segunda-feira, 16 de maio de 2011

Retaliacao brasileira ao protecionismo argentino: a pior politica - Richard Sylvestre

Uma argumentação econômica sobre a atual guerra comercial:

Retaliar com barreiras comerciais é um bom caminho?
Richard Sylvestre
Deposito de..., domingo, 15 de maio de 2011

Muitos “intervencionistas” não se assumem como tal, eles dizem que não defendem a priori, como um “mandamento moral”, a intervenção do estado na economia, são apenas pragmáticos que acreditam que em certas situações, a melhor maneira de lidar com um problema específico é chamando o governo, mas que não há razões para achar que este é superior ao mercado em todas as situações assim como o contrário não seria válido.

Eu costumo dizer que esse povo defende uma espécie de “governo robô”, que só existe na cabeça deles. É como se o governo tivesse um botão de “liga e desliga” que o defensor da intervenção aciona conforme a sua vontade. Se a intervenção é momentaneamente desejável segundo algum critério do sujeito, ele “liga” o governo para fazer exatamente aquilo que tem em mente. Quando o momento passa, o nosso intervencionista desliga o governo e tudo volta a ser como antes.

Um exemplo dessa visão está ocorrendo exatamente agora na pendenga comercial entre o governo brasileiro e o argentino. Como é sabido, aproveitando a tara por protecionismo com a oportunidade oferecida pelos portenhos, o governo brasileiro dificultou a importação de carros da Argentina. Já que não é de bom tom se dizer protecionista e nem afirmar que a medida é uma retaliação às barreiras protecionistas levantadas anteriormente pela Argentina, o governo brasileiro tratou de dizer que a medida serve apenas para monitorar melhor o fluxo comercial do setor automotivo. Se foi por “amores ao protecionismo” ou por retaliação nós não sabemos, mas certamente não foi pelo motivo alegado. Para os propósitos deste texto, vamos supor que o motivo foi o “menos pior” dentre os disponíveis: por retaliação. Vamos aceitar a hipótese altamente improvável de que o governo brasileiro está convencido das benesses do livre comércio, mas que está tentando conseguir da Argentina o fim (ou diminuição) de algumas barreiras e para isso “blefa” com protecionismo também.

Voltando a idéia do “governo robô” e assumindo a hipótese acima temos o seguinte quadro: sabemos que o melhor dos mundos seria Argentina e Brasil não terem barreiras protecionistas, mas a Argentina colocou barreiras, o que nos faz perder. Se o governo não intervier, nós ficaremos abertos e eles fechados. É um cenário melhor do que nos fecharmos também, mas é uma situação pior do que se eles estivessem abertos como nós, logo, podemos usar o governo para nos fecharmos temporariamente, causando perdas a eles de forma que se “rendam”, desistam dessa politica protecionista e se abram novamente e quando isso ocorrer o nosso governo sai de cena e abre a economia novamente. É o típico exemplo de intervenção “pragmática”, “pontual” que supostamente melhora a situação de maneira geral.

Milton Friedman, economista de Chicago, gostava de dizer que nada é mais eterno que órgãos estatais criados sob a alegação de alguma politica temporária. Ele falava do FMI (Fundo Monetário Internacional) que foi criado para “garantir” o funcionamento do tratado de Bretton Woods, mas que continua firme e forte 40 anos após o fim do dito tratado que lhe deu origem. No Brasil nós temos inúmeros exemplos da mesma tendência. Um fantástico é o do Banco do Brasil, criado por Dom João para “fomentar o desenvolvimento”, continua vivo até hoje, mesmo depois de ter sido criado o BNDES (outro banco que teria a mesma função), SUDENE, SUDAM e até a Caixa Econômica Federal (mais voltada a subsidiar o setor de construção civil)– ou seja, mais de um século depois e com várias estatais e órgãos destinados a fazer a mesma coisa (ou quase a mesma coisa), o Banco do Brasil continua firme.

O velho mestre de Chicago falou de órgãos, mas o mesmo pode ser dito de politicas públicas como subsídios, tarifas, impostos etc.. Em suma, o governo não é um robô que você liga e desliga a hora que bem entende e a razão é muito simples. Não existe incentivo para se “desativar” uma imensa gama de politicas econômicas. Peguemos como exemplo a idéia de retaliar barreiras protecionistas. Imagine que uma dada proteção beneficia um setor da economia em $10 e prejudique toda a massa de consumidores em $20 que terá que pagar mais caro pelos mesmos produtos ou por produtos de pior qualidade. Economicamente, portanto, ela seria uma tarifa ineficiente que gera destruição de riquezas. Mas, por outro lado, mesmo que ela destrua riquezas, ela também redistribui riquezas em uma direção que faz toda diferença e gera os incentivos para sua execução. Os $10 ganhos pelo setor protegido é um valor muito alto mesmo que você divida tal valor por todos os membros desse setor. Já os $20, mesmo sendo o dobro do valor no total, individualmente, dada a imensa massa de consumidores, não significará muita coisa. Logo, individualmente cada membro do setor a ser protegido tem um belo incentivo para fazer lobbies e pressão em prol das barreiras, já a massa de consumidores, individualmente, não tem o mesmo incentivo para lutar contra as mesmas. O resultado final, muito provavelmente, será a aplicação das barreiras.

Mais importante ainda para nossa discussão é a “retirada de uma barreira”. Assim como o incentivo é maior pelo lado de quem recebeu o subsídio na hora de criar a barreira (dado o valor que o subsídio representa individualmente), também será maior para quem se beneficia dele na hora de derrubar a mesma barreira. O setor que será “desprotegido” perderá muito individualmente, enquanto os consumidores (também individualmente) ganharão pouco. Mesmo que no agregado, o montante ganho pelos últimos seja maior que o perdido pelos primeiros, a politica tende a não sair porque o incentivo mais forte na produção de lobbies e pressão está com o primeiro grupo. Barreiras protecionistas, portanto, podem não ser tão “eternas” quanto os órgãos/estatais lembrados por Friedman, mas são bem resistentes. Aplicar novas barreiras, mesmo que seja como retaliação, temporárias etc.. é brincar com fogo. Depois de criadas, a derrubada das mesmas não é tão simples como os defensores parecem acreditar.

Para complicar nada garante que uma nova barreira terá como resposta do “outro lado”, menos barreiras. Assim como A retaliou criando uma barreira, B pode responder do mesmo jeito, aumentando as suas barreiras. O resultado final será ambos os países fechados e com uma montanha de barreiras comerciais para serem derrubadas (o que como já foi explicado não é tão simples). Governos não são deuses fora de qualquer influência e incentivos, que são acionados ou desligados conforme a vontade de um “planejador central” ou de algum intelectual. Eles são formados e influenciados por pessoas iguais a quaisquer outras. Assim como uma empresa de sorvete fabrica os sabores que os demandantes mais estão dispostos a pagar, o governo também produzirá leis e regulamentos conforme a demanda daqueles que mais caro estão dispostos a “pagar”. E dada a natureza de um governo (de dispor sobre a propriedade de todos), infelizmente, na maior parte dos casos, sempre o lado que demanda algum privilégio, algum subsidio terá essa disposição a pagar mais e acabará levando a regulamentação.

Mesmo assumindo que a politica do governo brasileiro foi de retaliação (e não uma deliberada escolha pelo protecionismo), se trata de uma péssima politica. Se um país está se fechando, podemos até tentar convencê-lo do contrário, mas em termos de politica comercial o melhor que podemos fazer é nos abrirmos ainda mais, ou, se já tivermos tarifas zero, não fazer nada. Dadas as circunstâncias é a politica que gera o maior ganho. Cair na estratégia de retaliação só aumenta o prejuízo. O resultado mais provável é que não consigamos abrir o país que se fechou (até porque ele se fecha pelos mesmos incentivos perversos descritos anteriormente) e ainda temos as nossas próprias barreiras para tentar derrubar depois.

domingo, 15 de maio de 2011

Nem os professores ajudam a escola publica (estragam as privadas tambem)

Parece incrível, mas eu começo a acreditar na teoria conspiratória.
Acredito que haja um pacto perverso entre professores imbecilizados, pedagogas do MEC, dirigentes políticos "inguinorantes" e sindicalistas quadrúpedes em prol do afundamento definitivo dos padrões de qualidade (como se eles fossem muito altos) da escola brasileira.
Só pode ser por isso: todos eles complotaram para mediocrizar ainda mais nosso ensino, conservar nossas crianças na ignorância original e manter os pobres na pobreza.
Se as escolas privadas passarem a adotar os livros recomendados pelo MEC, estaremos caminhando um passo mais no pântano da estupidez fenômenal que já grassa em outros meios oficiais.
Só posso chegar a essa conclusão.
Eu era muito desconfiado dessas teorias conspiratórias, pois achava (ingenuamente como se vê), que as pessoas sempre visam mais alto do que sei nível rastaquera, e que sempre se procurava aperfeiçoar o que era precário, sofisticar o que era rústico, elevar o nível geral da galera.
Eu estava errado, como se vê: a conspiração não é uma teoria. É um fato...
Paulo Roberto de Almeida

Os livro mais interessante estão emprestado
Augusto Nunes
Blog da Veja, 13/05/2011

"A menção a leituras informa que a frase reproduzida no título do post não foi pinçada de alguma discurseira de Lula. Mas os autores do livro didático “Por uma vida melhor”, chancelado pelo MEC, decerto se inspiraram na oratória indigente do Exterminador do Plural para a escolha de exemplos que ajudem a ensinar aos alunos do curso fundamental que o s no fim das palavras é tão dispensável quanto um apêndice supurado. O certo é falar errado, sustenta o papelório inverossímil.

A lição que convida ao extermínio da sinuosa consoante é um dos muitos momentos cafajestes dessa abjeta louvação da “norma popular da língua portuguesa”. Não é preciso aplicar a norma culta a concordâncias, aprendem os estudantes, porque “o fato de haver a palavra os (plural) já indica que se trata de mais de um livro”. Assim, continuam os exemplos, merece nota 10 quem achar que “nós pega o peixe”. E só podem espantar-se com um medonho “Os menino pega o peixe” os elitistas incorrigíveis.

“Muita gente diz o que se deve e o que não se deve falar e escrever tomando as regras estabelecidas para norma culta como padrão de correção de todas as formas linguísticas”, lamenta um trecho da obra. Por isso, o estudante que fala errado com bastante fluência “corre o risco de ser vítima de preconceito linguístico”. A isso foram reduzidos pelo Brasil de Lula e Dilma os professores que efetivamente educam: não passam de “preconceituosos linguísticos”.

“Não queremos ensinar errado, mas deixar claro que cada linguagem é adequada para uma situação”, alega Heloísa Ramos, uma das autoras da afronta. Em nota oficial, o MEC assumiu sem rubores a condição de cúmplice. “O papel da escola”, avisam os acólitos de Fernando Haddad, ” não é só o de ensinar a forma culta da língua, mas também o de combater o preconceito contra os alunos que falam linguagem popular”.

A professora Heloísa sentiu-se ofendida com a perplexidade provocada pelo assassinato a sangue frio da gramática, da ortografia e da lucidez. “Não há irresponsabilidade de nossa parte”, garantiu. Há muito mais que isso. Há um crime hediondo contra a educação que merece tal nome, consumado com requintes de cinismo e arrogância. O Brasil vem afundando há oito anos num oceano de estupidez. Mas é a primeira vez que o governo se atreve a usar uma obra supostamente didática para difundi-la.

Poucas manifestações de elitismo são tão perversas quanto conceder aos brasileiros desvalidos o direito de nada aprender até a morte, advertiu o post reproduzido na seção Vale Reprise. As lições de idiotia endossadas pelo MEC prorrogaram o prazo de validade do título: a celebração da ignorância é um insulto aos pobres que estudam.

A Era da Mediocridade já foi longe demais.

O chefe está tão empolgado com a Copa que nem lembrou que o governo termina em 2014 e já começou a procurar interessados no orçamento da Olimpíada de 2016″, contou um dos 325 assessores de Orlando Silva durante o lançamento da candidatura do ministro do Esporte ao título de Homem sem Visão de Maio. “Tudo sem licitação, sem limite para a gastança e sem fiscal do TCU dando incerta. Ele diz que é um grande negócio. Pra ele e pro Brasil. Nessa ordem”.

Na disputa por enxergar na Copa as vantagens que ninguém viu, e por fechar contratos que ninguém vê, Orlando Silva está convencido de que vai conseguir ao menos uma medalha. “O barato dele é aparecer no pódio”, revelou outro assessor. “Quando ouve o Hino Nacional, pensa em dinheiro e chora”.

Também nesta terça-feira, entrou oficialmente no páreo um genuíno peso-pesado: Nelson Jobim. Fantasiado de almirante da reserva, Jobim das Selvas fez a primeira aparição pública carregando a mala que guarda uma farda de brigadeiro da ativa e 437 medalhas. “O chefe ainda não decidiu se vai condecorar o José Dirceu ou o Marcos Valério”, revelou um dos 213 assessores do ministro. “Ele acha que maio é seu mês de sorte e jura que desta vez não vai morrer na praia”.

Tirem as crianças da sala, leitores-eleitores! A eleição de maio pegou fogo! É briga de foice no escuro! Quem será o vencedor? Ou vencedora? Que vença o pior!"

Nem as "classes populares" aguentam a escola publica

Para quem acha que a solução é a escola pública, vale a leitura desta materia.
A solução SERIA a escola pública, desde que de qualidade.
Como continua a piorar, até os "pobres" (ou a nova classe média) vai para a solução privada...
Paulo Roberto de Almeida

Emergentes, famílias das classes D e E investem em escola particular
Ocimara Balmant
O Estado de S.Paulo, 5 de maio de 2011

Com mensalidades mais baixas que um curso de inglês em uma escola de classe média paulistana, colégios atraem pais que buscam segurança e um ensino melhor que o da rede pública; há instituições que adotam material apostilado de sistemas tradicionais

Longe da rede pública. Gecielle Santos, de 6 anos, aluna do 1º ano do ensino fundamental, observa parquinho da Escola Oliveira Ferreira, em Perus
No sobrado alugado, a aula de jazz acontece na garagem. A quadra foi construída no quintal, onde ficavam os pés de frutas. Nos quartos, uns maiores e outros bem pequenos, funcionam as salas de aula. Essa é a escola Oliveira Ferreira, em Perus, a 30 quilômetros do centro de São Paulo.

A mensalidade do 1.º ano do ensino fundamental custa R$ 190, mais baixa do que um curso de inglês em um bairro paulistano de classe média, mas do tamanho que cabe no bolso dos moradores da região. Uma clientela que inclui filhos de faxineiras e frentistas.

Depois da ascensão da classe C, é a vez da D investir na escola particular. Pesquisa recente do Ibope Inteligência mostra que as classes D e E representam hoje 1,6% nas estatísticas de gastos com educação no País. Uma outra tabulação, do Instituto Data Popular, especializado em baixa renda, mostra que 21% dos estudantes dos ensinos fundamental e médio da rede privada pertencem às classes D e E.

É o caso de Gecielle Santos, de 6 anos, aluna do 1.º ano. Filha de empregada doméstica e coletor de lixo, é a primeira da família a estudar em uma escola paga (veja depoimento nesta página).

"A média de preços na periferia é de R$ 300. Esse novo público mora na periferia da periferia e começa a ter a educação como o grande sonho de consumo", explica Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino no Estado de São Paulo (Sieeesp). Ele estima que a taxa de inadimplência é a mesma de bairros ricos: 7%.

O esforço financeiro obedece a diversas razões: a preocupação com a segurança, a ideia de que o ensino será melhor e, em alguns casos, a falta de vagas em escolas públicas. "A questão da segurança é a principal. O pai pensa: "Lá meu filho não vai sofrer esse tal de bullying, não vai usar drogas"", diz Renato Meirelles, diretor do Data Popular. "Quanto ao ensino, mesmo com dificuldade de avaliar se é bom ou ruim, os pais acreditam que é melhor."

Uma volta pela cidade confirma a demanda. Assim como em Perus, escolas de bairros da extrema zona sul, como Valo Velho, e da zona leste, como São Mateus, funcionam no mesmo modelo: com mensalidades menores que R$ 200, instaladas em prédios improvisados e crescendo conforme os alunos são promovidos de série. A escola de Perus, por exemplo, oferece até o 6.º ano. Em 2012 vai oferecer o 7.º, para não perder os alunos.

Nesses colégios, o salário dos professores é padrão. Paga-se o piso da categoria: R$ 845 por meio período. "Tenho professores formados, mas também dou oportunidade para quem tem o magistério e está na faculdade", diz Lidiane Gonçalves Candeias, diretora e proprietária da Escola Crescer, que fica no Valo Velho.

Apostilas. No colégio, que tem 160 alunos, a mensalidade do 1.º ano custa R$ 158 e a diretora se orgulha de poder usar o material do Sistema Objetivo. Na primeira tentativa, assim que adquiriu o colégio, em 2007, Lidiane não conseguiu o credenciamento por problemas de estrutura. Após algumas reformas, veio o aval: "Aqui, nos Jardins ou em Alphaville, é tudo a mesma coisa. Temos o mesmo material e os professores recebem o mesmo treinamento do sistema".

No prédio alugado, de três pavimentos de escadaria, Lidiane tem feito melhorias pontuais: instalou câmeras em todas as salas de aula e, em breve, vai inaugurar a brinquedoteca e a cantina. "Mesmo sabendo que o filho está seguro dentro dos nossos portões, o pai quer acompanhar. Muitos não têm internet em casa, mas veem o filho pelo computador do trabalho."

Concorrência. Além do olhar para dentro das grades bem trancadas, os donos precisam estar atentos à vizinhança. "A concorrência é cruel. Pegam meu aluno na rua, perguntam quanto ele paga e oferecem mensalidade menor. Até professores e funcionários são aliciados", diz Lidiane.

É a mesma preocupação que acomete André de Araújo Mendes, coordenador da colégio Limiar, na região de São Mateus, zona leste. A escola existe há 16 anos e tem visto a concorrência crescer. Com espaço para 130 alunos, está com 80 neste ano. Resultado da formatura dos estudantes do 9.º ano e da vizinhança esperta. "Nosso prédio não impressiona. Há pais que veem outro, com a fachada mais bonita, e acaba escolhendo."

Como é difícil baratear ainda mais a mensalidade (R$ 180 para o 1.º ano do fundamental), a escola quer trocar o material do sistema Universitário por um próprio. "Não temos margem nenhuma na mensalidade. Então, tentaremos diminuir o preço do material didático para não perder alunos e conquistar outros."

Governo totalitario se apropria de tudo...

Este é o nosso destino, se deixarmos...

Supremacia
Dora Kramer
O Estado de S.Paulo, 15 de maio de 2011

O governo já conseguiu fazer com que o valor do salário mínimo seja estabelecido anualmente por decreto, pondo fim ao debate de todos os anos no Congresso.

Agora, na proposta do novo Código Florestal, quer estabelecer que as permissões de plantio em área de preservação permanente nas margens dos rios sejam também decididas por decreto.

Para as obras necessárias à realização da Copa o Mundo de 2014, tenta aprovar uma legislação específica para fugir dos rigores da Lei de Licitações, alegando urgência depois de ter tido quatro anos desde a indicação do Brasil para dar início aos trabalhos pelo processo normal.

O controle dito "social" dos meios de comunicação só poderá ser considerado fora da agenda, como prometeu a presidente Dilma Rousseff, depois de divulgado o texto do projeto de regulação em exame no Ministério das Comunicações.

Já cooptou os movimentos sociais, desmontou a autonomia das agências reguladoras, manda na maioria dos partidos (cuidadosamente desmoralizados), influencia na redistribuição de forças dissidentes do campo adversário, estimula as lideranças que lhe parecem mais convenientes na oposição, trabalha para adaptar a reforma política aos seus interesses (por que Lula cuidaria pessoalmente do assunto?) e por aí vão os exemplos.

São fatos, não visões de fantasmas ao meio-dia.

O governo caminha, devagar e no uso dos instrumentos disponíveis na democracia, para conquistar o controle das instituições construindo uma hegemonia político, social, legislativa, cultural e mais o que puder açambarcar até consolidar-se na posição de suprema instância de decisão.

Faz isso nas barbas de uma sociedade inerte e de uma oposição cúmplice que parecem ter dificuldades para decodificar sinais e ligar os pontos.

O avanço do Executivo sobre as instituições é esperto, pois não se dá a partir de um projeto explícita e assumidamente autoritário: acontece de maneira sub-reptícia, por meio de movimentos isolados que, no entanto, têm sempre como pano de fundo o objetivo da dominação, da prevalência absoluta de uma força política sobre as demais.

A aparência é democrática, mas a intenção é francamente impositiva, considerando-se que não se vê um só gesto plural, que aceite o contraditório como algo natural. Só o pensamento alinhado ao governismo é tido como democrático e a divergência, tachada de antipatriótica, "perdedora", indigna de atenção.

O raciocínio segundo o qual quem ganhou as eleições é quem tem razão está disseminado em todos os setores: na política, no mundo dos negócios, na sociedade e, um pouco menos, também na imprensa.

A discussão e as tentativas de votação do novo Código Florestal encerram demonstrações de sobra a respeito do acima exposto: o governo não tem maioria para aprovar o ponto que para ele é crucial - o poder de mando discricionário sobre as áreas de proteção - e, no lugar de compor, procura impor. É a lógica de sua atuação.

Não há crise na base. O que existe são interesses conflitantes que permeiam todas as bancadas no tema específico do uso produtivo da terra e da preservação ambiental.

O impasse se dá justamente porque o governo não administra divergências. Simplesmente quer vê-las extintas.

Mal parado. Em um ambiente que se pretendesse decente, a acusação do deputado Aldo Rebelo ao marido da ex-senadora Marina Silva - "contrabandista de madeira" -, seguida da confissão de que como líder do governo ajudou a abafar o caso, não poderia terminar com o dito pelo não dito.

Mas, como a conjuntura não se pretende decente, prevalecerá o deixa-disso.

Resumo da ópera. Em entrevista ao jornal Valor, o governador de Pernambuco, Eduardo Campos, resumiu no que consiste o poder de atração do PSD: "O conjunto de forças que sempre esteve no governo, ao cabo de oito anos fora dele, resolveu mudar para ser o que sempre foi: base de governo"

Mafias sindicais e partidarias: nossos gafanhotos compulsorios...

A privatização cotidiana
Rolf Kuntz
Blog do Estadão, 11 de maio de 2011

O brasileiro terá subido um degrau na vida quando for somente esfolado por um Fisco voraz para sustentar governos incompetentes e perdulários. Sua situação, neste momento, é pior que essa. Ele é espoliado também para sustentar os interesses privados de partidos políticos, parlamentares, aliados do governo e uma porção de lucrativas entidades – fajutas ou não – oficialmente descritas como sem fins lucrativos. Mas não há sinal de upgrade. Por enquanto, o mais provável é o destino oposto, porque é quase certa a oficialização do financiamento público de campanhas. Com isso, a política brasileira continuará tão indecente quanto é hoje e o nariz de palhaço do contribuinte ficará mais ostensivo.

O Fundo Partidário distribuirá este ano R$ 301,5 milhões. Desse total, R$ 265,3 milhões correspondem à dotação orçamentária básica. O resto provém de multas cobradas pela Justiça Eleitoral e destinadas aos partidos, como determina a Lei n.º 9.096, de setembro de 1995. A dotação básica foi inflada com R$ 100 milhões, em janeiro, em manobra da Comissão Mista de Orçamento. Esse acréscimo servirá para cobrir dívidas de campanha do ano passado. A história pode ser escandalosa e, segundo o Estado, a presidente Dilma Rousseff chegou a examinar a possibilidade de um veto e foi dissuadida por auxiliares. Mas a manobra de socorro aos partidos endividados foi facilitada por uma aberração legal, o Fundo Partidário.

Não há justificativa política ou moral para a obrigação, impingida ao contribuinte, de financiar partidos, entidades privadas. Não se trata, nesse caso, de subsídios ou auxílios concedidos com base em considerações de interesse estratégico ou destinados a sustentar serviços essenciais, como aqueles prestados pelas Santas Casas. Falar em promoção da democracia para defender essa mamata é abusar das palavras.

Partidos políticos são legalmente definidos como pessoas jurídicas de direito privado. Cidadãos podem criá-los, fundi-los e extingui-los livremente, segundo o artigo 17 da Constituição Federal. Mas, segundo o mesmo artigo, os partidos “têm direito a recursos do Fundo Partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei”.

A garantia de dinheiro público a entidades privadas – e vinculadas à defesa de interesses corporativos, econômicos, ideológicos etc. – é uma das aberrações abrigadas na Constituição Federal. Algumas, como a limitação dos juros, no artigo 192, foram corrigidas. Outras, como a divisibilidade dos juízes, implícita no artigo 106, permanecem no texto. Segundo esse artigo, “os Tribunais Regionais Federais compõem-se de, no mínimo, sete juízes”, sendo um quinto recrutado dentre advogados com mais de dez anos de efetiva atividade, etc. Um quinto de 7 é 1,4.

Muito mais importante que essa curiosidade anatômico-aritmética é a confusão entre o público e o privado. A presença dessa geleia política na Constituição não deve ser casual. É característica da história brasileira e manifesta-se na rotina das instituições e dos organismos públicos. As chamadas “verbas compensatórias” servem a interesses particulares de senadores e deputados. São usadas, por exemplo, para o custeio de escritórios e de seus contatos com as bases eleitorais. Por que diabos deve o contribuinte financiar a carreira política de cada parlamentar? Por que não deixar cada um cuidar de suas despesas, com recursos próprios ou, talvez, com auxílio de seus aliados ou de seu partido? Esse custo lançado na conta do pagador de impostos é simplesmente mais um abuso, cometido, como tantos outros, em nome da democracia.

Sindicatos também são entidades privadas e representam interesses privados. Mas são beneficiados pelo imposto sindical, agora dividido também com as centrais, graças ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Pode-se até discutir se o imposto sindical tem algum sentido, mas o uso desse tributo, no Brasil, tem servido principalmente para alimentar distorções na organização trabalhista e para sustentar um peleguismo cada vez mais escancarado. É, novamente, dinheiro cobrado compulsoriamente e usado para distribuir benefícios a particulares – incluídos os grupos políticos aliados aos pelegos.

O empreguismo e a distribuição de postos a aliados são formas tradicionais de privatização não declarada. Seu uso se acentuou nos últimos oito anos. A novidade recente é a disputa entre o PT e os partidos da base, motivada pelo apetite excepcional exibido neste ano pelos petistas.

Pulverizar verbas orçamentárias por meio de emendas para atender a interesses eleitorais e beneficiar entidades amigas – e às vezes fraudulentas – é prática tradicional. Também nesse caso as atenções de suas excelências passam longe do interesse público. Diante de todos esses fatos, a manobra para pagar as dívidas de campanha é quase rotineira.

Abaixo o doutoramento (nos EUA, por enquanto) - Mark Taylor (Nature)

Por aqui ninguém ainda se revoltou contra o teatro dos doutoramentos. Se pensa baixo, e se fala menos ainda. Um dia o debate chega aqui. Mas vai demorar mais uns 30 anos, por baixo...
Por enquanto fiquem com um debate americano...


Column: World View
Reform the PhD system or close it down
Mark Taylor
Nature 472, 261 (2011), online 20 April 2011 (doi:10.1038/472261a)

There are too many doctoral programmes, producing too many PhDs for the job market. Shut some and change the rest.

The system of PhD education in the United States and many other countries is broken and unsustainable, and needs to be reconceived. In many fields, it creates only a cruel fantasy of future employment that promotes the self-interest of faculty members at the expense of students. The reality is that there are very few jobs for people who might have spent up to 12 years on their degrees.

Most doctoral-education programmes conform to a model defined in European universities during the Middle Ages, in which education is a process of cloning that trains students to do what their mentors do. The clones now vastly outnumber their mentors. The academic job market collapsed in the 1970s, yet universities have not adjusted their admissions policies, because they need graduate students to work in laboratories and as teaching assistants. But once those students finish their education, there are no academic jobs for them.

“Most doctoral programmes conform to a model defined in the middle ages.”
Universities face growing financial challenges. Most in the United States, for example, have not recovered from losses incurred on investments during the financial fiasco of 2008, and they probably never will. State and federal support is also collapsing, so institutions cannot afford to support as many programmes. There could be an upside to these unfortunate developments: growing competition for dwindling public and private resources might force universities to change their approach to PhD education, even if they do not want to.

There are two responsible courses of action: either radically reform doctoral programmes or shut them down.

The necessary changes are both curricular and institutional. One reason that many doctoral programmes do not adequately serve students is that they are overly specialized, with curricula fragmented and increasingly irrelevant to the world beyond academia. Expertise, of course, is essential to the advancement of knowledge and to society. But in far too many cases, specialization has led to areas of research so narrow that they are of interest only to other people working in the same fields, subfields or sub-subfields. Many researchers struggle to talk to colleagues in the same department, and communication across departments and disciplines can be impossible.

If doctoral education is to remain viable in the twenty-first century, universities must tear down the walls that separate fields, and establish programmes that nourish cross-disciplinary investigation and communication. They must design curricula that focus on solving practical problems, such as providing clean water to a growing population. Unfortunately, significant change is unlikely to come from faculty members, who all too often remain committed to traditional approaches. Students, administrators, trustees and even people from the public and private sectors must create pressure for reform. It is important to realize that problems will never be solved as long as each institution continues to act independently. The difficulties are systemic and must be addressed comprehensively and cooperatively. Prestige is measured both within and beyond institutions by the number and purported strength of a department's doctoral programmes, so, seeking competitive advantage and financial gain from alliances with the private sector, universities continue to create them. As is detailed on page 276, that has led most fields to produce too many PhDs for too long.

The solution is to eliminate programmes that are inadequate or redundant. The difficult decisions should be made by administrators, in consultation with faculty members at their own and other universities, as well as interested, informed and responsible representatives beyond the academic community who have a vested interest in effective doctoral education. To facilitate change, universities should move away from excessive competition fuelled by pernicious rating systems, and develop structures and procedures that foster cooperation. This would enable them to share faculty members, students and resources, and to efficiently increase educational opportunities. Institutions wouldn't need a department in every field, and could outsource some subjects. Teleconferencing and the Internet mean that cooperation is no longer limited by physical proximity.

Consortia could contain a core faculty drawn from the home department, and a rotating group of faculty members from other institutions. This would reduce both the number of graduate programmes and the number of faculty members. Students would have access to more academic staff with more diverse expertise in a wider range of fields and subfields. Faculty members will resist, but financial realities make a reduced number of posts inevitable.

Higher education in the United States has long been the envy of the world, but that is changing. The technologies that have transformed financial markets and the publishing, news and entertainment industries are now disrupting the education system. In the coming years, growing global competition for the multibillion-dollar education market will increase the pressure on US universities, just when public and private funding is decreasing. Although significant change is necessary at every level of higher education, it must start at the top, with total reform of PhD programmes in almost every field. The future of our children, our country and, indeed, the world depends on how well we meet this challenge.

Mark C. Taylor is chair of the department of religion at Columbia University in New York and the author of Crisis on Campus: A Bold Plan for Reforming Our Colleges and Universities (Knopf, 2010). e-mail:mct22@columbia.edu

A mediocrizacao academica - eu e Janer Cristaldo (com razao)

Sou um acadêmico, eu sei, vocês sabem, ademais de ser também funcionário público federal da carreira do Serviço Exterior Brasileiro, mais exatamente diplomata, como se diz comumente.
Não sei em qual profissão eu me divirto mais, sou mais anarquista, ou ganho mais. Não importa. Olho as duas com olhar crítico. E acho que mereço os dois salários que ganho, pois como todos sabem, eu trabalho, produzo (supostamente coisas úteis à sociedade), mostro o que produzo, e me submeto a avaliações (dos chefes, dos alunos, dos pares, da sociedade, todos podem ler, ou não, o que escrevo, comprar meus livros publicados, enfim, me julgar de modo aberto, alguns até anonimamente, aqui mesmo neste blog até agora gratuito).
Não é de hoje que eu digo que a universidade vai para o brejo, que ela está decadente, que o ensino é medíocre, enfim, o que constato, visualmente, diretamente.
Claro, não pretendo ofender os colegas, chamando-os de medíocres ou preguiçosos, tanto porque escolho me relacionar com pessoas produtivas, inteligentes, dedicadas e honestas intelectualmente. Sinto muito, mas não consigo me relacionar com "maus-caráteres", desonestos, fraudadores. Esses eu simplesmente deixo de lado. Mas eu os encontro, aqui e ali: numa palestra (ou numa arenga), num artigo entregue para revisão e publicação (e quando chega para meu parecer sou apenas rigoroso), pelo que leio por aí, nesses jornalecos medíocres, nesses blogs alimentados com o dinheiro público.
Pois bem, o Janer Cristaldo é um provocador (como eu), embora ele seja muito mais anarquista do que eu. Ele não tem nenhum respeito pelos poderes constituídos (nem eu, mas preciso manter as aparências, por enquanto).
Ele não só critica as universidades (em geral, e as brasileiras em particular), no que acho que ele faz muito bem, mas ele critica a instituição do doutoramento. Concordo em grande medida com ele: tem muito teatro nessa coisa e muita embromação. Mas não ouso criticar sem oferecer uma solução alternativa. Não tenho ainda um substituto. Mas concordo em que as universidades estão defasadas e precisam se reformar, se modernizar, se transformar completamente...
Seguem três posts do Janer sobre um dos muitos motivos da decadência acadêmica
Paulo Roberto de Almeida

A ARMADILHA DOS DOUTORADOS
Janer Cristaldo
Blog do Janer, Quarta-feira, Maio 11, 2011

Em 2005, a Capes previa investir R$ 3,26 bilhões para aumentar o número de doutores por ano no Brasil. O Plano Nacional de Pós-Graduação apresentado ao então ministro da Educação, Tarso Genro, propunha a aplicação nos seis anos seguintes de R$ 1,66 bilhão a mais em bolsas e fomento de pós-graduação, o que permitiria passar dos 8.000 doutores titulados por ano para 16 mil em 2010. O plano “será acolhido integralmente", disse Genro na ocasião.

Se foi acolhido integralmente, não sei. Na época, falei da desmoralização do título de Doutor que, entre nós, se deve à universidade brasileira, ao distribuir doutorados a torto e a direito, como quem joga milho aos porcos. Não faltou quem protestasse. Que quem jogava milho aos porcos era a universidade francesa, com seus diversos doutorados, o Dr. Ingénieur, o Doctorat d’Université, o Doctorat de IIIe Cycle e o famigerado Doctorat d’État. Pode ser.

O missivista considerava que o único doutorado francês válido seria o Doctorat d’État. “Um doutorado na França é conhecido por doctorat d’Estat (sic!) e esse sim é equivalente o doutorado no Brasil. Lá existem vários tipos de doutorado, a maioria pode ser realizada em no máximo dois anos, à exceção do doctorat d’Estat (resic!), cuja duração é equivalente aos dos outros países – uns cinco anos. Quase todos os nossos intelectuais de esquerda fizeram um curso Troisiéme Cycle na França e se dizem doutores".

O ilustre especialista em doutorados – que escreveu sob pseudônimo – sequer sabia redigir corretamente a designação do título. Também ignorava que o Doctorat de IIIe Cycle se faz em quatro – eventualmente cinco – anos e que o famigerado doctorat d’Estat, como ele grafava , era feito em dez ou mais anos. O Doctorat de IIIe Cycle sempre foi reconhecido como doutorado em todos os países europeus. O d’État era tido como mais uma bizarrice dos galos.

Distorção da universidade francesa, servia como placebo ao desemprego, ao mesmo tempo que mantinha o doutorando afastado por uma boa década do mercado de trabalho. O candidato ao título desenvolvia teses monumentais, às vezes de quatro ou cinco volumes, que nem mesmo a banca julgadora lia na totalidade. Tais calhamaços ficavam entregues às traças e à poeira nas bibliotecas e a universidade francesa sequer percebia que delas poderia tirar algum lucro. Exportando para a Holanda, por exemplo, para fazer diques. O governo Mitterrand tomou consciência desta perversão acadêmica e a extinguiu. Agora existe apenas Doctorat, tout court.

Há horas venho afirmando que os doutorados são uma solene inutilidade. Ou melhor, uma armadilha acadêmica. Você faz um curso universitário e desemboca no desemprego. Para capear a adversidade, você se inscreve em mestrado. Mais quatro anos afastado do mercado de trabalho. Conclui o mestrado e de novo vê o breu pela frente. Seu professor, que precisa de doutorandos para cumprir sua carga horária enquanto folga em casa ou no Exterior, o convida para um doutorado. Você aceita, afinal está desempregado e a bolsa não é de se jogar fora. Mais quatro ou cinco anos fora do mercado.

Quando você vai ver, tem mais de trinta anos e nunca teve carteira de trabalho assinada. Em um país onde se tende a considerar que uma pessoa com 35 anos já é idosa, ou você tem pistolão na guilda e entra no magistério – para que a poleia sem fim dos doutorados continue rodando – ou vai talvez dirigir um táxi ou ser corretor de imóveis. Afinal, comer é preciso.

Isso sem falar no que chamei de mestrandos carecas. Entre as muitas anomalias da universidade brasileira estão os mestrandos quarentões. Aquela iniciação à pesquisa, pela qual o candidato deveria optar tão logo terminasse o curso superior, é adiada para uma idade em que do acadêmico já se espera obra consolidada. Pior mesmo, só os doutorados de terceira idade. Marmanjos de cinqüenta e mais anos, em idade de aposentar-se, postulando um título que só vai servir para pendurar junto com as chuteiras.

Mestrado não é para carecas. Já um doutorando, este deveria defender sua tese no máximo aos trinta e poucos, para que sua experiência em pesquisa possa ser útil ao ensino e à sociedade. Que mais não seja, é patético ver um homem já maduro humilhando-se, ao tentar iniciar-se em metodologias que devia desde jovem dominar. Isso sem falar em métodos que não passam de masturbação acadêmica, como ocorre na área das ditas Humanas. Na universidade brasileira, o doutorado nem sempre é visto como início de uma carreira, mas como louro a coroar a calva do acadêmico quando este está prestes a usar pijamas. Quem paga tais vaidades senis? Como sempre, o contribuinte.

Pelo jeito, os acadêmicos começam a se dar conta desta catástrofe. Acabo de receber artigo de Mark C. Taylor, presidente do departamento de religião da Universidade de Columbia em Nova York e autor de Crise no Campus: um plano arrojado para reforma das nossas Faculdades e Universidades (Knopf, 2010). Em seu ensaio, o professor considera que o sistema de doutorado nos Estados Unidos e em muitos outros países é insustentável e precisa de ser remodelado. Em muitos campos, ele cria apenas uma fantasia cruel de um futuro emprego, que promove o auto-interesse dos membros do corpo docente, em detrimento dos estudantes. A realidade é que existem poucos empregos para as pessoas que gastaram até doze anos em sua formação.

“A maioria dos programas de educação-doutoramento está em conformidade com um modelo definido nas universidades européias durante a Idade Média, em que a educação era um processo de clonagem, que treinava os estudantes para fazer o que os seus mentores faziam. Os clones já ultrapassam o número de seus mentores. O mercado de trabalho acadêmico entrou em colapso em 1970 e as universidades ainda não se ajustaram as suas políticas de admissão, porque precisam de estudantes de pós-graduação para trabalhar nos laboratórios e como assistentes de ensino. Mas uma vez que os alunos terminam o ensino, não existem trabalhos acadêmicos para eles.

Para o professor Taylor, só há duas saídas: reformar radicalmente os programas de doutoramento ou fechá-los. “A especialização levou a áreas de investigação tão estreitas que são de interesse apenas para outras pessoas que trabalham nos mesmos domínios, subcampos ou sub-subcampos. Muitos pesquisadores lutam para conversar com colegas do mesmo departamento, e comunicação entre departamentos e disciplinas podem ser impossíveis".

A bicicleta precisa continuar rodando. Milhões de teses no mundo todo, que já não cabem nas bibliotecas oficiais, precisam de anexos para serem guardadas. Guardadas para quê? Para juntar pó. Uma tese é algo que sai caro ao Estado. É preciso subsidiar os graduandos e os professores que os orientam. Deveria ter retorno aos contribuintes que, no fundo, são quem as financiam. Você já viu alguma tese publicada? Às vezes encontramos alguma, mas precisamos pagar por ela. O doutor recebe para redigi-la e depois cobra de novo para que seja lida.

Se o Brasil eliminasse hoje seus cursos de doutorado, não me parece que perderíamos grande coisa. (Vou mais longe: cursos de Letras, Filosofia ou Sociologia não fazem falta alguma). Os professores americanos parecem estar despertando para o problema. Como o Brasil adora importar modas ianques, seria salutar que esta postura chegasse até nós.

Mas não vai chegar. O Brasil prefere importar rock, blockbusters e outras mediocridades do Primeiro Mundo. Do melhor que acontece lá, Pindorama só quer distância.

PS – O artigo do professor Mark Taylor pode ser lido na íntegra em http://www.nature.com/news/2011/110420/full/472261a.html

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AINDA OS DOUTORADOS
Janer Cristaldo, 13 de maio de 2011

De uma boa amiga que está concluindo seu doutorado em Letras na USP, recebo:

Oi, Janer
Lendo seu texto, concordo com a avaliação feita. Os alunos são enviados por inércia ao doutorado por não enxergarem muitas perspectivas (no caso das ciências humanas) no mercado de trabalho, principalmente o acadêmico. E, para sobreviver, aceitam passar mais quatro anos na vida de bolsista. Ocorre que desde 2007 vige uma portaria da CAPES a respeito da publicação de teses e dissertações que obriga o ex-aluno a disponibilizar integralmente o conteúdo de seu trabalho na internet, no banco de dados das universidades brasileiras. Portanto, qualquer pessoa pode ter acesso em um clique. Eu só me pergunto sobre os direitos autorais nesse caso. Existem? - na medida em que o autor é obrigado a cumprir tal medida - embora na lei de 1998 exista um artigo a respeito de que trabalhos financiados pelo Estado não pertencem a ele por conseqüência. Qual sua opinião?

Bom, Aninha,

essa portaria de 2007 é uma boa notícia. Mas tem gente que não vai gostar. Em Florianópolis, nos anos 70, houve um incêndio numa sala da Reitoria, justo aquela em que estavam depositadas as teses. Alguns professores me confessaram que adoraram o incêndio, pois tinham vergonha do próprio trabalho. Quanto a direitos autorais, acho que o autor deveria renunciar a eles. Afinal, foi pago pelo contribuinte. Que devolva, então, gratuitamente, o que lhe foi financiado.

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Esta do Janer é mais forte:

SOBRE TESES E PAPEL HIGIÊNICO
Janer Cristaldo, Sexta-feira, Maio 13, 2011

Do Vanderlei Vaselesk, meu fiel leitor, recebo uma resposta a meu artigo sobre os doutorados, postada em algum fórum da Internet.

Gente,
Esse cara é ultraconservador no pior dos sentidos. O cara propõe praticamente o fechamento dos doutorados e a extinção de determinados saberes tais como Letras, Filosofia e Sociologia. Acho que ele deve ter nascido de chocadeira últra-moderna com a idade que ele tem, pois creio que não deve ter tido um(a) professor(a) de língua portuguesa ou, então, deve ter sido reprovado em Estudos Sociais e OSPB. É possível que a capacidade intelectual dele de raciocinar tenha sido comprometida pela falta de abstração filosófica. De qualquer forma, nem de longe entende que a universidade abre portas e cria possibilidades de se romper com determinadas restrições socio-culturais e econômicas, viabilizando a construção da cidadania e de pessoas efetivamente críticas.

O cara alega que os doutorados são inúteis e custosos. É claro que são custosos e ainda falta investimento! A universidade precisa ser democratizada (algo que não depende só dela para que isso ocorra), mas, agora, associar à inutilidade foi demais! A gente sabe que as universidades têm problemas mil, que ultrapassam questões estritamente pedagógicas ou administrativas, mas a miopia ultra-neoliberal-conservadora do cara é de enojar. Tese e papel higiênico para ele é a mesma coisa. Para ele, as pessoas mais velhas que entram na universidade são praticamente um desperdício de dinheiro público, porque, fica subtendido, são figuras pateticamente anacrônicas. Não vê os professores mais velhos como pessoas que tem algo a contribuir com seu conhecimento e experiencia.

Fico só lembrando também dos meus alunos e alunas com mais de 45 anos que estão fazendo a faculdade pela primeira vez, buscando não somente melhorar de vida ou simplesmente conhecer e explicar o mundo em vivemos a fim de ajudar a mudá-lo. O cara nem está a par do mercado editorial virtual ou não! Para mim, o que está em jogo é um discurso ou uma atitude perigosamente conservadora de um recalcado que só justifica os investimentos válidos se forem direcionados para os cursos da moda, especialmente os relacionados à economia capitalista e à alta tecnologia. Ah, ele diz que é jornalista, escritor e ensaista! Outra coisa: acho que ele não fez o mestrado e doutorado! Ah, entendi!


(Retoma o Janer:)
Vamos por partes. Tese e papel higiênico não são para mim a mesma coisa. Jamais afirmaria tal heresia. Papel higiênico é um dos grandes avanços da humanidade. Tanto que sempre faltou nos países mais atrasados do mundo, os socialistas. Tese nem como papel higiênico serve. Não vou negar que cá e lá – falo da área humanística - encontramos alguma tese que constitui uma contribuição à cultura. Mas são raríssimas. Tanto que a maioria quase absoluta delas fica relegada ao pó das bibliotecas. Tese, no fundo, só serve para manter as mordomias dos PhDeuses orientadores e aumentar salários dos acadêmicos. Também é muito conveniente para fazer turismo às margens do Sena, Tâmisa ou Spree.

Que velhos façam a universidade pela primeira vez, nada contra. Mas estas pessoas já avançadas em idade nunca procuram os cursos realmente úteis à sociedade, como enfermagem, odonto, medicina ou engenharia. Geralmente buscam aqueles cursos de vestibular fácil, isto é, as tais de Humanas. Como lazer de terceira idade é uma opção interessante. Melhor que ficar espichado no sofá vendo novelas. Daí que isto traga alguma contribuição ao país vai uma longa distância. Mas minha restrição não é a quem busca universidade em idade provecta. E sim aos mestrandos e doutorandos carecas. Terceira idade não é idade para se fazer mestrado, muito menos doutorado.

Se um ancião quiser fazer doutorado, para seu prazer espiritual, pagando de seu próprio bolso, que esteja a gosto. O que é obsceno é ver macróbios subsidiados pelo contribuinte para satisfazer uma vaidade. Ou para aumentar a aposentadoria. Tanto o mestre como o doutor devem formar-se ainda jovens, para que possam prestar bom tempo de serviço ao ensino. Tenho visto gente que começa doutorado lá pelos cinqüenta. Quando obtém o título, está em idade de aposentar-se. Isto é uma perversão típica da universidade brasileira.

Professor mais velho é outra coisa. Nada a ver com mestrandos carecas. Um professor mais velho acumulou experiência e saber durante todo seu magistério. Desde que não tenha começado a aprender quando já era velho. Neste caso, é muito curto seu período de aprendizado.

Em seu arrazoado precário, o missivista apela ao argumento ad hominem: “acho que ele não fez o mestrado e doutorado”. De fato, mestrado não fiz. Quando ia inscrever-me em curso de mestrado na Université de la Sorbonne Nouvelle – Paris III – encontrei numa fila M. Raymond Cantel, doyen da antiga Sorbonne, que não mais existe. Considerou que era uma perda de tempo matricular-me em mestrado. Eu tinha publicações suficientes para postular um doutorado. Naquele breve diálogo, meu mestrado se transformou em doutorado.

Mas ninguém pense que um dia almejei tal título. Quando terminei minhas universidades – Filosofia e Direito – prometi a mim mesmo que jamais voltaria a pôr os pés nesses templos do saber. Enveredei pelo jornalismo. Acontece que sempre gostei de viajar. Bolsa é uma boa chance de viajar, os acadêmicos tupiniquins que o digam. A França oferecia bolsas. Candidatei-me a uma delas, na área de Literatura Comparada. Certo dia, encontrei na rua o cônsul francês em Porto Alegre. “Tu és o nosso candidato. Mas não podes trocar de área? Em literatura é difícil. Não pode ser Direito?”

Poder, podia. Mas nada mais queria com Direito. Ao terminar meu curso, em gesto simbólico, joguei meus códigos e tratados no Guaíba. Tive uma extraordinária sensação de libertação. Insisti em Literatura e fui contemplado com a bolsa.

Ora, eu nem sabia o que era doutorado e muito menos Literatura Comparada. O que eu queria, lá no fundo, era Paris, sua estética, seus cafés, seus queijos e vinhos. E também suas mulheres. Se o preço era redigir uma tese, eu o pagava com prazer.

Paguei. Comprei vários ensaios na área, estudei a disciplina e redigi minha tese. Menção? Très Bien. Isso após uma defesa tumultuada. Fiz um ensaio absolutamente antiacadêmico, sem citar nenhum teórico. O que constitui heresia no universo dos PhDeuses. Método é um freio mental que a banca impõe ao thèsard. Você não pode pensar com seu próprio intelecto. Seria o caos.

Tant pis pour moi. Eu não buscava nenhum título e não tinha compromisso com universidade alguma. Minha tese, fosse aprovada ou não, não mudava nada em meus propósitos. Havia escrito um ensaio útil e, mais importante, legível. Fiquei surpreso quando, ao final do doutorado, soube que uma tese servia para lecionar. Foi assim que caí no magistério de Letras, os quatro anos mais inúteis de minha vida.

A defesa, peça teatral que dura em geral uma hora, se estendeu por quatro horas. Uma doutora da banca não admitia tese sem metodologia. “Où est votre méthode?” – questionou-me. Respondi que não havia ido à França para pensar com a cabeça de terceiros. Pensava com a minha. “Ma méthode, c’est la cristaldesque”.

Após longos e tensos debates entre os membros do júri, a tese foi aceita. Atribuo um pouco esta concessão à platéia. Na salle Bourjac, da Sorbonne, havia entre cinqüenta e sessenta mulheres, e um único rapaz. Não só a banca, como eu e minha mulher, estávamos perplexos. “Trabalhaste duro neste tempo todo” – me disse a Baixinha. Bom, confesso que tinha me esforçado. No fundo, penso que devo àquelas meninas minha aprovação. Seria uma grosseria rejeitar meu trabalho ante platéia tão florida.

Sou doutor por diletantismo, não por projeto. Me candidatei a outro doutorado na Espanha, queria curtir Madri. Ganhei a bolsa, curti Madri, mas me recusei a redigir a tese. Era picaretagem. Exigiam a redação de uma tese em seis meses. Ora, nenhuma tese séria pode ser redigida em seis meses, ainda mais com uma carga horária de cinco horas de aula por dia. Escrevi uma carta a meu orientador. Cito de memória.

“Dr! Quando se recebe uma bolsa para doutorado, os doutorados são dois. Um deles resulta numa tese que fica mofando nas bibliotecas. O outro é aquele que defendemos nos bares e restaurantes, lendo a imprensa e a literatura do país, conhecendo suas cidades. Esta eu a defendi com brilho e com ela me contento. Salud y felicidad a los suyos”. (Esta era a fórmula burocrática com a qual se terminava um pedido de estada à polícia).

Doutor por acaso, não tenho maior respeito por doutores. Sim, existirão os que merecem consideração por seus trabalhos. Mas estes são muito raros. O que vejo, o mais das vezes, são pavões que se apóiam em teorias sem pés nem cabeça e vivem da antiga fórmula francesa, “louons-nous les uns les autres”.

Antes que me esqueça: até hoje não peguei meu diploma de doutorado. Quando fui apanhá-lo na secretária da Sorbonne Nouvelle, uma velhota burocrata me atalhou: “C’est pas comme ça, Monsieur!” Meu diploma estava ali, do outro lado do balcão. Mas eu precisava enviar uma carta à universidade e esperá-lo em casa. Ora, eu já estava de pé no estribo, entregando as chaves do apartamento. Desisti. Não fui a Paris buscar um papelucho.

Last but not least, quem está propondo o fim dos doutorados não sou apenas eu. Mas também o professor Mark C. Taylor, presidente do departamento de religião da Universidade de Columbia em Nova York.

Papel higiênico, meu caro, é muito mais necessário que uma tese acadêmica. A humanidade consegue viver sem teses. Sem papel higiênico já é mais complicado.

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Bem ficamos por aqui, e esperemos os próximos rolos de papel higiênico.... quero dizer, teses acadêmicas...
Paulo Roberto de Almeida

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