Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Não durou um século. O britânico ainda se manteve à frente, com um século e meio, embora não total. O chinês está recém começando: será bom na economia, menos na cultura, desastroso na política e na defesa das liberdades. É, por enquanto, um império orwelliano. Paulo Roberto de Almeida ============== 'Mundo alarmado' começa a questionar 'soft power' dos EUA Antes mesmo das 'cenas de guerra civil', Berlim já havia começado a se afastar de Washington Sob o título "Mundo alarmado pela violência nos EUA", Drudge Report, New York Times e outros, com Associated Press, reportaram como diferentes jornais, do chinês Global Times ao italiano Corriere della Sera, vêm reagindo às cenas dos últimos dias. "Nações ao redor do mundo assistem em horror", começa o texto, que destaca o alemão Bild. Abrindo foto na capa de domingo, com a manchete "Este é o policial assassino que incendiou a América", o tabloide de Berlim vê "cenas de guerra civil". A conflagração já ecoa na disputa geopolítica, a começar da África, como mostra a Foreign Policy. O South China Morning Post, ao manchetar o plano de Trump de criar "um bloco anti-China" a partir do G7, destacou que "o soft power e a liderança dos EUA foram danificados". O próprio encontro do G7 nos EUA foi "adiado após Angela Merkel dizer que não atenderia", noticiou o NYT na home. O site Politico havia antecipado a informação, detalhando que a chanceler alemã e Trump, em conversa, "discordaram acaloradamente" sobre temas como a China. O serviço de notícias da Alemanha, Deutsche Welle, reportou que, antes mesmo da violência, "Coronavírus torna alemães mais críticos dos EUA". Segundo pesquisa Kantar, "73% dizem que sua opinião dos EUA deteriorou" e "só 37% querem laços mais próximos", contra 50% em setembro. DOS EUA À CHINA O Wall Street Journal cobre de perto, nas últimas duas semanas, o afastamento entre Alemanha e EUA —e a aproximação da primeira com a China. Destacou que Pequim "mantém montadoras alemãs em alta velocidade", com recuperação nas vendas, que VW e outras vão investir bilhões no país e até que dois aviões cheios de executivos alemães partiram para a China. Por outro lado, "Embaixador dos EUA na Alemanha vai sair" após dois anos de confrontos com Merkel. GUERRA FINANCEIRA Com chamada na home, coluna no Financial Times alerta que "Nós podemos estar entrando num mundo pós-dólar". Em suma, "China e outros emergentes, assim como alguns países ricos como a Alemanha, adorariam se afastar do domínio do dólar, desejo acentuado pelo uso cada vez maior das finanças como armamento", referência às sanções. Destaca movimentos não só da China, mas da União Europeia. POLÍCIA LÁ E CÁ Jair Bolsonaro tentou faturar via Twitter a ameaça de Trump contra os "terroristas" nos EUA, mas foi João Dória quem enfiou o país no noticiário da revolta. Por Washington Post, com AP, a polícia paulista correu mundo "mirando o grupo anti-Bolsonaro" —e ganhou apoio do governador também via Twitter.
Transcrevo abaixo o que eu escrevi a propósito da designação, na tarde do dia anterior, de um colega de carreira para ser o chanceler do governo Bolsonaro. Por que fiz isso? Porque desta a tarde anterior eu fui questionado, aliás informado, porque não estava prestando atenção à designação de novos ministros pelo presidente eleito, no bunker do CCBB, e fui informado, no final da quarta-feira, 14 de novembro, dessa designação, que tinha sido aventada algum tempo antes, e na qual eu não quis acreditar, pois se tratava de um "diplomata júnior", como se diz, recentemente promovido a ministro de primeira classe (não, ele nunca foi embaixador). Desculpei-me com o jornalista que me informou da designação e pelo fato de não poder dizer muito a respeito do colega, pois sinceramente não sabia de nada sobre seu pensamento, a não ser pelo fato de ele ter co-assinado um livro sobre o Mercosul em 1996 (que eu resenhei) e ter recém publicado um estranho artigo sobre "Trump e o Ocidente", aliás na revista da qual eu era o editor, Cadernos de Política Exterior, como diretor do IPRI, que eu era desde agosto de 2016 (demitido pelo já chanceler, em março de 2019). Eu não tinha tido tempo, até então, de refletir detidamente sobre seu artigo – lembro-me que quando chegou achei muito bizarro, mas eu não sou de censurar nada – e sobretudo de ler seu blog – Metapolítica 17: contra o globalismo –, cujo endereço na rede eu sequer sabia, tendo sido informado por esse jornalista sobre o nome em questão. Mas, só fiz essa postagem, porque continuei a ser indagado por jornalistas sobre o que eu pensava do chanceler designado, e eu não pensava nada, ou quase nada. Fiz então essa postagem, e só depois fui ler os materiais do chanceler designado. Confesso que fiquei estarrecido com o que li, como deveria ficar qualquer diplomata normal. Começou aí a minha exoneração, e avisei meus assistentes que nossa gestão acabaria no dia 1o. ou 2 de janeiro de 2019. Demorou um pouco mais, pois talvez não tivessem encontrado quem colocar em meu lugar. Mas, já no dia 2 "congelaram" o programa de trabalho que eu havia feito para começar a ser desenvolvido imediatamente. Não consegui fazer nada, pois logo depois veio minha saída. O texto abaixo é apenas o testemunho de um momento. Paulo Roberto de Almeida Brasília, 1 de junho de 2020. ============
On Thu, Nov 15, 2018, 10:59 Paulo Roberto de Almeida <paulomre@gmail.com> wrote:
Minha postura quanto ao chanceler designado
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 15/11/2018
Fui consultado, por colegas, amigos, mas sobretudo por jornalistas, sobre minha opinião a respeito do diplomata indicado para assumir o cargo de ministro das Relações Exteriores do Brasil.
Eis o que posso dizer a respeito.
Permito-me não expressar neste momento minha opinião sobre esse colega, pela simples razão de que eu o conheço muito pouco. Conheci-o quando ele ingressou na carreira, em 1992, e ele trabalhava na mesma área, mas em outras funções, em que eu estava, que era o Mercosul, mas depois nos perdemos completamente de vista, devido aos acasos da carreira, com remoções distintas e estágios totalmente desencontrados na Secretaria de Estado.
Eu fiquei 13,5 anos completamente afastado de qualquer cargo na SERE durante todo o regime lulopetista, e não pude, assim, acompanhar sua trajetória no período 2003-2016.
Apenas recentemente soube que ele era casado com a filha do ex-SG Luiz Filipe de Seixas Corrêa, também diplomata.
Não tinha a menor ideia de que ele mantinha uma campanha política militante em favor do candidato vencedor, como transpareceu na imprensa cerca de um mês atrás.
Ou seja, certamente eu o conheço formalmente, mas desconhecia totalmente suas ideias e opiniões políticas.
Difícil assim manifestar qualquer opinião pessoal a respeito desse colega, com quem nunca convivi durante praticamente 26 anos de carreiras paralelas mas jamais coincidentes ou convergentes no tempo ou no espaço.
Se ele foi escolhido pelo presidente eleito a exercer a função política de comandar a diplomacia brasileira no próximo governo, só posso desejar-lhe sucesso na função.
Como diplomata de carreira, vou continuar exercendo meus deveres de maneira totalmente profissional, da mesma forma como eu sempre fiz ao longo de meu desempenho funcional, ao lado de atividades acadêmicas que também sempre exerci, sem prejuízo da carreira ou do exercício funcional.
Isso é tudo, no momento, que eu poderia dizer de modo objetivo sobre o chanceler designado, e de forma intelectualmente honesta, sobre sua postura política ou filosófica, pois ainda não consegui ler muita coisa sobre suas ideias.
Apenas ontem (14/11/2018), e depois da nomeação, tomei conhecimento pela primeira vez de que ele mantém um blog pessoal, para a expressão dessas ideias, o que eu também faço, no Diplomatizzando, mas, no meu caso, geralmente para transcrição de matérias de terceiros, com alguns poucos comentários de minha parte. Não me envolvo, nunca me envolvi, em atividades partidárias, e pretendo assim manter-me invariavelmente à margem desse tipo de opção.
Minhas prioridades principais, no presente momento, ou desde sempre, consistem em preservar o Itamaraty e a diplomacia brasileira de quaisquer desvios indesejados, em termos ideológicos ou políticos, que possam ser considerados nefastos para a manutenção de sua alta qualidade intelectual, de sua grande capacidade de trabalho, puramente profissional, e de uma postura isenta no plano político-ideológico. Acredito, como aliás deve ser, que a política externa é determinada pelo chefe de Estado e de governo, como ocorre nos regimes presidencialistas, cabendo ao Itamaraty aconselhá-lo da melhor forma possível visando à defesa estrita dos altos interesses da nação e do Estado.
Esse debate não deveria render nenhuma CONTROVÉRSIA.
As FFAA não possuem PODER MODERADOR, e não têm NENHUM PAPEL para dirimir conflitos entre poderes, como pretende, EQUIVOCADAMENTE, o jurista Ives Gandra.
Lamento ter de discordar do jurista, mas imagino que, além do fato de ser um conservador e ultra religioso – e NISSO se enganar quanto ao capitão genocida que nos governa, que não é nem conservador, nem religiosa, sendo apenas um OPORTUNISTA mentiroso –, ele pode ser motivado pelo fato de ter uma filha trabalhando para o governo e um filho lotado no TST.
Transcrevo uma matéria sobre o assunto:
Existem momentos, na vida de uma nação, nos quais o dever do cidadão é o de deixar o arado, a ferramenta, a pluma, e dirigir-se à Ágora, para discutir os destinos da comunidade, o futuro da família e a defesa da pátria ameaçada.
Nem sempre o perigo está fora; geralmente vem de dentro, dos que querem arvorar-se em tiranos.
O primeiro dever do cidadão consciente é o de dizer NÃO.
O segundo é o de discutir com seus pares as medidas apropriadas de defesa das liberdades, da democracia, da vida de cada um e da dignidade da nação.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/06/2020
Certos diplomatas se esmeram em agradar os donos temporários do poder.
Causam vergonha a si próprios,
Análise: Os limites do oportunismo vira-casaca no Itamaraty
Hussein Kalout
Hussein Kalout*, O Estado de S.Paulo
01 de junho de 2020 | 09h00
Instituições de Estado hierárquicas, como o Itamaraty, devem responder ao comando político. Se muda o governo, muda a orientação. Cabe à máquina do Estado e a seus funcionários implementar as novas diretrizes. No regime democrático, o governo eleito tem o direito de executar o programa endossado nas urnas. Possui a potestade de mobilizar a estrutura estatal para perseguir seus objetivos, desde que observada a Constituição e demais normas vigentes, inclusive as derivadas do direito internacional.
Essa configuração é o que garante unidade na ação do Estado e de suas burocracias segundo a regra democrática. Seria equivocado, contudo, crer que essas burocracias hierarquizadas e profissionais – em particular os diplomatas, mas também os militares, os policiais federais ou os auditores da Receita, entre outros – constituem meras engrenagens da máquina estatal. Esses corpos de funcionários são também guardiães de visão estratégica de Estado.
É por isso que algumas políticas públicas, como a política externa, são síntese entre as ênfases e orientações do governo do dia (a dimensão de política pública) e objetivos nacionais que não variam ao sabor das conjunturas, mantendo certa perenidade (a dimensão de política de Estado).
No Itamaraty atual, a dimensão de política de Estado foi vilipendiada. Sinal disso é a exigência aos funcionários de uma fidelidade canina à ideologia extremista imposta à nossa diplomacia. Quando se exige que embaixadores defendam o governo não com compostura e sobriedade, mas passem a atuar como militantes, como se viu em cartas de alguns deles a jornais e parlamentares na Europa. Quando alguns deles resolvem envolver-se em altercações públicas desqualificando o interlocutor, rompe-se o delicado equilíbrio entre política partidária, política pública e política de Estado.
A diretriz hoje vigente cobra fervor à causa. Os que se lambuzam na trincheira da luta ideológica, abandonam a diplomacia e adentram o campo minado da militância, transformam-se em integrantes de uma falange atuante no exterior. Nesse contexto, alguns personagens mais afoitos, no afã de mostrar serviço, exageram no oportunismo para se consolidarem no cargo, adulando de maneira rastejante os atuais donos do poder. Alguns, de um ridículo atroz, eram até ontem figurões do governo de esquerda que hoje denunciam. Outros eram medíocres funcionários de governo de centro que se notabilizavam pela sabujice aos mais poderosos.
O chanceler Ernesto Araújo no Itamaraty Foto: Fabio Pozzebom/Agência Brasil
Sempre houve arrivismo em carreira hierárquica e competitiva como a diplomática. A novidade, contudo, é a interpretação contundente de certos diplomatas em seu novo papel de cruzados na defesa da visão de mundo extremista subjacente à atual política externa. O cenário atual é terreno fértil para os propensos a virar a casaca, muito embora, talvez ingenuamente, os oportunistas não percebam que, caso sobrevenha nova mudança de orientação política, certamente não lhes será dada a oportunidade de voltar atrás e repaginar seu perfil uma vez mais. Esses casos mais patológicos já integram lista informal que anda circulando no Itamaraty entre a maioria silenciosa e acabrunhada.
A diplomacia não pode ser tecnocracia descolada das escolhas da população, mas deve ter preservada sua dimensão de política de Estado, que existe para salvaguardar o interesse maior do país, inscrevendo a busca de objetivos de curto e médio alcance na moldura mais ampla dos princípios duradouros. Essa combinação única entre inovação e tradição, entre ênfases táticas e estratégia de longo prazo, utiliza a burocracia diplomática não apenas como instrumento de ação, mas também aproveita a memória institucional, o conhecimento acumulado e a credibilidade do patrimônio diplomático, de modo a produzir decisões que correspondem aos interesses maiores do país.
A atual diplomacia da ruptura reacionária tem transformado o Brasil num pária internacional, isolado em sua própria região e relegado a um ator de terceira linha, cuja única aposta é numa abjeta vassalagem ao governo Trump. Essa aposta pode render algumas doses de cloroquina, mas não garante a defesa dos interesses nacionais ou nossa participação na reunião do G-7 a ser organizada pelos EUA. Ou talvez até renda essa participação, desde que novas concessões unilaterais do Brasil sejam oferecidas de bandeja, a um custo novamente desproporcional.
O arrivismo desmedido, o oportunismo e o carreirismo foram meros detalhes no passado, uma vez que eram fenômenos que se apresentavam dentro de um quadro de racionalidade da política externa. Hoje, no entanto, possuem um sentido distinto. Tornam-se sinônimo de cumplicidade com a destruição empreendida pela diplomacia extremista vigente. Quando este momento de irracionalidade for superado, um acerto de contas será natural e necessário.
O Brasil terá de enfrentar o custo exorbitante da política externa irracional e tresloucada para tentar reconstruir o que foi destroçado. Quando esses custos forem contabilizados, não há dúvida de que os oportunistas de ocasião, vistos como sócios dessa empreitada nefanda, também terão que arcar com sua parcela de responsabilidade. E então desvirar a casaca não será opção. Esses oportunistas terão cruzado o Rubicão.
*HUSSEIN KALOUT, 44, é Cientista Político, Professor de Relações Internacionais e Pesquisador da Universidade Harvard. Foi Secretário Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República (2016-2018) e atuou como consultor das Nações Unidas e do Banco Mundial. Escreve semanalmente, às segundas-feiras.
O ministro da defesa militar deve contentar os áulicos e deixar temerosos os demais militares que estão vendo que o Titanic do capitão irá soçobrar, mesmo sem nenhum iceberg pela frente. Ou melhor: tem vários blocos gelo pela frente, mas nenhum é tão poderoso quanto o desvario do capitãozinho de um navio que navega à vista, sem o auxilio de instrumentos e decidido a provar que a sua rota é a melhor possível.
O ministrinho da defesa trará desgosto ao conjunto da corporação ao demonstrar que não conhece o Brasil, nem sabe que o mundo é redondo. Pena para o Brasil: soçobrará com armas e bagagens.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 1/06/2020
Martim Vasques da Cunha, durante o 3º Congresso Nacional do MBL, em São Paulo, em 2017 - Joel Silva - 11.nov.17/Folhapress
Nesta eleição de 2018, o que os brasileiros precisam, como exemplo de político, é de alguém com a ousadia moral de um Sólon (638 - 558 a.C.).
Modelo de legislador para Platão, Sólon, ao perceber os primeiros sinais de decadência na frágil ordem da pólis ateniense, afirmou que a culpa dessa situação nunca foi dos deuses do Olimpo, como muitos queriam pensar, mas sim dos próprios gregos.
Por não terem compreendido a "medida invisível" da justiça divina que mora dentro de cada alma, revoltaram-se contra a natureza das coisas, prejudicando a estabilidade social e política de Atenas.
Obviamente, ele foi escorraçado pelo povo, e sua única escolha foi o exílio, para que o "julgamento do tempo" desse a resposta justa, conforme a "medida invisível" que orientava a sua alma em direção à verdade transcendente.
Hoje em dia, pouca coisa mudou —e, se mudou, foi para pior. O claro sinal de nossa decadência está no jogo de empurra-empurra, no qual a responsabilidade sempre é do Estado, do PT, de Donald Trump, da Ursal, do finado Roberto Marinho, e, quiçá, do vizinho da esquina.
Na verdade, a culpa de estarmos neste pandemônio é da nossa natureza mesquinha, enraizada numa inveja espiritual que os acadêmicos catalogaram de "o homem cordial" e, assim, vivem iludidos de que são iguais a Sólon.
Eis o problema: segundo as nossas cabeças pensantes, o que manda na história é a luta pelo poder —e ela faz o sujeito imaginar que pode vencer tudo.
Essa seria a característica principal de um homem tirânico, que detém o poder absoluto, sobre tudo e sobre todos. Segundo Platão, em "A República", a alma do tirano quer impor uma ordem estranha ao mundo.
Seu íntimo mal sabe da existência dela, pois, por ser uma consequência da alma democrática, não possui nenhuma hierarquia em suas paixões --e, portanto, nenhum domínio sobre as qualidades que devem ter o bom estadista: sabedoria, coragem, temperança e justiça.
O tirano desconhece essas quatro qualidades; elas vivem dentro dele em constante embate, sem nenhuma lógica, exceto a do sentimentalismo excessivo, refletido num carisma que, por ter um toque messiânico, cativa a opinião popular.
Logo, é o mais infeliz de todos os homens, porque depende dos outros para a sua aprovação e, quando não a consegue, tenta impô-la por meio da coerção.
Portanto, na política brasileira, estamos completamente rodeados por almas tirânicas, apenas com uma diferença ou outra de gradação.
Todos os políticos são bem vestidos ou bem assessorados, mas nenhum é sincero para mostrar que estão possessos por uma vontade alucinada pelo poder.
São cegos para verem além deste mundo, procurando uma justiça que, acompanhada pelo adjetivo "social", só tende a criar ruínas, em vez das fortalezas que planejaram.
Mas não estão sozinhos: jornalistas, professores, estudantes, artistas, filósofos —várias pessoas contribuem para esse embotamento da razão, seja da esquerda ou da direita, levando-nos a um período histórico que só tem paralelos com o da Alemanha de 1933, e o da decadência de Atenas em torno de 350 a.C., em que se via uma patologia com uma lógica bem peculiar, baseada na nossa ignorância.
Quando a ordem do indivíduo se opõe à desordem da sociedade, sobram apenas uns poucos que resistem a essa tentação, refugiados em suas cidadelas. Infelizmente, a ameaça do espectro tirânico na eleição de 2018 faz a alma brasileira ir a um velório de projetos falidos e de ilusões, a ser vendido como se fosse a única realidade. Resta saber se tal alucinação durará por muito tempo. Até lá, seremos como cegos que conduzem outros cegos —e assim tombaremos na mesma vala.
MARTIM VASQUES DA CUNHA
Doutor em ética e filosofia política (USP); pós-doutorando pela EAESP/FGV e autor de "Crise e Utopia - O Dilema de Thomas More" e "A Poeira da Glória - Uma (Inesperada) História da Literatura Brasileira"