quinta-feira, 1 de junho de 2023

Lula quer ser 'original' em plano de paz para Guerra da Ucrânia, diz Zelenski à Folha - Patrícia Campos Mello (FSP)

 Lula não é exatamente "original": ele pretende ser indispensável para a paz no mundo...

Lula quer ser 'original' em plano de paz para Guerra da Ucrânia, diz Zelenski à Folha

Presidente ucraniano reforça convite para se encontrar com líder brasileiro e se exime de culpa por desencontro no G7


KIEV

Com o figurino habitual, camiseta e calça militares, Volodimir Zelenski aparece no palácio presidencial, em Kiev, para ser entrevistado por sete veículos de imprensa da América Latina, entre os quais a Folha.

Para entrar lá, os jornalistas passaram por cinco checagens de segurança e só puderam levar seus blocos de anotações, deixando de fora telefones, bolsas e até as suas próprias canetas, item depois fornecido aos repórteres pelo governo ucraniano. O temor é que a Rússia rastreie o sinal dos celulares para mirar o presidente com os mísseis que lançam diariamente sobre o país desde fevereiro do ano passado.

Zelenski respondeu a perguntas durante uma hora e 40 minutos. Na entrevista, afirmou que quer se reunir com Luiz Inácio Lula da Silva para ouvir as propostas do líder brasileiro para acabar com a guerra promovida pela Rússia. Criticou, porém, o que chamou de falta de vontade e de tempo do petista para se reunir com ele em Hiroshima, na cúpula do G7, grupo que reúne algumas das maiores economias globais.

Segundo Zelenski, o desencontro que impediu uma reunião no Japão não foi culpa da Ucrânia, o que contradiz afirmações do governo brasileiro —Lula disse que o ucraniano não apareceu na hora marcada.

Ele também alfinetou o petista pela falta de apoio para a criação de um tribunal especial internacional que julgue crimes de agressão na guerra e disse que o líder brasileiro quer ser "original" em suas propostas.

"Lula quer ser original, e devemos dar essa oportunidade a ele. Agora, é preciso responder a algumas perguntas muito simples. O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se tiver a oportunidade, ele dirá que sim. Ele encontrará tempo para responder a essa questão? Ele não achou tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa pergunta."


Os países da América Latina têm reagido à guerra de formas diversas. Há desde condenações firmes à Rússia por países como Chile e Uruguai até posições mais nuançadas, como de Brasil, Colômbia ou Argentina. Mas nenhum governo, com exceção de declarações da Guatemala neste sentido, aderiu às sanções contra a Rússia. Como o senhor vê essa postura da região? A questão das sanções à Rússia não é a prioridade. Primeiro, é necessário saber o que está realmente acontecendo, analisar que tipo de guerra se trata, entender que a Rússia nos atacou e está destruindo a vida, as crianças, os lares, as escolas e as universidades todos os dias. É preciso saber que 50 mísseis e drones foram disparados contra Kiev em um único dia, incluindo drones iranianos. Dispararam contra instalações militares, objetivos militares? Isso é ridículo. Por isso, não se pode abordar a questão das sanções desse jeito.

Já tivemos um progresso, as pessoas falam que se trata de uma guerra da Rússia contra a Ucrânia, antes diziam que era uma guerra civil. Agora, se dão conta que nem sequer é uma guerra entre Rússia e Ucrânia. A Rússia atacou a Ucrânia, e a Ucrânia está se defendendo com ações militares adequadas. Não é que as pessoas estejam defendendo cinco ou seis hectares de terra onde plantam tomates ou pepinos –estão defendo sua liberdade, sua eleição, o direito de uma pessoa viver aqui. As sanções são um outro passo. Não são muitos os países latino-americanos que não apoiam a Ucrânia, a maioria apoiou a última resolução da ONU [de fevereiro, que condenou a invasão e teve apoio do Brasil].


Claro que o bolso das pessoas é sempre uma preocupação próxima, então quando recebem uma conta de energia mais alta dizem a elas: "Isso é causado pela guerra". E a pessoa pensa: "Como podemos impor sanções? Seria ainda mais difícil para nós. Confio no que vejo na TV". E a propaganda da Rússia é muito poderosa. Muitos países latino-americanos têm uma relação forte com a época soviética, e muitas pessoas nem se dão conta de que a Ucrânia era parte da União Soviética. Dentro desse contexto histórico, as sanções são uma coisa pequena, mas são importantes para isolar o governo autoritário do Kremlin e sua tentativa de se apoderar da Ucrânia para que ela volte a fazer parte de uma União Soviética.

presidente do Chile, Gabriel Boric, é um líder jovem, de esquerda, um dos poucos da América Latina que condenaram mais energicamente a invasão. Mas o Partido Comunista e a Frente Ampla, da coalizão de Boric, não foram ao pronunciamento que o senhor fez no Congresso chileno. Levando em conta esse exemplo, como o senhor vê a postura das esquerdas latino-americanas em relação à guerra? Temos uma relação muito boa [com Boric], é um líder jovem, com ideias progressistas e apoia a Ucrânia. Fizemos pedidos para falar na maioria dos Parlamentos da América Latina, mas só tivemos a oportunidade de fazer isso em dois, Chile e México, e a Guatemala sempre nos apoiou. Não digo isso para criticar nenhum país, a América Latina pode apoiar quem quiser. Mas nenhum partido, comunista ou não, pode violar direitos. Será que os políticos têm filhos diferentes dos nossos? Por acaso gostariam que um míssil caísse na casa deles? Duvido. Por isso, não me importa país, raça ou partido. Também não acredito em esquerdistas ou direitistas extremistas. Creio nas pessoas. E se são pessoas normais, vão combater [violação de direitos]. Se a pessoa é uma merda, sinto muito, então ela é uma merda, não importa de que cor ou planeta seja.

O senhor gostaria de fazer uma reunião bilateral com Lula? Por que não conseguiram se reunir na cúpula do G7? Como o senhor vê a proposta de paz dele, que prevê iniciar negociações sem pré-condições?

 Não é a primeira vez que digo publicamente, e também já disse diretamente ao presidente, e reitero que quero me encontrar com ele. Já ofereci a realização de uma reunião em qualquer formato. Já convidei várias vezes o presidente Lula para vir à Ucrânia. Estivemos em contato com a equipe dele quando ele estava na Espanha e em Portugal, pensei naquele momento porque a distância era menor e talvez ele conseguisse encontrar um tempo. No G7, tive várias reuniões bilaterais. Disseram que a gente não havia tentado nem se esforçado para encontrá-lo, isto não é verdade. Não é gente séria, substantiva, que está dizendo isso.


Precisamos conversar. É importante conversar com o maior número possível de países para que eles apoiem a Ucrânia ou não apoiem a Rússia. Se não estão dispostos a apoiar a Ucrânia, infelizmente, é importante que entendam os detalhes do que está acontecendo. É importante que a grande potência, o representante da América Latina, o Brasil, esteja envolvido e no mesmo patamar de outros países na discussão da fórmula da paz. [Os brasileiros] podem ter seus próprios pontos de vista sobre qual deveria ser o caminho para a paz. Tudo bem, estamos dialogando, somos civilizados. Mas precisamos conversar. E, para haver uma conversa, é preciso que haja vontade. Já me dispus a encontrá-lo muitas vezes. Acredito que se criará uma nova oportunidade. Alguma coisa não deu certo [para o encontro] no G7, não quero entrar em detalhes, mas definitivamente não foi por nossa causa que não deu certo.

Por que é importante criar um tribunal especial internacional para julgar os crimes de agressão no contexto da Guerra da Ucrânia? O Brasil não manifestou apoio à criação dessa corte, mas Chile, Colômbia e Uruguai, sim. O senhor espera apoio do Brasil? 

O presidente Lula quer ser original. E devemos dar a ele essa oportunidade. Agora, é preciso responder a algumas perguntas muito simples. Primeiro: O presidente acha que assassinos devem ser condenados e presos? Creio que, se ele tiver a oportunidade, dirá que sim. Ele vai achar tempo para responder a essa pergunta? Ele não achou um tempo para se reunir comigo, mas, talvez, tenha tempo para responder a essa questão. E aí responderá que assassinos devem ser presos.

Se milhares de pessoas foram assassinadas na Ucrânia —não sabemos quantas dezenas de milhares foram mortos e torturados nas partes de nosso território ocupadas pelos russos—, os assassinos estavam cumprindo ordens? Se foi um assassinato em massa, deveria ser presa a pessoa que mandou outras pessoas fazerem isso? Acho que [Lula] dirá: bom, provavelmente, os assassinos em massa são sádicos. E, portanto, deveriam estar na prisão. Então, se o presidente quiser ser original, ele pode dizer: "O tribunal que a Ucrânia propõe não é adequado, mas eu sei –dirá o presidente Lula– como colocar os assassinos atrás das grades de uma maneira mais rápida, sem tribunal". Bom, aí a Ucrânia ficará muito contente em receber este conselho do presidente Lula de como colocar os assassinos do Kremlin na prisão de forma ainda mais rápida. Estamos sempre abertos a qualquer inovação na aplicação das leis.

Os presidentes de Colômbia, Argentina e México negaram o pedido dos EUA para enviar armamentos à Ucrânia. Propuseram, em vez disso, uma trégua imediata de cinco anos para negociar um plano de paz. O que o senhor acha dessa proposta? Uma trégua com a Rússia não é uma trégua. Quando assumi a Presidência, tínhamos os Acordos de Minsk, e regularmente nos reunimos com os russos e mediadores. Mas, durante todos esses anos, houve disparos, feridos e mortos. E era uma trégua. Isso é o que sugerem nossos colegas de Argentina, México e Colômbia: um conflito congelado. É o que mais convém à Rússia.

Congelar o conflito significa que a Rússia terá tempo para acumular tropas para a ocupação total. Um conflito congelado prejudica qualquer ambiente de investimentos, porque o investidor entende que pode recomeçar uma guerra depois de amanhã, e esse país então não se desenvolve, as pessoas não sabem como vão formar uma família, ter filhos, que futuro terão. Em 2019, [a ex-primeira-ministra alemã] Angela Merkel, [o presidente francês] Emmanuel Macron, Putin e eu nos reunimos na França. Foi difícil, porque a Rússia não quer resolver nada, isso os beneficia. Ela provou isso com a Moldova e a Geórgia. Onde estão esses Estados? Olhem para o cenário na Abecásia, na Transdnístria. O conflito congelado não permitiu a eles se desenvolverem, com alto crescimento do PIB. A Rússia quer ocupar os Estados que faziam parte da União Soviética. E você me diz que esses líderes querem cinco anos de trégua. Para quê?

Para que a Rússia entenda como burlar as sanções, para que consiga produzir mais mísseis? Para que aprenda a driblar o [sistema de defesa antiaérea] Patriot e mate mais gente? Não faz sentido uma trégua de cinco anos, ou a ideia é esperar que Putin morra? Talvez achem que, em cinco anos, esse homem, que parece se alimentar da força e da vida de outras pessoas, vai morrer, e aí não haverá mais conflito.

No México, o presidente Andrés Manuel López Obrador assumiu uma postura de neutralidade para preservar suas relações com a Rússia. Como vê essa posição? Sei que a sociedade mexicana apoia a Ucrânia, isso é o mais importante. Os líderes precisam ter em mente que não é Putin quem os elege, são os mexicanos. E ele precisa governar fazendo aquilo que foi eleito para fazer. Tive a chance de me dirigir ao Parlamento mexicano. Tudo o que quero com meus discursos, com meu encontro com Lula, é dizer que é muito difícil ir até a América Latina durante a guerra. Mas estou disposto e pedi a quase todos os países.

A Ucrânia afirma que o fim do conflito deve prever a devolução de todos os territórios ocupados, incluindo a Crimeia, além do julgamento e da responsabilização de Putin e de todas as pessoas que possam ter violado direitos humanos na guerra. Isso não parece uma proposta de negociação, mas o resultado de uma vitória militar total. Há margem para negociação? A Rússia não tem direito de negociar até desocupar os territórios. Veja, não é até que a Ucrânia os desocupe militarmente, é até que a Rússia vá embora. Se querem falar comigo e com o mundo civilizado, não devem esperar até serem retirados à força, porque serão retirados e, quando isso acontecer, com o Exército, perderemos mais gente. Se a Rússia quer uma solução diplomática, então que saia da Ucrânia. Não fiquem esperando até que tenhamos um monte de mortos e os retiremos à força. É muito importante reduzir o número de mortes.

Segundo reportagens publicadas pelo jornal The Washington Post a partir de vazamento de documentos oficiais americanos, o senhor teria defendido atacar alvos dentro do território russo. É possível uma vitória da Ucrânia sem atacar alvos militares na Rússia? 

A guerra não está acontecendo no território russo, independentemente do que diga o The Washington Post. A guerra está no front, e é a maior e mais complexa guerra terrestre no continente europeu nos últimos cem anos. Não está acontecendo nada no território da Rússia. Se estivéssemos atacando fortemente alvos na Rússia, haveria um monte de vítimas, certo? Nós sabemos o que fazem os 50, 100 mísseis que eles mandam para cá todos os dias. Na Federação Russa, se houvesse vítimas, todo o espaço informativo russo estaria falando sobre isso.

Em algum momento o senhor viu alguma cena que o fez pensar "não consigo mais"? 

É muito difícil entender o que virá depois e entender que havia uma vida antes da guerra. Não tenho respostas. Nem para o meu futuro. Antes, sempre sabia o que queria estar fazendo em cinco anos. Agora, não posso dizer. Só tenho um objetivo: ganhar. Estou muito concentrado nisso. É um traço da minha personalidade: quando me concentro em algo, faço o melhor que posso. Talvez não seja o melhor, mas é o melhor que posso.

Para muitos na América Latina, o país a que se deve temer, por seu histórico de intervenções, são os Estados Unidos, eles são vistos como a nação imperialista. Quando as pessoas lhe dizem que esta é uma guerra dos EUA, ou que é uma guerra por procuração, o que o senhor responde? 

Sou muito grato aos EUA e ao povo americano, que nos ajudou muito. Sou muito grato a todos os nossos aliados. Mas não podemos esquecer que conseguimos resistir graças ao nosso povo, que se defende, que combateu mesmo quando não tinha armas modernas. Ao mesmo tempo, é um erro dizer que esta guerra é só nossa.

A Rússia não vai parar na Ucrânia, ela vai seguir tentando atacar outros países. Irá a outras nações, incluindo as da Otan. E então a Otan entrará em guerra para defender seus membros, e pode ser a Terceira Guerra Mundial. Uma guerra como a nossa, híbrida, com ataques cibernéticos, valas comuns, torturas, mas em vários países. De alguma forma, a Ucrânia é uma ação preventiva. Nossa capacidade de se recuperar, de vencer, é de certa maneira uma prevenção contra uma grande tragédia global.

E há uma narrativa recente sobre a Otan, alguém da América Latina ou da Ásia disse isso, que a guerra ocorre porque a Ucrânia quer entrar na Otan. A Ucrânia quer entrar na Otan porque, geopoliticamente, está na Europa, onde está a maioria dos países da aliança. E se não for a Otan, qual é a outra aliança ou instituição que vai nos defender? Como a Ucrânia vai se proteger de provocações? Ninguém ataca os países da Otan. Estamos aqui [em guerra]. Outros países não têm fronteiras com a Rússia.

O senhor pode falar algo sobre a contraofensiva que foi anunciada? Estamos preparando uma contraofensiva. Não posso dar detalhes, nem dizer quando será.

A jornalista viajou a convite do Public Interest Journalism Lab




Queimando a largada no Grande Prêmio da América do Sul - Paulo Roberto de Almeida

 Tropeçando no começo da empreitada

O convite de Lula aos presidentes da América do Sul (imitando o que fez FHC em 2000, criando a IIRSA, depois sabotada por ele) tinha tudo para dar certo. 

Ai ele deu honras de visita de Estado e distribuiu fartos elogios ao “democrático” ditador da Venezuela e estragou tudo, logo de início. 

Nenhum diplomata ou aspone teve coragem para acionar o conhecido “vai dar errado!”? (A expressão correta é outra)

Os presidentes devolveram a afronta vetando qualquer alusão à Unasul e remetendo o assunto do formato dessa nova “integração” às calendas de seis meses numa comissão entregue aos chanceleres (na verdade serão subs do sub), que vão melar os projetos grandiosos do novo imperador brasileiro.

A América do Sul segue sendo a América do Sul, e ninguém ainda fez troça com as roupas velhas do rei.

Bem, desta vez Lula não tem a concorrência de Chávez e Kirchner, mas tem a presença de Boric e Lacalle Pou.

A coisa vai esfriar um pouco, inclusive porque os problemas domésticos são bem mais complicados.

Vivendo e não aprendendo…

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 1/06/2023


quarta-feira, 31 de maio de 2023

Editorial do Partido NOVO: Bajular ditadores não é política externa - Nota sobre a recepção de Lula ao ditador da Venezuela, Nicolas Maduro

 



Editorial: Bajular ditadores não é política externa

Em 1972, o presidente americano, Richard Nixon, surpreendeu o mundo ao visitar o líder comunista chinês Mao Zedong, um dos ditadores mais cruéis e sanguinários do século 20. A visita marcou o fim de 25 anos de isolamento entre os dois países, consolidou uma aliança tácita contra a União Soviética e pavimentou o caminho para a abertura econômica chinesa que ocorreria a partir de 1979.

A viagem de Nixon à China mostra que a política externa é a arte de manter relações não só com países que admiramos, mas também com aqueles que execramos ou com quem temos divergências. Para isso serve a diplomacia, que em tempos de guerra negocia até com inimigos declarados.

Por outro lado, o fortalecimento da nossa democracia requer um constante repúdio a ditaduras e a violações de direitos humanos. Ao mesmo tempo em que se defende e se promove os interesses nacionais, é preciso pontuar a crítica à tirania – ou pelo menos evitar rasgar elogios a ditadores que massacram a própria população.

Por isso é tão revoltante que o presidente Lula receba, repleto de sorrisos, elogios e honrarias militares, o ditador venezuelano Nicolás Maduro. Ao contrário de Nixon em 1971, o presidente brasileiro abandonou seu papel de líder internacional para aderir à pura e simples bajulação de alguém que submete seu país a uma ditadura tenebrosa.

Num surto de negacionismo histórico, Lula tratou como “narrativas” e “preconceito” a repressão de manifestantes por esquadrões da morte, as denúncias de assassinatos, perseguições políticas e torturas muito bem documentadas e relatadas pela ONU e pela Anistia Internacional. 

Petistas tentam justificar o comportamento de Lula afirmando que a união dos países latino-americanos os torna mais fortes diante de ameaças de “grandes potências” como a Europa e os Estados Unidos. Na verdade, ao se alinhar ao bloco autocrático composto por China, Rússia, Irã e Venezuela, Lula destrói seu capital político junto às grandes potências ocidentais.

Há um prejuízo adicional. Ao chamar todos os presidentes da América do Sul para a cúpula sobre a Unasul, mas receber com honrarias de chefe de Estado apenas o ditador da Venezuela, Lula transmitiu a mensagem de que Maduro é mais importante que os demais.

Não à toa, os presidentes do Uruguai e até mesmo do Chile, o esquerdista Gabriel Boric, se mostraram incomodados com a reunião bilateral que antecedeu a cúpula e criticaram as falas do presidente brasileiro. A reunião acabou em clima de decepção, bem distante do consenso que Lula esperava. 

O povo de um país é diferente do seu governo. É possível estreitar relações com o povo venezuelano sem endossar crimes contra a humanidade. Por isso o Partido Novo não é contrário a que se mantenha uma agenda para a defesa dos interesses brasileiros, com eventual pagamento da dívida venezuelana com o Brasil, desenvolvimento do comércio e parceria em projetos de fronteira.

Mas não se pode perder de vista o compromisso inegociável do Brasil com a democracia – e o estrago que o governo causa a si próprio ao se alinhar ao bloco autocrático que cada vez mais causa preocupações ao Ocidente.

Bajulação não é diplomacia: é só subserviência. Ao adular tiranos como Maduro, Lula se afasta das democracias da América do Sul e faz do Brasil não um líder, mas um pária internacional.

Avaliação da revista Veja: "Como Lula boicotou o próprio governo na cúpula de países latinos"

Como Lula boicotou o próprio governo na cúpula de países latinos

Reunião com chefes de Estado tinha a missão de exaltar pontos de convergência, que acabaram ofuscados pela discussão sobre a ditadura venezuelana

 Por Robson Bonin

Revista Veja,30 Maio 2023, 20h13  

https://veja.abril.com.br/coluna/radar/como-lula-boicotou-o-proprio-governo-na-cupula-de-paises-latinos/?utm_source=pushnews&utm_medium=pushnotification


A convite de Lula, os líderes dos países sul-americanos reuniram-se em Brasília nesta terça para, nas palavras do governo,  “intercambiar pontos de vista e perspectivas para a cooperação e a integração da América do Sul”.

A reunião, na avaliação de integrantes do governo, tinha o grande objetivo de lançar luz sobre os pontos de união entre os diferentes países da região.

O regime autoritário de Nicolas Maduro, na Venezuela — marcado por violações de direitos humanos, perseguição política e miséria –, não era um dos temas da conversa.

Virou assunto principal do encontro, no entanto, quando Lula decidiu organizar uma festiva recepção ao colega ditador no Planalto.

Em vez de surfar no evento em que a América Latina se reencontrava para discutir interesses comuns, Lula terminou o encontro enfrentando o constrangimento de ter que comentar as críticas dos presidentes do Uruguai e do Chile.

O líder chileno disse que Lula distorcia a realidade ao pintar a Venezuela como uma democracia alvo de “narrativas” e fazia vista grossa aos crimes na Venezuela. Já o líder uruguaio disse que o petista tentava tapar o sol com o dedo ao negar o autorismo do colega Maduro.

Não faz muito tempo, o Brasil tinha no Planalto um presidente que costumava boicotar agendas do próprio governo, criando fatos negativos que ofuscavam agendas positivas.


terça-feira, 30 de maio de 2023

Consenso de Brasilia (sobre a reunião de presidentes da América do Sul): seria realmente um consenso? (Nota do MRE)

 Ministério das Relações Exteriores

Assessoria Especial de Comunicação Social

 

Nota nº 217

30 de maio de 2023 

Consenso de Brasília – 30 de maio de 2023

1.  A convite do Presidente do Brasil, os líderes dos países sul-americanos reuniram-se em Brasília, em 30 de maio de 2023, para intercambiar pontos de vista e perspectivas para a cooperação e a integração da América do Sul.

2.  Reafirmaram a visão comum de que a América do Sul constitui uma região de paz e cooperação, baseada no diálogo e no respeito à diversidade dos nossos povos, comprometida com a democracia e os direitos humanos, o desenvolvimento sustentável e a justiça social, o Estado de direito e a estabilidade institucional, a defesa da soberania e a não interferência em assuntos internos.

3.  Coincidiram em que o mundo enfrenta múltiplos desafios, em um cenário de crise climática, ameaças à paz e à segurança internacional, pressões sobre as cadeias de alimentos e energia, riscos de novas pandemias, aumento de desigualdades sociais e ameaças à estabilidade institucional e democrática.

4.  Concordaram que a integração regional deve ser parte das soluções para enfrentar os desafios compartilhados da construção de um mundo pacífico; do fortalecimento da democracia; da promoção do desenvolvimento econômico e social; do combate à pobreza, à fome e a todas as formas de desigualdade e discriminação; da promoção da igualdade de gênero; da gestão ordenada, segura e regular das migrações; do enfrentamento da mudança do clima, inclusive por meio de mecanismos inovadores de financiamento da ação climática, entre os quais poderia ser considerado o ‘swap’, por parte de países desenvolvidos, de dívida por ação climática; da promoção da transição ecológica e energética, a partir de energias limpas; do fortalecimento das capacidades sanitárias; e do enfrentamento ao crime organizado transnacional.

5.  Comprometeram-se a trabalhar para o incremento do comércio e dos investimentos entre os países da região; a melhoria da infraestrutura e logística; o fortalecimento das cadeias de valor regionais; a aplicação de medidas de facilitação do comércio e de integração financeira; a superação das assimetrias; a eliminação de medidas unilaterais; e o acesso a mercados por meio de uma rede de acordos de complementação econômica, inclusive no marco da ALADI, tendo como meta uma efetiva área de livre comércio sul-americana.

6.  Reconheceram a importância de manter um diálogo regular, com o propósito de impulsionar o processo de integração da América do Sul e projetar a voz da região no mundo.

7.  Decidiram estabelecer um grupo de contato, liderado pelos Chanceleres, para avaliação das experiências dos mecanismos sul-americanos de integração e a elaboração de um mapa do caminho para a integração da América do Sul, a ser submetido à consideração dos Chefes de Estado.  

8.  Acordaram promover, desde já, iniciativas de cooperação sul-americana, com um enfoque social e de gênero, em áreas que dizem respeito às necessidades imediatas dos cidadãos, em particular as pessoas em situação de vulnerabilidade, inclusive os povos indígenas, tais como saúde, segurança alimentar, sistemas alimentares baseados na agricultura tradicional, meio ambiente, recursos hídricos, desastres naturais, infraestrutura e logística, interconexão energética e energias limpas, transformação digital, defesa, segurança e integração de fronteiras, combate ao crime organizado transnacional e segurança cibernética.

9.  Concordaram em voltar a reunir-se, em data e local a serem determinados, para repassar o andamento das iniciativas de cooperação sul-americana e determinar os próximos passos a serem tomados.

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Consenso de Brasilia

 1. Por invitación del presidente de Brasil, los líderes de los países sudamericanos se reunieron en Brasilia, el 30 de mayo de 2023, para intercambiar puntos de vista y perspectivas para la cooperación e integración de Sudamérica.

2. Reafirmaron la visión común de que América del Sur constituye una región de paz y cooperación, basada en el diálogo y el respeto a la diversidad de nuestros pueblos, comprometida con la democracia y los derechos humanos, el desarrollo sostenible y la justicia social, el Estado de derecho y la estabilidad institucional, la defensa de la soberanía y la no injerencia en asuntos internos.

3. Coincidieron en que el mundo se enfrenta a múltiples retos, en un escenario de crisis climática, amenazas a la paz y a la seguridad internacional, presiones sobre las cadenas de alimentos y energía, riesgos de nuevas pandemias, aumento de desigualdades sociales y amenazas a la estabilidad institucional y democrática.

4. Concordaron en que la integración regional debe ser parte de las soluciones para afrontar los desafíos compartidos en la construcción de un mundo pacífico; el fortalecimiento de la democracia; la promoción del desarrollo económico y social; la lucha contra la pobreza, el hambre y todas las formas de desigualdad y discriminación; la promoción de la igualdad de género; la gestión ordenada, segura y regular de migraciones; el enfrentamiento al cambio climático, incluso por medio de mecanismos innovadores de financiamiento de la acción climática, entre los cuales podría considerarse el canje, por parte de países desarrollados, de deuda por acción climática; la promoción de la transición ecológica y energética a partir de energías limpias; el fortalecimiento de las capacidades sanitarias; y el combate al crimen organizado transnacional.

5. Se comprometieron a trabajar por el incremento del comercio y de las inversiones entre los países de la región; la mejora de la infraestructura y logística; el fortalecimiento de las cadenas de valor regionales; la aplicación de medidas de facilitación del comercio e integración financiera; la superación de las asimetrías; la eliminación de medidas unilaterales; y el acceso a los mercados por medio de la red de acuerdos de complementación económica, incluso en el marco de la ALADI, teniendo como meta una efectiva área de libre comercio sudamericana.

6. Reconocieron la importancia de mantener el diálogo regular, con miras a impulsar el proceso de integración en América del Sur y proyectar la voz de la región en el mundo.

7. Decidieron establecer un grupo de contacto, encabezado por los Cancilleres, para evaluación de las experiencias de los mecanismos sudamericanos de integración y la elaboración de una hoja de ruta para la integración de América del Sur, a ser sometida a la consideración de los Jefes de Estado.

8. Acordaron promover, desde ahora, iniciativas de cooperación sudamericana, bajo un enfoque social y de género, en áreas que atañen a las necesidades inmediatas de los ciudadanos, en particular las personas en situación de vulnerabilidad, incluyendo los pueblos indígenas, tales como salud, seguridad alimentaria, sistemas alimentarios basados en la agricultura tradicional, medio ambiente, recursos hídricos, desastres naturales, infraestructura y logística, interconexión energética y energías limpias, transformación digital, defensa, seguridad e integración de fronteras, combate al crimen transnacional organizado y ciberseguridad.

9. Acordaron volver a reunirse, en fecha y lugar a ser determinados, para repasar el curso de las iniciativas de cooperación sudamericana y determinar los próximos pasos a tomarse.

 

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Brasilia Consensus

 At the invitation of the President of Brazil, the leaders of the South American countries met in Brasilia, on May 30, 2023, to exchange views and perspectives on cooperation and the integration of South America.

2. The Presidents reaffirmed the common vision of South America as a region of peace and cooperation, based on dialogue and on the respect for the diversity of our peoples, committed to democracy and human rights, sustainable development and social justice, the rule of law and institutional stability, the upholding of sovereignty and non-interference in internal affairs.

3. Concurred that the world is facing multiples challenges, in a context of climate crisis, threats to peace and international security, pressure on food and energy chains, the risk of new pandemics, increase in social inequalities and threats to institutional and democratic stability.

4. Agreed that regional integration should be part of the solution to the common challenges of building a peaceful world; strengthening democracy; promoting social and economic development; fighting poverty, hunger, and all forms of inequality and discrimination; promoting gender equality; managing migration in a safe, orderly and regular manner; tackling climate change, including through innovative financing mechanisms for climate action, among which could be considered debt-for-climate swaps by developed countries; fostering ecological and energy transition through clean energy; strengthening health capacities; and the fight against transnational organized crime.

5. Committed to work towards increasing trade and investment among the countries of the region; improving infrastructure and logistics; strengthening regional value chains; effectively implementing trade facilitation and financial integration measures; reducing asymmetries; eliminating unilateral measures; and increasing market access through the network of economic complementation agreements, including under LAIA, with the aim of reaching an effective South American Free Trade Area.

6. Recognized the importance of maintaining regular dialogue, with a view to furthering the integration process in South America and projecting the region's voice in the world.

7. Decided to establish a contact group, headed by the Foreign Ministers, to evaluate the experiences of South American integration mechanisms and to draft a roadmap for the integration of South America, to be submitted to the consideration of the Heads of State.

8. Agreed to promptly promote South American cooperation initiatives open to the participation of all interested parties, with a social and gender approach, in areas that concern the immediate needs of citizens, in particular the most vulnerable, including indigenous peoples, such as health, food security, food systems based on traditional agriculture, the environment, water resources, natural disasters, infrastructure and logistics, energy interconnection and clean energy, digital transformation, defense, border integration and security, and cybersecurity.

9. Agreed to meet again, on a date and place to be determined, in order to review the progress of the South American cooperation initiatives and determine the next steps.

 

[Nota publicada em: https://www.gov.br/mre/pt-br/canais_atendimento/imprensa/notas-a-imprensa/consenso-de-brasilia-2013-30-de-maio-de-2023

Propostas de Lula aos líderes dos países sul-americanos presentes à reunião de Brasília (CNN)

A ofensiva de Lula contra o uso do dólar nas transações comerciais não se baseia em nenhum estudo técnico fundamentado, para demonstrar que o dólar é dispensável ou indesejável. Trata-se de uma postura puramente pessoal, baseada na raiva que Lula tem do dólar, dos EUA, dos americanos, por nada, apenas por preconceito ideológico.

Paulo Roberto de Almeida 

Propostas de Lula aos líderes dos países sul-americanos presentes à reunião de 30/05/2023, em Brasília:

  • colocar a poupança regional a serviço do desenvolvimento econômico e social, mobilizando os bancos de desenvolvimento como a CAF, o Fonplata, o Banco do Sul e o BNDES;
  • aprofundar nossa identidade sul-americana também na área monetária, mediante mecanismo de compensação mais eficiente e a criação de uma unidade de referência comum para o comércio, reduzindo a dependência de moedas extrarregionais;
  • implementar iniciativas de convergência regulatória, facilitando trâmites e desburocratizando procedimentos de exportação e importação de bens;
    ampliar os mecanismos de cooperação de última geração, que envolva serviços, investimentos, comércio eletrônico e política de concorrência;
  • atualizar a carteira de projetos do Conselho Sul-Americano de Infraestrutura e Planejamento (Cosiplan), reforçando a multimodalidade e priorizando os de alto impacto para a integração física e digital, especialmente nas regiões de fronteira;
  • desenvolver ações coordenadas para o enfrentamento da mudança do clima;
    reativar o Instituto Sul-Americano de Governo em Saúde, que nos permitirá adotar medidas para ampliar a cobertura vacinal, fortalecer nosso complexo industrial da saúde e expandir o atendimento a populações carentes e povos indígenas;
  • lançar a discussão sobre a constituição de um mercado sul-americano de energia, que assegure o suprimento, a eficiência do uso de nossos recursos, a estabilidade jurídica, preços justos e a sustentabilidade social e ambiental;
  • criar programa de mobilidade regional para estudantes, pesquisadores e professores no ensino superior, algo que foi tão importante na consolidação da União Europeia; e
  • e retomar a cooperação na área de defesa com vistas a dotar a região de maior capacidade de formação e treinamento, intercâmbio de experiências e conhecimentos em matéria de indústria miliar, de doutrina e políticas de defesa.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

Hesitações diplomáticas de Lula 3: O Brasil faz parte das democracias? - Lourdes Sola, Eduardo Viola (Estadão)

Fundamental convergência com as democracias

Emergência clara das dimensões políticas e ideológicas do alinhamento com Rússia e China erodiu dramaticamente o capital político de Lula no Ocidente coletivo

Por Lourdes Sola e Eduardo Viola

O Estado de S. Paulo, 27/05/2023 

Na avaliação da política externa, a tradição dominante entre analistas brasileiros é dar pouca relevância à questão dos regime políticos. Seguem uma abordagem neorrealista, conforme a qual os Estados têm interesses permanentes derivados de sua geografia, história e identidade cultural. Sem negar a relevância dessas dimensões, nosso argumento vai na direção oposta: os interesses dos Estados variam segundo os regimes políticos e os governos, e segundo as transformações da economia política mundial.

A invasão russa da Ucrânia consolidou um forte componente de guerra fria entre as democracias do “Ocidente coletivo” (que inclui Japão, Coreia do Sul, Taiwan, Austrália e Nova Zelândia) e o bloco autocrático (com China, Rússia, Irã e Coreia do Norte). Esse confronto delineia-se desde 2015, mas o traço que define a guerra fria é mais recente: cada bloco vê o outro como ameaça existencial. Está em pleno curso o desacoplamento entre ambos no referente à alta tecnologia e, particularmente, à tecnologia de uso dual (civil e militar).

Isso aponta para um sistema internacional bipolar, e não multipolar, embora com características inéditas em relação à guerra fria no século 20. Primeira: alta interdependência econômica entre os dois blocos, embora menor entre Ocidente e Rússia desde a invasão. Segunda: à diferença da União Soviética, a China é uma superpotência econômica. Terceiro: há desafios globais, de ordem existencial, que só serão equacionados por meio da cooperação e, portanto, de regras e instituições acordadas: mudança climática, pandemias, regulação da inteligência artificial.

Os países do “Sul Global” estão em posição intermediária. Mas qual o valor analítico dessa noção? Inclui países de rendas média alta, média baixa e baixa; e regimes políticos numa escala que vai do democrático liberal, como Chile, Uruguai e Costa Rica, ao autocrático fechado da Arábia Saudita, dos Emirados, do Egito e do Vietnã (seguimos, aqui, a classificação do V-Dem 2023).

Apesar de ter perdido o status de democracia com traços liberais a partir de 2017, o Brasil é uma democracia eleitoral. Tem fortes convergências com o bloco do Ocidente coletivo: a proteção da democracia e de direitos humanos; o suprimento de equipamentos militares fabricados em países da Otan; o treino de altos oficiais se faz nesses redutos e as doutrinas de defesa são as ocidentais. Ao mesmo tempo, o desejável fortalecimento da interdependência comercial com China revelou-se, até aqui, compatível com a que estabelecemos com países do Ocidente – nas áreas financeira e de investimentos diretos.

Na viagem à China e na subsequente visita de Sergei Lavrov ao Brasil, no entanto, foram as dimensões políticas e ideológicas do alinhamento com a Rússia e com a China que emergiram com clareza. Isso erodiu dramaticamente o capital político de Lula no Ocidente coletivo.

Está claro que a estratégia de Lula/Celso Amorim apoia-se em supostos cujo teor exige reflexão crítica. O principal é a convicção de que estamos num sistema multipolar, quando na verdade a invasão da Ucrânia representa um ponto de virada macrohistórico, porque consolidou alinhamentos em torno de um confronto típico de sistema bipolar – embora mais complexo e desafiador.

Além disso, suas prioridades têm por foco o Brics, o que é questionável. Não só por incluir os dois líderes do bloco autocrático, mas principalmente pela suposição implícita de que esse clube constitui um território neutro. Como assim, se ele inclui a Índia? Um poder nuclear cujo conflito (existencial) com a China o fez integrar o grupo Quad – ao lado de Japão, Austrália e Estados Unidos?

A história política de Lula e do PT mostra uma visão política que inclui muitas reticências em relação às democracias liberais, um antiamericanismo light e admiração pela esquerda autoritária latino-americana. A campanha eleitoral, porém, foi pautada por acenos que apontavam para uma mudança de perspectiva – que, por sua vez, foram legitimados internacionalmente pelo empenho das democracias ocidentais em garantir a integridade do sistema eleitoral e dissuadir setores militares da tentação golpista.

Quatro meses depois da posse, está claro que a ambição de Lula é projetar-se como uma liderança mundial, com seus efeitos multiplicadores no doméstico. Neste caso, definitivamente, o caminho deve ser outro, pois o Brasil não tem excedente de poder para mediar numa região que conhece pouco e com a qual tem vínculos limitados. As áreas nas quais tem condições de protagonismo mundial são as políticas climática e de transição energética. Justamente aquelas que são decisivas para equacionar alguns dos desafios globais de ordem existencial mencionados. Para tanto, há que reduzir drasticamente o desmatamento, evitar as tentações do nacionalismo petroleiro e investir nas oportunidades abertas para exercer protagonismo ambiental – a presidência do G20 e a COP 30.

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COORDENADORES DO GRUPO DE PESQUISA DO INSTITUTO DE ESTUDOS AVANÇADOS (IEA) DA USP ‘ECONOMIA POLÍTICA INTERNACIONAL, VARIEDADES DE DEMOCRACIA E DESCARBONIZAÇÃO’, SÃO, RESPECTIVAMENTE, PROFESSORA SÊNIOR DO IEA/USP E PROFESSOR VISITANTE DO IEA/USP E DE RELAÇÕES INTERNACIONAIS DA FGV

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