey’s Shanghai office, January 2011
Despite inflation, bankruptcies, and other problems, industrial enterprises should remain highly profitable.
Gordon Orr, a director in McKinsey’s Shanghai office, peers into 2011 and finds ways China may once again surprise the world.
Inflation in food prices will take longer than expected to control. The drivers of inflation are much more structural than cyclical. Indeed, the entire system is now so highly stressed that one snowstorm brings large spikes in food and energy prices as coal runs short. When ice shuts down the roads, as it does today in much of southwestern China, agricultural products simply cannot get to market.
Chinese consumption patterns are shifting as people become wealthier—more meat eating requires more cereals to feed the animals. The food supply chain, running at the limit, is close to breaking, and the pressures this problem creates will lead to further food quality crises. What’s more, price caps won’t be effective in creating a better balance between supply and demand. Rising food prices are a pan-Asian issue: inflation has recently surged in Indonesia (chilies), India (onions), and South Korea (cabbage and now beef as a result of foot-and-mouth disease). China, given its large absolute demand for so many agricultural products, will shape food prices across Asia.
A major second- or third-tier Chinese city will see demonstrations over food price rises, unemployment, or both, on a much larger scale than anything that has occurred in recent years. The demonstrators will probably be satisfied quickly by local action to increase financial support for them and to replace local-government leaders. Yet concerns over copycat actions elsewhere will lead to a nationwide preemptive program to support the urban unemployed.
Middle-class bankruptcies will expand dramatically. Buyers have aggressively bought multiple properties with every penny of free cash flow. All that is needed for a wave of bankruptcies is further interest rate rises (targeting inflation) that result in a blip down in house prices just as mortgage payments rise. We have seen this before across major cities in Asia. The government will probably decide that it cannot bail such people out, as that would be seen as rewarding recklessness among the haves at the expense of the have-nots. There is already significant noise on the Internet to the effect that government leaders are completely out of touch with the true cost of urban housing. These leaders must take material action to show that they are aligned with the hopes of people just getting on the real-estate ladder.
Minimum wages will rise, but productivity gains will outstrip labor costs. The profitability of industrial enterprises remained high at the end of 2010—indeed, higher, in many cases, than it had been a year earlier, despite the minimum-wage increases rolled out in 2010—and will probably remain high. Yet a government seeking to enhance its stature with lower-income workers will find that increasing minimum wages, perhaps by 15 to 20 percent, is an easy lever to pull. Once again, multinationals, especially Asian multinationals, will find themselves being monitored first for compliance. More broadly, 2011 is likely to see further increases in the number of complaints that blue-collar workers bring in the legal system against employers for failure to pay overtime and to give employees the required time off from work.
China’s economic growth will be lower than expected. The rollback of subsidies to consumers will, in 2011, lead to a slow start for consumption, which will never quite catch up during the year. In recent months, for example, automotive purchases accounted for 20 percent of consumption. With the rollback of subsidies, the imposition of quotas in Beijing (and probably other cities), and increased prices for license plates and parking, car sales are likely to plateau if not fall in 2011. This problem will be exacerbated by food price inflation, which will cause lower-income workers to cut back on nonfood and other discretionary expenditures.
China will step up its “invest out” program in the new five-year plan. The government may well seek to double the country’s cumulative outbound investment within the next five years. There will be resistance by governments in some countries (probably in Africa, Eastern Europe, and Latin America) where public opinion is not yet convinced that so much Chinese ownership of key assets is really attractive. This opposition will visibly upset China’s leaders, who may decide to sell the bonds of the reluctant governments and to increase the challenges that enterprises from these nations face in selling to Chinese state entities.
The state will again try to reduce its ownership role in business. If the government relaunches its program to sell off more of its stake in companies, domestic share prices will probably decline or at least remain flat. The program will also soak up much of the liquidity currently supporting Chinese IPOs, thus reducing the ability of entrepreneurs to cash out quickly through them. Also, private-equity firms that have been investing in pre-IPO growth stocks in China may hold on to these investments longer than planned.
Gordon Orr is a director in McKinsey’s Shanghai office.
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