Governos normais sempre pedem que os cidadãos consumam, gastem, invistam, para estimular a economia, via expansão do consumo, que por sua vez provoca o aumento da oferta e, obviamente, do investimento.
Isso vale para o capitalismo consumista, como não se cansam de denunciar tantos inimigos da economia de mercado, os ecologistas e outros frugais eremitas, que acham que as pessoas deveriam se contentar com menos do que tem, se possível com algumas graminhas da natureza, descartando esses exageros de shoppings e ostentações de um luxo indecente, do consumo conspícuo e outros exageros da economia de mercado. (Gozado que essas pessoas não renunciam a seus celulares, à internet, e ainda querem viajar ao exterior.)
Bem, isso não vale para o socialismo, como sabemos, um regime de penúria fabricada pelo governo, caracterizado por filas, desabastecimento, falta do que é supérfluo e até essencial.
Não sei como as pessoas não aprendem com a história. Deve ser cegueira, miopia, ou burrice mesmo.
Paulo Roberto de Almeida
Para evitar apagão, Venezuela limita o uso de energia
Marcos de Moura e Souza e Sérgio Ruck Bueno
Valor Econômico, 13/06/2011
São Paulo e Porto Alegre - A Venezuela anunciou ontem medidas para tentar reduzir o consumo de energia elétrica em empresas e residências. Quem não cumprir as metas terá o preço da energia elevado em até 200%. Em alguns casos, o fornecimento poderá ser suspenso. É um esforço para evitar que o blackout ocorrido na semana passada no Estado de Zulia, um dos mais industrializados do país, se repita em outras regiões. Grandes empresas, incluindo multinacionais brasileiras, tendem a adotar sistemas próprios de geração para escapar às restrições.
A Venezuela convive novamente com o fantasma do apagão, que em 2009 e no início de 2010 levou o governo a adotar uma série de restrições ao consumo de energia. Na época, a falta de energia foi atribuída a uma das piores secas da história recente do país. Desta vez, analistas dizem que o risco de novos apagões se deve a problemas nas redes de transmissão e ao aumento da demanda por energia - sinal da retomada do crescimento da economia depois dois anos de retração.
A avaliação unânime, no entanto, é que por trás do problemas no fornecimento estão décadas de baixo investimento em geração e em manutenção dos sistemas de eletricidade.
Ontem, o governo escolheu outro culpado: o consumidor. Disse que há uma "espécie de cultura de excesso de consumo" na Venezuela. "Não é possível para nenhum país conseguir uma capacidade de geração elétrica infinita. Portanto, a demanda não pode ser infinita e, em consequência, é necessário o uso racional de demanda", disse o vice-presidente, Elías Jaua.
Pelas novas regras, indústrias, centros comerciais e grandes redes de comércio terão de reduzir seu consumo mensal de energia em pelo menos 10%, segundo Jaua, em relação ao consumo que tinham nos mesmos meses de 2009.
As empresas que não se enquadrarem terão de pagar 10% a mais na fatura e 5% a mais em cada mês que reincidirem. Os consumidores residenciais que não reduzirem seu consumo também em 10% em relação a 2009 terão um acréscimo de 75% na conta. Quem ignorar as restrições e elevar seu consumo em mais de 20%, verá sua conta acrescida em 200%.
O pacote envolve ainda uma série de restrições de uso de energia em prédios públicos - que, se forem descumpridas, poderão levar ao corte do fornecimento nesses locais. Os serviços essenciais ficam de fora do pacote - que deve entrar em vigor nos próximos dias.
Cerca de 70% da matriz energética do país é hidrelétrica. Mas, devido à insegurança no fornecimento, muitas grandes empresas - entre elas algumas múltis brasileiras - já possuem geradores movidos a diesel para assegurar o ritmo de suas operações.
Em nota, a Gerdau informou ontem que está "estudando alternativas" para ajustar a operação da siderúrgica Sizuca, na Venezuela, e manter "o pleno atendimento de seus clientes" diante da decisão do governo Hugo Chávez de determinar a redução do consumo de energia no país. A siderúrgica venezuelana do grupo brasileiro não dispõe de geração própria de energia e produz aços longos para a construção civil. A capacidade de produção não foi informada.
Na crise de 2009, o governo prometeu tirar do papel um plano de construção de termelétricas que elevaria a capacidade de geração do país em 5 mil megawatts. O projeto, no entanto, avança lentamente. "O déficit energético pode comprometer a evolução da economia este ano", disse o diretor da Câmara de Comércio Venezuela-Brasil, Fernando Portela. O FMI previu que o país crescerá 1,8% este ano, mas o dado pode ser revisto.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
quarta-feira, 15 de junho de 2011
Otros hermanos, otras cositas mas - Bolivia se automobiliza...
Estrito e lato senso...
Evo Morales, presidente da Bolívia, pretende legalizar no país carros roubados em outros
Wálter Fanganiello Maierovitch
Terra, 14/06/2011
Para justificar os genocídios e os massacres de índios na chamada “conquista do oeste”, os filmes norte-americanos demonizavam os índios e vangloriavam os xerifes e os militares de cavalaria.
Nos enlatados, o índio era sempre o bandido. Só considerado como regenerado quando traía a tribo e passava para o lado do conquistador, mostrado como civilizado e ético.
Na semana passada, o presidente boliviano Evo Morales, um aymará, quis ter o seu dia de índio de filme norte-americano.
Os lesados por Morales foram os cidadão brasileiros e chilenos que tiveram automóveis e caminhões roubados ou furtados.
Ladrões, receptadores e o governo boliviano, saíram no lucro. Tudo a evidenciar que o crime compensa na visão de Evo Morales.
Para arrecadar tributos, Morales legalizou a subtração de coisa alheia móvel.
No prazo de 15 dias, os residentes na Bolívia que estão na posse de veículos sem documentação de propriedade poderão obtê-la com facilidade. Como se diz no jargão policial, o “cabrito” pode ser esquentado na Bolívia, por ato do presidente Morales.
Ainda que tenha o chassis raspado, num indicativo evidente de detenção criminosa, o interessado poderá conseguir um certificado boliviano de propriedade do veículo, ainda que objeto de crime.
A justificativa de Morales é digna daqueles filmes norte-americanos voltados a satanizar o índio. Para Morales, “todos tem direito a um automóvel” e, também, um caminhão, pois pode também ser “esquentado”.
As diplomacias do Brasil e do Chile ensaiam um protesto em conjunto. Ele certamente será expedido depois do prazo de 15 dias do decreto de Morales, ou seja, quando já “legalizados” os veículos automotores.
Pano Rápido. Não vai demorar muito para Morales baixar outro outro decreto para esquentar veículos. Bastará precisar cobrir um buraco nas finanças bolivianas.
Grande quantidade de automóveis na Bolívia foram recebidos, sem documentação, como lixo. Ou seja, abandonados nos EUA pelos proprietários acabaram descartados na Bolívia, como lixo.
Como se sabe, o crime organizado transnacional despeja lixo em países pobres, que os aproveita. Ainda que tenha de comprar peças de reposição no país de origem: vende-se o lixo e ainda se fatura com peças de reposição.
A última vez que estive na Bolívia viajei, de Cochabamba a Vila Tunary (Chapare), num Toyota 2001 cujas portas traseiras tinham sido substituías por placas de madeira compensada. Como tinha de chegar à Vila Tunary para elaborar um relatório, coloquei na mão de Deus. Mais ainda, tive a sorte de o motorista ser um mascador de folha de coca. Um alívio, pois ele não dormia e estava sempre ligado.
Evo Morales, presidente da Bolívia, pretende legalizar no país carros roubados em outros
Wálter Fanganiello Maierovitch
Terra, 14/06/2011
Para justificar os genocídios e os massacres de índios na chamada “conquista do oeste”, os filmes norte-americanos demonizavam os índios e vangloriavam os xerifes e os militares de cavalaria.
Nos enlatados, o índio era sempre o bandido. Só considerado como regenerado quando traía a tribo e passava para o lado do conquistador, mostrado como civilizado e ético.
Na semana passada, o presidente boliviano Evo Morales, um aymará, quis ter o seu dia de índio de filme norte-americano.
Os lesados por Morales foram os cidadão brasileiros e chilenos que tiveram automóveis e caminhões roubados ou furtados.
Ladrões, receptadores e o governo boliviano, saíram no lucro. Tudo a evidenciar que o crime compensa na visão de Evo Morales.
Para arrecadar tributos, Morales legalizou a subtração de coisa alheia móvel.
No prazo de 15 dias, os residentes na Bolívia que estão na posse de veículos sem documentação de propriedade poderão obtê-la com facilidade. Como se diz no jargão policial, o “cabrito” pode ser esquentado na Bolívia, por ato do presidente Morales.
Ainda que tenha o chassis raspado, num indicativo evidente de detenção criminosa, o interessado poderá conseguir um certificado boliviano de propriedade do veículo, ainda que objeto de crime.
A justificativa de Morales é digna daqueles filmes norte-americanos voltados a satanizar o índio. Para Morales, “todos tem direito a um automóvel” e, também, um caminhão, pois pode também ser “esquentado”.
As diplomacias do Brasil e do Chile ensaiam um protesto em conjunto. Ele certamente será expedido depois do prazo de 15 dias do decreto de Morales, ou seja, quando já “legalizados” os veículos automotores.
Pano Rápido. Não vai demorar muito para Morales baixar outro outro decreto para esquentar veículos. Bastará precisar cobrir um buraco nas finanças bolivianas.
Grande quantidade de automóveis na Bolívia foram recebidos, sem documentação, como lixo. Ou seja, abandonados nos EUA pelos proprietários acabaram descartados na Bolívia, como lixo.
Como se sabe, o crime organizado transnacional despeja lixo em países pobres, que os aproveita. Ainda que tenha de comprar peças de reposição no país de origem: vende-se o lixo e ainda se fatura com peças de reposição.
A última vez que estive na Bolívia viajei, de Cochabamba a Vila Tunary (Chapare), num Toyota 2001 cujas portas traseiras tinham sido substituías por placas de madeira compensada. Como tinha de chegar à Vila Tunary para elaborar um relatório, coloquei na mão de Deus. Mais ainda, tive a sorte de o motorista ser um mascador de folha de coca. Um alívio, pois ele não dormia e estava sempre ligado.
Congresso desvia recursos do que seria relevante - projeto Tiririca
Não tenho nenhuma dúvida de que esse projeto será aprovado.
Será mais um projeto de efeito duvidoso e resultados pífios, com dinheiro gasto de forma errada e pouco efetiva.
Paulo Roberto de Almeida
Tiririca estreia no Congresso com projeto 'bolsa alfabetização'
FLÁVIA FOREQUE
Folha de S.Paulo, 14/06/2011
BRASÍLIA - Mais de quatro meses após tomar posse, o deputado federal mais votado do Brasil fez enfim sua estreia no Congresso. Na última terça-feira, assessores de Tiririca (PR-SP) entregaram ao plenário da Casa os primeiros projetos de lei de autoria do humorista.
Uma das propostas prevê a criação de uma "bolsa alfabetização" para adultos que concluírem curso para aprender a ler e escrever. O projeto fixa o valor mínimo de R$ 545 para o benefício.
O palhaço teve a diplomação para o cargo ameaçada após suspeita de ter falsificado declaração em que afirmou ser alfabetizado. Ele aceitou fazer um teste para comprovar que sabe ler e escrever e foi absolvido pela Justiça Eleitoral.
No texto da proposta, Tiririca justificou que o benefício tem a "finalidade de estimular o aprendizado da leitura e da escrita, de forma a qualificar e assegurar ao cidadão o pleno acesso e a utilização da informação".
Em contrapartida, é exigido período mínimo de seis meses de aula, com ao menos 85% de frequência.
Os outros dois projetos de Tiririca tratam da criação de vale-livro para alunos da rede pública e de serviços de assistência social para profissionais do circo.
Segundo dados oficiais, 113 deputados não apresentaram nenhum projeto de lei neste primeiro ano da legislatura. Esse grupo, no entanto, inclui aqueles que já se afastaram para assumir um cargo no Executivo e seus suplentes na Casa.
O deputado não quis comentar suas propostas.
Desde que iniciou o mandato, Tiririca tem mantido uma atuação discreta na Câmara. Até agora, não fez nenhum discurso na tribuna nem relatou propostas de outro deputado.
Na Comissão de Educação e Cultura da Casa, única em que o humorista é titular, colegas afirmam que ele nunca pediu a palavra.
"Ele não tem perdido nenhuma reunião. É assíduo, mas tem um perfil discreto", afirma a deputada Fátima Bezerra (PT-RN), presidente da comissão.
Será mais um projeto de efeito duvidoso e resultados pífios, com dinheiro gasto de forma errada e pouco efetiva.
Paulo Roberto de Almeida
Tiririca estreia no Congresso com projeto 'bolsa alfabetização'
FLÁVIA FOREQUE
Folha de S.Paulo, 14/06/2011
BRASÍLIA - Mais de quatro meses após tomar posse, o deputado federal mais votado do Brasil fez enfim sua estreia no Congresso. Na última terça-feira, assessores de Tiririca (PR-SP) entregaram ao plenário da Casa os primeiros projetos de lei de autoria do humorista.
Uma das propostas prevê a criação de uma "bolsa alfabetização" para adultos que concluírem curso para aprender a ler e escrever. O projeto fixa o valor mínimo de R$ 545 para o benefício.
O palhaço teve a diplomação para o cargo ameaçada após suspeita de ter falsificado declaração em que afirmou ser alfabetizado. Ele aceitou fazer um teste para comprovar que sabe ler e escrever e foi absolvido pela Justiça Eleitoral.
No texto da proposta, Tiririca justificou que o benefício tem a "finalidade de estimular o aprendizado da leitura e da escrita, de forma a qualificar e assegurar ao cidadão o pleno acesso e a utilização da informação".
Em contrapartida, é exigido período mínimo de seis meses de aula, com ao menos 85% de frequência.
Os outros dois projetos de Tiririca tratam da criação de vale-livro para alunos da rede pública e de serviços de assistência social para profissionais do circo.
Segundo dados oficiais, 113 deputados não apresentaram nenhum projeto de lei neste primeiro ano da legislatura. Esse grupo, no entanto, inclui aqueles que já se afastaram para assumir um cargo no Executivo e seus suplentes na Casa.
O deputado não quis comentar suas propostas.
Desde que iniciou o mandato, Tiririca tem mantido uma atuação discreta na Câmara. Até agora, não fez nenhum discurso na tribuna nem relatou propostas de outro deputado.
Na Comissão de Educação e Cultura da Casa, única em que o humorista é titular, colegas afirmam que ele nunca pediu a palavra.
"Ele não tem perdido nenhuma reunião. É assíduo, mas tem um perfil discreto", afirma a deputada Fátima Bezerra (PT-RN), presidente da comissão.
O mito Che Guevara - Rodrigo Constantino
O mito Che Guevara
Rodrigo Constantino
O Globo, 14/06/2011
“Amo a humanidade; o que não suporto são as pessoas”. (Charles Schultz)
Estivesse vivo, Ernesto “Che” Guevara completaria hoje 83 anos de idade. O guerrilheiro tornou-se ícone das esquerdas, e é visto como um idealista disposto a dar a vida pela causa. Adorado em Hollywood e Paris, Che foi eternizado pela foto tirada por Korda, que virou estampa de camisetas e biquínis. A ironia do destino transformou o comunista em lucrativa marca de negócios.
Mas, como alertou Nietzsche, a morte dos mártires pode ser uma desgraça, pois seduz e prejudica a verdade. Pouca gente sabe quem Che foi de fato. Se soubessem, talvez sentissem vergonha de defendê-lo com tanta paixão. Seus fãs deveriam ler “O verdadeiro Che Guevara”, de Humberto Fontova, e ver o documentário “Guevara: Anatomia de um mito”, de Pedro Corzo. É impossível ficar indiferente diante de tantos relatos sombrios das vítimas de Che.
Nem deveria ser preciso mergulhar mais fundo nos fatos. Basta pensar que Che foi um grande colaborador da revolução cubana, que instaurou a mais longa ditadura do continente, espalhando um rastro de morte, miséria e escravidão na ilha caribenha. Mas uma pesquisa minuciosa gera ainda mais revolta. Aquele que gostaria de criar na América Latina “muitos Vietnãs” era mesmo um ser humano deplorável.
A cegueira ideológica alimentada pela hipocrisia prejudica uma análise mais isenta dos fatos. Não é preciso muito esforço para verificar que Che Guevara era justamente o oposto do santo que tentam criar. O homem sensível de “Diários de Motocicleta” era o mesmo que declarou que “um revolucionário deve se tornar uma fria máquina de matar movida apenas pelo ódio”. Se ao menos os cineastas engajados tivessem lido o diário completo!
Até mesmo as supostas cultura e erudição de Che foram enaltecidas por intelectuais como Sartre. A realidade, uma vez mais, parece menos nobre: um dos primeiros atos oficiais de Che após entrar em Havana foi uma gigantesca queima de livros. Além disso, Che assinou as sentenças de morte de muitos escritores cujo único “crime” fora discordar do regime. Quanta paixão pela cultura!
As estimativas apontam para algo como 14 mil execuções sumárias na primeira década da revolução, sem nada sequer parecido com um processo judicial. Dezenas de milhares de cubanos morreram tentando fugir do “paraíso” comunista. Cuba tinha uma das maiores rendas per capita da região em 1958, e teve sua economia destroçada pelas medidas coletivistas do ministro Che. Nada disso impediu a revista “Time” de louvá-lo como um herói, ao lado de Madre Teresa de Calcutá.
Roqueiros como Santana gostam de associar sua imagem à de Che. Será que ainda o fariam se soubessem que sua primeira ordem oficial ao tomar a cidade de Santa Clara foi banir a bebida, o jogo e os bailes como “frivolidades burguesas”? O próprio neto de Che, Canek Sánchez Guevara, não escapou da perseguição. O guitarrista sofreu nas garras do regime policialesco que seu avô ajudou a criar, e preferiu fugir de Cuba. Homossexuais também foram vítimas de perseguição e acabaram em campos de trabalho forçado. Quanta compaixão!
Sobre a imagem de desapegado de bens materiais, a vida de Che também prova o contrário. Após a revolução, ele escolheu como residência a maior mansão cubana, em Tarara, uma casa à beira-mar com amplo conforto e luxo. A casa fora expropriada de um rico empresário. Além disso, quando Che foi morto na Bolívia ele ostentava um Rolex no pulso. Parece que nem os guerrilheiros resistem às tentações capitalistas.
Aqueles que conseguiram fugir do inferno cubano e não precisam mais temer a represália do regime, relatam fatos impressionantes sobre a frieza de Che. Foram centenas de execuções assinadas em poucos meses, e Che gostava de assisti-las de sua janela. Em algumas ele pessoalmente puxou o gatilho. Ao que tudo indica, Che parecia deleitar-se com a carnificina. Até mulheres grávidas foram executadas no paredão comandado por Che. Nada disso consta nas biografias escritas por aqueles que utilizam o próprio Fidel Castro como fonte. Algo como falar de Hitler usando apenas os relatos de Goebbels.
A ignorância acerca destes fatos explica parte da idolatria a Che Guevara. Mas, como lembra Fontova, “engodo e muita fantasia também o explicam, tudo alimentado de um antiamericanismo implícito ou explícito”. Che, assim como Fidel, desafiou o “império” ianque, e isso basta para ser reverenciado por idiotas úteis da esquerda. Que ele tenha sido uma máquina assassina, isso é um detalhe insignificante para alguns.
Rodrigo Constantino
O Globo, 14/06/2011
“Amo a humanidade; o que não suporto são as pessoas”. (Charles Schultz)
Estivesse vivo, Ernesto “Che” Guevara completaria hoje 83 anos de idade. O guerrilheiro tornou-se ícone das esquerdas, e é visto como um idealista disposto a dar a vida pela causa. Adorado em Hollywood e Paris, Che foi eternizado pela foto tirada por Korda, que virou estampa de camisetas e biquínis. A ironia do destino transformou o comunista em lucrativa marca de negócios.
Mas, como alertou Nietzsche, a morte dos mártires pode ser uma desgraça, pois seduz e prejudica a verdade. Pouca gente sabe quem Che foi de fato. Se soubessem, talvez sentissem vergonha de defendê-lo com tanta paixão. Seus fãs deveriam ler “O verdadeiro Che Guevara”, de Humberto Fontova, e ver o documentário “Guevara: Anatomia de um mito”, de Pedro Corzo. É impossível ficar indiferente diante de tantos relatos sombrios das vítimas de Che.
Nem deveria ser preciso mergulhar mais fundo nos fatos. Basta pensar que Che foi um grande colaborador da revolução cubana, que instaurou a mais longa ditadura do continente, espalhando um rastro de morte, miséria e escravidão na ilha caribenha. Mas uma pesquisa minuciosa gera ainda mais revolta. Aquele que gostaria de criar na América Latina “muitos Vietnãs” era mesmo um ser humano deplorável.
A cegueira ideológica alimentada pela hipocrisia prejudica uma análise mais isenta dos fatos. Não é preciso muito esforço para verificar que Che Guevara era justamente o oposto do santo que tentam criar. O homem sensível de “Diários de Motocicleta” era o mesmo que declarou que “um revolucionário deve se tornar uma fria máquina de matar movida apenas pelo ódio”. Se ao menos os cineastas engajados tivessem lido o diário completo!
Até mesmo as supostas cultura e erudição de Che foram enaltecidas por intelectuais como Sartre. A realidade, uma vez mais, parece menos nobre: um dos primeiros atos oficiais de Che após entrar em Havana foi uma gigantesca queima de livros. Além disso, Che assinou as sentenças de morte de muitos escritores cujo único “crime” fora discordar do regime. Quanta paixão pela cultura!
As estimativas apontam para algo como 14 mil execuções sumárias na primeira década da revolução, sem nada sequer parecido com um processo judicial. Dezenas de milhares de cubanos morreram tentando fugir do “paraíso” comunista. Cuba tinha uma das maiores rendas per capita da região em 1958, e teve sua economia destroçada pelas medidas coletivistas do ministro Che. Nada disso impediu a revista “Time” de louvá-lo como um herói, ao lado de Madre Teresa de Calcutá.
Roqueiros como Santana gostam de associar sua imagem à de Che. Será que ainda o fariam se soubessem que sua primeira ordem oficial ao tomar a cidade de Santa Clara foi banir a bebida, o jogo e os bailes como “frivolidades burguesas”? O próprio neto de Che, Canek Sánchez Guevara, não escapou da perseguição. O guitarrista sofreu nas garras do regime policialesco que seu avô ajudou a criar, e preferiu fugir de Cuba. Homossexuais também foram vítimas de perseguição e acabaram em campos de trabalho forçado. Quanta compaixão!
Sobre a imagem de desapegado de bens materiais, a vida de Che também prova o contrário. Após a revolução, ele escolheu como residência a maior mansão cubana, em Tarara, uma casa à beira-mar com amplo conforto e luxo. A casa fora expropriada de um rico empresário. Além disso, quando Che foi morto na Bolívia ele ostentava um Rolex no pulso. Parece que nem os guerrilheiros resistem às tentações capitalistas.
Aqueles que conseguiram fugir do inferno cubano e não precisam mais temer a represália do regime, relatam fatos impressionantes sobre a frieza de Che. Foram centenas de execuções assinadas em poucos meses, e Che gostava de assisti-las de sua janela. Em algumas ele pessoalmente puxou o gatilho. Ao que tudo indica, Che parecia deleitar-se com a carnificina. Até mulheres grávidas foram executadas no paredão comandado por Che. Nada disso consta nas biografias escritas por aqueles que utilizam o próprio Fidel Castro como fonte. Algo como falar de Hitler usando apenas os relatos de Goebbels.
A ignorância acerca destes fatos explica parte da idolatria a Che Guevara. Mas, como lembra Fontova, “engodo e muita fantasia também o explicam, tudo alimentado de um antiamericanismo implícito ou explícito”. Che, assim como Fidel, desafiou o “império” ianque, e isso basta para ser reverenciado por idiotas úteis da esquerda. Que ele tenha sido uma máquina assassina, isso é um detalhe insignificante para alguns.
Los hermanos, outra vez, sem piedade...
Não choro por ti, Argentina
João Luiz Mauad
Diário do Comércio, 12/6/2011
O jornal Valor Econômico publicou, no último dia 30 de maio, um caderno especial sobre a crise que assola a Argentina. As políticas populistas do governo bolivariano de Cristina Kirchner estão levando o país ao caos, principalmente por conta de uma inflação galopante, cujo nível exato ninguém sabe, uma vez que os índices oficiais vêm sendo manipulados há tempos.
Pela reportagem, ficamos sabendo que até mesmo o famoso sanduíche Big Mac, carro chefe da rede McDonald's, sumiu das prateleiras. Explica-se: o Big Mac está na lista de itens que compõem o índice oficial de inflação do INDEC e, por isso, a exemplo de inúmeros outros produtos, foi incluído num acordo informal entre várias empresas e o governo, a fim de manter os preços desses produtos congelados, ainda que não oficialmente.
Lamento informar, mas tudo isso será em vão.
A inflação, como bem dizia Milton Friedman, "é um fenômeno exclusivamente monetário", causado pelo aumento da quantidade de moeda e/ou crédito sem o respectivo lastro. A inflação, portanto, agora nas palavras de Ludwig Von Mises, "não é um ato de Deus, uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a peste. A inflação é uma política deliberada", adotada por governos irresponsáveis que, para nosso azar, são também os maiores beneficiários dela.
Não há qualquer fundamento científico em apontar como causas da inflação a ganância dos empresários, os circuitos de distribuição ou a falta de responsabilidade social das empresas. Com o conhecimento econômico hoje existente, não é mais possível culpar os agricultores, os pecuaristas, os frigoríficos, os açougues, os comerciantes, os sindicatos ou o comportamento vil dos empresários sempre que os preços sobem ou há escassez de um ou outro produto.
O governo da Sra. Kirchner tem travado uma batalha sem trégua, porém inútil, na tentativa deter, na base da caneta, o dragão da inflação. Assistindo ao que acontece hoje por lá, não dá para não traçar um paralelo com o nosso passado: pacotes, tabelamentos, pactos sociais, congelamentos, "tablitas", confiscos, fiscais do Sarney, caça ao boi no pasto e mais uma infinidade de bobagens heterodoxas para acabar com a inflação no porrete. Quem não tem memória curta sabe que essas estratégias, mais cedo ou mais tarde, fracassarão. E fracassarão simplesmente porque estão focadas não nas causas do problema, mas nos seus efeitos; não nos verdadeiros inimigos, mas nas próprias vítimas.
(Como bem dizia o velho Mário Henrique Simonsen: "Para conceber um congelamento – ou tabelamento – não é preciso um doutorado em Harvard ou no MIT: basta não entender nada de economia".)
Depois da crise econômica do início da década, os argentinos escolheram a pior maneira para sair da falência. Após operar um calote de proporções oceânicas – efusivamente aplaudido por toda a esquerda mundial e cantado em prosa e verso como a salvação para todos os países emergentes –, o governo daquele país optou por estimular a recuperação da economia através do velho artifício da elevação dos gastos públicos. Estes, por seu turno, eram financiados, principalmente, pelo uso do imposto inflacionário, via despejo de moeda sem lastro no mercado, e ancorados na manutenção de taxas de juros em patamares artificialmente baixos.
No curto prazo, a estratégia foi um retumbante sucesso. O governo gastou a vontade, sem que precisasse aumentar tributos. O povo, satisfeito com o crescimento de curto prazo e, como sempre, acreditando que existe almoço grátis, se habituou a pensar no Estado como senhor de recursos ilimitados à sua disposição.
Tal política, no entanto, é como uma droga, injetada diretamente na veia do cidadão comum e, principalmente, dos seus representantes eleitos – já que as obras públicas e outras benesses sociais costumam satisfazer os primeiros e tornar extremamente populares os segundos.
Num primeiro instante, os investimentos estatais impulsionam a economia e a criação de empregos, gerando uma falsa impressão de prosperidade. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, a inflação sempre cobra o seu preço e, infelizmente, castiga com mais rigor justamente os mais fracos.
Quando o dinheiro começa a desvalorizar-se de forma acelerada, os que mais perdem são aqueles que não dispõem de meios para proteger os seus rendimentos.
Mas eu não choro por vocês, hermanos. Vocês estão colhendo exatamente aquilo que plantaram quando escolheram seus governantes e, principalmente, o modelo econômico que desejavam.
João Luiz Mauad
Diário do Comércio, 12/6/2011
O jornal Valor Econômico publicou, no último dia 30 de maio, um caderno especial sobre a crise que assola a Argentina. As políticas populistas do governo bolivariano de Cristina Kirchner estão levando o país ao caos, principalmente por conta de uma inflação galopante, cujo nível exato ninguém sabe, uma vez que os índices oficiais vêm sendo manipulados há tempos.
Pela reportagem, ficamos sabendo que até mesmo o famoso sanduíche Big Mac, carro chefe da rede McDonald's, sumiu das prateleiras. Explica-se: o Big Mac está na lista de itens que compõem o índice oficial de inflação do INDEC e, por isso, a exemplo de inúmeros outros produtos, foi incluído num acordo informal entre várias empresas e o governo, a fim de manter os preços desses produtos congelados, ainda que não oficialmente.
Lamento informar, mas tudo isso será em vão.
A inflação, como bem dizia Milton Friedman, "é um fenômeno exclusivamente monetário", causado pelo aumento da quantidade de moeda e/ou crédito sem o respectivo lastro. A inflação, portanto, agora nas palavras de Ludwig Von Mises, "não é um ato de Deus, uma catástrofe da natureza ou uma doença que se alastra como a peste. A inflação é uma política deliberada", adotada por governos irresponsáveis que, para nosso azar, são também os maiores beneficiários dela.
Não há qualquer fundamento científico em apontar como causas da inflação a ganância dos empresários, os circuitos de distribuição ou a falta de responsabilidade social das empresas. Com o conhecimento econômico hoje existente, não é mais possível culpar os agricultores, os pecuaristas, os frigoríficos, os açougues, os comerciantes, os sindicatos ou o comportamento vil dos empresários sempre que os preços sobem ou há escassez de um ou outro produto.
O governo da Sra. Kirchner tem travado uma batalha sem trégua, porém inútil, na tentativa deter, na base da caneta, o dragão da inflação. Assistindo ao que acontece hoje por lá, não dá para não traçar um paralelo com o nosso passado: pacotes, tabelamentos, pactos sociais, congelamentos, "tablitas", confiscos, fiscais do Sarney, caça ao boi no pasto e mais uma infinidade de bobagens heterodoxas para acabar com a inflação no porrete. Quem não tem memória curta sabe que essas estratégias, mais cedo ou mais tarde, fracassarão. E fracassarão simplesmente porque estão focadas não nas causas do problema, mas nos seus efeitos; não nos verdadeiros inimigos, mas nas próprias vítimas.
(Como bem dizia o velho Mário Henrique Simonsen: "Para conceber um congelamento – ou tabelamento – não é preciso um doutorado em Harvard ou no MIT: basta não entender nada de economia".)
Depois da crise econômica do início da década, os argentinos escolheram a pior maneira para sair da falência. Após operar um calote de proporções oceânicas – efusivamente aplaudido por toda a esquerda mundial e cantado em prosa e verso como a salvação para todos os países emergentes –, o governo daquele país optou por estimular a recuperação da economia através do velho artifício da elevação dos gastos públicos. Estes, por seu turno, eram financiados, principalmente, pelo uso do imposto inflacionário, via despejo de moeda sem lastro no mercado, e ancorados na manutenção de taxas de juros em patamares artificialmente baixos.
No curto prazo, a estratégia foi um retumbante sucesso. O governo gastou a vontade, sem que precisasse aumentar tributos. O povo, satisfeito com o crescimento de curto prazo e, como sempre, acreditando que existe almoço grátis, se habituou a pensar no Estado como senhor de recursos ilimitados à sua disposição.
Tal política, no entanto, é como uma droga, injetada diretamente na veia do cidadão comum e, principalmente, dos seus representantes eleitos – já que as obras públicas e outras benesses sociais costumam satisfazer os primeiros e tornar extremamente populares os segundos.
Num primeiro instante, os investimentos estatais impulsionam a economia e a criação de empregos, gerando uma falsa impressão de prosperidade. Mais cedo ou mais tarde, no entanto, a inflação sempre cobra o seu preço e, infelizmente, castiga com mais rigor justamente os mais fracos.
Quando o dinheiro começa a desvalorizar-se de forma acelerada, os que mais perdem são aqueles que não dispõem de meios para proteger os seus rendimentos.
Mas eu não choro por vocês, hermanos. Vocês estão colhendo exatamente aquilo que plantaram quando escolheram seus governantes e, principalmente, o modelo econômico que desejavam.
Capitalismo de Estado no Brasil - Wall Street Journal
Para ''WSJ'', BNDES é responsável por aquecimento da economia
Gustavo Chacra
O Estado de S. Paulo, 14/06/2011
Os empréstimos com crédito fácil para grandes corporações brasileiras pelo BNDES têm sido um dos principais responsáveis pelo aquecimento da economia do Brasil, ao mesmo tempo em que eleva o risco de inflação. A avaliação é de reportagem de capa do Wall Street Journal de ontem, na qual foi entrevistada uma série de economistas no País e nos Estados Unidos.
A advertência segue na mesma linha de outra matéria, publicada na revista The Economist há algumas semanas, e demonstra o início de uma preocupação com o cenário brasileiro no mercado internacional. O Brasil ainda é uma das estrelas do momento, mas aumentou a cautela devido ao risco de inflação.
As ações do Banco Central, elevando a taxa de juros para 12,25%, considerada a maior entre as grandes economias mundiais, buscam aliviar um pouco as ações do BNDES, segundo o Wall Street Journal. Mas "estas iniciativas opostas (do BC e do BNDES) indicam o papel central, e cada vez mais controverso, do banco de investimentos do Estado em projetos como portos e aquisições de empresas", diz o jornal.
O Wall Street Journal cita números afirmando que, no ano passado, o BNDES emprestou a empresas brasileiras o triplo do total emprestado para mais de cem países pelo Banco Mundial. Segundo economistas entrevistados pelo jornal, se o banco continuar com esses empréstimos, a inflação tende a aumentar. As ações ligadas ao banco de desenvolvimento também teriam contribuído para valorizar o real cerca de 40% em relação ao dólar nos últimos dois anos, afetando os exportadores brasileiros.
O jornal adverte ainda para a redução na expansão brasileira neste ano. E a economia, segundo especialistas, deve crescer entre 3,5% e 4% neste ano, certa da metade do ano passado. De acordo com o Wall Street Journal, também começaram especulações sobre a possível explosão na bolha do mercado imobiliário brasileiro, com preços aumentando a uma taxa porcentual de mais de dois dígitos.
Para a consultoria de risco político Eurasia, usada pela maior parte dos bancos e fundos de investimento dos Estados Unidos, as informações de que o Tesouro brasileiro poderá conter os empréstimos autorizados para o BNDES não afetarão o nível de investimentos do banco de desenvolvimento, já que os fundos para 2011 estão garantidos.
O Wall Street Journal, por sua vez, lembra ainda que essa contenção será difícil de ser aplicada diante da necessidade de melhoras na infraestrutura brasileira com a proximidade da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio. Apenas para a ferrovia de alta velocidade ligando São Paulo ao Rio "o BNDES deve emprestar US$ 13 bilhões".
===========
Capitalismo à brasileira - E mais R$ 55 bilhões estão a caminho do BNDES…
Reinaldo Azevedo, 14/06/2011
A Medida Provisória que permite ao BNDES receber uma nova bolada do Tesouro foi aprovada na Câmara. Leiam o que informa Maria Clara Cabral, na Folha Online. Volto em seguida:
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira medida provisória que autoriza a União a conceder crédito de R$ 55 bilhões ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para aumentar sua capacidade de financiamento. O texto segue para o Senado. A proposta aprovada tem poucas mudanças com relação ao texto original. Uma delas é a extensão do prazo para a contratação de operações de crédito pelo BNDES no (PSI) Programa de Sustentação do Investimento de dezembro de 2011 para 30 de junho de 2012. Elimina, no entanto, a autorização para que o Executivo prorrogue esse prazo, o que terá que ser feito por lei. No novo texto, há duas medidas de transparência, que obrigam o BNDES a encaminhar ao Congresso relatórios trimestrais sobre operações contratadas e realizadas com subvenção e os créditos da União.
Voltei
Os beneficiários dos empréstimos do BNDES certamente acham que as coisas são assim mesmo, né? Isso até se parece com capitalismo e coisa e tal. Por conta dos patrulheiros, poderia deixar de lado o que segue, mas quem dá bola pra eles? Quem explicou direitinho essa relação entre Tesouro, BNDES e financiamento foi José Serra. Transcrevo um trecho do texto publicado em seu site (íntegra aqui):
(…)
Poderíamos equiparar o Tesouro brasileiro a um banco muito especial. Em uma de suas modalidades de operação como instituição financeira, o Tesouro começa captando empréstimos no mercado mediante a emissão de títulos da dívida pública, à taxa SELIC, que é a taxa de juros básica da economia. Empresta, então, ao BNDES, a uma taxa bem menor, chamada Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP. O total desses créditos especiais do Tesouro às instituições financeiras oficiais é enorme: equivalia a 6,8% do PIB no fim de abril. No fim de 2010, o passivo do BNDES junto ao Tesouro Nacional já era de 51,4% do total do passivo do banco, o que indica que o BNDES é cada vez mais um braço de operação do Tesouro Nacional.
Na aparência, essa operação não eleva a dívida pública brasileira, que costuma ser medida pelo conceito líquido, que é o utilizado no Brasil (o resto do mundo prefere o conceito de dívida bruta). Em termos de dívida líquida, o passivo gerado pelo dinheiro que o Tesouro tomou no mercado é contrabalançado pelo ativo do empréstimo feito ao BNDES. Se ficasse tudo zerado, maravilha!
Acontece que há um subsídio implícito na operação, pois a taxa SELIC (referência para aquilo que o Tesouro deve) é bem mais alta do que TJLP (que remunera seu crédito) - neste ano, tem sido mais de 100% superior. Ou seja, o Tesouro paga uma taxa de mais de 12% ao ano para se financiar e empresta ao BNDES a uma taxa de 6% ao ano. Esse subsídio é pago por toda a sociedade, mas beneficia apenas quem toma empréstimos nos bancos oficiais com taxas especiais. Seu montante foi estimado em cerca de R$ 15 bilhões pelo economista Mansueto de Almeida, mesmo antes de a SELIC voltar a ser elevada. Trata-se de uma despesa explicita que não é aprovada, como tal, no Orçamento Geral da União, além de atentar contra a boa transparência das contas públicas.
Mas há um segundo custo, este orçamentário, da equalização de taxas do Programa de Financiamento às Exportações Brasileiras (PROEX) ou mesmo as equalizações de taxas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Embora o Ministro da Fazenda já tenha declarado que o custo desse subsídio monta a R$ 5 bilhões por ano, os pagamentos correspondentes não apareceram até o momento nas tabelas de gasto do Tesouro Nacional. Esse custo orçamentário, quando somado ao subsídio implícito indicado acima, aponta para um custo total de, no mínimo, R$ 20 bilhões ao ano.
A íntegra do post está aqui:
Um banco muito especial. Ou ciranda, cirandinha…
José Serra, 06/06/2011
Sabem qual é a maior instituição financeira da economia brasileira? O Tesouro Nacional, ele mesmo. Não há nenhuma outra que detenha, como o TN, um volume de crédito equivalente a 14% do PIB (fim de abril ), diretamente contra bancos oficiais federais ou por meio de fundos e programas. Desses, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é o maior de todos (3,9% do PIB, na rede bancária). Mas há outros importantes, como os fundos de desenvolvimento regional ou setoriais (marinha mercante). Se fosse incluída a dívida renegociada com estados e municípios (11,5% do PIB), o volume de crédito seria superior a 25%.
A rigor, o Tesouro não é um banco, mas o fato é que fornece crédito como se fosse: firma contratos de empréstimos, com juros, prazos etc. Não sei quantos outros Tesouros fazem isso no mundo. Fato é que essa não é sua função precípua, talvez nem secundária.
Por analogia, poderíamos equiparar o Tesouro brasileiro a um banco muito especial. Em uma de suas modalidades de operação como instituição financeira, o Tesouro começa captando empréstimos no mercado mediante a emissão de títulos da dívida pública, à taxa SELIC, que é a taxa de juros básica da economia. Empresta, então, ao BNDES, a uma taxa bem menor, chamada Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP. O total desses créditos especiais do Tesouro às instituições financeiras oficiais é enorme: equivalia a 6,8% do PIB no fim de abril. No fim de 2010, o passivo do BNDES junto ao Tesouro Nacional já era de 51,4% do total do passivo do banco, o que indica que o BNDES é cada vez mais um braço de operação do Tesouro Nacional.
Na aparência, essa operação não eleva a dívida pública brasileira, que costuma ser medida pelo conceito líquido, que é o utilizado no Brasil (o resto do mundo prefere o conceito de dívida bruta). Em termos de dívida líquida, o passivo gerado pelo dinheiro que o Tesouro tomou no mercado é contrabalançado pelo ativo do empréstimo feito ao BNDES. Se ficasse tudo zerado, maravilha!
Acontece que há um subsídio implícito na operação, pois a taxa SELIC (referência para aquilo que o Tesouro deve) é bem mais alta do que TJLP (que remunera seu crédito) – neste ano, tem sido mais de 100% superior. Ou seja, o Tesouro paga uma taxa de mais de 12% ao ano para se financiar e empresta ao BNDES a uma taxa de 6% ao ano. Esse subsídio é pago por toda a sociedade, mas beneficia apenas quem toma empréstimos nos bancos oficiais com taxas especiais. Seu montante foi estimado em cerca de R$ 15 bilhões pelo economista Mansueto de Almeida, mesmo antes de a SELIC voltar a ser elevada. Trata-se de uma despesa explicita que não é aprovada, como tal, no Orçamento Geral da União, além de atentar contra a boa transparência das contas públicas.
Mas há um segundo custo, este orçamentário, da equalização de taxas do Programa de Financiamento às Exportações Brasileiras (PROEX) ou mesmo as
equalizações de taxas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Embora o Ministro da Fazenda já tenha declarado que o custo desse subsídio monta a R$ 5 bilhões por ano, os pagamentos correspondentes não apareceram até o momento nas tabelas de gasto do Tesouro Nacional. Esse custo orçamentário, quando somado ao subsídio implícito indicado acima, aponta para um custo total de, no mínimo, R$ 20 bilhões ao ano.
Há um outro aspecto relevante, que não tem sido apontado. Quem empresta para o Tesouro, comprando seus títulos? São instituições financeiras e empresas
brasileiras que neles aplicam suas disponibilidades de caixa. Mas, ao mesmo tempo, muitas delas tomam empréstimos junto aos bancos federais que recebem o dinheiro do Tesouro. Ou seja, o Tesouro se endivida junto às empresas que tomam o crédito subsidiado dos bancos oficiais alimentados pelo próprio Tesouro. Bela ciranda!
Muitas empresas têm dinheiro para se expandir, mas preferem fazê-lo com financiamento subsidiado do BNDES e aplicar seus recursos próprios a uma taxa de juros maior. Seria um circulo perfeito não fosse vicioso, pois há aquela brutal diferença entre os juros pagos pelo Tesouro e os recebidos por ele e por seus bancos. O próprio BNDES tem o prazer de entrar nessa ciranda, pois elevou sua tradicionalmente pequena carteira de títulos públicos para além de R$ 25 bilhões em 2010!
Ciranda, cirandinha, vamos só alguns cirandar… Os outros, a sociedade quase inteira, só entra na roda para pagar.
PS – Note-se que há mais papéis públicos em mercado do que o total apontado como dívida pública líquida, conceito oficial para medir o endividamento público: 42,3% em dívida mobiliária direta do Tesouro mais 9,9% em operações compromissadas do Banco Central (fim de abril)
Gustavo Chacra
O Estado de S. Paulo, 14/06/2011
Os empréstimos com crédito fácil para grandes corporações brasileiras pelo BNDES têm sido um dos principais responsáveis pelo aquecimento da economia do Brasil, ao mesmo tempo em que eleva o risco de inflação. A avaliação é de reportagem de capa do Wall Street Journal de ontem, na qual foi entrevistada uma série de economistas no País e nos Estados Unidos.
A advertência segue na mesma linha de outra matéria, publicada na revista The Economist há algumas semanas, e demonstra o início de uma preocupação com o cenário brasileiro no mercado internacional. O Brasil ainda é uma das estrelas do momento, mas aumentou a cautela devido ao risco de inflação.
As ações do Banco Central, elevando a taxa de juros para 12,25%, considerada a maior entre as grandes economias mundiais, buscam aliviar um pouco as ações do BNDES, segundo o Wall Street Journal. Mas "estas iniciativas opostas (do BC e do BNDES) indicam o papel central, e cada vez mais controverso, do banco de investimentos do Estado em projetos como portos e aquisições de empresas", diz o jornal.
O Wall Street Journal cita números afirmando que, no ano passado, o BNDES emprestou a empresas brasileiras o triplo do total emprestado para mais de cem países pelo Banco Mundial. Segundo economistas entrevistados pelo jornal, se o banco continuar com esses empréstimos, a inflação tende a aumentar. As ações ligadas ao banco de desenvolvimento também teriam contribuído para valorizar o real cerca de 40% em relação ao dólar nos últimos dois anos, afetando os exportadores brasileiros.
O jornal adverte ainda para a redução na expansão brasileira neste ano. E a economia, segundo especialistas, deve crescer entre 3,5% e 4% neste ano, certa da metade do ano passado. De acordo com o Wall Street Journal, também começaram especulações sobre a possível explosão na bolha do mercado imobiliário brasileiro, com preços aumentando a uma taxa porcentual de mais de dois dígitos.
Para a consultoria de risco político Eurasia, usada pela maior parte dos bancos e fundos de investimento dos Estados Unidos, as informações de que o Tesouro brasileiro poderá conter os empréstimos autorizados para o BNDES não afetarão o nível de investimentos do banco de desenvolvimento, já que os fundos para 2011 estão garantidos.
O Wall Street Journal, por sua vez, lembra ainda que essa contenção será difícil de ser aplicada diante da necessidade de melhoras na infraestrutura brasileira com a proximidade da Copa do Mundo e da Olimpíada do Rio. Apenas para a ferrovia de alta velocidade ligando São Paulo ao Rio "o BNDES deve emprestar US$ 13 bilhões".
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Capitalismo à brasileira - E mais R$ 55 bilhões estão a caminho do BNDES…
Reinaldo Azevedo, 14/06/2011
A Medida Provisória que permite ao BNDES receber uma nova bolada do Tesouro foi aprovada na Câmara. Leiam o que informa Maria Clara Cabral, na Folha Online. Volto em seguida:
A Câmara dos Deputados aprovou nesta terça-feira medida provisória que autoriza a União a conceder crédito de R$ 55 bilhões ao BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) para aumentar sua capacidade de financiamento. O texto segue para o Senado. A proposta aprovada tem poucas mudanças com relação ao texto original. Uma delas é a extensão do prazo para a contratação de operações de crédito pelo BNDES no (PSI) Programa de Sustentação do Investimento de dezembro de 2011 para 30 de junho de 2012. Elimina, no entanto, a autorização para que o Executivo prorrogue esse prazo, o que terá que ser feito por lei. No novo texto, há duas medidas de transparência, que obrigam o BNDES a encaminhar ao Congresso relatórios trimestrais sobre operações contratadas e realizadas com subvenção e os créditos da União.
Voltei
Os beneficiários dos empréstimos do BNDES certamente acham que as coisas são assim mesmo, né? Isso até se parece com capitalismo e coisa e tal. Por conta dos patrulheiros, poderia deixar de lado o que segue, mas quem dá bola pra eles? Quem explicou direitinho essa relação entre Tesouro, BNDES e financiamento foi José Serra. Transcrevo um trecho do texto publicado em seu site (íntegra aqui):
(…)
Poderíamos equiparar o Tesouro brasileiro a um banco muito especial. Em uma de suas modalidades de operação como instituição financeira, o Tesouro começa captando empréstimos no mercado mediante a emissão de títulos da dívida pública, à taxa SELIC, que é a taxa de juros básica da economia. Empresta, então, ao BNDES, a uma taxa bem menor, chamada Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP. O total desses créditos especiais do Tesouro às instituições financeiras oficiais é enorme: equivalia a 6,8% do PIB no fim de abril. No fim de 2010, o passivo do BNDES junto ao Tesouro Nacional já era de 51,4% do total do passivo do banco, o que indica que o BNDES é cada vez mais um braço de operação do Tesouro Nacional.
Na aparência, essa operação não eleva a dívida pública brasileira, que costuma ser medida pelo conceito líquido, que é o utilizado no Brasil (o resto do mundo prefere o conceito de dívida bruta). Em termos de dívida líquida, o passivo gerado pelo dinheiro que o Tesouro tomou no mercado é contrabalançado pelo ativo do empréstimo feito ao BNDES. Se ficasse tudo zerado, maravilha!
Acontece que há um subsídio implícito na operação, pois a taxa SELIC (referência para aquilo que o Tesouro deve) é bem mais alta do que TJLP (que remunera seu crédito) - neste ano, tem sido mais de 100% superior. Ou seja, o Tesouro paga uma taxa de mais de 12% ao ano para se financiar e empresta ao BNDES a uma taxa de 6% ao ano. Esse subsídio é pago por toda a sociedade, mas beneficia apenas quem toma empréstimos nos bancos oficiais com taxas especiais. Seu montante foi estimado em cerca de R$ 15 bilhões pelo economista Mansueto de Almeida, mesmo antes de a SELIC voltar a ser elevada. Trata-se de uma despesa explicita que não é aprovada, como tal, no Orçamento Geral da União, além de atentar contra a boa transparência das contas públicas.
Mas há um segundo custo, este orçamentário, da equalização de taxas do Programa de Financiamento às Exportações Brasileiras (PROEX) ou mesmo as equalizações de taxas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Embora o Ministro da Fazenda já tenha declarado que o custo desse subsídio monta a R$ 5 bilhões por ano, os pagamentos correspondentes não apareceram até o momento nas tabelas de gasto do Tesouro Nacional. Esse custo orçamentário, quando somado ao subsídio implícito indicado acima, aponta para um custo total de, no mínimo, R$ 20 bilhões ao ano.
A íntegra do post está aqui:
Um banco muito especial. Ou ciranda, cirandinha…
José Serra, 06/06/2011
Sabem qual é a maior instituição financeira da economia brasileira? O Tesouro Nacional, ele mesmo. Não há nenhuma outra que detenha, como o TN, um volume de crédito equivalente a 14% do PIB (fim de abril ), diretamente contra bancos oficiais federais ou por meio de fundos e programas. Desses, o Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) é o maior de todos (3,9% do PIB, na rede bancária). Mas há outros importantes, como os fundos de desenvolvimento regional ou setoriais (marinha mercante). Se fosse incluída a dívida renegociada com estados e municípios (11,5% do PIB), o volume de crédito seria superior a 25%.
A rigor, o Tesouro não é um banco, mas o fato é que fornece crédito como se fosse: firma contratos de empréstimos, com juros, prazos etc. Não sei quantos outros Tesouros fazem isso no mundo. Fato é que essa não é sua função precípua, talvez nem secundária.
Por analogia, poderíamos equiparar o Tesouro brasileiro a um banco muito especial. Em uma de suas modalidades de operação como instituição financeira, o Tesouro começa captando empréstimos no mercado mediante a emissão de títulos da dívida pública, à taxa SELIC, que é a taxa de juros básica da economia. Empresta, então, ao BNDES, a uma taxa bem menor, chamada Taxa de Juros de Longo Prazo, a TJLP. O total desses créditos especiais do Tesouro às instituições financeiras oficiais é enorme: equivalia a 6,8% do PIB no fim de abril. No fim de 2010, o passivo do BNDES junto ao Tesouro Nacional já era de 51,4% do total do passivo do banco, o que indica que o BNDES é cada vez mais um braço de operação do Tesouro Nacional.
Na aparência, essa operação não eleva a dívida pública brasileira, que costuma ser medida pelo conceito líquido, que é o utilizado no Brasil (o resto do mundo prefere o conceito de dívida bruta). Em termos de dívida líquida, o passivo gerado pelo dinheiro que o Tesouro tomou no mercado é contrabalançado pelo ativo do empréstimo feito ao BNDES. Se ficasse tudo zerado, maravilha!
Acontece que há um subsídio implícito na operação, pois a taxa SELIC (referência para aquilo que o Tesouro deve) é bem mais alta do que TJLP (que remunera seu crédito) – neste ano, tem sido mais de 100% superior. Ou seja, o Tesouro paga uma taxa de mais de 12% ao ano para se financiar e empresta ao BNDES a uma taxa de 6% ao ano. Esse subsídio é pago por toda a sociedade, mas beneficia apenas quem toma empréstimos nos bancos oficiais com taxas especiais. Seu montante foi estimado em cerca de R$ 15 bilhões pelo economista Mansueto de Almeida, mesmo antes de a SELIC voltar a ser elevada. Trata-se de uma despesa explicita que não é aprovada, como tal, no Orçamento Geral da União, além de atentar contra a boa transparência das contas públicas.
Mas há um segundo custo, este orçamentário, da equalização de taxas do Programa de Financiamento às Exportações Brasileiras (PROEX) ou mesmo as
equalizações de taxas do Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf), no âmbito do Programa de Sustentação do Investimento (PSI). Embora o Ministro da Fazenda já tenha declarado que o custo desse subsídio monta a R$ 5 bilhões por ano, os pagamentos correspondentes não apareceram até o momento nas tabelas de gasto do Tesouro Nacional. Esse custo orçamentário, quando somado ao subsídio implícito indicado acima, aponta para um custo total de, no mínimo, R$ 20 bilhões ao ano.
Há um outro aspecto relevante, que não tem sido apontado. Quem empresta para o Tesouro, comprando seus títulos? São instituições financeiras e empresas
brasileiras que neles aplicam suas disponibilidades de caixa. Mas, ao mesmo tempo, muitas delas tomam empréstimos junto aos bancos federais que recebem o dinheiro do Tesouro. Ou seja, o Tesouro se endivida junto às empresas que tomam o crédito subsidiado dos bancos oficiais alimentados pelo próprio Tesouro. Bela ciranda!
Muitas empresas têm dinheiro para se expandir, mas preferem fazê-lo com financiamento subsidiado do BNDES e aplicar seus recursos próprios a uma taxa de juros maior. Seria um circulo perfeito não fosse vicioso, pois há aquela brutal diferença entre os juros pagos pelo Tesouro e os recebidos por ele e por seus bancos. O próprio BNDES tem o prazer de entrar nessa ciranda, pois elevou sua tradicionalmente pequena carteira de títulos públicos para além de R$ 25 bilhões em 2010!
Ciranda, cirandinha, vamos só alguns cirandar… Os outros, a sociedade quase inteira, só entra na roda para pagar.
PS – Note-se que há mais papéis públicos em mercado do que o total apontado como dívida pública líquida, conceito oficial para medir o endividamento público: 42,3% em dívida mobiliária direta do Tesouro mais 9,9% em operações compromissadas do Banco Central (fim de abril)
Capitalismo de Estado no Brasil - revista Epoca
Um levantamento inédito de ÉPOCA identifica 675 empresas na órbita do governo federal e revela a extensão da interferência estatal na economia
Revista Época, 13/06/2011
José Fucs e Marcos Coronato, com Keila Cândido, Matheus Paggi, Camila Camilo, Danilo Thomaz e Juliana Elias
A queda do Muro de Berlim parecia ter encerrado o debate sobre o tamanho do Estado na economia. Com a vitória de um sistema baseado na livre-iniciativa – o capitalismo – sobre outro baseado no planejamento estatal – o socialismo –, a conclusão era cristalina: o governo deveria limitar ao mínimo a regulação sobre as atividades privadas e cuidar (bem) dos serviços básicos, como saúde, educação, justiça e segurança. Deveria ser apenas um bandeirinha, no máximo o juiz do jogo econômico – nunca técnico, zagueiro ou artilheiro. Em setembro de 2008, porém, com a eclosão da crise global, os governos de quase todo o mundo tiveram de injetar trilhões de dólares para reanimar suas economias. Nos Estados Unidos e em outros países, o Estado assumiu o controle de bancos, seguradoras e até mesmo de montadoras de automóveis à beira da falência. Foi a deixa para a ressurreição dos críticos do modelo liberal, que predominara por quase três décadas e garantira ao planeta uma era de crescimento sem igual na história. Vozes antes relegadas a um papel secundário no debate voltaram à cena com ares de protagonistas. Uma delas, o economista americano Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, afirmou recentemente a ÉPOCA: “Não é o tamanho do Estado que importa, é o que o governo faz”.
Vá lá. Mas o que, exatamente, faz o governo num país de economia complexa como o Brasil? Trata-se, como o próprio Stiglitz há de reconhecer, de uma questão importantíssima – mas de resposta dificílima. O governo brasileiro regula a atividade econômica? Regula. O Estado é dono de empresas? Também. É sócio de empresas que não controla totalmente? Certamente. E ainda é dono de bancos mastodônticos e de companhias gigantescas, que detêm participações em uma fauna de empresas de todas as espécies. Para não falar no controle que exerce sobre os fundos de pensão das estatais, os maiores investidores do mercado. De diferentes formas, o governo interfere na gestão de algumas das maiores empresas privadas nacionais, em setores tão distantes quanto metalurgia, criação de animais para abate ou telefonia. A teia de interesses estatais nos negócios é tão complexa, tem tantas facetas e envolve tantos conflitos de interesse que o próprio governo não consegue avaliá-la de modo preciso. Nem o Ministério do Planejamento, a que está ligado o Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, nem a Secretaria do Tesouro Nacional, que controla o caixa federal, sabem quantas empresas no país têm participação estatal. E não há, em nenhuma repartição de Brasília, um diagnóstico completo da atuação e da influência do governo sobre nossa economia.
Nos últimos três meses, uma equipe de jornalistas de ÉPOCA dedicou-se a desfazer o nevoeiro que encobre essa questão. Com o apoio da empresa de informações financeiras Economática, mergulhamos em relatórios ministeriais, balanços e planilhas de dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), das estatais, da Bolsa de Valores e das empresas privadas sob influência do governo. Restringimos nosso trabalho às participações do governo federal – um critério conservador para estimar o tamanho do Estado, por omitir as estatais em poder de Estados e municípios. Mesmo assim, o levantamento inédito, cujos resultados são apresentados a partir da página 71 e estão disponíveis de modo interativo em epoca.com.br e em nossa edição para iPad, revela um quadro preocupante. No futebol da economia brasileira, o governo não é apenas juiz, bandeirinha, técnico, zagueiro e artilheiro ao mesmo tempo. Ele também corta o gramado do estádio, costura as redes e – se quiser – pode até mexer no tamanho das traves.
“O governo é um dinossauro insaciável. Nunca tivemos um capitalismo de Estado tão evidente”, diz um economista
De acordo com o levantamento, existem hoje no país pelo menos 675 empresas de todos os setores com algum tipo de participação ou influência do governo federal. São participações diretas ou indiretas do Tesouro, dos bancos e das empresas estatais ou dos fundos de pensão (entidades híbridas, inegavelmente na órbita do governo). Dessas, o governo controla 276, se somarmos todos os tipos de participação. Levando em conta apenas as 628 empresas não financeiras, o faturamento soma R$ 1,06 trilhão, algo como 30% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ou 2,5 vezes as vendas dos 50 maiores grupos privados nacionais (leia o gráfico abaixo) . Nas 247 empresas não financeiras controladas pelo governo, as vendas somam R$ 468,5 bilhões, ou 13% do PIB. E o valor de mercado das 99 empresas cujas ações são negociadas na BM&FBovespa totaliza R$ 1,7 trilhão, ou 71% do valor de mercado das empresas na Bolsa. A interferência do Estado na economia via estatais, BNDES e fundos de pensão é tão intensa que, durante a pesquisa, ÉPOCA teve de atualizar os dados de muitas companhias que receberam recentemente dinheiro do governo, como o frigorífico JBS ou a Cipher, especializada em sistema de segurança de informação. “O governo brasileiro é um dinossauro com apetite insaciável. Nunca tivemos um capitalismo de Estado tão evidente”, diz o economista Rodrigo Constantino, sócio da Graphus Capital, uma empresa de gestão de recursos do Rio de Janeiro.
No Brasil, a visão do Estado-empresário nunca teve dificuldades para angariar fãs. “A partir do governo Lula, houve uma mudança no entendimento do papel que o Estado deve ter no capitalismo brasileiro”, afirma o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, ex-presidente do BNDES e um dos responsáveis pelas privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. “Eles renegaram a privatização, começaram a gastar demais e a interferir na gestão de empresas privadas. Começou a aparecer essa face do PT, de que o governo deve ser o agente mais importante de uma economia como a nossa.” Mas o próprio PSDB, preocupado em se livrar do estigma de privatista, estuda apresentar uma emenda constitucional para impedir que Petrobras, Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica sejam privatizados. “Os brasileiros amam o Estado, querem mais Estado”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e ex-economista-chefe do Santander. “A ideia de que o governo resolverá todos os problemas está entranhada na cultura nacional.”
Em seus oito anos de governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou sete novas estatais: o Banco Popular do Brasil (BPB), que nem existe mais, a Hemobrás (para fabricação de hemoderivados), a Empresa Brasileira de Comunicações (EBC), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a Pré-Sal Petróleo, a Ceitec (para fabricar chips e microcondutores) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, designada pela impronunciável sigla EBSERH, cujo objetivo seria prestar serviços gratuitos e apoiar o ensino e a pesquisa nos hospitais universitários federais (esta última não vingou, pois a medida provisória que a criava caducou). Além de criar as novas empresas, Lula investiu quase R$ 100 bilhões nas estatais já existentes e concedeu a elas empréstimos do Tesouro de quase R$ 200 bilhões, principalmente ao BNDES. Houve ainda o renascimento de estatais como a Telebrás, a holding de telefonia cujas subsidiárias foram privatizadas em 1998, e os investimentos bilionários feitos por BNDES, estatais e fundos de pensão na compra de participações em grandes grupos privados. O governo estimulou fusões generalizadas entre empresas privadas, como a Oi, da área de telefonia, resultado da união da Brasil Telecom com a Telemar. Nos primeiros seis meses do governo da presidente Dilma Rousseff, o avanço do Estado sobre o mundo dos negócios continua em ritmo acelerado. Alguns exemplos:
• Num leilão realizado no final de maio, o Banco do Brasil (BB) ganhou o direito de explorar o Banco Postal, a rede de serviços bancários dos Correios, a partir de 2012. Com um lance de R$ 2,3 bilhões, o BB superou a oferta do Bradesco, que operava o Banco Postal desde 2002;
• No final de maio, o BNDES anunciou a conversão de uma dívida de R$ 3,5 bilhões do JBS, o maior frigorífico de carne bovina do mundo, em ações da empresa e ampliou sua fatia no capital de 17% para 31%;
• Quase ao mesmo tempo, o governo patrocinou a troca de comando da Vale, a segunda maior mineradora global, por discordar de sua política de investimento. Embora afastado da Vale desde a privatização, em 1997, o governo usou sua força nos fundos de pensão que detêm o controle da empresa, para impor uma diretoria simpática a seus planos;
• Em abril, o Congresso Nacional aprovou um projeto do governo que criou mais uma estatal, a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), para gerenciar o projeto do trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Ele terá financiamento de R$ 20 bilhões a juros camaradas do BNDES (20% acima do gasto previsto para o Bolsa Família em 2011);
Embora a decisão de privatizar os aeroportos, anunciada em maio, seja um sinal importante, ela não significa que Dilma tenha subitamente aderido à causa da privatização, palavra demonizada por ela mesma durante a campanha eleitoral. A medida reflete apenas o reconhecimento tardio de que o governo não tem dinheiro para modernizar os aeroportos e prepará-los para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Só que o país precisa investir pesado em infraestrutura nos próximos anos – e não apenas para a Copa e a Olimpíada. Os gargalos de nossa economia oneram toda a produção e reduzem a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Além dos aeroportos, é preciso modernizar e ampliar portos, estradas, ferrovias, a geração e distribuição de energia e os sistemas de água e esgoto. De acordo com cálculos do BNDES, as obras exigirão R$ 1 trilhão até 2014. E o governo não tem os recursos necessários para bancá-las. “Apesar de sermos um país que optou por ter um Estado grande, temos um Estado que investe muito pouco”, diz o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, hoje sócio da Gávea Investimentos. Também falta poupança interna para financiar todos os investimentos necessários. Sem o capital estrangeiro, portanto, é impossível alcançar a meta.
A decisão de fazer concessão de aeroportos não significa que Dilma tenha aderido à causa da privatização
De acordo com o banqueiro Henrique Meirelles, que comandou o Banco Central no governo Lula, se houvesse um ambiente de negócios mais atraente no país, o capital estrangeiro, sedento por boas oportunidades de investimento, viria em proporções cavalares. Há aí um espaço gigantesco a trabalhar. O Brasil é hoje o país emergente com a maior carga tributária do mundo, na faixa de 36% do PIB. Nossa legislação trabalhista obriga as empresas a pagar um salário adicional ao governo, além do que já paga ao trabalhador – é um fardo pesado. “O Brasil é um dos países em que é mais difícil empreender”, diz o empresário Jorge Gerdau, que aceitou recentemente comandar a Câmara de Gestão e Planejamento do governo Dilma. “Isso tem origem direta na ineficiência do Estado, prejudica a geração de emprego e renda e faz o Brasil perder oportunidades.” Na gestão de empresas, o Estado costuma ser bem menos eficiente do que a iniciativa privada. “Em geral, quanto mais coisas o governo tenta controlar, menos eficiente ele é”, diz o economista italiano Luigi Zingales, da Universidade de Chicago. Não é à toa que, segundo o levantamento mais recente do Fórum Econômico Mundial, o setor privado brasileiro está em 39º lugar no ranking de competitividade global, entre 139 países, enquanto o setor público ocupa apenas a 130ª posição.
Considerando tudo isso, é pouco provável que o governo consiga desatar o nó dos investimento, para permitir que o país cresça a taxas elevadas sem alimentar a inflação. Como é a iniciativa privada que financia a sede do Estado por recursos, de um jeito ou de outro, a conta da gastança chega. Depois dos trilhões gastos para erguer o mundo da crise, em diversos países – inclusive no Brasil – a dívida pública se multiplicou, e os governos começaram a cortar despesas para equilibrar o orçamento. No Primeiro Mundo, políticos conservadores estão ganhando as eleições com um discurso concentrado na austeridade fiscal e na contenção dos arroubos expansionistas do Estado. Nos EUA, os republicanos ganharam a maioria do Congresso nas eleições de 2010. Também no ano passado, o conservador David Cameron tomou o lugar do trabalhista Gordon Brown como primeiro-ministro na Inglaterra. Na Espanha, o fenômeno se repetiu em maio. A população mais esclarecida sabe que, no final, o custo sobra para ela, por meio do aumento de impostos, da inflação e das taxas de juro.
No Brasil, a estrutura de gastos públicos não dá muita margem de manobra. Do total de despesas, dois terços são consumidos apenas com a folha de pagamentos do funcionalismo federal e dos benefícios aos aposentados e pensionistas da Previdência Social. No início do ano, o Ministério da Fazenda até anunciou cortes tímidos, de R$ 50 bilhões, no gasto público. Mas esse número fica aquém das necessidades para equilibrar as contas. O essencial é deixar de lado o discurso ideológico e analisar friamente os benefícios de vender ativos – tradução: privatizar – no atual cenário. “É inevitável fazer a privatização”, diz o economista Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O governo precisa sair da armadilha criada pelo Lula em 2006”, afirma Mendonça de Barros. “A Copa e a Olimpíada estão aí, e não dá para brincar. O PT é um partido pragmático e se dará conta de que é uma boa hora para quebrar o tabu das privatizações.”
CONTINUIDADE?
Até agora, Dilma seguiu a visão estatista adotada por Lula. A dúvida é se a falta de recursos para investimentos a fará reavaliar a privatizaçãoA última vez que o país implementou um programa consistente de desestatização foi nos anos 1990, na esteira das privatizações e da desregulamentação promovidas pela Inglaterra de Margaret Thatcher e pelos Estados Unidos de Ronald Reagan. O Estado obeso, herança da era Vargas e dos governos militares, passou por uma dieta notável nas gestões de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O governo se desfez de mineradoras, siderurgias, petroquímicas, telefônicas e empresas aéreas. Acabou com o monopólio da Petrobras. Com a privatização, empresas como Vale, CSN e Usiminas voltaram a florescer. Na telefonia, os resultados foram espetaculares. Políticos de centro-esquerda, como Bill Clinton nos EUA, Tony Blair na Inglaterra e o próprio FHC, se viram forçados a abrir mão do viés estatizante de seus partidos para manter-se no poder. O próprio Lula teve, na campanha de 2002, de abandonar antigas bandeiras intervencionistas do PT e comprometer-se a não rever as privatizações, respeitando os contratos assinados.
Depois da crise de 2008, apesar da retomada do crescimento, a ideia de que o Estado pode – ou deve – fazer tudo voltou a ganhar força. “Os países mais bem-sucedidos, como Japão, China, Coreia do Sul e Índia, abriram suas economias de forma gradual e adotaram políticas comerciais e industriais para promover e diversificar suas economias”, diz o economista Dani Rodrik, da Universidade Harvard, EUA, outro defensor do estatismo. “Acaba havendo uma compensação entre a elevação do custo, provocada pelas restrições ao comércio e ao fluxo de capitais, e os benefícios de uma economia mais forte, em que se estimulam setores que, de outro modo, não se desenvolveriam.”
Aqui, as autoridades têm se aproveitado da maré favorável a esse tipo de ideia para ampliar os braços do governo na economia brasileira, seja aumentando a participação em empresas, seja oferecendo crédito subsidiado pelo BNDES. “O BNDES se transformou numa gigantesca máquina de transferência da riqueza dos pagadores de impostos para os aliados do governo. A troca de favores é o meio para o sucesso e o melhor atributo é ser amigo do rei”, diz Rodrigo Constantino. A pretexto de combater a crise, o governo federal parece ter embarcado novamente na ideologia de um estatismo inconsequente.
É provável que, se ele procurasse se concentrar nos três pilares da ação estatal – educação, saúde e segurança –, em vez de alimentar o mito do Estado-empresário, o país funcionaria melhor. Haveria menos corrupção, menos tráfico de influência e menos apadrinhamento. A redução da ação do governo na economia não significa que os mercados devam ser deixados à vontade. O governo pode – e deve – cuidar de sua fiscalização e regulação estabelecendo normas que garantam a qualidade da produção e a boa prestação de serviços à população. Mas o juiz não pode querer chutar a bola no gol.
Revista Época, 13/06/2011
José Fucs e Marcos Coronato, com Keila Cândido, Matheus Paggi, Camila Camilo, Danilo Thomaz e Juliana Elias
A queda do Muro de Berlim parecia ter encerrado o debate sobre o tamanho do Estado na economia. Com a vitória de um sistema baseado na livre-iniciativa – o capitalismo – sobre outro baseado no planejamento estatal – o socialismo –, a conclusão era cristalina: o governo deveria limitar ao mínimo a regulação sobre as atividades privadas e cuidar (bem) dos serviços básicos, como saúde, educação, justiça e segurança. Deveria ser apenas um bandeirinha, no máximo o juiz do jogo econômico – nunca técnico, zagueiro ou artilheiro. Em setembro de 2008, porém, com a eclosão da crise global, os governos de quase todo o mundo tiveram de injetar trilhões de dólares para reanimar suas economias. Nos Estados Unidos e em outros países, o Estado assumiu o controle de bancos, seguradoras e até mesmo de montadoras de automóveis à beira da falência. Foi a deixa para a ressurreição dos críticos do modelo liberal, que predominara por quase três décadas e garantira ao planeta uma era de crescimento sem igual na história. Vozes antes relegadas a um papel secundário no debate voltaram à cena com ares de protagonistas. Uma delas, o economista americano Joseph Stiglitz, prêmio Nobel de Economia em 2001, afirmou recentemente a ÉPOCA: “Não é o tamanho do Estado que importa, é o que o governo faz”.
Vá lá. Mas o que, exatamente, faz o governo num país de economia complexa como o Brasil? Trata-se, como o próprio Stiglitz há de reconhecer, de uma questão importantíssima – mas de resposta dificílima. O governo brasileiro regula a atividade econômica? Regula. O Estado é dono de empresas? Também. É sócio de empresas que não controla totalmente? Certamente. E ainda é dono de bancos mastodônticos e de companhias gigantescas, que detêm participações em uma fauna de empresas de todas as espécies. Para não falar no controle que exerce sobre os fundos de pensão das estatais, os maiores investidores do mercado. De diferentes formas, o governo interfere na gestão de algumas das maiores empresas privadas nacionais, em setores tão distantes quanto metalurgia, criação de animais para abate ou telefonia. A teia de interesses estatais nos negócios é tão complexa, tem tantas facetas e envolve tantos conflitos de interesse que o próprio governo não consegue avaliá-la de modo preciso. Nem o Ministério do Planejamento, a que está ligado o Departamento de Coordenação e Controle das Empresas Estatais, nem a Secretaria do Tesouro Nacional, que controla o caixa federal, sabem quantas empresas no país têm participação estatal. E não há, em nenhuma repartição de Brasília, um diagnóstico completo da atuação e da influência do governo sobre nossa economia.
Nos últimos três meses, uma equipe de jornalistas de ÉPOCA dedicou-se a desfazer o nevoeiro que encobre essa questão. Com o apoio da empresa de informações financeiras Economática, mergulhamos em relatórios ministeriais, balanços e planilhas de dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), das estatais, da Bolsa de Valores e das empresas privadas sob influência do governo. Restringimos nosso trabalho às participações do governo federal – um critério conservador para estimar o tamanho do Estado, por omitir as estatais em poder de Estados e municípios. Mesmo assim, o levantamento inédito, cujos resultados são apresentados a partir da página 71 e estão disponíveis de modo interativo em epoca.com.br
“O governo é um dinossauro insaciável. Nunca tivemos um capitalismo de Estado tão evidente”, diz um economista
De acordo com o levantamento, existem hoje no país pelo menos 675 empresas de todos os setores com algum tipo de participação ou influência do governo federal. São participações diretas ou indiretas do Tesouro, dos bancos e das empresas estatais ou dos fundos de pensão (entidades híbridas, inegavelmente na órbita do governo). Dessas, o governo controla 276, se somarmos todos os tipos de participação. Levando em conta apenas as 628 empresas não financeiras, o faturamento soma R$ 1,06 trilhão, algo como 30% do nosso Produto Interno Bruto (PIB) ou 2,5 vezes as vendas dos 50 maiores grupos privados nacionais (leia o gráfico abaixo) . Nas 247 empresas não financeiras controladas pelo governo, as vendas somam R$ 468,5 bilhões, ou 13% do PIB. E o valor de mercado das 99 empresas cujas ações são negociadas na BM&FBovespa totaliza R$ 1,7 trilhão, ou 71% do valor de mercado das empresas na Bolsa. A interferência do Estado na economia via estatais, BNDES e fundos de pensão é tão intensa que, durante a pesquisa, ÉPOCA teve de atualizar os dados de muitas companhias que receberam recentemente dinheiro do governo, como o frigorífico JBS ou a Cipher, especializada em sistema de segurança de informação. “O governo brasileiro é um dinossauro com apetite insaciável. Nunca tivemos um capitalismo de Estado tão evidente”, diz o economista Rodrigo Constantino, sócio da Graphus Capital, uma empresa de gestão de recursos do Rio de Janeiro.
No Brasil, a visão do Estado-empresário nunca teve dificuldades para angariar fãs. “A partir do governo Lula, houve uma mudança no entendimento do papel que o Estado deve ter no capitalismo brasileiro”, afirma o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro das Comunicações, ex-presidente do BNDES e um dos responsáveis pelas privatizações no governo Fernando Henrique Cardoso. “Eles renegaram a privatização, começaram a gastar demais e a interferir na gestão de empresas privadas. Começou a aparecer essa face do PT, de que o governo deve ser o agente mais importante de uma economia como a nossa.” Mas o próprio PSDB, preocupado em se livrar do estigma de privatista, estuda apresentar uma emenda constitucional para impedir que Petrobras, Banco do Brasil (BB) e Caixa Econômica sejam privatizados. “Os brasileiros amam o Estado, querem mais Estado”, diz o economista Alexandre Schwartsman, ex-diretor do Banco Central e ex-economista-chefe do Santander. “A ideia de que o governo resolverá todos os problemas está entranhada na cultura nacional.”
Em seus oito anos de governo, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva criou sete novas estatais: o Banco Popular do Brasil (BPB), que nem existe mais, a Hemobrás (para fabricação de hemoderivados), a Empresa Brasileira de Comunicações (EBC), a Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a Pré-Sal Petróleo, a Ceitec (para fabricar chips e microcondutores) e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, designada pela impronunciável sigla EBSERH, cujo objetivo seria prestar serviços gratuitos e apoiar o ensino e a pesquisa nos hospitais universitários federais (esta última não vingou, pois a medida provisória que a criava caducou). Além de criar as novas empresas, Lula investiu quase R$ 100 bilhões nas estatais já existentes e concedeu a elas empréstimos do Tesouro de quase R$ 200 bilhões, principalmente ao BNDES. Houve ainda o renascimento de estatais como a Telebrás, a holding de telefonia cujas subsidiárias foram privatizadas em 1998, e os investimentos bilionários feitos por BNDES, estatais e fundos de pensão na compra de participações em grandes grupos privados. O governo estimulou fusões generalizadas entre empresas privadas, como a Oi, da área de telefonia, resultado da união da Brasil Telecom com a Telemar. Nos primeiros seis meses do governo da presidente Dilma Rousseff, o avanço do Estado sobre o mundo dos negócios continua em ritmo acelerado. Alguns exemplos:
• Num leilão realizado no final de maio, o Banco do Brasil (BB) ganhou o direito de explorar o Banco Postal, a rede de serviços bancários dos Correios, a partir de 2012. Com um lance de R$ 2,3 bilhões, o BB superou a oferta do Bradesco, que operava o Banco Postal desde 2002;
• No final de maio, o BNDES anunciou a conversão de uma dívida de R$ 3,5 bilhões do JBS, o maior frigorífico de carne bovina do mundo, em ações da empresa e ampliou sua fatia no capital de 17% para 31%;
• Quase ao mesmo tempo, o governo patrocinou a troca de comando da Vale, a segunda maior mineradora global, por discordar de sua política de investimento. Embora afastado da Vale desde a privatização, em 1997, o governo usou sua força nos fundos de pensão que detêm o controle da empresa, para impor uma diretoria simpática a seus planos;
• Em abril, o Congresso Nacional aprovou um projeto do governo que criou mais uma estatal, a Empresa de Transporte Ferroviário de Alta Velocidade (Etav), para gerenciar o projeto do trem-bala entre Campinas, São Paulo e Rio de Janeiro. Ele terá financiamento de R$ 20 bilhões a juros camaradas do BNDES (20% acima do gasto previsto para o Bolsa Família em 2011);
Embora a decisão de privatizar os aeroportos, anunciada em maio, seja um sinal importante, ela não significa que Dilma tenha subitamente aderido à causa da privatização, palavra demonizada por ela mesma durante a campanha eleitoral. A medida reflete apenas o reconhecimento tardio de que o governo não tem dinheiro para modernizar os aeroportos e prepará-los para a Copa do Mundo de 2014 e para a Olimpíada de 2016, no Rio de Janeiro. Só que o país precisa investir pesado em infraestrutura nos próximos anos – e não apenas para a Copa e a Olimpíada. Os gargalos de nossa economia oneram toda a produção e reduzem a competitividade dos produtos brasileiros no mercado internacional. Além dos aeroportos, é preciso modernizar e ampliar portos, estradas, ferrovias, a geração e distribuição de energia e os sistemas de água e esgoto. De acordo com cálculos do BNDES, as obras exigirão R$ 1 trilhão até 2014. E o governo não tem os recursos necessários para bancá-las. “Apesar de sermos um país que optou por ter um Estado grande, temos um Estado que investe muito pouco”, diz o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga, hoje sócio da Gávea Investimentos. Também falta poupança interna para financiar todos os investimentos necessários. Sem o capital estrangeiro, portanto, é impossível alcançar a meta.
A decisão de fazer concessão de aeroportos não significa que Dilma tenha aderido à causa da privatização
De acordo com o banqueiro Henrique Meirelles, que comandou o Banco Central no governo Lula, se houvesse um ambiente de negócios mais atraente no país, o capital estrangeiro, sedento por boas oportunidades de investimento, viria em proporções cavalares. Há aí um espaço gigantesco a trabalhar. O Brasil é hoje o país emergente com a maior carga tributária do mundo, na faixa de 36% do PIB. Nossa legislação trabalhista obriga as empresas a pagar um salário adicional ao governo, além do que já paga ao trabalhador – é um fardo pesado. “O Brasil é um dos países em que é mais difícil empreender”, diz o empresário Jorge Gerdau, que aceitou recentemente comandar a Câmara de Gestão e Planejamento do governo Dilma. “Isso tem origem direta na ineficiência do Estado, prejudica a geração de emprego e renda e faz o Brasil perder oportunidades.” Na gestão de empresas, o Estado costuma ser bem menos eficiente do que a iniciativa privada. “Em geral, quanto mais coisas o governo tenta controlar, menos eficiente ele é”, diz o economista italiano Luigi Zingales, da Universidade de Chicago. Não é à toa que, segundo o levantamento mais recente do Fórum Econômico Mundial, o setor privado brasileiro está em 39º lugar no ranking de competitividade global, entre 139 países, enquanto o setor público ocupa apenas a 130ª posição.
Considerando tudo isso, é pouco provável que o governo consiga desatar o nó dos investimento, para permitir que o país cresça a taxas elevadas sem alimentar a inflação. Como é a iniciativa privada que financia a sede do Estado por recursos, de um jeito ou de outro, a conta da gastança chega. Depois dos trilhões gastos para erguer o mundo da crise, em diversos países – inclusive no Brasil – a dívida pública se multiplicou, e os governos começaram a cortar despesas para equilibrar o orçamento. No Primeiro Mundo, políticos conservadores estão ganhando as eleições com um discurso concentrado na austeridade fiscal e na contenção dos arroubos expansionistas do Estado. Nos EUA, os republicanos ganharam a maioria do Congresso nas eleições de 2010. Também no ano passado, o conservador David Cameron tomou o lugar do trabalhista Gordon Brown como primeiro-ministro na Inglaterra. Na Espanha, o fenômeno se repetiu em maio. A população mais esclarecida sabe que, no final, o custo sobra para ela, por meio do aumento de impostos, da inflação e das taxas de juro.
No Brasil, a estrutura de gastos públicos não dá muita margem de manobra. Do total de despesas, dois terços são consumidos apenas com a folha de pagamentos do funcionalismo federal e dos benefícios aos aposentados e pensionistas da Previdência Social. No início do ano, o Ministério da Fazenda até anunciou cortes tímidos, de R$ 50 bilhões, no gasto público. Mas esse número fica aquém das necessidades para equilibrar as contas. O essencial é deixar de lado o discurso ideológico e analisar friamente os benefícios de vender ativos – tradução: privatizar – no atual cenário. “É inevitável fazer a privatização”, diz o economista Roberto Macedo, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda. “O governo precisa sair da armadilha criada pelo Lula em 2006”, afirma Mendonça de Barros. “A Copa e a Olimpíada estão aí, e não dá para brincar. O PT é um partido pragmático e se dará conta de que é uma boa hora para quebrar o tabu das privatizações.”
CONTINUIDADE?
Até agora, Dilma seguiu a visão estatista adotada por Lula. A dúvida é se a falta de recursos para investimentos a fará reavaliar a privatizaçãoA última vez que o país implementou um programa consistente de desestatização foi nos anos 1990, na esteira das privatizações e da desregulamentação promovidas pela Inglaterra de Margaret Thatcher e pelos Estados Unidos de Ronald Reagan. O Estado obeso, herança da era Vargas e dos governos militares, passou por uma dieta notável nas gestões de Fernando Collor, Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. O governo se desfez de mineradoras, siderurgias, petroquímicas, telefônicas e empresas aéreas. Acabou com o monopólio da Petrobras. Com a privatização, empresas como Vale, CSN e Usiminas voltaram a florescer. Na telefonia, os resultados foram espetaculares. Políticos de centro-esquerda, como Bill Clinton nos EUA, Tony Blair na Inglaterra e o próprio FHC, se viram forçados a abrir mão do viés estatizante de seus partidos para manter-se no poder. O próprio Lula teve, na campanha de 2002, de abandonar antigas bandeiras intervencionistas do PT e comprometer-se a não rever as privatizações, respeitando os contratos assinados.
Depois da crise de 2008, apesar da retomada do crescimento, a ideia de que o Estado pode – ou deve – fazer tudo voltou a ganhar força. “Os países mais bem-sucedidos, como Japão, China, Coreia do Sul e Índia, abriram suas economias de forma gradual e adotaram políticas comerciais e industriais para promover e diversificar suas economias”, diz o economista Dani Rodrik, da Universidade Harvard, EUA, outro defensor do estatismo. “Acaba havendo uma compensação entre a elevação do custo, provocada pelas restrições ao comércio e ao fluxo de capitais, e os benefícios de uma economia mais forte, em que se estimulam setores que, de outro modo, não se desenvolveriam.”
Aqui, as autoridades têm se aproveitado da maré favorável a esse tipo de ideia para ampliar os braços do governo na economia brasileira, seja aumentando a participação em empresas, seja oferecendo crédito subsidiado pelo BNDES. “O BNDES se transformou numa gigantesca máquina de transferência da riqueza dos pagadores de impostos para os aliados do governo. A troca de favores é o meio para o sucesso e o melhor atributo é ser amigo do rei”, diz Rodrigo Constantino. A pretexto de combater a crise, o governo federal parece ter embarcado novamente na ideologia de um estatismo inconsequente.
É provável que, se ele procurasse se concentrar nos três pilares da ação estatal – educação, saúde e segurança –, em vez de alimentar o mito do Estado-empresário, o país funcionaria melhor. Haveria menos corrupção, menos tráfico de influência e menos apadrinhamento. A redução da ação do governo na economia não significa que os mercados devam ser deixados à vontade. O governo pode – e deve – cuidar de sua fiscalização e regulação estabelecendo normas que garantam a qualidade da produção e a boa prestação de serviços à população. Mas o juiz não pode querer chutar a bola no gol.
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