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domingo, 3 de dezembro de 2017

Oliveira Lima, um historiador das Americas - Paulo Roberto de Almeida e Andre Heraclio do Rego (CEPE)

Meu próximo livro, feito conjuntamente com meu colega André Heráclio do Rêgo, sociólogo e historiador. de raízes pernambucanas, publicado pela Companhia Editora de Pernambuco (Recife: CEPE, 2017, 175 p.; ISBN: 978-85-7858-561-7).


Índice
  
Apresentação: O maior historiador diplomático brasileiro
       Paulo Roberto de Almeida, André Heráclio do Rêgo

1. O Barão do Rio Branco e Oliveira Lima: vidas paralelas itinerários divergentes
       Paulo Roberto de Almeida


2. Oliveira Lima, intérprete das Américas
       André Heráclio do Rêgo

3. O império americano em ascensão, visto por Oliveira Lima
       Paulo Roberto de Almeida   

Apêndice: O Brasil e os Estados Unidos antes e depois de Joaquim Nabuco
       Paulo Roberto de Almeida   

Notas aos capítulos
Sobre os autores 


Apresentação
O maior historiador diplomático brasileiro

Paulo Roberto de Almeida
André Heráclio do Rêgo


A primeira delas, José Maria da Silva Paranhos Júnior, o barão do Rio Branco, era, ademais do negociador e do chanceler que marcou época, historiador, membro do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Brasileira de Letras. O segundo, Joaquim Aurélio Barreto Nabuco de Araújo, além de haver sido o paladino do pan-americanismo e nosso primeiro embaixador em Washington, já na idade madura, após uma juventude em que deixou sua marca na História do Brasil, ao dedicar-se à causa abolicionista, era também historiador e memorialista, considerado por Gilberto Freyre como um dos maiores estilistas da língua portuguesa.
Essas duas primeiras personalidades foram consagradas ainda em vida. Nabuco, desde a campanha abolicionista; Rio Branco, desde as questões de limites. Multidões acorreram aos respectivos enterros, o de Joaquim Nabuco no Recife, em 1910, o de Rio Branco no Rio de Janeiro, ao início de 1912, ocasião na qual inclusive o carnaval teve que ser adiado.
A terceira personalidade não teve consagração em vida, e ainda hoje não alcançou completamente nem a póstuma. Trata-se de Manuel de Oliveira Lima. Pernambucano como Nabuco, Oliveira Lima era bem mais jovem do que os outros dois. Além da diferença generacional, também não compartilhava com eles a formação nos cursos jurídicos de Olinda e de São Paulo. Ao contrário, graduou-se em Lisboa, no curso superior de Letras, tendo uma formação ‘profissional’ nas áreas de História e Literatura. Terá sido, pois, na sua época, o único grande historiador brasileiro que não foi autodidata. Também ao contrário de Nabuco e Rio Branco, foi republicano na juventude e na idade madura flertou com a monarquia.
Entrou no Itamaraty no princípio da última década do século XIX, numa época em que a situação política de Rio Branco e Nabuco não era das melhores. Paralelamente à carreira diplomática, logo se iniciou na escrita da História, tendo publicado ainda nesta década dois livros, que possibilitaram sua entrada na Academia Brasileira de Letras entre os 40 primeiros integrantes, ou seja, como membro fundador, glória que, se não pode ser comparada à de Nabuco, que além de fundador foi o idealizador da instituição, ao lado de Machado de Assis, foi bem superior à de Rio Branco, que teve de esperar a abertura de uma vaga para entrar no grêmio.
Oliveira Lima poderia ter sido um êmulo do barão do Rio Branco, nosso grande chanceler e modelo da diplomacia até hoje, se tivesse mais ‘diplomático’. Sua caracterização como ‘diplomata dissidente’ é adequada; em alguns casos terá sido também um “rebelde com causa”, que foi a de sua luta pelo desenvolvimento social, político e econômico e do Brasil, para ele espelhando, mas apenas parcialmente, os magníficos progressos da nação americana, em cuja capital ele trabalhou como jovem diplomata, mas já totalmente consciente das grandes diferenças que separavam o mundo anglo-saxão do errático universo ibero-americano que ele soube analisar tão bem numa fase já madura de sua vida.
Não sendo muito diplomático e não aceitando ficar à sombra do poderoso barão, voltou-se cada vez mais para os estudos históricos, contando para tanto com a ajuda do próprio chefe desafeto, que lhe propiciava longos períodos de inatividade diplomática. Graças a esses longos períodos em disponibilidade e às longas licenças que tirava – o que certamente não agradava à chefia superior, que paradoxalmente o punia com longos períodos em disponibilidade, teve tempo para pesquisar e escrever, erguendo uma obra historiográfica mais sistemática e consistente que as de Rio Branco e Nabuco. Nela, foi muitas vezes pioneiro e precursor: da história da vida privada, por exemplo, ao indicar a utilização de romances como fonte historiográfica; da utilização das obras de viajantes estrangeiros sobre o Brasil. Sua obra antecipou, de certa forma, os escritos de Gilberto Freyre, Caio Prado Júnior, Sérgio Buarque de Holanda, Raimundo Faoro e José Honório Rodrigues, entre outros. Se passarmos para o campo da patriotada, poderíamos dizer até que ele foi precursor de Norbert Elias e de Lucien Febvre, respectivamente nos conceitos de processo civilizatório e de instrumentos mentais, e até mesmo de Georges Duby, no que se refere à caracterização tripartite da sociedade. Além disso, Oliveira Lima foi pioneiro em estudos comparatistas, e era o historiador brasileiro que mais sabia da história de Portugal, dispondo para tanto de uma capacidade de síntese sem igual.
Ele, como Nabuco e Rio Branco, foi único e incontornável, mas a História lhe foi ingrata, algumas vezes por culpa sua, por ser corajosamente sincero, ao ponto de ser incômodo. Após um começo brilhante, sua vida profissional e intelectual passou a se caracterizar por um ressaibo amargo de incompletude e de frustração, no que se poderia considerar uma trajetória interrompida. Ao contrário de Rio Branco e de Nabuco, ao seu enterro não compareceram multidões, apenas a esposa, que compartilhava com ele o ‘exílio’ em Washington, e mais uns poucos.
Aos 150 anos de seu nascimento, no Recife, em dezembro de 1867, vale examinar alguns dos seus muitos escritos com o objetivo de constatar que ele foi, efetivamente um dos grandes, senão o maior dos historiadores diplomáticos brasileiros, pesquisador incansável dos arquivos, leitor das crônicas dos contemporâneos, colecionador de manuscritos, de livros e de obras de arte, leitor da literatura de cada época, dos jornais do momento e dos grandes historiadores do passado. Sua obra completa excede as possibilidades de um único estudioso e, talvez por isso, temos de nos contentar com uma Obra Seleta, e com vários outros trabalhos, reeditados de forma dispersa e errática, ao sabor do interesse de editores, de admiradores e de alguns poucos acadêmicos devotados ao estudo de uma imensa série de livros, resenhas, notas e artigos de revista e de jornais, que pode facilmente encher mais de uma estante de livros.
Sua biblioteca, depositada na Universidade Católica de Washington, oferece um testemunho de seu voraz interesse por toda a história das civilizações ocidentais desde os descobrimentos, com um grande foco no hemisfério americano, daí o título desta coletânea por dois estudiosos e admiradores de sua obra, que é especialmente relevante no plano pessoal, não apenas pela mesma condição profissional, a de diplomatas de carreira, mas igualmente pelo que ela oferece como interpretação significativa, e ainda válida, a despeito da passagem de um século, sobre o desenvolvimento comparado dos povos das Américas. Oliveira Lima não foi apenas historiador, mas também sociólogo, cientista político, fino psicólogo dos personagens estudados – como D. João VI, por exemplo – e também uma espécie de antropólogo cultural, como tal inspirador de uma outra rica obra construída pelo conterrâneo Gilberto Freyre, que com ele conviveu em sua fase iniciante e já na fase madura e derradeira do grande historiador pernambucano.
Os trabalhos aqui coletados não podem representar a justa homenagem que lhe é devida no 150o aniversário de seu nascimento, mas eles representam, ainda assim, um testemunho de apreço, nos planos sociológico e historiográfico, pelo valor intelectual da produção ímpar do historiador e diplomata Oliveira Lima. Não temos nenhuma dúvida de que nos próximos 150 anos essa obra continuará a ser lida e a servir de inspiração a novos historiadores e sociólogos das civilizações do hemisfério americano.

Brasília, novembro de 2017



sábado, 2 de dezembro de 2017

Previdência: sem reforma, o destino do Brasil reproduzirá o Rio de Janeiro atual, ou seja, o caos

“Quem não usar os olhos para ver, terá que usá-los para chorar!” (Foerster)


RPPS: Dirigentes de Regimes Próprios enfatizam urgência da Reforma

Reunião do Conaprev é realizada em Salvador, dias 30 de novembro e 1° de dezembro.

Secretário Marcelo Caetano fala aos 95 participantes da reunião do Conaprev. 

Em Salvador – Representantes e dirigentes dos Regimes Próprios de Previdência Social de todo o país reiteraram a urgência da realização da Reforma da Previdência para o equilíbrio das contas públicas.

Os dirigentes estão em Salvador (BA) participando da 61ª Reunião do Conselho Nacional dos Dirigentes de Regimes Próprios de Previdência Social (Conaprev) nesta quinta-feira (30) e sexta-feira (1° de dezembro).

O secretário de Previdência, Marcelo Caetano, participou da abertura do evento e confirmou que a emenda aglutinativa com a proposta da Reforma manteve todas as alterações de regras previstas para servidores públicos que já estavam no texto do substitutivo da PEC 287/2016. “Alteração em relação ao substitutivo é que agora, a aposentadoria rural e o benefício assistencial - o BPC/Loas- mantém as regras vigentes hoje. Ou seja, a população mais carente não será afetada pela Reforma”, disse.

A abertura da reunião contou com presença de outras autoridades, como o chefe de gabinete da prefeitura de Salvador, João Roma, e o secretário municipal de gestão, Thiago Martins Dantas, que deram as boas vindas aos cerca de 95 representantes de entes de Regimes Próprios de todo o país presentes.

“Esta reunião é ocasião para reiterar que, se não tiver Reforma da Previdência, a situação vai piorar para todos os Regimes Próprios”, afirmou o diretor-presidente da Rio Previdência, Reges Moisés. “A situação do Rio de Janeiro, com atraso no pagamento de servidores, deve ser alerta ao Brasil todo. O abismo está ali e, se não mudarmos, a direção é a mesma para todos.”

Ele disse que o Rio é um exemplo de que o não pagamento de benefícios acarreta uma reação em cadeia, “com duros impactos na sociedade, quando não paga os ativos, não investe em segurança, saúde e educação e a administração pública passa a ter graves dificuldades na gestão”.

Para o superintendente de Previdência do Estado da Bahia, Rodrigo Pimentel, a Reforma deveria ser ainda mais profunda do que a que está proposta. “Metade do deficit do Estado está ligado à inatividade de professores e policiais militares. Nosso deficit já atingiu R$ 3 bilhões ao ano, e estamos fazendo um esforço grande para pagar em dia, fazendo cortes na gestão pública”, afirmou.

José Roberto de Moraes, presidente da SP Prev disse que “embora o Estado de São Paulo hoje esteja honrando todos os seus compromissos, sem nenhuma falha, é evidente que uma visão de futuro demonstra que a situação só tende a se agravar. Para nós a reforma é essencial. E sabemos que se ela não for feita agora, daqui a dois anos ela vai ter que ser feita e talvez um pouco pior do que está sendo feito agora”, alertou.

Além das informações sobre a tramitação da Reforma, a reunião tratou da regulação e supervisão dos RPPS pela União, estudos sobre padrões de inatividade de Policiais Militares no Brasil, entre outros temas.

“A Previdência Social é de interesse nacional, não local ou regional. O equacionamento do deficit atuarial é um tema sensível que afeta os 2.111 Regimes Próprios de todo o país”, ponderou o subsecretário de Regimes Próprios de Previdência Social, Narlon Gutierre Nogueira, ao lembrar que o Indicador de Situação dos Regimes Próprios é uma ferramenta que agrega informação para auxiliar os entes na aquisição do Certificado de Regularidade Previdenciária administrativamente, “que é o que todos nós desejamos”, concluiu. 

Ricardo Bergamini

www.ricardobergamini.com.br

sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

Venezuela: um pais empobrecido e sem dinheiro - John Otis (The Guardian)


Cash crunch: how Venezuela inadvertently became a cashless economy

John Otis in Caracas

The Guardia, December 1, 2017


Venezuela's currency, the bolívar, is named after Simón Bolívar, the 19th-century hero revered across South America for leading the fight for independence from Spain. But the recent history of the banknote he inspired is far less glorious: low-value notes have been rendered practically worthless – and now Venezuela is running out of them.
The cash crunch is so acute that ATMs now provide a daily limit of 10,000 bolívars, enough to buy just a few cups of coffee. Black-market money changers charge commissions of up to 20% to score paper money for small business people who pay their workers in cash. Banks are running out of banknotes.
"Sometimes, bank tellers will only pay you half of your pension and suggest that you come back later for the rest," said Marta Milano, who was waiting in a long line outside a state-run bank in Caracas hoping to collect her pension.
Although many nations are moving away from paper money in favor of electronic payments – for convenience and to reduce street crime – critics contend that Venezuela is inadvertently turning into a cashless society thanks to economic blunders by President Nicolás Maduro's socialist government.
Out-of-control state spending, government currency controls and other policies have led to what many describe as hyperinflation, as well the collapse of the bolívar – which now trades at about 107,000 to the pound on the black market.
Now, there is not enough cash in circulation to keep up with soaring prices.
Jean Paul Leidenz, a senior economist at the Caracas thinktank Ecoanalítica, says there are about 13bn banknotes in circulation in Venezuela. But about half of these are 100-bolívar notes, each worth a small fraction of one penny.
The central bank has introduced higher-denomination bills, including a 100,000-bolívar note. But these new banknotes are printed in Europe and the government, which is dealing with falling production of oil – its main export – and massive foreign debt, lacks the money to import enough of them to meet demand.
"Prices are doubling around every two months. So at that rate of price increases you can't keep up with inflation even if you start importing bills," Leidenz says.
He and other analysts are calling for market reforms, including the lifting of government currency controls, to help combat inflation and boost national production amid Venezuela's worst economic crisis in modern history. But the Maduro government has made no effort to change tack.
President Maduro blames the cash shortage on private bankers who he claims are working in cahoots with President Juan Manuel Santos of neighbouring Colombia, who has criticized Maduro for cracking down on democratic freedoms.
Maduro insists that bankers are smuggling cash across the Venezuelan-Colombian border as part of an elaborate conspiracy to sabotage the economy and bring down his government.
"Juan Manuel Santos of Colombia along with the [border] mafias are leading this attack against Venezuela. They are stealing 50- and 100-bolívar banknotes to take them out of the country," Maduro said in a recent speech.
He did not, however, explain why smugglers would covet nearly worthless banknotes or why spiriting them out of the country would threaten the Venezuelan economy.
Instead, Maduro tried to paint the cash crisis as an opportunity for Venezuela to ditch cash altogether. He said that by next year, up to 95% of all payments in Venezuela should be done electronically.
That's already starting to happen, though critics point out that the transition stems from a dearth of cash rather than ahead-of-the-curve planning by the Maduro government. These days, Venezuelans pay for the smallest purchases – from a pack of gum to newspapers – with credit or debit cards.
At an outdoor produce market in Caracas, electrician Edinson Sua whipped out his debit card to pay for a few kilos of potatoes and carrots. He said he saves his scarce bolívar notes for bus fares and other transactions that require cash.
"I almost never use cash except in a real emergency," he says.
But paying with plastic creates new problems. The rising number of electronic transactions can cause internet connections for card readers to collapse. Empty shelves at supermarkets prompt many Venezuelans to seek out black-market vendors who sell milk, rice and other basic staples but accept only paper money.
What's more, about 40% of Venezuelans do not have bank accounts. For them the daily scramble for cash continues.

Venezuela: o que falta para decretar intervencao humanitaria?

Onde andaria o tal de R2P? Ou mesmo o RWP? Ou simplesmente um SOS mundo?


Metrô para por falta de luz e diabéticos morrem sem insulina na Venezuela

O Estado de S. Paulo, 1/12/2017

 

Em dia caótico, apagões interrompem partida de beisebol, escassez de combustível afeta transporte público, médicos reclamam de epidemia de malária e de surto de doenças já erradicadas; OMS reconhece que país vive crise humanitária
A Venezuela viveu ontem um dia caótico. Algumas estações do metrô de Caracas fecharam por falta de luz. Houve queda de energia em várias regiões. Em 17 Estados, a gasolina está no fim. Em Vargas, médicos anunciaram que 24 diabéticos morreram nos últimos quatro meses por falta de insulina. A Organização Mundial de Saúde (OMS) admitiu, pela primeira vez, que o país passa por uma crise humanitária.
“Nos últimos quatro meses, 24 pacientes diabéticos morreram em razão da falta de insulina e amputamos cinco pessoas em um mês.” A frase de Monica Conde, médica do Estado de Vargas, no norte da Venezuela, é um retrato da crise. “Alguns tipos de insulina até chegam às farmácias particulares, mas custam muito caro”, disse Monica ao jornal La Verdade de Vargas.
“No hospital, não temos como tratar os pacientes e estamos fazendo vaquinha para comprar alguns produtos básicos.”
Diante da escassez de remédios, a OMS admitiu ontem que há uma crise humanitária no país. Desde 2014, faltam pelo menos 100 remédios essenciais. Segundo a Federação Farmacêutica da Venezuela, 85% dos medicamentos necessários à população sumiram das farmácias. Quando se trata de doenças crônicas, como diabetes e câncer, a escassez é de 95%.
Doenças como a difteria, erradicada havia 24 anos, reapareceram, assim como a tuberculose e o sarampo. A Venezuela enfrenta uma epidemia de malária, com 200 mil casos até outubro, metade dos casos de todo o continente americano.
A desnutrição em crianças menores de 5 anos aumentou de 54%, em abril, para 68% em agosto. Segundo um estudo da ONG Cáritas da Venezuela, vinculada à Igreja Católica, 35,5% das crianças pobres do país, com idade de 0 a 5 anos, estão desnutridas. A mortalidade infantil na Venezuela aumentou 30,12% no ano passado, em relação a 2015, com 11.466 mortes de crianças de 0 a 1 ano.
Não foram apenas os alimentos e os remédios que desapareceram das prateleiras. A escassez de métodos contraceptivos e de preservativos causou um aumento drástico do número de doenças sexualmente transmissíveis, como gonorreia, sífilis e herpes, além de uma epidemia de abortos caseiros – o aborto na Venezuela é proibido, a não ser em casos de risco de vida para a mãe. Segundo ONGs, em 2015, foram 2.366 atendimentos médicos em decorrência de abortos improvisados. Em 2016, o número aumentou para 3.430.
Para os médicos, a escassez de métodos contraceptivos é a causa do aumento de casos de aids e de outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), como gonorreia, sífilis e herpes. Este ano, mais de 6,5 mil pessoas contraíram o HIV na Venezuela. Em 2016, foram 5,6 mil. Em 2014, 3 mil.
A ginecologista do Hospital Universitário de Caracas, Vanessa Diaz, afirmou ao jornal Washington Post que o número de pacientes com outras DSTs também aumentou. “Dos pacientes que atendi, a cada dez, seis tinham alguma DST. Dois anos atrás, esse número não passava de dois”.
O caos na Venezuela começou a afetar também questões mais prosaicas – do fornecimento de gasolina à energia elétrica. Nos últimos três dias, estações de metrô de Caracas tiveram de ser fechadas por falta de luz. Os apagões são cada vez mais frequentes. Em Caracas, nos horários de pico, a interrupção das linhas de metrô por queda de energia costuma durar até duas horas. O principal jogo de beisebol da rodada de ontem, entre Magallanes e Águilas, disputado em Maracaibo, foi interrompido por mais de duas horas em razão de um blecaute na cidade.
Mesmo tendo as maiores reservas de petróleo do mundo, em várias regiões a gasolina está no fim. Dos 23 Estados da Venezuela, 17 enfrentam escassez de combustível. O problema reduziu a circulação de táxis e ônibus, afetando o transporte público em várias cidades do país.

quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O Brasil e a Grande Guerra - livro de Francisco L. T. Vinhosa


Mini-nota sobre um livro: 


 Francisco Luiz Teixeira Vinhosa:
O Brasil e a Primeira Guerra Mundial (a diplomacia brasileira e as grandes potências)
Rio de Janeiro: Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1990; Prêmio IHGB de História da República, 1989.
 
            O livro foi publicado em 1990 pelo IHGB, e pela Biblioteca do Exército em 2015, e conserva plena atualidade pelo lado da pesquisa exaustiva em fontes diplomáticas; esta, justamente, não se limitou à questão da participação do Brasil na guerra, que é o capítulo central, da segunda parte. A primeira parte trata do período da neutralidade brasileira (1914-17) e a terceira da participação do país na conferência da paz de Paris, terminando com um capítulo sobre o Brasil e a Liga das Nações. 
               O autor consultou as fontes primárias no AHD, o dossiê preparado pelo Itamaraty sobre a conferência da paz e a comissão de reparações, e os arquivos do IHGB, da Marinha, do Foreign Office e os National Archives dos EUA, ademais de ampla bibliografia. Uma vez que em 2018 e 2019, estaremos a 100 anos desses processos, essa republicação da obra do professor Vinhosa pela Biblioteca do Exército foi muito bem vinda.
 

Lancamento do romance "78", de Marcelo Cid - 7/12, 20hs, com direito a bebida...

Diz o autor, um diplomata de carreira, que ele não matou nenhuma diplomata neste romance, o que talvez seja uma medida de cautela. Mas o livro tem, sim, pelo menos um assassinato.
Não direi quem foi a vítima, para não quebrar a curiosidade dos candidatos à leitura e alguma bebida no lançamento...
Paulo Roberto de Almeida


Quixote no Planalto e um debate sobre a transicao, em ordem - CEBRI, Rio de Janeiro, 11/12/2017


quarta-feira, 29 de novembro de 2017

Universidades publicas: propondo mensalidades - Oswaldo Viana

Depois que publiquei este artigo: 

1272. “5 coisas que aprendi dando aula numa universidade pública brasileira”, Spotniks (27/11/2017; link: https://spotniks.com/5-coisas-que-aprendi-dando-aula-numa-universidade-publica-brasileira/). Postado no blog Diplomatizzando (27/11/2017; link: https://diplomatizzando.blogspot.com.br/2017/11/5-coisas-que-aprendi-dando-aula-numa.html). Relação de Originais n. 3173. 

Recebi vários comentários, entre eles esta proposta que julguei interessante:

Prezado Paulo Roberto,

Parabenizo-o pelo seu brilhante artigo no Spotniks! Sou historiador (UFF/ 2004), e coincidentemente publiquei há poucos dias esta Ideia Legislativa na página do Senado. Caso lhe pareça uma proposta que mereça ser discutida seriamente, ajude-me a torná-la conhecida:

"COBRANÇA DE MENSALIDADE NAS UNIVERSIDADES PÚBLICAS, com bolsas de estudo para os melhores alunos"

JUSTIFICATIVA:

1. Estimular nos alunos a dedicação aos estudos.

2. As universidades concorrerão entre si pelos melhores estudantes.

3. O FIES (financiamento estudantil) será utilizado também no sistema público de ensino e não apenas nas universidades privadas, onde enriquece os grupos empresariais que dominam o mercado.

4. A economia proporcionada aos cofres públicos permitirá investir mais na educação básica e técnica, e possibilitar a redução da carga tributária do país.

5. Os estudantes terão mais interesse em fiscalizar os gastos de suas universidades.

ESCLARECIMENTOS:

1. As melhores universidades do mundo cobram mensalidades, mas não se sustentam apenas com elas, e não têm fins lucrativos.

2. Os brasileiros não-universitários não têm porque pagar mais impostos para que terceiros, em idade produtiva, estudem de graça.


Grato por sua atenção, despeço-me com um abraço,

Oswaldo Viana, Niterói - RJ
 

Atlas da Complexidade Economica - Paulo Gala

Manufaturas são complexas e commodities são não complexas

Para os clássicos do desenvolvimento econômico a industrialização sempre foi o caminho por excelência para se desenvolver e aumentar a produtividade de um país. Os argumentos estruturalistas têm como pilar a ideia de que o setor industrial e’ a chave para o aumento de produtividade de uma economia como vimos acima. Desde o argumento da tendência declinante dos termos de troca, passando pela ideia de Prebsich de que os ganhos de produtividade são incorporados a salários nos países industrializados e se tornam queda de preços em países da periferia, não é possível imaginar desenvolvimento econômico nesse arcabouço de pensamento sem a ideia de industrialização. Toda literatura estruturalista sobre desindustrialização e ate mesmo doença holandesa parte dai (Bresser 2013).
Como argumentava o economista Nicholas Kaldor, seguindo Gunnar Myrdal, a dinâmica tecnológica e de produtividade dependem fortemente do processo de acumulação de capital, do próprio nível de produção agregado e da industrialização da produção. Nesse sentido, estabelece-se uma relação de causalidade entre a taxa de crescimento da produtividade e a de crescimento da produção industrial em que um aumento na produção provoca aumento da produtividade. Há, portanto, uma relação positiva entre a taxa de crescimento da produtividade do trabalho e a de crescimento da produção industrial, conhecida na literatura como “lei de Kaldor-Verdoorn”. A correlação entre o crescimento do produto industrial e o desempenho geral de uma economia pode ser entendida, portanto, a partir dos aumentos de produtividade encontrados no setor industrial.
Há duas explicações na literatura kaldoriana para tal efeito. A primeira diz respeito à transferência de trabalhadores de setores de baixa produtividade (trabalho precário) para atividades industriais que apresentam produtividade elevada. Como há excesso de oferta de trabalho (surplus labor) nos setores tradicionais e de baixa produtividade, a transferência de trabalhadores aos setores modernos tem pouco ou nenhum impacto no nível de produção dos setores tradicionais. De acordo com Kaldor (1966), esse processo caracteriza a transição das economias da imaturidade para a maturidade, em que imaturidade significa um estado de permanente oferta de trabalho nos setores de trabalho precário e subsistência, portanto de baixa produtividade. A segunda razão para a correlação entre o produto da indústria e o aumento da produtividade relaciona-se à existência de retornos crescentes de escala estáticos e dinâmicos em atividades manufatureiras como mencionado acima. Retornos estáticos dizem respeito a economias de escala encontradas dentro das firmas e retornos dinâmicos referem-se a aumentos de produtividade derivados de “learning by doing”, externalidades positivas e “spill-overs” tecnológicos.
O setor industrial se destaca também numa economia pois de todos os subsetores produtivos é o que mais exerce efeitos de encadeamento para frente e para trás nas cadeias produtivas dos outros subsetores e em seu próprio subsetor. Isto ocorre porque a indústria de transformação demanda insumos e oferta produtos de e para todos os demais setores da economia, como também porque os elos de ligação entre os setores produtivos intra-indústria são mais densos. Movimentos de expansão ou contração no setor manufatureiro afetam mais o conjunto da economia do que impulsos observados fora desse setor. Essa primazia da indústria pode ser facilmente observada nas economias mundo afora a partir da analise das matrizes insumo-produto de cada país.
O Atlas da Complexidade Economica traz uma contribuição interessante para a discussão; do ponto de vista de uma análise estritamente empírica feita pelo algoritmo do Atlas, fica claro que manufaturas se caracterizam em geral como bens mais complexos e commodities como bens menos complexos. O mapa acima apresenta as 34 principais comunidades de produtos do Atlas divididos em relação as suas características de complexidade e “conectividade” discutida anteriormente. É possível observar no mapa que maquinário, produtos químicos, aviões, navios e eletrônicos se destacam como bens mais complexos e conectados entre si. Por outro lado, pedras preciosas, petróleo, minerais, peixes e crustáceos, frutas, flores e agricultura tropical apresentam baixíssima complexidade e conectividade. Cereais, têxteis, equipamentos para construção e alimentos processados situam-se numa posição intermediaria entre os bens mais complexos e menos complexos.
Do ponto de vista conceitual o Altas também traz um ganho relevante para o argumento estruturalista da industrialização na medida em que cria uma nova dimensão para comparação entres bens. Com o avanço tecnológico das ultimas décadas fica cada vez mais difícil distinguir se um produto é manufaturado, semi-manufaturado ou bruto, ou ainda, se um produto é industrial ou quase industrial. Dos 4.500 produtos analisados na base mais ampla do Atlas fica muito difícil dizer no detalhe quem é industrializado e quem não é. Por outro lado, é possível construir um ranking em termos de complexidade desses 4.500 produtos e das 32 comunidades que abrigam esses produtos. Nos resultados do Atlas fica bastante claro que os países hoje considerados ricos se especializam na produção das comunidades complexas concentradas em manufaturas e os países pobres se especializaram na produção das comunidades não complexas concentradas em recursos naturais.
ver Construindo Complexidadetexto clássico Allyn Young (1928)

O Plano Real e os ajustes ainda por fazer atualmente - Gustavo Franco no Roda Viva

Assisti, finalmente, à entrevista-sabatina do ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco ao programa Roda Viva da TV Cultura, transmitida na última segunda-feira 27/11/2017, disponível neste link: https://www.youtube.com/watch?v=epUAnK1iLPw&feature=push-u&attr_tag=oEY3mLPaNYI-rCEj-6

Dei uma aula sobre essa entrevista aos meus alunos de doutoramento esta manhã, intercambiando perguntas de jornalistas e respostas do entrevistado com meus comentários, contextualizando certas passagens, comentando políticas econômicas e explicando determinadas medidas de política econômica na sua dimensão própria. Como o próprio entrevistado referiu-se ao filme (Real) e ao livro que lhe deu origem, lembrei-me de antiga resenha que fiz desse livro, que já anunciava um possível filme.
Aqui vai, novamente:


88) Resenha: 3.000 dias no bunker, de Guilherme Fiuza

O bunker voador: a aventura eletrizante do Plano Real

Paulo Roberto de Almeida
(pralmeida@mac.comhttp://www.pralmeida.org/)

Guilherme Fiuza:
3.000 dias no bunker: um plano na cabeça e um país na mão
Rio de Janeiro: Record, 2006, 331 p.; ISBN: 85-01-07342-3

Como o antigo refrigerante Grapette ou o atual achocolatado Nescau, este livro tem sabor de aventura. Uma aventura que se prolonga no tempo e que ainda não acabou. Marcos Sá Corrêa, na orelha, resume a trajetória do Plano Real: “Começa num governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Itamar Franco. E não acabou ainda em outro governo desmiolado e sem rumo, o do presidente Lula”. O mesmo jornalista também registra que se trata de um livro de repórter, com nenhuma fórmula e muita intriga: “Tem pouco mercado e muito ringue de luta livre. Nenhuma tabela e rasteira de ponta a ponta”. Da maneira como está construído e redigido, o livro daria um bom filme, se planos de estabilização fornecessem roteiros interessantes para a sétima arte.
De fato, a reportagem de Guilherme Fiuza se aproxima mais de um roman à clefs do que de uma história linear do Plano Real, ao estilo, por exemplo, da Real História do Real, de Maria Clara do Prado. O jovem jornalista carioca do NoMínimo retraça, em estilo cinematográfico, as diferentes etapas da concepção, implementação e defesa da nova moeda, sem fazer, em nenhum momento, história monetária. São incursões propriamente teatrais aos episódios mais relevantes de um processo que transcendeu, na verdade, a simples introdução de um novo meio circulante no Brasil, para expor, de maneira viva, toda a trajetória macroeconômica do Brasil nas últimas décadas. Trata-se de uma inside story, que se insere numa great history, cujo cenário principal é dado pelo próprio substantivo que fornece o título ao livro: um bunker.
O conceito militar de bunker é, obviamente, o de uma posição ou posto defensivo, não necessariamente fortificado, mas isolado ou protegido dos ataques inimigos pela sua estrutura de aço e concreto, geralmente escondido ou subterrâneo. Meu adjetivo “voador” se deve a que a capa do livro é a de uma planície desolada com o perfil de Brasília ao fundo e um avião solitário num imenso céu em tonalidade ocre. O bunker a que se refere Fiuza foi de fato voador, ou móvel, e é aplicado à pequena equipe de valorosos combatentes da estabilidade macroeconômica que tomou forma a partir da assunção de FHC como ministro da Fazenda, em maio de 1993. “Como era uma metáfora”, explica o autor, “o bunker podia ser em qualquer lugar. E durante um bom tempo a equipe de Fernando Henrique trabalhou de forma totalmente subterrânea...” (p. 44).
O grupo se decompôs ao longo do tempo, mas seu legado, inegavelmente positivo, está conosco ainda hoje, sob a forma de uma economia menos esquizofrênica do que aquela que conhecemos ao longo das últimas décadas do século passado. Os economistas Pedro Malan, Gustavo Franco, Winston Fritsch, Edmar Bacha, André Lara Resende e Persio Arida, mais o administrador Clovis Carvalho foram os integrantes mais intimamente ligados ao poder político do novo ministro da Fazenda. Eles conceberam, implementaram e defenderam o novo plano de estabilização contra os ataques de vários exércitos inimigos, geralmente políticos fisiológicos, economistas românticos, sindicalistas corporativistas (mas isso é uma redundância) e industriais protecionistas.
Existem vários outros personagens, evidentemente, que interagiram a diversos títulos e em diferentes momentos com o bunker, dentre os quais poderiam ser citados: Sérgio Besserman Vianna, o “comunista” do BNDES convertido às virtudes de uma economia competitiva; Marcelo de Paiva Abreu, que entrou e saiu do governo Collor logo no primeiro dia, ao descobrir que o seu chefe de gabinete, já designado, era um homem de PC Farias; David Zylbersztajn, outro antigo comunista que aprendeu que o socialismo não funcionava e montou o esquema paulista das privatizações e o modelo federal das agências reguladoras; Murilo “Mãos de Tesoura” Portugal, o homem que fechou o caixa do Tesouro ao apetite voraz de gastadores contumazes; José Serra, que chegou, viu, mas não se convenceu, sobretudo pelo lado cambial; além de vários outros, economistas de passagem ou funcionários da burocracia permanente do Estado.
Ator central nessa trama, além de Pedro Malan – o mais longo ministro econômico da história do Brasil, com exceção de Souza Costa, que serviu à ditadura Vargas –, foi o jovem economista da PUC Gustavo Franco, sucessivamente Secretário Adjunto de Política Econômica, diretor de Assuntos Internacionais e presidente do BC. Estrategista econômico, articulador das principais medidas que estiveram na base do lançamento da URV, operador prático – e defensor corajoso – da nova moeda, Gustavo Franco representou, por assim dizer, a verdadeira alma do Plano Real, o que está refletido em seus muitos livros de ensaios e crônicas, desde O Plano Real e Outros Ensaios (1995), até o mais recente Crônicas da Convergência (2006), passando por O Desafio Brasileiro: ensaios sobre desenvolvimento, globalização e moeda (1999), além de várias outras contribuições a livros coletivos ou artigos em periódicos de grande tiragem.
Ademais de um gosto incomum pela história, para um economista, Gustavo Franco tem um dom também incomum para a polêmica e o debate de idéias, este, infelizmente, muito pouco cultivado no Brasil, reduzindo-se, na maior parte das vezes, a uma troca ácida de acusações entre os contendores. Conhece-se, aliás, no Brasil, a ofensiva invulgar deslanchada pelos economistas ditos desenvolvimentistas contra os fundamentos do plano de estabilização, que foi por eles equiparado a nada menos do que uma operação de rendição ideológica e de submissão prática aos ditames de Washington, aos cânones de neoliberalismo e a não se sabe qual, exatamente, das regras do chamado Consenso de Washington, tão desprezado quanto desconhecido nessas hostes. Fiuza reproduz parte da crítica de uma conhecida professora da USP, marxista, a um artigo de Gustavo Franco sobre as virtudes da abertura comercial para o crescimento econômico: ela parte do “capital mundializado” para condenar o “absoluto domínio do credo liberal”, entre outras bobagens. Franco, em resposta, perguntou apenas por que a professora estava tão zangada: ela “fala da ‘atual etapa do sistema capitalista’ com um verdadeiro nojo, como se estivesse segurando um rato nas mãos” (p. 214). Em outros artigos, ele não deixava de fustigar os “parnasianos” da Unicamp, com sua prosa rebuscada, plena de fetichismos e de financeirização.
Mas, esse é o lado prosaico, digamos assim, do combate diário pela sobrevivência da nova moeda, atacada à direita e à esquerda com igual desenvoltura e inacreditável insensibilidade em relação aos cofres públicos. Havia outros aspectos, preocupantes, da sabotagem, consubstanciada, justamente, na gastança generalizada das estatais e das agências públicas de modo geral. Fiuza relata o caso ocorrido com David Zylbersztajn, levado à direção da Eletropaulo: encontrou um fabuloso contrato com uma empresa de vigilância no qual cada hora de trabalho de um vigilante representava o inacreditável valor de 28 dólares. “O responsável explicou-lhe que, infelizmente, não existiam no mercado seguranças confiáveis por um valor inferior àquele. Zylbersztajn não prolongou a conversa: ‘— Não tem mais barato? Ok, então rescinde todos os contratos. Acabou a segurança. Por esse preço, prefiro o ladrão’” (p. 170).
O essencial da reportagem de Fiuza está voltado aos ataques especulativos ao real, no bojo das crises financeiras internacionais. Esses ataques tinham pouco a ver, no entanto, com alienígenas de Wall Street, como gosta de acreditar a esquerda, e sim com os espertos capitalistas nacionais, sempre prontos a arbitrar as pequenas diferenças de cotação no valor da moeda, como resultado das suas próprias operações concertadas. Gustavo Franco, atento ao jogo pesado desses brokers, comandou pessoalmente, das mesas de câmbio do BC, operações defensivas e ofensivas, dobrando o mercado com lances ousados e algumas táticas inesperadas. O real sobreviveu a esses ataques especulativos “clássicos”, mas não foi capaz de resistir a uma operação mais singela, consistindo na suspensão do pagamento, em janeiro de 1999, da dívida estadual de Minas Gerais, determinada pelo então governador, e ex-presidente, Itamar Franco: no espaço de poucos dias as reservas se tinham volatilizado, resultando na saída de Gustavo Franco da direção do BC e na própria mudança do regime cambial. Vários lances dramáticos desses dias estão perfeitamente reconstituídos no livro de Fiuza, numa espécie de crônica dos eventos correntes em tempo real.
Ainda segundo a orelha, 3.000 dias no bunker foi escrito em três meses, quase sempre de madrugada, às vezes virando a noite. Acredito: eu também passei uma madrugada inteira lendo este livro, sem o largar um minuto, com a boca seca e os olhos piscando, impossível largar. A história é muito importante: ela fala do nosso país, como ele foi reconstruído em sua dignidade monetária, que há muito tinha deixado de existir. E não se trata de história documental, insossa, em economês ou juridiquês: é uma história real do real, feita por homens em carne e osso, idéias e sentimentos, conquistas e frustrações. Uma história que estava esperando ser contada.
Poucos sabem, por exemplo, que a inspiração para a URV foi retirada por Gustavo Franco da experiência do rentenmark, a moeda indexada com a qual o “mago das finanças” Hjalmar Schacht salvou a Alemanha da hiperinflação nos anos 1920. Fiuza conseguiu traduzir muito bem os sentimentos do enfant terrible do BC na concepção, montagem e defesa da nova moeda brasileira. Sua obra, o real, ainda está de pé. Seus inimigos de outrora devem a ele o atual sucesso eleitoral. Uma simples palavra de agradecimento, por essa obra de estadista, não seria descabida. Este livro dá todas as razões para esse beau geste...

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 10 dezembro 2006

Minitratado das reticencias - Paulo Roberto de Almeida (2004)

Alguém comentou, agora (29/11/2017), um texto que eu tinha feito no final de 2004, publicado em 2005 num primeiro blog que mantinha, e desde então descontinuado.
Transcrevo.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2005

65) É possível viver sem reticências...? - Paulo Roberto de Almeida

Minitratado das reticências
(em defesa de uma inutilidade necessária…)
Paulo Roberto de Almeida
(www.pralmeida.org)

Pouca gente dotada de uma certa familiaridade com a palavra escrita consegue atribuir real importância às reticências, inclusive este cidadão que aqui escreve. Quero falar das reticências stricto sensu, isto é, os famosos três pontinhos ao final de alguma frase ou expressão da linguagem diária (elas parecem ser menos usadas nos textos ditos “sérios”, nos quais a necessária precisão “científica” deixa pouco espaço para as dúvidas ou indecisões que são (e estão) inevitavelmente associados aos três pontinhos). No mais das vezes, elas passam despercebidas, quando não são solenemente ignoradas e deixadas num espaço menor das figuras de linguagem. Os cientistas, francamente, parecem considerá-las uma total inutilidade no processo de elaboração do seu discurso “realista”.
No entanto, as reticências são fundamentais, sobretudo naqueles casos – agora lato sensu – de duplo sentido, nos muitos subentendidos das conversas vagas, nas promessas indefinidas, nas situações pouco claras, nas esperanças falsamente criadas, nas aberturas ao contraditório, nos convites a “algo mais”, enfim, em todas as circunstâncias nas quais a precisão e o cuidado com o verdadeiro não figuram entre as prioridades do autor do discurso ou de seu eventual interlocutor. Não é apenas no teatro ou na literatura que elas aparecem, pois eu, que sou dado a escritos sociológicos, encontro amplo espaço para reticências nas minhas elocubrações pretensamente acadêmicas. Nem preciso lembrar seu amplo uso nas estatísticas oficiais, com tabelas cheias de três pontinhos para dados inexistentes ou incompletos (sobretudo naquelas áreas chamadas, apropriadamente, de “terras incógnitas”, geralmente referidas na expressão em latim).
Minha intenção é fazer aqui uma defesa circunspecta das reticências (daí o título de “mini-tratado”), além de ressaltar-lhes a importância discursiva, como a própria essência do discurso humano. Eu, pessoalmente, gosto de reticências, sobretudo pela liberdade que elas permitem, mas entendo perfeitamente os que as abominam e querem vê-las extirpadas da face da terra (ou pelo menos da superfície do papel, atualmente, mais bem da tela do computador…).

Voilà, acabo de usar reticências pela primeira vez depois de muitas frases e dois parágrafos inteiros sem necessidade de empregá-las. Isto é uma prova, justamente, de que as reticências são úteis e necessárias e por mais que queiramos evitá-las. Pois eu falava daqueles que detestam reticências e são a favor das situações totalmente definidas, do correto discurso tipo “pão, pão, queijo, queijo”, mas que, em algum momento, também tropeçam com alguma reticência que se imiscuiu no discurso aparentemente correto e totalmente claro.
Admito, preliminarmente, que as reticências parecem incompatíveis com a lógica formal, aquela que deriva uma consequência necessária de duas afirmações anteriores, tipo “todo homem é mortal, Sócrates é um homem, logo… etc., etc.”. Mas, mesmo aqui, como acaba de constatar o preclaro leitor, fui levado a usar reticências, pois eu não precisava terminar a frase, por uma dedução lógica do imediatamente precedente.

Eu poderia, nesta minha defesa pouco reticente das reticências, empregar uma derivação do famoso moto cartesiano: “penso, logo sou reticente…”, mas não pretendo abusar do meu direito a ser reticente, nem da paciência do leitor. Prefiro ater-me a um discurso coerente, ainda que algo impressionista, sobre a importância das reticências na atividade argumentativa e até na organização da vida diária. Serei breve, como convém a um “mini-tratado”, marcado por algumas reticências terminológicas, vários duplos-sentidos e outras tantas dúvidas conceituais.

Admito, antes de mais nada, que as reticências passam quase despercebidas nos manuais de estilo e mesmo nos livros de gramática. Meu dicionário Aurélio, por exemplo, na introdução relativa às instruções da Academia Brasileira de Letras (de 1943) para a organização do vocabulário ortográfico da língua portuguesa, passa solenemente por cima, quando não à côté, desses simpáticos sinais, objeto de meu tratado, ignorando-os por completo. Com efeito, na parte relativa aos sinais de pontuação, a douta Academia, zelosa guardiã da boa expressão e da correção de linguagem, registra apenas e tão somente as aspas, os parênteses, o travessão e o ponto final, assim, não mais do que isso. Mas o MEC foi vigilante, e na portaria nº 36, de 28 de janeiro de 1959, registrou na Nomenclatura Gramatical Brasileira os seguintes sinais de pontuação: aspas, asterisco, colchetes, dois-pontos, parágrafo, parênteses, ponto-de-exclamação, ponto-de-interrogação, ponto-e-vírgula, ponto-final, reticências, travessão, vírgula.

Voilà, aí estão nossas simpáticas reticências, cuja definição “científica”, constante do mesmo dicionário Aurélio, apresenta-se como a seguir: “[Pl. de reticência.] S. f. pl. Sinal de pontuação: série de três ou mais pontos que, num texto, indicam interrupção do pensamento (por ficar, em regra, facilmente subentendido o que não foi dito), ou omissão intencional de coisa que se devia ou podia dizer, mas apenas se sugere, ou que, em certos casos, indica insinuação, segunda intenção, emoção. [Sin.: pontos de reticência, pontos de suspensão e (fam.) pontinhos. Cf. reticencias, do v. reticenciar.]” (p. 1229, da 15ª impressão da 1ª edição da Nova Fronteira, sem data).
Pois eu acabo de ficar sabendo da existência do verbo reticenciar, que passarei a utilizar agora, em toda a extensão do que me for permitido pelos bons costumes e reais necessidades de expressão. Trata-se de um verbo transitivo direto, que tem o significado, justamente, de colocar reticências em algo ou exprimir de modo reticente, incompleto, como em: “A testemunha reticenciou os fatos”. Mas, não pretendo reticenciar meu mini-tratado sobre as reticências.

Dito isto, retenho da definição aureliana sobretudo a última parte, pois que a interrupção de pensamento é tão evidente que nem precisaria ser explicada. A última parte refere-se à omissão intencional, que pode querer dizer insinuação, segunda intenção ou emoção. Aqui estão a essência, o caráter fundamental, o âmago e a alma profunda, se ouso dizer, das reticências, que parecem ter sido trazidas ao mundo para acomodar todas as situações ambíguas e os propósitos não declarados.
Aliás, o singular da palavra em questão já trazia essas “más intenções” inscritas em sua definição original. O substantivo vem do latim reticentia, que quer dizer “silêncio obstinado”. O enunciado remete a uma “omissão intencional de uma coisa que se devia ou podia dizer”, o que nos confirma o caráter de subterfúgio do conceito em questão. E o que é subterfúgio?: segundo o mesmo dicionário, trata-se de “ardil empregado para se esquivar a dificuldades; pretexto, evasiva”. Pois todos nós, na vida diária, nas atividades literárias, no jogo da política (sobretudo) e nas coisas do amor (aqui parece fundamental) necessitamos, em algum momento, de utilizarmo-nos de algum subterfúgio. Para evitar confrontar o interlocutor com alguma mensagem muito direta, fazemos apelo a essas figuras de linguagem pouco claras e a esses conceitos ambíguos que brotam, justamente, da complexidade natural do ser humano e do mundo que o cerca (estou sendo muito antropocêntrico, talvez, mas é que os animais, por exemplo, não precisam de reticências, pois eles costumam ir direto ao assunto, sobretudo os predadores carnívoros).

O recurso aos três pontinhos é por vezes absolutamente necessário para evitar algum conflito maior, e parece estranho que as reticências sejam tão pouco usadas no vacabulário diplomático, na letra dos tratados, nos discursos oficiais (justamente os que mais necessitariam de alguma “ambiguidade construtiva”). Não sei se existe espaço para o uso de reticências no curso de “linguagem diplomática” do Itamaraty, mas deveria haver, para acomodar todas essas situações difíceis nas negociações internacionais: parece evidente que as conferências terminariam mais cedo se todos pudessem ir para casa sobraçando o seu exemplar de algum tratado, cheio de pontos suspensivos…
O único problema (aparente) das reticências é que elas não aparecem de modo claro na linguagem oral, só naqueles “balõezinhos” acima da cabeça das pessoas nos desenhos de revistas ou diretamente nos textos escritos. Na linguagem coloquial elas são imperfeitamente traduzidas nas hesitações da expressão, nas frases não acabadas, nas terminações muito lentas, que se arrastam ao longo de um sorriso por vezes embaraçoso. Vamos deixar, justamente, um espaço aberto à criatividade e à imaginação humanas, que não podem ficar só na lógica binária dos programas de computador ou na rigidez das fórmulas matemáticas que pretendem encerrar o mundo numa única expressão: E=mc2.
O mundo não é feito só de cartesianismos, muito menos de fórmulas einsteinianas ou newtonianas totalmente abrangentes, que funcionam no estrito limite dos fenômenos identificados pelas forças conhecidas da natureza. Existem outras forças que ainda não foram devidamente mapeadas pela ciência moderna (ou antiga, ou medieval, ou de todos os tempos), a começar, obviamente, pelo amor. Pois eu pergunto: o que seria do amor sem as reticências? O que seria dos namorados se eles precisassem dizer tudo de forma clara, absolutamente sem ambiguidades, sem essas “sugestões construtivas”, sem essas omissões convenientes, sem os subentendidos de linguagem? Certamente haveria muito mais brigas, e as taxas de separação (e de divórcio) seriam infinitamente superiores…

Tomemos, por exemplo, o caso de Penélope, interminavelmente a fiar e a tecer a sua tela, ela mesma uma permanente reticência, pois que desfeita a cada noite para evitar o confronto indesejado com os pretendentes ao trono de Ulisses. O que mais ela poderia fazer na ausência do seu amado, ele mesmo preso nas reticências dos troianos, que hesitaram um pouco antes de arrastar para dentro da fortaleza o cavalo de madeira que ele tinha sugerido aos gregos? O próprio herói não ficou quase retido nas reticências dos montros marinhos, nos encantos reticentes e nas promessas enganosas das lindas sereias? Se Penélope não fosse reticente, Ulisses ainda teria de enfrentar uma nova odisséia para garantir o seu lugar original no comando da ilha de Ítaca. Poderíamos, assim, dizer que a situação de Ulisses foi salva pelo uso das reticências…
Assim, mesmo concordando em que o discurso “científico” precisa livrar-se de toda e qualquer ambiguidade explicativa, sou franca e resolutamente a favor das reticências e de seu uso da forma mais ampla possível nas circunstâncias cambiantes que são as da vida humana. Reticências nos ajudam, nos confortam, nos salvam de situações embaraçosas. Elas, sobretudo, nos permitem construir relações que podem frutificar de modo amplamente satisfatório mas que só sobreviveriam, em face de adversidades e dos muitos imponderáveis da vida humana, caso a flexibilidade por elas permitida seja efetivamente empregada para estender os limites do entendimento até esses situações limites de acomodação de contrários. A vida é contraditória e cheia de surpresas: não podemos tolher as possibilidades infinitas do nosso interário futuro com frases cortantes que encerram apenas as limitações do presente.

As reticências significam, essencialmente, liberdade de escolha. Nisso elas estão inteiramente de acordo com a “economia” do nosso modo de ser, sobretudo nas situações intensamente relacionais. Vivam as reticências…

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 28 de novembro de 2004