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sábado, 19 de novembro de 2011

Ainda a Mao Invisivel de Adam Smith - Joao Luiz Mauad

Eu repostei meu texto sobre a "mão invisível" de Adam Smith, apenas porque um comentarista habitual acrescentou esta informação nesse post, e aproveito, de minha parte, para dar-lhe o devido destaque.
http://www.ordemlivre.org/2011/11/desmontando-sofismas-e-rebatendo-cliches/

Desmontando sofismas e rebatendo clichês

mao
É muito frequente a acusação – normalmente perpetrada por intervencionistas tanto à esquerda quanto à direita – de que o liberalismo é uma filosofia “dogmática”, por incitar uma suposta fé irracional naquilo que apelidaram de “deus mercado”.  A estratégia sofísticada traz ainda, como corolário indispensável, o emprego decomentários sarcásticos fazendo referência à única coisa que essa gente conhece, ou já ouviu falar, sobre liberalismo: a famosa metáfora da “mão invisível”.  A armadilha é tão capciosa que já há até liberais defendendo o banimento daquela metáfora, com medo de serem mal interpretados.
Ora, qualquer um que já tenha lido “A Riqueza das Nações” sabe perfeitamente que a imagem da “mão invisível” não tem nada de dogmático ou metafísico. O que Adam Smith diz é que, na esfera comercial, os indivíduos estão permanentemente empenhados em empregar da melhor maneira os seus recursos, visando o maior lucro possível.  O que o agente econômico tem em mente, portanto, é o próprio interesse, e não o interesse social.  Porém, ao examinar o que melhor lhe convém, ele naturalmente acaba escolhendo o que é melhor também para a sociedade em geral, afinal a única forma de obter lucros num sistema de livre mercado é oferecendo bens e serviços de qualidade, a preços razoáveis, aos consumidores.  Em outras palavras, lucrará mais aquele que satisfizer, com mais eficiência, os desejos e necessidades dos demais.
Numa das passagens em que Adam Smith utiliza a metáfora, ele diz, literalmente, o seguinte: “Orientando sua atividade de tal maneira que sua produção possa ser de maior valor, [o empreendedor] visa apenas seu próprio ganho e, neste, como em muitos outros casos, é levado como que por uma mão invisível a promover um objetivo que não fazia parte de suas intenções… Ao perseguir seus próprios interesses, o indivíduo muitas vezes promove o interesse da sociedade muito mais eficazmente do que quando tenciona realmente promovê-lo”.
Eis o verdadeiro sentido da “mão invisível”.  É pela busca constante de seus próprios interesses que o empreendedor fomenta o interesse geral da sociedade, e não pela sua benevolência. Em sua mais famosa sentença, Smith escreve que “Não é da benevolência do padeiro, do açougueiro ou do cervejeiro que eu espero que saia o meu jantar, mas sim do empenho deles em promover seu próprio negócio”.
A metáfora da mão invisível, portanto, não pretende explicar que o mercado seja um sistema intrinsecamente perfeito, um deus imune a falhas, ineficiências ou má gestão, que funciona independentemente do bom planejamento, gerenciamento, controle, etc. Pelo contrário, o mercado só funciona porque é um sistema extensiva e racionalmente planejado e bem administrado. Só que a administração capitalista se dá de forma pulverizada, através da ação de cada indivíduo, de cada empresa. Todo esse planejamento dos indivíduos, das famílias e das empresas é coordenado por um mecanismo sólido, autônomo e extremamente eficiente, denominado “sistema de preços”.
O mercado, como demonstrou Mises, não é um organismo público ou privado, nem tampouco qualquer associação, agremiação, corporação ou organização.  O mercado é um processo.  Numa economia onde prevaleça a livre iniciativa, cada agente planeja e age por si mesmo, sem que ninguém lhe diga o que deve ou não fazer. A coordenação das várias atividades individuais e a sua integração dentro de um sistema harmônico, que supra os consumidores com as mercadorias e serviços que eles demandem, é feita de forma espontânea, desde que guiada por uma estrutura de preços flutuantes e livres.
Não há nada dogmático ou misterioso nesse processo.  As únicas forças por trás do seu contínuo movimento são os julgamentos de valor dos vários indivíduos e as ações deles derivadas.  Como no livre mercado todas as ações são voluntárias, a única alternativa de que dispõe cada um dos agentes para maximizar os próprios ganhos (por mais paradoxal que isto possa parecer a alguns) acaba sendo o empenho para satisfazer as necessidades e desejos do próximo. A mágica, o segredo da eficiência do mercado está, portanto, na supremacia do consumidor.  Através da sua decisão de comprar (ou não comprar), os consumidores determinam não somente a estrutura de preços, mas também o que deve ser produzido, em que quantidade, qualidade e por quem.
Se o livre mercado e o sistema de preços dele derivado são capazes de disponibilizar uma gama inimaginável de bens e serviços para os consumidores, eles produzem também um vasto escopo de oportunidades para os empreendedores.  É pelas mãos desses personagens, nem sempre bem vistos pela sociedade, que a poupança se transforma em investimento, contribuindo para aumentar a produtividade da economia, os salários dos trabalhadores e, consequentemente, o padrão de vida de todos.
Os oponentes do liberalismo gostam muito de falar também em “tirania do mercado”.  Deve-se lembrar a eles, entretanto, que não existe tirania onde as trocas são voluntárias, mas somente onde há coerção – uso da força.   Se um ladrão o ameaça com uma arma, seu “pagamento” a ele será, obviamente, forçado, e só trará benefício a uma das partes.  Por outro lado, quando você adquire um produto qualquer no comércio, a troca de dinheiro por aquele bem é totalmente voluntária, sinal de que ambas as partes (consumidor e comerciante) estão se beneficiando dela.
A propósito, a qual dos exemplos acima se assemelha a situação em que o estado cobra impostos da população (uma atividade coercitiva por natureza), sem lhe devolver as respectivas contrapartidas em serviços?  A mim, pelo menos, parece claro que tirânico não é bem o mercado…

SOBRE O AUTOR

João Luiz Mauad é administrador de empresas formado pela FGV-RJ e profissional liberal (consultor de empresas).

Sobre a famosa Mao Invisivel de Mercado (retomando um texto antigo, mas ainda valido)

Um visitante costumeiro, e fiel, a quem agradeço, me recorda um post meu de quase dois anos atrás, que ainda preserva toda a sua atualidade, pois todo vemos "economistas", políticos e outras almas ingênuas lançarem pragas contra a "ditadura dos mercados" e os efeitos nefastos destes últimos sobre a atividade econômica e sobre a vida das pessoas, que de outra forma, segundo esses personagens simplórios, seriam eficientíssimos, perfeitos, capazes de trazer felicidade a todos e a cada um, se não fosse, justamente, a tal de "ditadura dos mercados".
Desculpo-me com os que acham que eu abuso da minha liberdade de chamar outras pessoas de idiotas, mas se tem uma frase que eu considero como a suprema demonstração de idiotice congenital é justamente essa, de pessoas que não tendo nada de mais inteligente para tentar explicar as razões da crise atual, que pretendem que a culpa de tudo isso que está acontecendo "é dos mercados".
So what, diriam os ingleses. O que mais os idiotas supremos querem que aconteça? Que os mercados se comportem como elas esperam?
Aí sim, seria a suprema idiotice dos mercados, que ao contrário do que acreditam esses ingênuos, não são idiotas. Aliás, os mercados não são absolutamente nada e são tudo: eles apenas existem, e sempre vão poder prevalecer sobre a opinião de idiotas supremos, mesmo quando eles exibem um Prêmio Nobel...
Pois fiquem com o meu post de:


SEGUNDA-FEIRA, 25 DE JANEIRO DE 2010

1758) O velho papo da mao invisivel e os novos profetas

Em artigo intitulado

A Mão Invisível do Mercado,

escrito para o Project Syndicate e reproduzido pela Folha de São Paulo (27/12/2009), o economista e professor da Columbia University, Joseph Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, diz que a lição da crise 

"é a de que os mercados não são capazes de autocorreção. De fato, na ausência de regulamentação adequada, tendem ao excesso. Em 2009, vemos uma vez mais o motivo. A mão invisível de Adam Smith muitas vezes pareceu realmente invisível, porque não estava lá. A defesa de seus interesses próprios pelos banqueiros (ou seja, a cobiça) não conduziu ao bem estar da sociedade, não serviu nem mesmo aos interesses dos acionistas e dos detentores de títulos dos bancos".

Trata-se de notável equívoco quanto ao que disse realmente Adam Smith e quanto ao significado dos mercados livres. Em primeiro lugar, Smith nunca defendeu, realmente, nenhuma política, ou "teoria" como querem alguns, relativamente aos méritos, mais supostos do que reais, dessa famosa construção intelectual identificada como "mão invisível". O que ele disse, concretamente, é que os agentes econômicos, deixados livres para realizarem seus interesses individuais -- ou seja, ao perseguirem unicamente sua própria cobiça -- acabam satisfazendo melhor aos desejos da sociedade do que se estivessem unidos, num suposto acordo coletivo para realizar o bem comum. Adam Smith diz que, ao agirem de forma absolutamente descoordenada e cada qual perseguindo seu próprio interesse, eles acabam atuando em benefício da sociedade, como se uma mão invisível pairasse acima da sociedade a guiar as ações dos indivíduos.
Ou seja, trata-se de uma figura de estilo, não de uma prescrição de política. Justamente em função da ausência de coordenação, agentes individuais não determinam uma política, mas são simplesmente guiados pelo comportamento dos mercados: se eles encontram clientes para seus produtos e serviços, excelente: terão lucros e ficarão mais ricos. Se, ao contrário, os clientes deles se afastarem, por preços altos ou má qualidade, eles perderão dinheiro e serão expulsos do mercado, a menos que se corrijam rapidamente ou mudem seu modo de atuação (por vezes inclusive mudando de ramo, por incapacidade de competir em mercados livres).

Contrariamente ao que diz Stiglitz, mesmo quando cometem excessos -- e os mercados só cometem excessos porque os clientes sustentam a demanda, mesmo em condições adversas, ou seja, preços das ações em ascensão ou otimismo exagerado quanto aos retornos esperados -- os mercados SEMPRE se corrigem a si próprios, inevitavelmente, pois esta é a função dos mercados.
Isso é tão evidente, que não seria preciso repetir: quando há uma defasagem qualquer no mercado, alguém perderá dinheiro, ou o ofertante do bem ou serviço, ou o cliente suposto, o que provocará quase automaticamente uma resposta no sentido contrário: a retirada do ofertante ou do cliente-consumidor do mercado, ambos por perdas realizadas. Isso pode até demorar um pouco para ocorrer, na ausência de informações fiáveis ou adequadas, mas ocorrerá inevitavelmente.

Ocorre, porém, que, orientados por aprendizes de feiticeiro, como Stigltiz, os governos acham que podem melhor regular os mercados do que os agentes primários, os tais da "mão invisível", e passam a determinar como, quando e a que preço podem ser realizadas tais e tais transações.
Isso é tão evidente, que eu não precisaria tampouco recordar o que ocorre de fato nos mercados.
Quem determina a taxa de juros básica não é o mercado, mas o governo. Quem diz para quem, por quanto e por quanto tempo devem ser oferecidos empréstimos imobiliários é em grande medida o governo, que pretende "estimular" o mercado imobiliário e ser generoso com o seu corpo eleitoral, oferecendo casas baratas e financiadas a perder de vista.
Ou seja, quem cria as condições para as bolhas financeiras ou imobiliárias é o governo, não os mercados.
Mercados deixados livres NUNCA fixariam os juros a 2% durante três anos como o fez o Federal Reserve americano, em TOTAL DESCOMPASSO com o mercado real de oferta e demanda de dinheiro. Taxas artificialmente baixas, em descompasso com a inflação e a remuneração dos poupadores é um tremendo estímulo à formação de bolhas, jamais seriam fixadas ao sabor dos mercados, que teriam CORRIGIDO automaticamente esse descompasso.

Portanto, contrariamente ao que diz Stiglitz, os mercados são, sim são capazes de autocorreção, e o fariam se não fosse a MÃO VISÍVEL do governo que atua em descompasso com os dados fundamentais do mercado. Quem disse ao professor Stiglitz que juros de 2% são juros de mercado?
Como os banqueiros teriam induzido clientes potencialmente inadimplentes se não fosse pelo atrativo dos juros baixos?
Como esses agentes imobiliários oficiais teriam oferecido tanto crédito se não fosse pela garantia de que o governo cobriria eventuais perdas?

Sinto muito, professor Stiglitz, seu raciocínio simplesmente não faz sentido.

Paulo Roberto de Almeida (25.01.201o)

A frase da semana: NEM precisa atribuir

São conhecidas as trapalhadas do MEC, tão grandes que, para mim, justificaria o fechamento completo, definitivo, desse imenso formigueiro de saúvas freireanas, e a retomada da educação brasileira em novas bases, completamente diferentes das atualmente existentes. Antes que essa revolução milagrosa se apresente, fiquemos com uma simples frase anódina e engraçada:


O chefe do tráfico na favela da ROCINHA só foi preso porque o nome dele é "NEM". Se fosse "ENEM", tinha VAZADO.

Pois é, eu acrescentaria, ou modificaria: ...teria escapado impune.

Aniversario: ao menos uma vez por ano (nao tem como evitar), o confronto com a idade

Um amigo, dentre os muitos que conquistei e que tive o privilégio de cativar, ao longo destes anos de trabalho intelectual (e divertimentos lúdico-didáticos) feitos através deste blog (e de alguns outros que pipocam por ai), de meu site (um pouco mais sério do que os divertissements a que me dedico no primeiro instrumento), bem como de diversos outros veículos de informação e de comunicações com os quais colaboro eventualmente, ou regularmente, um amigo, dizia eu, desses sinceros e desprendidos, e que, sobretudo, captou singularmente bem o sentido e a motivação de todo este meu trabalho auto-atribuído, escreveu-me estas palavras gentis sobre a passagem de mais um "cumpleaños" (uma palavra bem mais precisa) desta minha jornada de realizações infinitas (algumas talvez duradouras, outras passageiras).
Ao agradecer ao Jonatham a gentileza destas palavras, não posso deixar de agradecer também ao Google, esse formidável instrumento de trabalho e de produtividade (que por uma vez desmente a conhecida asserção de que "there is no free lunch"), e que já me permitiu diversos outros motivos de felicidade (e até de surpresa), além e acima destes singelos "Alerts", como este que recebi me avisando desta postagem, que de outra forma poderia passar despercebida (mas não do Google, implacável em sua eficiência).
Para o video final, remeto igualmente à mesma fonte:

http://futilizzando.blogspot.com/2011/11/tat-tvam-asi-felicitacoes-paulo-roberto.html


Tat Tvam Asi - Felicitações: Paulo Roberto de Almeida

Não há educação melhor que o tempo e a dificuldade. Assim profere o velho dito popular, que a educação é como um diamante, ela é esmerada com o tempo e o rigor (da sua produção) para que no fim, ela se torne bela e preciosa. Poderia devaneiar e atribuir diversas outras comparações ao Paulo Roberto de Almeida que, além de professor, escritor e diplomata, é quase que integralmente um prolífico ensaísta (ensaíos esses que são apresentados em seus muitos blogs e em sites em que contribuie).

Nietzsche, filósofo alemão do século 19, dizia que 'o conhecimento é o maior de todos os afetos', similarmente, Paulo Roberto de Almeida atribuie o mesmo, mas ao contrário do grande filósofo - que se perdeu em seus devaneios cognitivos- PRA utiliza-os para promover (de certa forma) o desenvolvimento social, ou mais claramente, ilumnina a vida (mente) dos mais jovens (e velhos também), dando a eles a oportunidade de refletir o cerne do problema e entender a conjuntura não somente de seus país, como do mundo, é o 'pensar globalmente para agir localmente'.

Sua natureza de 'agitador revolucionário' dos tempos da juventude ainda se mantém, mas hoje reflexivelmente muduro enxerga que a mudança não acontece com gritos, balas e canhões, e sim através da educação, quer dizer, da 'tomada de consciencia' como diria Machado, e como ele acrescenta 'acredito na melhoria das pessoas por meio da reflexão, do constante estudo e da convivência inteletcual'. Essa 'convivência' mantenho com ele há mais de 5 anos, lendo e refletindo tudo que ele tem a me (nos) ensinar, e considerando tudo que aprendi, muito valeu a pena!

Comemora-se hoje seus 62 anos, com 34 prestados ao Serviço Diplomático, bem como professor e escritor. Desejou outrora viver 150 anos, para assim poder ler tudo que pretendia estudar, mas vendo que isso não seria possivel, pediu ao menos que a 'Mãe Natureza' lhe atribuisse o dom para poder organizar todos seus arquivos, listas de leituras e etc, contudo, como não posso ajudá-lo a desenvolver esse 'dom', apenas aguardo ansioso, para que num futuro próximo ou distante possamos admitar e (quem sabe) usar de suas reflexões nas análises socioeconômicas de um Brasil ainda In ascenção, no qual ele deixará sua marca como O Maior Construtor do Humaismo Diplomático.

Tat Tvam Asi - assim ele é. Distante, mas presente. Otimista, mas preocupado. Seus olhos expressam 'um misto de bondade e perspicácia', admira pessoas inteligentes, e despreza a falsidade (principalmente a intelectual).

Repeti a dose e fiz em seu aniversário passado um retrato simplório sobre sua vida e a obra:

http://futilizzando.blogspot.com/2010_11_01_archive.html



Abaixo há sua palestra na FAAP, onde ele ministra suas expectativas sobre o desenvolvimento do Brasil e como podemos crescer - ao menos, não estagnar.

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Minitratado das Dedicatórias - Paulo Roberto de Almeida


Minitratado das Dedicatórias

Paulo Roberto de Almeida

Sempre me intrigaram as dedicatórias, especialmente as estranhas (e, reparem bem, existem as mais bizarras). Afinal de contas, para um leitor inveterado como eu, impossível não tropeçar com elas bem no começo de um livro qualquer. Os bons autores, maridos dedicados, pais extremosos, amantes amantíssimos, nunca deixam de honrar seus amados, oferecendo-lhes a obra que você tem nas mãos, com palavras obsequiosas, atenciosas, gentis. Normal tudo isso.
Mas, depois de “enésima” tese ou dissertação acadêmica com que sou confrontado, em leitura primeiro, em banca depois, sou obrigado a me render a esta simples evidência: as dedicatórias são uma forma de arte como poucas outras, merecendo por isso mesmo o que aqui vai agora exposto: um minitratado.

De fato, eu há muito já vinha intrigado com esse tipo de exercício intelectual – desde os menores, de poucas linhas, até os maiores, de uma página e meia –, quando fui despertado para a importância da matéria por um colega de banca, que se lembrava de outra tese de doutorado, em Paris, na qual seu autor, jurista que depois ficou famoso, dedicou seu calhamaço à sua amada, de uma forma que ficou famosa antes dele conquistar respeito e apreço dos seus pares. De fato, o candidato em questão dedicava, o mais seriamente possível, sua tese a Marie Josephine (o nome eu escolho, para resguardar a privacidade dos personagens), “em memória do que aconteceu na tarde do dia 18 de junho de 19.., no jardim das bétulas...” e por aí seguia em mais duas ou três linhas de uma exemplar discrição amorosa. Mais do que a dedicatória em si, o que certamente intrigou os leitores foi tentar descobrir a natureza daquilo que tinha realmente acontecido naquela tarde de um final de primavera, no jardim das bétulas, entre o muito sério autor de um tratado de direito internacional e sua doce Marie Josephine. A imaginação não deixa de deslizar sobre o ocorrido naquelas poucas horas em lugar tão romântico e convidativo: c’est tout un programme, como diriam os franceses.

Bem, deixemos por enquanto os amantes franceses de lado para nos dedicar, de modo integral e completo, à arte das dedicatórias, no que elas merecem de atenção, de seriedade e de relevância acadêmica, justificando, quem sabe até?, uma tese de doutoramento, ou pelo menos uma dissertação de mestrado. Concordo. As dedicatórias são suficientemente reveladoras do espírito do autor, de suas condições de trabalho acadêmico, de suas influências intelectuais, para merecer um estudo à parte, um que interrompa a leitura de livros e cartapácios universitários logo nas primeiras páginas, desprezando todo o resto, apenas para ficar nas doces palavras com as quais o autor da obra em questão homenageia deuses, santos, padrinhos e amigos, chegando até ao sogro e à sogra (imaginem vocês!), não poupando nem mesmo o cachorro ou o papagaio. Candidatos à autoria de teses bizarras, apresentai-vos...

Os livros universitários americanos comportam poucas dedicatórias exclusivas; no máximo, uma frase de algum famoso escritor ou cientista, colocada em destaque, como reveladora do espírito que animou o autor a se lançar em sua empreitada intelectual. A dedicatória, mesmo, vem geralmente nas últimas linhas de apresentação, nas quais o autor invariavelmente agradece ao cônjuge a compreensão e o carinho demonstrados por tanta dedicação ao seu trabalho durante tantas horas roubadas ao convívio pessoal e familiar, acrescentando, se for o caso, dois ou três filhos no seguimento. Discretos esses americanos...
Mais exuberantes são os brasileiros, tanto mais quanto eles não têm ainda uma obra consagrada, e talvez nenhum título digno de Citation Index a oferecer ao distinto leitor. Já reparei que quanto mais elementar é o trabalho em questão – ou seja, partindo de um simples TCC, ou monografia de final de curso, até a tese doutoral completa, passando por diversos tipos de dissertações – mais empolada e grandiosa se apresenta a dedicatória, construída para agradecer a todos os que colaboraram com o formidável produto que agora se apresenta aos olhos do público.

Algumas dedicatórias são sóbrias, comme il faut, fazendo poucas concessões a uma arte tão rica de variações estilísticas e floreios de expressão. Mas as melhores são aquelas que não esquecem absolutamente ninguém na sua sanha abrangente e totalizadora, digna de uma Gesamtkunstwerk, quase uma obra de arte total, como indica o conceito alemão. Elas geralmente começam por Deus, pelo dom da vida, pela felicidade da existência, pela inspiração concedida e por todas as graças alcançadas, e por aí vai. Deus realmente é único e indivisível, pois ele aparece em parágrafo próprio, com o destaque das primeiras linhas, onipotente, sem dividir a frase com nenhum outro personagem das mitologias, sejam elas quais forem.
Depois da invocação divina, o professor orientador é o primeiro personagem obrigatório nessas dedicatórias universitárias, mesmo quando – e sobretudo quando – ele não cumpriu com seus deveres de orientador e deixou passar vários equívocos de substância e erros de forma que depois são detectados por membros menos complacentes da banca (como eu próprio, por exemplo). Em todo caso, o orientador é aquele que mostrou novos rumos, guiou de mão segura o aluno aprendiz pelos tortuosos caminhos da verdadeira ciência, aplicou com toda sapiência os mais rigorosos padrões da pesquisa acadêmica para que o resultado fosse o melhor possível, aquele mesmo que se abre agora aos nossos olhos, eventualmente de arquitetura estropiada em sua forma, conteúdo beirando o aceitável e correção estilística merecendo um revisor bem remunerado. Mas, enfim, orientador é orientador, e cabe-lhe, portanto, as honras e a glória do TCC, da dissertação, da tese tão penosamente construída e finalmente terminada.
Podem vir, em seguida, os demais professores, a instituição, a bibliotecária ou secretária do departamento, enfim, todo o mundinho funcional que circulou em volta do trabalho até que ele viesse a termo. São as honras da casa que é preciso respeitar. Mas esse parágrafo é curto, comparado ao que vem depois.

Sim, depois desses parágrafos protocolares é que aparecem as verdadeiras dedicatórias, aquelas que justificariam uma tese inteira sobre as dedicatórias, essas joias da literatura acadêmica que não mereciam ficar relegadas a páginas introdutórias, pelas quais se passa rápido e sem prestar muita atenção, direto para a consulta do índice e o início da leitura na introdução a obra tão dedicada, justamente.
Nesse setor, a imaginação é o limite, mas o carinho e os agradecimentos costumam estar em primeiro lugar para os pais – se o candidato ainda é jovem – ou para o companheiro, cônjuge, noivo ou namorado, dependendo do status matrimonial, ou pré, do autor em questão. Não são ainda muito comuns as dedicatórias homo-afetivas, mas elas sem dúvida não tardarão, consoante o Zeitgeist e o avanço dos costumes. Também entram aqui irmãos, primos, amigos, companheiros de quarto ou de República, colegas de curso (e das horas de infortúnio), enfim, todos aqueles que, da bibliotecária dedicada ao pipoqueiro da esquina, colaboraram, de uma forma ou de outra, para o sucesso do empreendimento e a conclusão da corveia.

Não são incomuns, tampouco, as citações de terceiros, encimando ou terminando essa página (por vezes página e meia) de dedicatórias: frases cultas, pretensamente inteligentes, invocando alguma nobre missão ou contendo alguma pérola da sabedoria universal; versos poéticos, tiradas filosóficas, mais raramente um hai-kai ou slogan mobilizador. Os marxistas não deixam de destacar alguma frase do 18 Brumário; os neoliberais podem vir com uma resposta hayekiana; os anarquistas aproveitam para relembrar que, a despeito de tudo, permanecem irredutivelmente rebeldes, sans Dieu ni maître; e os sonhadores, ou os muito religiosos, transcrevem uma esperança qualquer. Nunca é tarde, ou cedo, para proclamar em altos brados suas preferências intelectuais.

As dedicatórias são, enfim, o equivalente dos diários íntimos, atualmente tão fora de moda, substituídos, talvez, pelos blogs e outras ferramentas de comunicação social. Elas merecem toda a nossa atenção e espírito investigativo. Vale uma pesquisa mais extensa, para o que pretendo empreender uma garimpagem na coleção de trabalhos acadêmicos depositados em duas ou três instituições universitárias ao meu alcance. Aposto que vou encontrar verdadeiras pérolas, dignas de transcrição entre aspas (preservando-se, é claro, os autores), exemplos de imaginação criadora e espírito literário. Prometo voltar...
Por enquanto, dedico este minitratado a todos os autores sequiosos de colocar em ordem suas respectivas dedicatórias e declarando-me disposto a receber, como contribuição a meu trabalho de pesquisa, todos os exemplos bizarros e mais interessantes que meus leitores possam encontrar em suas andanças acadêmicas. 
Paulo Roberto de Almeida
(Brasília, 15/11/2011; rev.: 18/11/2011)

America's New Cold War With China - Tom Hayden

Recentemente, apresentei um trabalho em seminário acadêmico cujo título é: 
“A econômica política da velha Guerra Fria e a nova “guerra fria” econômica da atualidade: o que mudou, o que ficou?”

(disponível neste link).

America's New Cold War With China



Tom Hayden
Huff Post, World, 18 November 2011


By declaring that he will dispatch 2,500 Marines to Australia, President Obama has crossed a line, beginning a new Cold War with China, one based on military encirclement on sea and land, costing unknown trillions in defense dollars, and shoring up cheap labor markets in a free trade zone excluding China. An increased emphasis on China's systemic human rights violations will provide a liberal rationale for the new global competition.
Just as some might wonder what the North Atlantic Treaty Organization is doing in Afghanistan, one might wonder what the United States Navy is doing in the China Sea. Call it imperialism, globalization or great power politics; the new strategy is a replica of the eighty-year Cold War against the Soviet Union. That conflict resulted in the implosion of the Soviet Union and much rhetoric about America becoming the "sole superpower," but has done little to advance the US wars in Iraq, Afghanistan, and Pakistan; end the American isolation in Latin America; or prevent the rise of China as the emerging economic power. Along the way, millions of people died, were wounded or displaced in a series of hot wars with the Cold War as backdrop and rationale. By analogy, the new Cold War is based on the historic Soviet model of squeezing China's budget through military encirclement, while hoping for internal uprisings by Chinese workers and intellectuals against austerity and repression.
The new Cold War may be intended to be more economic, political and diplomatic than military. But bloody wars might erupt between North and South Korea, China and Taiwan, or through proxy wars involving Pakistan and India. The US network of emerging military alliances could obligate the US to enter such conflicts.
America's leading foreign policy guru, Henry Kissinger, who has visited China more than seventy times, signals in his book, On China, the strategic challenge of China to the American global agenda, recommending a cautious path of coexistence with the new superpower. On the right, of course, are those with longstanding demands to "roll back" China, abetted by many seeking to impose trade sanctions. Hillary Clinton, in a November Foreign Policy article, called for a "more broadly-distributed military presence" combined with "forward-deployed diplomacy," and warned -- above all -- against a post-Iraq, post-Afghanistan domestic desire to "come home." (Ironically, "America, come home," was the cry of George McGovern's 1972 presidential campaign, which both Clintons supported.)
At precisely the moment that our country is convulsed with historic protests against grinding poverty, foreclosures and unemployment, the US foreign policy elite seems more intent on occupying military bases abroad than answering Occupy Wall Street at home.
Viewed historically, this is a classic example of choosing the path of overseas expansion -- the "Open Door" foreign policy described by William Appleman Williams in The Tragedy of American Diplomacy -- to channel attention and resources away from solving problems at home.
Obama's new Cold War approach includes an emphasis on continued bilateral cooperation with China while adopting a more aggressive and confrontational policy. Obama asserts that the United States is a "Pacific nation," which intends to play "a larger and long-term role in shaping this region and its future."
Could anyone imagine the Chinese government sending carriers and submarines to the California coast and announcing their intention to play a larger long-term role in shaping the western coasts of the Americas?
Instead of denouncing "coming home" as a new "isolationism", the question should be whether America is being committed to an over-extension of resources that should be invested in jobs at home.
If Obama rules out any defense cutbacks in the Asian Pacific region, where will the funding for our cities come from? If China chooses to respond aggressively, for example over Taiwan, will the US respond in kind, or be forced into backing down? Why should the US emphasize hard power against a nation that cannot be defeated militarily? Why not a nonviolent "soft power" strategy, through a relentless defense of human rights, civil liberties, Internet access and the elimination of sweatshop labor conditions based on collusion between Chinese authorities and global Western corporations? Why not a primary emphasis on nonviolent cooperation with China on energy efficiency and green jobs?
In Machiavellian terms, is the new American deployment a cover for the pending withdrawal of American combat forces in Iraq and Afghanistan, or the real rationale for the Long War?
The neo-conservative thinker Robert Kaplan writes,
"stabilizing Afghanistan is about much more than just the anti-terrorist war against al-Qaeda and the Taliban; it is about securing the future prosperity of the whole of southern Eurasia, as well as easing India and Pakistan towards peaceful coexistence through the sharing of energy resources." (Kaplan, Robert. Monsoon: The Indian Ocean and the Future of American Power, 2010, p. 14)
That expansionist goal of Afghan policy has never been officially articulated.
As Kaplan notes, US navy ships already have bombed Iraq and Afghanistan from the Indian Ocean, while the Air Force tries to secure Iraq and Afghanistan from bases in the Persian Gulf and the Indian Ocean. "Any American strike against Iran -- and its aftershocks regarding the flow of oil -- will have an Indian Ocean address," he adds.
The US Marines "Vision and Strategy" paper (June 2008) predicts that the Indian Ocean will be a central theater of conflict and competition in next decade, while the 2007 US naval strategy called for a "sustained forward presence" in the same region.
"Herein lies the entire arc of Islam, from the eastern fringe of the Sahara Desert to the Indonesia archipelago," Kaplan goes on, the epicenter of al-Qaeda, terrorism and anarchy. Here lie, he says, are the principle oil shipping lanes and "choke points of world commerce." "Forty percent of seaborne crude oil passes through the Strait of Hormuz at one end of the ocean, and 50 percent of the world's merchant fleet capacity is hosted at the Strait of Malacca." He concludes, "The Indian Ocean rimland from the Middle East to the Pacific accounts for 70 percent of the traffic of petroleum products for the entire world."(Kaplan, p. 7)
Without public debate, without Congressional consent, without any cost projections, Americans are being herded into the dawn of a new era.