segunda-feira, 6 de outubro de 2025

A neutralidade que não é imparcialidade - Palmari H. de Lucena (Mais PB); comentário de Paulo Roberto de Almeida

 Um artigo num jornal da Paraíba que argumenta sobre um dos traços mais identificadores, a despeito dos desacordos gerais em outras matérias, entre Bolsonaro e Lula, no que respeita temas de política externa, especificamente no que concerne a guerra de agressão da Rússia contra um Estado soberano, a Ucrânia: a postura objetivamente favorável a Putin e à guerra cruel e unilateral do neoczarismo russo contra o país da Europa oriental, antigamente dominado pela União Soviética.

Como já tinha argumentado Rui Barbosa desde 1916 (a propósito da agressão do antigo Império alemão contra a Bélgica neutra, na Grande Guerra, neutralidade NÃO É imparcialidade, infelizmente. PRA

A neutralidade que não é imparcialidade
Palmari H. de Lucena
Mais PB, 05/10/2025
https://www.maispb.com.br/800390/a-neutralidade-que-nao-e-imparcialidade.html

O Brasil gosta de repetir que sua tradição diplomática é a da neutralidade. Mas a guerra da Ucrânia deixou claro: neutralidade não é sinônimo de imparcialidade. Nos gestos de Jair Bolsonaro e Luiz Inácio Lula da Silva, a política externa brasileira acabou beneficiando mais a Rússia de Vladimir Putin do que a paz que diz buscar.

Bolsonaro, em fevereiro de 2022, sentou-se ao lado de Putin na antessala da invasão, declarando solidariedade e reforçando laços comerciais. Justificou a posição brasileira pelo pragmatismo dos fertilizantes, como se a dependência agrícola bastasse para relativizar a violação da soberania ucraniana. A neutralidade, nesse caso, serviu de biombo para uma aproximação cúmplice.

Lula, por sua vez, herdou o conflito e procurou se vestir de mediador global. Propôs um “clube da paz”, equiparou responsabilidades de Kiev e Moscou e acusou o Ocidente de estimular a guerra. Sua retórica sofisticada, porém, esbarrou no mesmo problema: transformar agredido e agressor em equivalentes morais. Ao tentar exibir imparcialidade, acabou favorecendo Putin, ao reduzir a pressão internacional contra a Rússia e diluir a clareza de quem iniciou o conflito.

A contradição torna-se ainda mais evidente quando se compara a atitude brasileira na guerra da Ucrânia com sua postura diante de Gaza e da Cisjordânia. No Oriente Médio, o governo não hesitou em condenar Israel, responsabilizá-lo por excessos e assumir posição frontal em defesa dos palestinos. Já em relação à Ucrânia, a diplomacia prefere relativizar, apelar à equidistância e suavizar a responsabilidade russa. O contraste expõe que a neutralidade, no caso europeu, é menos princípio universal e mais cálculo de conveniência.

O Itamaraty costuma invocar o princípio da não intervenção e da solução pacífica de controvérsias. Mas imparcialidade verdadeira não é fechar os olhos ao desequilíbrio das ações. Não há simetria entre quem invade e quem resiste. Ao se abster de julgamentos claros ou ao tratar Moscou e Kiev como lados igualmente responsáveis, o Brasil compromete não apenas sua credibilidade moral, mas também sua capacidade de liderar qualquer processo de mediação legítima.

No fundo, a diferença entre Bolsonaro e Lula é mais de estilo do que de substância. Um se abraçou a Putin em nome dos fertilizantes; o outro o recebe como parceiro estratégico, falando em paz enquanto relativiza responsabilidades. Ambos, porém, praticaram uma neutralidade que não é imparcialidade, mas silêncio cúmplice. Ao evitar nomear com clareza o agressor, o Brasil não apenas enfraquece sua voz moral no mundo: ajuda, ainda que de forma disfarçada, a prolongar a guerra iniciada pelo Kremlin.

* Os textos dos colunistas e blogueiros não refletem, necessariamente, a opinião do Portal MaisPB

domingo, 5 de outubro de 2025

Brasil reduz reservas internacionais em dólar

Brasil reduz reservas internacionais em dólar enquanto acumula ouro e yuan 

https://br.cointelegraph.com/news/brazil-reduces-dollar-reserves-and-increases-gold-yuan-global-de-dollarization

(…) O Brasil reduziu em 12% a participação do dólar na composição de suas reservas internacionais nos últimos sete anos, buscando diversificação em ativos como o ouro e yuan chinês, alinhado a um movimento global de desdolarização.

Em 2018, o dólar representava 89% das reservas internacionais brasileiras. Atualmente, a participação da moeda americana caiu para 78%, de acordo com dados do Banco Central (BC). No mesmo período, as reservas em ouro cresceram 400%, de 0,7% para 3,5%.

A moeda chinesa, cuja primeira aquisição ocorreu em 2019, já representa 5,3% das reservas do BC, superando o euro (5,2%) e ficando atrás apenas do dólar. (…)

sábado, 4 de outubro de 2025

Homenagem ao embaixador Alberto da Costa e Silva, traduzida e publicada em espanhol - Paulo Roberto de Almeida

Homenagem ao embaixador Alberto da Costa e Silva, traduzida e publicada em espanhol

Paulo Roberto de Almeida

4653. “Alberto da Costa e Silva: o maior africanista brasileiro (1931-2023)”, Brasília, 4 maio 2024, 4 p. Obituário solicitado por Santiago Cabrera Hanna, Editor da revista Procesos. Revista Ecuatoriana de Historia (santiago.cabrera@uasb.edu.ec). Serviu de base para a elaboração do trabalho n. 4681. Publicado como “Alberto da Costa e Silva: el mayor africanista brasileño (1931-2023)”, na revista Procesos. Revista Ecuatoriana de Historia (n. 60, julio-diciembre 2024, p. 199-202; ISSN: 1390-0099; e-ISSN: 2588-0780; link: https://revistas.uasb.edu.ec/index.php/procesos/article/view/5519). Relação de Publicados n. 1594. DOI: https://doi.org/10.29078/procesos.n60.2024.5519


Texto original em português:

Alberto da Costa e Silva: o maior africanista brasileiro (1931-2023)


Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.


        Em todas as áreas intelectuais nas quais Alberto da Costa e Silva mergulhou sua pluma, sua caneta, estendeu seu teclado, nas quais discorreu oralmente, em seminários nas academias, nos salões acarpetados dos palácios oficiais, nas pequenas tertúlias entre amigos, o poeta, ensaísta, memorialista, historiador e diplomata brilhou como poucos na República das Letras do Brasil, do mundo português, no universo africanista do tráfico escravo e das culturas africanas da sua costa ocidental, que ele conheceu muito. Ela foi a que mais forneceu escravos ao Brasil, tema do qual ele foi, provavelmente, o maior historiador e um grande divulgador no Brasil e no mundo luso-português, quiçá também em diversos outros países.
        A exemplo de seu pai, o poeta Antonio Francisco da Costa e Silva, começou sua carreira literária como poeta, ao início dos anos 1950, quando publicou sua primeira coletânea de poemas, O parque e outros poemas (Rio de Janeiro, 1953). Logo em seguida, decidiu tornar-se diplomata, apenas, segundo confidenciou mais tarde, para poder se vingar do Barão do Rio Branco, que tinha recusado o ingresso do seu pai na carreira diplomática, por este ser “pavorosamente feio”, como relatou um outro colega diplomata:
        Nos tempos do barão do Rio Branco não havia concurso para ingressar na carreira diplomática, e a seleção era feita pessoalmente por ele, que conversava com os candidatos, em geral pessoas de família conhecida, de preferência bonitos e que falassem línguas estrangeiras. Antônio Francisco da Costa e Silva, ilustre poeta, conversou com o barão sobre a possibilidade de ingresso na carreira, mas o chanceler foi taxativo: ‘Olha, o senhor é um homem inteligente, admiro-o como poeta, contudo não vou nomeá-lo porque o senhor é muito feio e não quero gente feia no Itamaraty. (Guilherme Luiz Leite Ribeiro: Os bastidores da diplomacia. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2007, p. 50).

        No mesmo ano em que foi admitido no Itamaraty do Rio de Janeiro, em 1957, também publicou uma antologia: Lendas do índio brasileiro (Rio de Janeiro, 1957, reeditada diversas vezes: 1969, 1980 e 1992). Removido para o seu primeiro posto diplomático em Lisboa (1960-63), aproveitou para publicar outras duas antologias: A nova poesia brasileira e Poesia concreta (Lisboa, 1960 e 1962). No mesmo ano, inebriado como seu pai pela poesia, reincidiu no ofício paralelo, com O tecelão (Rio de Janeiro, 1962) e novamente com uma coletânea só sua: Alberto da Costa e Silva carda, fia, dobra e tece (Lisboa, 1962); quatro anos depois, volta a se dedicar ao vício de uma vida inteira: Livro de linhagem (Lisboa, 1966). Não contente em se deixar dominar por essa poderosa droga literária, entregou-se igualmente a um outro projeto ambicioso: dirigiu e foi o principal redator da parte brasileira da Enciclopédia Internacional Focus (Lisboa, 1963-1968). Nessa época, já estava removido para a embaixada em Caracas, seu segundo posto (1963-64), onde também serviu como cônsul durante três anos (1964-1967).
        De volta ao Rio de Janeiro, serviu como Auxiliar do Secretário-Geral de Política Exterior (1967-69), seguindo logo em seguida para a Embaixada em Washington (1969), de onde foi trazido logo em seguida, em 1970, para ser Oficial de Gabinete e Assessor de Coordenação do Ministro das Relações Exteriores, no ano em que o Itamaraty foi transferido do Rio para Brasília, dez anos depois de inaugurada a terceira e definitiva capital do Brasil. Serviu todo o período (1970-74), como o ministro Mario Gibson Barboza, e o acompanhou-o na primeira visita de um chanceler brasileiro à África, em 1972. Esse foi um momento importante da ação diplomática daquele período, quando o Itamaraty foi obrigado a enfrentar e contornar a rígida posição colonialista de Portugal, que insistia em transformar o governo brasileiro no avalista dessa promissória colonial que Lisboa se recusava a resgatar. (Cf. Flávio de Almeida Salles, Preto no Branco, Rio de Janeiro: Francisco Alves, 2001, p. 15-16)

        Foi provavelmente nessa memorável viagem, preparada com esmero pelo jovem diplomata (mas já designado conselheiro e coordenador da missão), que nasceu em Costa e Silva a afeição pelo continente africano, como relata o mesmo jornalista:
... na missão programada pelo Itamaraty iriam enfrentar rotas, aeroportos, infraestruturas aeroportuárias e espaços aéreos desconhecidos. Passariam por situações em que as alternativas de ajuda de terra seriam precárias, sem contar que, desta vez ... [havia] uma carga preciosa a bordo: a primeira comitiva oficial da diplomacia brasileira, chefiada pelo próprio Chanceler, a visitar o continente africano. (idem, p. 22-23)

        O coordenador da viagem, escolhido diretamente pelo chanceler, aos oito países enfim escolhidos – Costa do Marfim, Gana, Togo, Daomé, Zaire, Camarões, Nigéria e Senegal, nessa ordem, todos da costa atlântica, do dia 25 de outubro a 21 de novembro de 1972 – foi assim descrito pelo jornalista Flávio de Almeida Salles:
Magro, cabelos prematuramente embranquecidos, tinha uma barba rala, que lhe cobria parte do rosto; a cada momento, penteava essa barba, caprichando no pequeno cavanhaque. Inteligente, era considerado um excelente diplomata, interessado em temas políticos e culturais e defensor da tese sobre a natural aproximação entre o Brasil e as nações do continente negro. (idem, p. 50-51)

        Foi na Costa do Marfim que Costa e Silva descobriu que o frevo brasileiro provinha daquele país, como relatou, anos mais tarde num dos capítulos de O Vício da África e outros Vícios (Lisboa: João Sá da Costa, 1989, p. 95-96; apud Salles, op. cit., p. 185). Ele deve ter aprendido muito mais coisas nesse périplo de mais de três semanas pelos principais países – à exceção de Angola, obviamente – que mais forneceram escravos para as plantações de açúcar do Nordeste e de café do Sudeste, para as muitas minas brasileiras e para todos os demais trabalhos “alocados” aos africanos. Foi o começo de “caso único de amor”, entre um poeta por vocação, improvisado historiador, e todo um continente, que se materializaria, anos mais tarde, em todos os livros que trataram o imenso continente, não como o simples fornecedor de mão de obra forçada para as Américas, mas como uma civilização original, uma cultura riquíssima, nações vibrantes, como revelado nas obras que o distinguiram como o mais conhecido dos africanistas brasileiros, um dos mais importantes em língua portuguesa, uma referência na literatura historiográfica nessa área. Enquanto estive lotado na embaixada em Washington, fui várias vezes solicitado por ele para enviar, pela mala diplomática, exemplares do Journal of African History, editado pela Cambridge University Press, assim como outros materiais de estudos africanos.
        Depois de servir como ministro-conselheiro nas embaixadas em Madri (1974-1976) e em Roma (1977-1979), Costa e Silva foi naturalmente designado como embaixador em Lagos (1979-1983), então capital da Nigéria (antes da mudança para a cidade interior de Abuja), cumulativamente com o Benim (Cotonu), seguindo depois para Lisboa, onde representou o Brasil de 1986 a 1990. No final dessa década, ele publicou o já referido O vício da África e outros vícios (1989), uma coleção de ensaios tendo o continente como fio unificador. Foi ainda embaixador em Bogotá (1990-1993) e em Assunção (1993-1995).
        O primeiro livro do ciclo africano, tão volumoso quanto o segundo, foi A Enxada e a Lança, cujo subtítulo é totalmente elucidativo: A África antes dos Portugueses (Rio de Janeiro, 1992, com reedições em 1996 e em 2006), a que se seguiu, dez anos depois, a obra que dá continuidade ao detalhado estudo das culturas africanas dessa parte da costa atlântica tão bem conhecida e visitada por ele: A Manilha e o Libambo: A África e a Escravidão, de 1500 a 1700 (Rio de Janeiro, 2002 e 2004). Esta segunda obra foi contemplada com o Prêmio Sérgio Buarque de Holanda, da Fundação Biblioteca Nacional e com o Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro, em 2003. No intervalo entre uma e outra, ele publicou As Relações entre o Brasil e a África Negra, de 1822 à 1a Guerra Mundial (Luanda, 1996) e, logo em seguida ao segundo grande monumento historiográfico, um livro que simboliza as relações brasileiras com “nossos vizinhos” do outro lado do oceano: Um Rio Chamado Atlântico: A África no Brasil e o Brasil na África (Rio de Janeiro, 2003 e 2005).
        Em meio a todas essas obras únicas, altamente situadas no mesmo nível do estado da arte dos melhores estudos africanistas nas universidades de ponta, ele foi contemplado com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras, em 2000, tendo sido acolhido pelo acadêmico Marcos Villaça. Menos de dois anos depois já se desempenhava como presidente da ABL, tendo sido ainda distinguido com o título de “Intelectual do Ano” em 2004, Prêmio “Juca Pato”, da União Brasileira de Escritores.         No mesmo ano, publicou uma biografia sobre o mercador de escravos da costa do Benim, Francisco Félix de Sousa (Rio de Janeiro, 2004), nascido em Salvador da Bahia em meados do século XVIII, e que se transformou, a partir de sua instalação na “costa dos escravos”, no início dos 1800s, num dos mais famosos e mais ricos traficantes do golfo da Guiné. Curiosamente, quando estudei na Bélgica, nos anos 1970, fui colega, na Universidade de Bruxelas, de uma togolesa chamada Leonardina de Sousa, mas que não falava uma só palavra em português; notava-se que pertencia à elite de seu país.
        Sua produção ensaística e memorialista é múltipla e a obra poética é nada menos do que copiosa, sendo que duas coletâneas, a partir de seus muito livros de poesia, foram reunidos, respectivamente, em Poemas Reunidos (Rio de Janeiro, 2000; Prêmio Jabuti, da Câmara Brasileira do Livro) e por André Seffrin, nos Melhores poemas de Alberto da Costa e Silva (São Paulo, 2007). Ele terminou sua carreira diplomática como Inspetor-Geral do Ministério das Relações Exteriores (1995-98), mas nem por isso deixou de colaborar com a elevação da inteligência no Itamaraty: depois de ter sido presidente da banca examinadora do Curso de Altos Estudos do Instituto Rio Branco (1983-1985), a instância institucional e quase acadêmica que afere a qualidade do trabalho intelectual dos conselheiros aspirando à promoção a ministros de segunda classe, ele foi vice-presidente da mesma banca, de 1995 a 2000.
        Eu tive o privilégio de ter sido interrogado por ele, em 1997, quando defendi minha “tese” sobre a formação da diplomacia econômica no Brasil imperial, sendo que depois ele fez questão de assinar um prefácio, quando da publicação completa dessa minha pesquisa historiográfica, cobrando-me a continuidade do trabalho no século XX (continuo devendo).
        Pela imensidão de sua obra intelectual, Alberto da Costa e Silva ainda foi distinguido com o Prêmio Camões de 2014, ademais de vários doutorados honoris causae e de uma série enorme de medalhas e comendas dos mais diversos países, uma honra acumulada que pode ter vingado plenamente o seu pai, recusado pelo Barão do Rio Branco por não ser um branco dolicocéfalo, das preferências estéticas do patrono da diplomacia brasileira um século antes.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4653, 4 maio 2024, 4 p.; 1797 palavras.

Uma nova “guerra do Peloponeso” em sua versão global? - Paulo Roberto de Almeida

Uma nova “guerra do Peloponeso” em sua versão global?

Considerações sobre o impossível containment da China e a hipótese de um novo Peloponeso invertido.        

A um amigo que me sugere que a Rússia continua sendo uma “aldeia Potenkim” e que o principal esforço do outrora “farol da democracia” é agora o de conter a reemergência do novo Império do Meio, eu diria o seguinte.  Essa tentativa, de um novo containment, já estava fadada ao fracasso desde a sua concepção, pois a China nunca foi, jamais será, uma nova União Soviética. 

        Agora temos um novo Império do Meio sem mais imperadores absolutos — dotados do poder de vida E de morte sobre seus súditos — no seu comando. A China é uma economia de mercado diferente, com um Estado weberiano inteiramente administrado por tecnocratas competentes, teoricamente comandados por um partido leninista, mas a ideologia é o que menos importa no seu modo de dominação: este é do ideal-typus racional-burocrático, temporariamente liderado por uma personalidade carismática. 

        Na verdade, é esse novo Hegemon que terá, por sua vez, de exercer certo containment contra o Hegemon declinante, para evitar acidentes bélicos mais graves. A “armadilha de Tucídides” agora é outra: como uma “Esparta” racional-burocrática conseguirá conter os espasmos irracionais, eventualmente violentos, de uma “Atenas” insatisfeita com sua própria diminuição nos grandes espaços geopoliticos. 

        Algum Tucídides do século XXI vai ter de descrever esse novo drama geopolítico, segundo um cenário diferente, pois sabemos que a História não se repete, mas pode rimar, como dizia Mark Twain (o mesmo que tinha enorme desconfiança de políticos, preferindo pessoas práticas).

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4/10/2025


Resenha peculiar da mais importante obra de Henry Kissinger, World Order, por Arnaldo Barbosa Brandão

DIPLOMACY do Kissinger ou como funciona o jogo do poder mundial. Uma Resenha do a.b.b.

Arnaldo Barbosa Brandão

(4/10/2025)

Pode-se discordar dele, pode-se não acreditar nele, pode-se desconfiar dele, mas o cara é um clássico, queira-se ou não. São nove capítulos, uma conclusão e uma introdução, onde ele conceitua o que seja “ordem mundial” e os diversos tipos de ordem que vigoraram ao longo da história. Kissinger dá um longo passeio e avisa logo no princípio do livro que “jamais existiu uma ordem mundial que fosse verdadeiramente global”. Posso imaginar o Henry sentado no seu luxuoso escritório, cercado de cinco ou seis livros básicos jogados sobre a mesa onde pontifica sua Tese de doutorado feita em Harvard seguida do clássico DIPLOMACY. E sobre o tapete persa, ou arrumadinhos nas prateleiras, centenas de livros sobre os temas mais inusitados que se possa imaginar. Os interesses dele vão da poesia clássica, passando pela geografia, comida, literatura, sem falar que conhece a vida dos personagens históricos de trás pra frente, desde o principal navegador chinês no Século XV até o que se passa na cabeça cheia de turbantes do líder supremo iraniano, o Ali Khamenei ou da careca do presidente russo Vladimir Putin. O livro é dedicado à mulher Nancy. Fez bem, imagine o que a Nancy deve saber dos segredos de estado do EUA. Se a minha mulher que não deixo passar da porta do meu cubículo que chamo apropriadamente de “o buraco da lacraia” vive me ameaçando: “olha que eu conto sobre aquela tua prisão no Forte da Laje”, imagine a Nancy. Na realidade, Kissinger está naquela fase em que acorda de manhã, dá um bocejo e diz: “eu sou o maior”. Esse é o perigo, quando o cara está lá em cima sempre aparece alguém querendo derruba-lo do pedestal. Na minha modesta opinião, não há mais nada que o Kissinger possa temer, a menos que aconteça algo como ocorreu com Ulisses, que  numa de suas viagens em busca do conhecimento foi punido por Deus com um redemoinho gigantesco que revirou seu navio e toda sua tripulação. Kissinger começa com a chamada “Paz da Vestfália” estabelecida há quase quatro séculos, que acabou com a  guerra dos trinta anos e parece ser um paradigma do que se poderia chamar  de “ordem mundial”. Daí vai subindo o morro e chega no Cap. 2 então embarca na canoa em que tem domínio completo e total, a balança de poder entre as duas guerras mundiais. O Cara é corajoso, logo no 3º Capítulo decide enfrentar o Islamismo. Também pudera, para um cara que passou meses conversando secretamente com Le Duc Too para tirar o EUA do atoleiro do Vietnam, nada mais assusta. Existiria no momento uma ordem islâmica ou é uma desordem? Kissinger explica. Ele começa pelo Tratado de Sèvres de 1920, aquele mesmo que dividiu o Oriente como se estivesse construindo uma colcha de retalhos colorida, destas que se usa para forrar a cama durante o dia. É bom saber que nesta época o conceito de “estado nacional” praticamente não existia no Oriente e a ideia de um estado laico era novidade por aquelas bandas. Um capítulo específico é dedicado ao Irã, onde ele aconselha: o EUA precisam calibrar de forma cuidadosa suas relações com a Arábia Saudita e o Irã, há por ali uma luta religiosa que já dura mais de mil anos entre duas correntes do Islã. Em seguida, ele pula para a Ásia e dali ele salta de volta ao EUA pra dar seus conselhos finais de quase duzentas páginas. Resumindo, diz ele: “é preciso alcançar o equilíbrio, mas há que se conter os “cães da guerra” e Putin é um deles. Os americanos contavam com os chineses pra isso , mas agora nem sei mais. Kissinger, como sempre, mais prático que teórico. Com a saída do Trump, os EUA devem voltar ao tabuleiro mundial  e o jogo deve ser “paciência” porque terá como oponente não só o jogo bruto dos russos, mas a paciência dos chineses, tudo indica que terá de lidar também com aliados teimosos como o Brasil(os militares vão facilitar as coisas, pois onde vão comprar seus materiais?). A velha Europa que estava mais ligada no chamado “meio-ambiente”, esta nova religião da qual vamos ter que fazer parte queiramos ou não, gostemos ou não vamos entrar no jogo pesado agora, mas agora é guerra, depois se pensa na diplomacia, ou seja depois da guerra é que entram os diplomatas, e nós temos uma tradição neste campo. Ah, mas tem o Bolsonaro, mas esse logo vai para o xilindró. Vamos ter que lidar com  Trump e seus asseclas e principalmente o Secretario de Estado, um tal Marco Rubio, um cara que ainda não entendeu que o Brasil não é Cuba, bastava olhar no mapa, mas esses caras não olham nada nem tem ideia do tamanho do Brasil, por enquanto ele tá acertando o pessoal do Supremo, como esse é  um povo que vive em outro planeta, tudo bem.

Breve notícia sobre o estado do mundo e de alguns de seus líderes - Paulo Roberto de Almeida

Breve notícia sobre o estado do mundo e de alguns de seus líderes

        Resumindo um pouco uma pequena parte de nosso mundo, at large, e temporariamente meio louco.

        Então ficamos assim: com o discurso do laranjão para 800 oficiais generais estritamente silenciosos, os EUA e o mundo descobrem, finalmente, que estão em face de um demente senil e incurável, mas no comando da maior economia do planeta e das FFAA mais poderosas em toda a história da humanidade (até aqui, aguardando o novo Hegemon). 

        Não é só um problema dos EUA, mas do mundo todo, e não sei o que aqueles congressistas apalermados farão a esse respeito, e só eles podem deixar o bufão anencéfalo terminar o seu prazo legal, ou impedi-lo antes desse prazo. Disponham…

        Ele conseguiu ser muito mais pior, como diriam alguns, do que o nosso Bozo nas suas piores alucinações públicas e as com seus generais. Mais passons sur ça, pois que o nosso bufão covarde e incompetente está fora do circuito, embora ainda deva pagar por seus crimes na pandemia.

        Existe um outro personagem que não é bufão, ainda não enlouqueceu, não é totalmente incompetente, mas que calculou mal uma guerra de agressão que imaginava poder ganhar em um prazo de dias ou poucas semanas. Ele já sabe que perdeu a guerra, que está destruindo o seu próprio país, mas não quer, não pode, não consegue parar. Seus generais, silenciosos (com alguns já suicidados), também sabem disso, mas não se encontra um jeito para encerrar essa crônica de uma tragédia nacional já anunciada. Como Mussolini, que se aliou a Hitler, mas que depois viu que tomou a decisão errada, o cleptocrata ex-kgbista confiou em que o novo imperador do Meio garantiria sua retaguarda, e hoje desconfia que poderá não ser assim. Não terá o triste fim de Mussolini, mas não creio que chegue a 2036, como era sua intenção desde alguns anos.

        Persiste ainda certa confusão mental e operacional entre os líderes de uma União ocidental democrática (com poucos dissidentes incomodando o consenso), mas são os únicos com certo discernimento realista sobre o que fazer, embora sem poder militar ou econômico suficiente para avançar em suas causas contra os dois maiores perturbadores da paz e da segurança internacionais.

        Por fim, chegamos a um simpático e pretenso líder de uma coisa chamada (equivocadamente) de Sul Global, que tem a sorte de ser apoiado pelos dois autocratas eurasianos, e também, mas involuntariamente, por aquele que pretenderia ser um imperador do mundo (talvez só ocidental). Está se dando bem, até aqui, mas pode ter cometido o erro estratégico (e também moral) de romper com os valores, princípios e velhos padrões históricos de conduta da diplomacia brasileira, ao escolher um campo no grande jogo do poder mundial, quando isso nunca tinha ocorrido, mesmo nos momentos mais cruciais da primeira Guerra Fria. Se essa guerra esquentar, a política externa do Brasil pode ficar em sérias dificuldades, em face dessa condução personalista desde o primeiro mandato.

        Concluindo: dois dos personagens citados têm mandatos aparentemente intermináveis, mas os dois outros são “termináveis”, democraticamente, o que pode ser, não uma rima, mas uma solução, meio drummondiana.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4/10/2025


sexta-feira, 3 de outubro de 2025

Uma pequena avaliação sobre certas inconsequências de uma diplomacia presidencialista excessivamente personalista - Paulo Roberto de Almeida

Uma pequena avaliação sobre certas inconsequências de uma diplomacia presidencialista excessivamente personalista

        Muitas das iniciativas diplomáticas do lulopetismo na política externa do Brasil, como a Unasul, por exemplo, se mostraram inviáveis por “defeitos de origem”, digamos assim, ou de concepção e de condução, sem que tivessem produzido os bons frutos esperados, neste caso, uma pretensa liderança brasileira na América do Sul, o que se revelou ilusório, como a errática trajetória política do continente depois o demonstrou sobejamente.
        Mas, nenhuma foi tão pesada, em seus desenvolvimentos futuros, como a decisão voluntarista, sem estudos ou reflexões diplomáticas ponderadas, de criar um BRIC, com base em uma sugestão puramente externa, com objetivos totalmente desprovidos de qualquer conotação diplomática, alheios aos interesses nacionais permanentes e em contradição com padrões, princípios e valores de uma diplomacia profissional comprometida  com a condição do Brasil no grande jogo do poder global.
        De BRIC a BRICS, e agora BRICS+, o voluntarismo personalista cobra um preço em termos de coerência com a sempre defendida, pela diplomacia profissional, postura de autonomia decisória, de neutralidade e de imparcialidade com respeito a conflitos interimperiais, que foram a sua marca nos 183 anos anteriores de sua trajetória, desde o Manifesto às Nações Amigas concebido em agosto de 1822 por José Bonifácio de Andrada e Silva, postura também partilhada por Hipólito da Costa.
        Os EUA também se ressentem de certos excessos de diplomacia personalista, marcados por muita megalomania, mas sobretudo por ignorância fundamental quanto aos mecanismos do grande jogo do poder global. Fatores contingentes superam muitas vezes tendências estruturais que se acreditavam mais sólidas. A guerra de Troia, por sinal, não está muito longe de nosso horizonte de possibilidades históricas. Paixões e interesses ainda movem certos dirigentes que se movimentam guiados apenas por seus instintos primitivos individuais.
        A primeira metade do século XX foi pródiga em terríveis consequências involuntárias das paixões humanas. Se esperava que o novo século não repetisse o padrão…
    
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 3/10/2025

Postagem em destaque

Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida

Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...