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domingo, 21 de outubro de 2018

Petrobras: deliberadamente saqueada pelo lulopetismo

ESTADÃO 20/10/2018
PETROBRAS

Controles internos?

Eles existiam e foram deliberadamente desmontados pelas lideranças da Petrobrás

MAURO RODRIGUES DA CUNHA, O Estado de S.Paulo

20 Outubro 2018 | 03h00

Acho que como muitos brasileiros posso ser desculpado por estar irritado com a política. O período eleitoral parece ter sido desenhado para ser um desfile de platitudes, promessas e inconsistências. Mesmo consciente desse cenário, minha irritação atingiu o ápice ao ler declarações de um candidato de que nossas empresas estatais tiveram problemas porque “faltou controle interno”.

Tive o privilégio de servir no Conselho de Administração da Petrobrás entre 2013 e 2015. Quando assumi o cargo ainda não havia sido deflagrada a Operação Lava Jato e quando saí a empresa reconhecia perdas de mais que R$ 50 bilhões em seu balanço - que nem assim contou com meu voto favorável.

Ao assumir, a primeira coisa que chamou a minha atenção foi a pletora de políticas e controles internos na companhia. Não havia uma só atividade citada nos manuais de boas práticas de governança que não estivesse documentada e controlada. Se há alguma coisa que não faltava na Petrobrás era controle interno. Mas a Petrobrás só tinha boa governança para inglês ver. A partir da gestão de José Sergio Gabrielli teve início um processo de desmonte deliberado dos gatilhos de governança, na prática tornando inócuos os controles existentes.

A companhia tinha um conselho de administração bovino. Todos os membros indicados pelo governo votavam em uníssono a favor das propostas do controlador. O comitê de auditoria, quando começou a fazer perguntas incômodas, foi obliterado para ser mais cordial, eliminando os independentes.

O modelo da diretoria executiva colegiada foi concebido na gestão Reichstul, com o objetivo de impedir a criação de feudos na companhia. Numa empresa de complexidade crescente, a instrução das matérias era de extrema importância. Para tanto existiam os chamados comitês de negócios, compostos por gerentes executivos de todas as diretorias relevantes. Assim, se eu sou o diretor da área A, posso votar o assunto da área B porque ele terá sido examinado por um grupo de executivos experientes, inclusive da minha área.

Um dos primeiros passos da destruição da governança da Petrobrás foi a eliminação prática desses comitês. Como consequência, os diretores começaram a aprovar as matérias dos seus colegas na base da confiança, criando de fato os feudos que o desenho da governança tentava impedir.

Quando entendi o sistema indaguei a um diretor como ele aprovava matérias dos seus colegas em valores bilionários sem se aprofundar nos temas. Ele respondeu: “Conselheiro, esta empresa investe 300 milhões de dólares por dia… Se formos olhar cada matéria em detalhe, vamos paralisar a companhia”. Paralisado fiquei eu. As atas da diretoria eram desprovidas de registros úteis para evidenciar qualquer debate relevante.

Outra ação proposital dizia respeito à política de alçadas. O estatuto da Petrobrás estabelecia que os limites de alçada deveriam ser determinados anualmente pelo conselho. Logo ao assumir verifiquei que a última deliberação a respeito havia sido dez anos antes!

O estatuto mandava determinar anualmente os valores dos incisos relevantes, “especialmente” cinco deles . Não constava na lista do “especialmente” o inciso que tratava de transações com partes relacionadas. E a administração considerava que, como não estavam na lista do “especialmente”, não havia necessidade de determinar limites! Em outras palavras, para incorporar uma subsidiária inoperante (e, portanto, imaterial), convocava-se o conselho. Mas para o leilão de Libra, que envolvia investimentos de bilhões, o conselho não era chamado.

No desenho da política de alçadas, estabeleceram valores para quase todas as linhas, exceto aquelas incluídas no Plano de Negócios e Gestão (PNG). Esse plano era apresentado anualmente ao conselho, após um belo PowerPoint. Como resultado, aprovava-se um plano de investimentos de US$ 50 bilhões por ano. E a diretoria ainda tinha o poder de remanejar verbas. Isto é, tratava-se de um cheque em branco de US$ 50 bilhões para a diretoria - e a partir desse momento o conselho não tinha mais ingerência alguma sobre a alocação de capital.

Tampouco era possível ao conselho enxergar os desastres que se avizinhavam nos grandes investimentos. Não havia reportes do seu andamento ao conselho. Apenas no final de 2014, depois de muito esforço, o conselho recebeu pela primeira vez um book sobre o andamento físico-financeiro dos investimentos. Mas aí já era tarde demais...

A lista de problemas continua, e seguramente não caberia neste espaço. Sempre com a mesma temática: controles formalmente existentes, mas operados de maneira proposital para não serem eficientes. Um líder sindical comandando a área de recursos humanos, desenhando acordos que produziam perdas bilionárias na justiça. Um ouvidor-geral que fora assessor de um importante ministro (hoje condenado pela Justiça), assegurando que nenhum funcionário teria coragem de utilizar o canal para fazer uma denúncia sobre corrupção. Relatórios internos que demonstravam a inviabilidade de alguns investimentos, ignorados. Demonstrações contábeis mentirosas feitas com a cumplicidade de quem deveria zelar por sua integridade. Cegueira deliberada em todas as áreas.

Fiz menção a esses problemas em depoimento à CPI da Petrobrás, em 2015. Alguns dos assuntos dormitam nos procedimentos internos do Tribunal de Contas da União e da Comissão de Valores Mobiliários, sem que tenha havido responsabilização adequada até hoje.

Por tudo isso, sr. candidato, é importante que se diga que não faltaram controles internos à Petrobrás. Eles existiam e foram deliberadamente desmontados pelas lideranças de então. Ignorar esse fato é má-fé - ou praticamente confessar que, na hipótese de retorno daquelas lideranças, o pesadelo voltará.

*FOI MEMBRO DO CONSELHO DE ADMINISTRAÇÃO DA PETROBRÁS DE ABRIL DE 2013 A ABRIL DE 2015

Itamaraty: Caça às bruxas (?) - Eliane Cantanhede (OESP)

Itamaraty – Caça às bruxas
Com Bolsonaro, guinada na política externa e dança de cadeiras no Itamaraty
Eliane Cantanhêde

O Estado de S.Paulo, 21 Outubro 2018

A polarização política chegou ao Itamaraty, com acusações mútuas de caça às bruxas e perspectiva de grandes mudanças a partir de janeiro de 2019, se o presidente for Jair Bolsonaro, como indicam as pesquisas. Nesse caso, haverá uma guinada na política externa e uma forte dança de cadeiras.
A campanha de Bolsonaro acusa diplomatas de estarem por trás da avalanche de reportagens negativas ao candidato nas principais publicações da Europa, Estados Unidos e América Latina. E ressalta: elas não apenas classificam Bolsonaro como “racista”, “homofóbico” e “ameaça à democracia”, como poupam ou até enaltecem o PT.
Na fila, The Economist, um bastião do liberalismo econômico internacional, Financial Times, Liberation, The New York Times e Le Figaro, além de importantes jornais da América Latina, no que o comando bolsonarista classifica de campanha externa contra o candidato e que atinge também organismos internacionais.
Ao acusarem diplomatas brasileiros de municiarem jornais e jornalistas estrangeiros, aliados do candidato do PSL apontam os que seriam “líderes da campanha”: os embaixadores aposentados Celso Amorim e José Viegas, que foram ministros da Defesa nos governos do PT e recebidos com desconfiança principalmente pelo Exército.
Amorim foi chanceler nos oito anos de Lula e participou ativamente da campanha dele à Presidência. Ao liderar a política externa “ativa e proativa”, ou Sul-Sul, Amorim direcionou o foco para países emergentes e alternativos e foi assim que a China desbancou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro e Amorim forjou toda uma geração de diplomatas. Bolsonaristas dizem que são “todos petistas” e estão em cargos-chave que, aliás, citam de cor.
Paulo de Oliveira Campos, o POC, chefe do Cerimonial da Presidência de Lula, é embaixador em Paris; Mauro Vieira, ex-chanceler, na ONU, em Nova York; Antonio Patriota, também ex-chanceler de Dilma, em Roma; Antonio Simões, em Montevidéu, sede do Mercosul. Eles são a elite do Itamaraty. Patriota, por exemplo, é primeiro de turma.


Apesar de listar os “inimigos” sem cerimônia, a equipe de Bolsonaro acusa “os petistas do Itamaraty” de estarem fazendo listas de colegas que tenham manifestado apoio ou simpatia pelo capitão. Grosso modo, assim como há uma guerra de guerrilhas das duas campanhas na internet, ela poderia estar ocorrendo também na Casa de Rio Branco.
A campanha de Bolsonaro também diz que o “aparelhamento” do PT na administração pública, estatais, bancos públicos e agências reguladoras se estendeu a órgãos internacionais e cita a ex-ministra de Dilma Ideli Salvatti, que ganhou uma função na Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington.
É desses órgãos, segundo bolsonaristas, que saem as notícias negativas não apenas contra Bolsonaro, “mas contra o Brasil”, desde atribuir o impeachment de Dilma a um “golpe” até a manifestação de dois integrantes de um comitê da ONU “determinando” que Lula tinha de concorrer às eleições, mesmo preso em Curitiba.
A intenção de Bolsonaro, caso vença as eleições, é trazer de volta esses técnicos, fazer uma dança de cadeiras nas embaixadas e principais consulados, cancelar postos abertos por Amorim em pequenos países – que considera ser de alto custo e baixo retorno para o Brasil – e, principalmente, mudar a política externa.
Principais objetivos: “recuperar o pragmatismo, a liderança natural do Brasil na América do Sul e os parceiros tradicionais, como os EUA”. O primeiro alvo é a Venezuela. Com Bolsonaro na Presidência, será o fim da aliança com Nicolás Maduro, como na era PT, e da “leniência” com o regime dele, no governo Temer. Falta descobrir os “bolsonaristas do Itamaraty”. Até agora, estão por baixo dos panos.

sábado, 20 de outubro de 2018

Choques do petróleo e crise de Bretton Woods - book review

Published by EH.Net (October 2018)
Simone Selva, Before the Neoliberal Turn: The Rise of Energy Finance and the Limits to U.S. Foreign Economic Policy. London: Palgrave Macmillan, 2017. xv + 423 pp. $75 (hardcover), ISBN: 978-1-137-57442-8.
Reviewed for EH.Net by Alain Naef, Department of Economics, University of Cambridge.

An abundant literature focuses on Bretton Woods on the one hand, or the liberalization of markets and exchange rates in the 1970s and 1980s on the other. Little is known on the transition between these two periods, however. Simone Selva’s book attempts to make sense of this transition before the “Neoliberal Turn” in the late 1970s, by giving an account of U.S. currency and the functioning of the international monetary system. A Research Fellow in the history of international economic relations at the University of Naples L’Orientale, Selva brings an interesting approach to the subject, specifically tracking the role of the dollar from the 1950s to the late 1970s. Indeed, U.S. balance of payments issues first found their roots in Europe and were linked to postwar loans in the 1960s before the problem moved to Gulf countries in the 1970s. Petrodollars accumulated by oil producing countries had to be disposed of without causing the dollar to suffer. The book explores the struggles of different U.S. presidents to manage both their balance of payments and the dollar.
Chapter 2 describes how American balance of payment deficits in the 1960s conflicted with the country’s military objectives across the world. The Vietnam War was one of these commitments and was a strong inflationary force. As the Federal Reserve increased the money supply to support the Vietnam War in the late 1960s, the dollar weakened, eroding the U.S. competitive position in global markets. Chapter 3 shows how successive devaluations in Europe put more pressure on the U.S. balance of payments. The 1967 devaluation of sterling especially destabilized U.S. policies. This chapter also offers a detailed narrative of the gold crisis in 1967-68, when the price of gold surged and the Gold Pool was disbanded. The author nicely shows how troubles in the USSR prompted the regime to sell gold on the international gold market.
In Chapter 4, Selva argues that inflationary pressures were building up long before the first oil crisis of 1973 — arguing in effect that not all 1970s inflation can be blamed on the price of oil. He describes the Nixon Administration struggling to understand the link between developments in energy markets and the international monetary system. The chapter also offers an interesting account of how U.S. policymakers pushed American banks to open branches in Gulf countries, in an attempt to increase U.S. manufacturing and financial service exports to dollar surplus countries. These U.S. banks then channeled money into the Eurodollar (or Eurocurrency) market in London, where it was then loaned to European countries with balance of payments deficits. This was possible only as long as the Eurodollar market was capable of absorbing currency from oil producing countries.
Around 1974 OPEC countries shifted their investment from short-term (mainly Eurodollar) investments, to long-term ones (mainly loans to governments). Chapter 5 explores what happened when OPEC dollar surpluses overtook the Eurodollar market’s ability to absorb them. Oil producing countries began offering loans directly to governments starting with Egypt, Syria, and France, expanding to other Western countries. The American administration realized that direct investments in the U.S. would have a less detrimental effect on the dollar. Despite public outcry and fears of oil producing countries taking over U.S. firms, the Ford administration promoted direct petrodollar investment into the country. The Treasury actively encouraged OPEC investments in the US, which Selva illustrates with the example of a $100 million investment in telecoms giant AT&T, “openly approved by the Ford Administration” (p. 301).
The research is well documented with archival material across Europe and the U.S. Beyond the archives from international financial institutions, governments, and central banks, the author also relies on archives from the CIA which offer an objective and strategic assessment of the international monetary questions at the time. Selva does not shy away from the complexity of the international monetary system and manages to connect the domestic situation in the U.S. to the troubles of the international monetary system with skill. However, he sometimes lets this complexity cloud the clarity of his argument. The writing is dense. Some paragraphs extend over many pages, some sentences over many lines.
Nonetheless, Simone Selva’s contribution is a solid piece of serious scholarship that helps better understand the origins of the 1970s oil crisis, and how the U.S. managed its balance of payments. It offers a review of American policies at the point when markets became more open and oil production took the center stage in international finance. As such, this detailed analysis will benefit financial historians of the period as well as scholars interested in energy finance and modern American historians.


Alain Naef is a teaching fellow at the Economics Faculty of the University of Cambridge, where he is finishing a PhD on the role of reserve currencies during the Bretton Woods period. His latest working paper on the Gold Pool with Michael Bordo and Eric Monnet is available at https://ideas.repec.org/p/nbr/nberwo/24016.html and his work on central bank intervention is available at https://ideas.repec.org/p/cmh/wpaper/32.html.

Copyright (c) 2018 by EH.Net. All rights reserved. This work may be copied for non-profit educational uses if proper credit is given to the author and the list. For other permission, please contact the EH.NetAdministrator (administrator@eh.net). Published by EH.Net (October 2018). All EH.Net reviews are archived at http://www.eh.net/BookReview.

Rubens Barbosa: livro de depoimentos ao Cpdoc: lançamentos

Eventos já determinados:

Grande Guerra: 100 anos do armisticio e tratado de paz de Versalhes em 1919

Programa a ser informado em breve:

sexta-feira, 19 de outubro de 2018

Trade liberalization in Brazil - World Bank

A conversa é sempre a mesma: o Brasil ganharia muito com a liberalização comercial, mas a despeito disso nunca se abre. Por que? Só pode ser pela ação dos capitalistas predatórios do Brasil, que se opõem a essa simples medida de eficiência...

WORLD BANK POLICY RESEARCH WORKING PAPER ABSTRACTS

This paper describes how different policy distortions have been impeding better integration of Brazil's external and internal product markets and discusses how these distortions have prevented domestic firms from benefiting from multiple sources of efficiency gains. The paper first focuses on the costs of barriers to global integration, followed by an overview of policy induced stringencies hampering domestic integration. Drawing from general and partial equilibrium analyses, the paper also provides evidence of potential impacts of removing some of those distortions and discusses policy options to promote better allocation of resources across the economy. The main conclusion of the paper is that Brazil could gain significantly from opening to foreign trade. Yet, for Brazil to take full advantage of the opportunities that external integration offers, domestic markets also need to function better, so it is key to ensure that the removal of external barriers to integration is coordinated with the removal of internal distortions to domestic market integration.

Augusto Heleno e Celso Amorim: diplomacias de Bolsonaro e Haddad (O Globo)

Ministeriáveis de Bolsonaro e Haddad analisam desafios para a política externa do próximo presidente

General Augusto Heleno e embaixador Celso Amorim veem com preocupação crise humanitária e imigratória na Venezuela

Jair Bolsonaro (PSL) e Fernando Haddad (PT) disputam segundo turno da eleição presidencial Foto: Mauro Pimentel/AFP//Marcos Alves/Agência O Globo

'Bolsonaro repudia frontalmente o governo Maduro'

O general Augusto Heleno concede entrevista - Daniel Marenco 11-09-2018 / Agência O Globo
Na campanha de Jair Bolsonaro, o general da reserva Augusto Heleno Pereira, que foi comandante militar da Amazônia, chefiou a missão de paz do Brasil no Haiti, e é cotado para assumir o Ministério da Defesa, considera que o país será fortemente impactado pela crise humanitária no país vizinho. "A situação tende a se agravar cada vez mais, com reflexos evidentes e nefastos para o Brasil, porque nós estamos recebendo venezuelanos", disse. Ele avalia que as propostas de fechamento de fronteira, para conter a onda de refugiados, são utópicas e não condizem com a tradição brasileira de solidariedade aos imigrantes.
O que é preciso mudar na atual política externa brasileira?
Acho que o viés ideológico que foi impresso, de maneira absolutamente evidente no Itamaraty, nos últimos 15 anos, foi muito prejudicial ao Brasil. Nós temos de mudar isso e buscar uma posição diferente em relação ao contexto internacional. Sempre tivemos uma diplomacia extremamente atuante e um quadro diplomático da melhor qualidade, que foi impregnado de pouco pragmatismo e muita ideologia.
Recentemente, Jair Bolsonaro disse que o Brasil deveria sair da ONU. Isso não vai contra a tradição diplomática brasileira a favor do multilateralismo?
Não, não. Isso foi totalmente desmentido pelo Bolsonaro. Ele cometeu um ato falho e reconheceu que se expressou mal.
Ele teria se confundido por causa do Comitê de Direitos Humanos da ONU, que defendeu que o ex-presidente Lula pudesse se candidatar?
Não é que ele se confundiu. Ele se expressou mal, ao dizer "vamos sair da ONU". Já aquela comissão é formada por alguns desempregados internacionais, que querem ganhar notoriedade e vivem de fazer proselitismo marxista. Essa comissão não pode interferir nos assuntos internos do Brasil que, por outro lado, tem uma tradição na ONU muito grande. O Brasil abre anualmente a reunião da Assembleia-Geral. Segundo a História, foi até cogitado para ser um dos membros permanentes do Conselho de Segurança, com direito a veto e tudo.
Como um governo Bolsonaro agiria em relação à Venezuela?
Quero deixar claro que esta é minha opinião, e não a de Bolsonaro, que repudia frontalmente o governo Maduro (Nicolás Maduro, presidente do país vizinho), e que resolverá a questão quando tiver nomeado seu chanceler. O problema da Venezuela, mais do que político, é humanitário. Temos um povo passando fome, vendo seu país ser destroçado e que é incapaz de reagir, porque foram criadas milícias de repressão a qualquer tipo de reação. Os meios democráticos são completamente sufocados por ações do governo, em prol da sua permanência no poder. A situação tende a se agravar cada vez mais, com reflexos evidentes e nefastos para o Brasil, porque nós estamos recebendo venezuelanos.
Há quem defenda, dentro do próprio partido de Bolsonaro, o PSL, o fechamento da fronteira em Roraima.
O fechamento da fronteira, além de ser uma utopia, está fora dos padrões que o Brasil sempre adotou em relação aos refugiados. Não faz parte da tradição brasileira fechar uma fronteira numa situação dessas. Afinal de contas, eles [os imigrantes venezuelanos] são os menos culpados. Só que, para nós, é pesado. Roraima é um estado que poderia ser muito rico, poderia estar em uma situação muito boa economicamente, mas foi subtraído. Parte de seu território passou por demarcações duvidosas de terras indígenas e hoje é um estado pobre. Há uma tentativa de deslocar esse pessoal para São Paulo e Rio de Janeiro. Porém, é claro que a situação do Brasil não nos permite fazer esse gesto humanitário sem que haja alguma consequência também para nós.
Bolsonaro costuma demonstrar uma postura crítica em relação à China. Por que isso, se os chineses são os principais parceiros comerciais do Brasil?
O Bolsonaro é muito claro. Pretendemos manter essa relação comercial com a China, até pela grandiosidade do país no mercado mundial. O que a gente não pode é vender o Brasil para a China. Há um interesse muito grande em manter esse relacionamento, mas não podemos aceitar, de repente, que eles saiam comprando um pedaço do Brasil e isso chegue a comprometer esse relacionamento. As relações internacionais são sempre para atender aos interesses dos dois lados.
E os Estados Unidos?
Nossas relações são boas, mas podem melhorar. Há, por parte do pessoal da esquerda mais radical, um preconceito, uma prevenção enorme com relação aos EUA e não há necessidade disso. É a maior potência do mundo, está perto do Brasil e temos ligações históricas. Mas existe preconceito impregnado por doutrinas ideológicas. Também queremos manter boas relações com outros países, como os da Comunidade Árabe, Israel, Europa...Também temos uma forte aproximação e, felizmente, nenhum contencioso, na América do Sul. No entanto, há problemas com alguns que precisam ser divididos com os vizinhos, como o monitoramento das fronteiras.

'Nós não queremos um Vietnã na nossa fronteira'

O ex-ministro Celso Amorim na sede do Sindicato dos Metalurgicos, no ABC paulista - Edilson Dantas / Agência O Globo
Na campanha de Fernando Haddad, o embaixador Celso Amorim, ex-chanceler do ex-presidente Lula e ex-ministro da Defesa de Dilma, critica o discurso que prega uma ação militar contra o presidente da Venezuela, Nicolas Maduro. Um intervenção militar ou um golpe, na visão do representante, causaria ainda mais radicalização. O petista afirma que os governos do PT "nunca deram apoio irrestrito" ao governo venezuelano e nega a visão de que a política externa do partido seja marcada pela ideologia. Para ele, a solução da crise passa por retirar o país vizinho do isolamento.
Bolsonaro e sua equipe dizem que a política externa do PT é muito ideologizada.
Não é verdade. Nós nunca demos apoio irrestrito ao governo venezuelano, por exemplo. Muito pelo contrário. Na época do Chávez (Hugo Chávez, ex-presidente do país), éramos bastante abertos ao diálogo. Criamos um grupo de amigos com a participação dos Estados Unidos, para tentarmos resolver o problema. Aliás, não preciso dizer o quanto eram boas as relações entre o ex-presidente Lula e o então presidente americano George W. Bush. Não há nada de ideológico. O Brasil sempre trabalhou pelo interesse nacional. Negociamos acordos comerciais de interesse do agronegócio e da indústria brasileira. Criamos uma parceria estratégica com a União Europeia que não existia. O que há de ideológico nisso? O que há de ideológico em você vender mais ônibus? A Arábia Saudita é de esquerda, por acaso? Só porque é um país em desenvolvimento? Tudo isso é uma tolice que não tem cabimento nenhum. A nossa política era de defesa do interesse brasileiro.
A que o senhor atribui essas críticas?
Essas coisas são inventadas e é muito difícil você derrubar histórias inventadas. Dizem que o Brasil vai ser uma Venezuela. Gente, estivemos doze anos no poder e não viramos Venezuela! Por que agora, em que o nosso candidato é justamente um professor? O que é isso, gente? São invenções. Invenções puras. Mas somos, sim, a favor de soluções pelo diálogo e não de intervenção. Nós não queremos um Vietnã na nossa fronteira. Também não vejo nada de ideológico em ter relações com a África. Isso é o reconhecimento, primeiro, da nossa identidade. O brasileiro gosta de olhar no espelho e imaginar que está vendo um europeu. Mas não é.
O que é preciso fazer em relação à Venezuela?
A crise na Venezuela é, indiscutivelmente, um problema sério, que não se resolve com intervenção militar ou golpe, pois isso radicalizaria ainda mais as posições. Não dá para isolar a Venezuela. Também não podemos nos esquecer que temos grandes interesses, com destaque para Roraima, que depende da energia da Venezuela.
É possível esperar que a política externa de Fernando Haddad repita a dos governos petistas anteriores?
O mundo mudou desde então. Não havia o Brexit (saída do Reino Unido da União Europeia), nem o atual conflito entre EUA e Rússia, ou a guerra comercial entre americanos e chineses, ou o acirramento dos problemas entre Arábia Saudita e Irã e o namoro entre EUA e Coreia do Norte. Eu diria que a política externa de um governo Haddad continuará se pautando por uma diretriz de independência, integração sul-americana, aproximação com a África, fortalecimento do Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul) e boas relações com EUA e União Europeia.
O senhor tem conversado com personalidades internacionais a respeito da situação política do Brasil. Qual a sua percepção?
O mundo inteiro está assustado com o que se passa no Brasil. Assustado com a possibilidade de haver a vitória de um candidato que fez afirmações de machismo, xenofobia, racismo, violência. E não estou falando da Venezuela, nem de Cuba. Eu estou falando da França, da Alemanha, dos EUA. Os grandes jornais nesses países todos refletem isso. Os governos ficam quietos, porque eles não querem perder a oportunidade de fazer negócios, e isso é diferente. E não estou falando de jornais de esquerda. Estou falando do Le Monde (francês), do New York Times, do The Economist, e do Washington Post, que dois dias atrás botou uma charge em que o losango da bandeira brasileira se transforma uma suástica.
O multilateralismo está em crise. O presidente Donald Trump tem colocado a Organização Mundial do Comércio (OMC) e a própria ONU em xeque. Como proceder ante esse impasse?
O multilateralismo é algo que o Brasil sempre defendeu. Talvez não na época do auge do governo militar, porque não se falava muito nisso. E o Brasil estava meio sob amarras ali, se isolava, era a Ilha da Fantasia naquela época. Os governos que eu me lembro de ter servido mais de perto, como do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, sempre defenderam o multilateralismo. Então, quando ocorre essa decisão do Comitê de Direitos Humanos e a gente ouve afirmações do tipo: o Brasil não vai se curvar à ONU, isso é absolutamente assustador. Eu acho isso assustador, mas provavelmente isso não é nada diante do que virá com esse candidato, se ele por acaso vencer mesmo. Porque ele já disse que vai tirar o Brasil da ONU. Provavelmente ele não sabe onde fica a ONU, nem o que é a ONU. Mas, enfim, é muito temerário.

quinta-feira, 18 de outubro de 2018

O aparelhamento do Itamaraty sob o lulopetismo - Miguel Gustavo de Paiva Torres

O aparelhamento do Itamaraty


Miguel Gustavo de Paiva Torres, diplomata

Diário do Poder, 18/10/2018
https://diariodopoder.com.br/o-aparelhamento-do-itamaraty/

Na última semana de dezembro de 2002, época de festas natalinas e réveillon, coube a mim participar, em regime de plantão de fim de ano, ao lado de um colega embaixador, da recepção de uma equipe de transição do Partido dos Trabalhadores, que percorria a esplanada em busca de informações administrativas para a então iminente posse do novo Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, em primeiro de janeiro de 2003. Para nossa surpresa, verificamos que o interesse principal da equipe de transição, que visitava naquele dia o Itamaraty , era tão somente um assunto específico: quantos DAS ( Direção e Assessoramento Superior) e DAI ( Direção e Assessoramento Intermediário), referentes a cargos de chefias e assessoramentos, estavam disponíveis para preenchimento em nosso Departamento específico e no Ministério em geral.
Cuidadosamente, explicamos aos nossos interlocutores que todos os cargos do Ministério das Relações Exteriores, por lei, eram restritos aos membros do Serviço Exterior Brasileiro, admitidos por concursos públicos e , no caso específico dos diplomatas, com formação no Instituto Rio Branco, também matéria legal.
Foi evidente o desconforto da equipe visitante com a nossa resposta, mas prosseguiram tomando notas e com novas questões sobre o funcionamento da máquina administrativa do Ministério. Com o desenrolar do novo governo, alterações paulatinas passaram a ocorrer na área administrativa do MRE, uma das mais estranhas foi a de transportes internacionais das mudanças dos funcionários do Serviço Exterior, rubrica com importante impacto financeiro no minguado orçamento da Casa.
A tradição administrativa, até então, era a de que cada funcionário deveria convidar três empresas de mudanças para realizar orçamento, e o mais barato venceria, salvo em caso de comprovada inidoneidade ou ineficiência da empresa convidada , que deveria constar obrigatoriamente de cadastramento no Ministério. No exterior o processo era idêntico: o funcionário que estava em Tóquio, sendo removido para a Bolívia ou para o Brasil deveria convidar três empresas idôneas locais cadastradas no Consulado ou na Embaixada, para processo idêntico. As empresas vencedoras, aquelas de menor preço, eram responsáveis pelo recolhimento e entrega da mudança no sistema porta a porta.
Deixou de ser assim.
O Itamaraty passou a ter uma lista especifica de empresas brasileiras escolhidas para gerenciar as mudanças por regiões do mundo, e as contratações das mudanças entre postos no exterior e entre os postos e Brasília, a serem feitas exclusivamente por essas empresas brasileiras autorizadas, sem a possibilidade de escolha e decisão dos funcionários e dos postos. Assim, se você estava em Ulan Bator, na Mongólia, e precisava levar sua mudança para o Consulado em Santa Cruz de La Sierra, quem decidiria qual seria a empresa da Mongólia a adentrar sua residência e fazer a mudança passava a ser a empresa brasileira responsável por aquela região do mundo. No mínimo estranho. Esdrúxulo.
Aos poucos, por motivos de serviço, foram sendo requisitados funcionários de outros ministérios e se deu início, também, a um processo de terceirização nas atividades meio, com justificativa de economicidade. O Ministério homogêneo que garantiu excelência no serviço público por largo período da nossa história diplomática, passou a ter uma massa crescente e heterogênea de funcionários, circulando por salas e espaços depositários de documentos confidenciais e secretos.
Finalmente, para completar o quadro da suposta democratização administrativa do Ministério, seguiu-se um acelerado processo de promoções e remoções de funcionários do serviço exterior para postos chaves da diplomacia brasileira, e um afastamento progressivo de toda uma geração que dirigiu a política externa do Brasil até o início dessa nova fase administrativa. Os que permaneceram na ativa foram relegados a consulados confortáveis, para não reclamarem, a postos exóticos e distantes ou ao ostracismo permanente.
Caso emblemático ocorreu em El Salvador, onde embaixador exemplar, de fina competência e trato, passou a receber pedidos-ordens da primeira dama do país, uma senhora brasileira militante do Partido dos Trabalhadores, casada com o então Presidente socialista salvadorenho. Evidente que o digno representante brasileiro não aceitou essas interferências indevidas. Por este motivo, de não aceitar, sofreu brava reprimenda do nosso então Ministro das Relações Exteriores, sucessor de Celso Amorim, por não tratar o caso com “sensibilidade política”.
O Embaixador foi retirado do Posto para ser enviado para Sri Lanka, onde certamente não necessitaria da sensibilidade política preconizada pelo chefe, entre aspas, da diplomacia brasileira. Claro que o competente embaixador não aceitou a decisão manu militaris de ser enviado para onde não deveria ser. E sobreviveu ao tsunami do aparelhamento ideológico da esplanada dos ministérios.
Miguel Gustavo de Paiva Torres é diplomata.

O Brasil quebrou- Zeina Latif

O Brasil quebrou!

"De quem será a fatura?", por Zeina Latif - Estadão

Nos últimos anos, muitos governadores evitaram o necessário ajuste das contas públicas, devido ao calendário eleitoral. Para alguns o cálculo deu errado e a resposta veio das urnas. É o caso de Minas Gerais, que nem sequer consegue pagar pontualmente a folha do funcionalismo, e tem o atual governador fora da disputa do segundo turno. Do outro lado, não parece coincidência que governadores que tiveram gestão mais responsável foram premiados com a reeleição já no primeiro turno, como Camilo Santana (PT), do Ceará, e Renan Filho (PMDB), de Alagoas. O mesmo poderia ter ocorrido no Espírito Santo, não fosse a desistência de Paulo Hartung (PMDB) de disputar a reeleição.

A situação financeira dos Estados é grave. Muitos não estão cumprindo o limite legal de comprometer até 60% da receita corrente líquida com a folha na soma dos três Poderes, quando se inclui os gastos com terceirizados e o imposto de renda sobre a folha. Informações preliminares apontam que o número de Estados nessa situação aumentou sensivelmente em 2017.

Se os números falam alto, a realidade grita. É visível o colapso dos serviços públicos, com muitos Estados enfrentando dificuldades para prover serviços básicos e honrar compromissos.

Há Estados em situação crítica, como o Rio de Janeiro, que está em regime de recuperação fiscal, suspendendo o pagamento da dívida ao Tesouro em troca de medidas de ajuste fiscal. O governador Pezão conseguiu algumas vitórias, mas luta praticamente sozinho.

Exemplo disso foi a decisão do Legislativo de aprovar um aumento para servidores do Judiciário.

O Rio Grande do Sul está na fila de um acordo com a União e Minas Gerais poderá entrar, sendo que ambos conseguiram liminares no STF para suspender o pagamento da dívida ao Tesouro. Contratos foram rasgados.

A principal medida de ajuste dos Estados terá de vir do governo federal, que é a reforma da Previdência. Afinal, em torno de 40% do gasto com a folha decorre de pensões e aposentadorias. O valor vai aumentar com o envelhecimento do funcionalismo, lembrando que professores e policiais contam com regras mais generosas de aposentadoria e pesam bastante nos orçamentos estaduais. O governo Temer defendeu sozinho a reforma.

Os governadores se esquivaram com medo das urnas.

O outro lado da moeda é a pressão dos governadores para postergar o acerto de contas. Em 2016, muitos obtiveram liminares do STF para permitir que as dívidas com a União fossem calculadas com juros simples, e não compostos. Imaginem se o Tesouro resolvesse fazer o mesmo com os títulos da dívida pública. O nome para isso seria calote.

Não satisfeito, em abril de 2016, o STF estabeleceu um prazo de 60 dias para a União renegociar um acordo da dívida e impediu o Tesouro de impor aos Estados sanções por inadimplência. O STF desequilibrou a negociação entre as partes, com prejuízo para a União.

Para piorar, o acordo de renegociação postergando o pagamento da dívida sofreu grande revés na Câmara, que aprovou o projeto, mas retirou as chamadas contrapartidas, como o congelamento de salários, contratações e promoções, e o aumento da contribuição previdenciária.
Há ainda o imbróglio da Lei Kandir, de 1996, que isenta as exportações do ICMS, um imposto estadual. Os governos dos Estados defendem compensação de R$ 39 bilhões ante os R$ 3,9 bilhões atuais, enquanto a União contesta o cálculo. O STF determinou que o Congresso regulamente a lei até novembro deste ano. Esta é uma pauta-bomba que precisará ser contida pelo novo presidente.
A renovação política poderá atrasar o ajuste fiscal e dificultar o convencimento das bancadas estaduais no Congresso quanto à necessidade de reformas, pela inexperiência administrativa e política. Mais grave, Estados problemáticos, como Rio de Janeiro e Minas Gerais, poderão ser governados por novatos.

O jogo de empurra precisa acabar, e rapidamente. O próximo presidente precisará ser o líder dessa agenda, incluindo o diálogo com o STF. Se falhar, ficará com a fatura.

ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMENTOS

Rumores sobre fascismo no Brasil são altamente exagerados - Paulo R. Almeida

Tenho acompanhado com razoável constância e amplitude não só o noticiário “normal” - se ele merece alguma credibilidade — assim como, e sobretudo, o colunismo desenfreado, isto é, os artigos de opinião, sobre as eleições no Brasil, tanto da imprensa nacional quanto da internacional.
As perspectivas parecem aterradoras: fascismo, autoritarismo, misoginia, homofobia, racismo, destruição das “conquistas sociais”, dos direitos dos trabalhadores, das mulheres, dos negos, dos gays, fim das florestas tropicais e degradação completa do meio ambiente, submissão ao império, enfim, algo como a antessala do inferno, começando pela intervenção militar e o fim da democracia.
Daí o meu título irônico, baseado em Mark Twain.
Os paranóicos já estão antecipando o desastre.

Posso dizer que estou absolutamente tranquilo: nem 10% das catástrofes anunciadas vai efetivamente acontecer, embora desgastes, fricções e contradições parecem prováveis.
Por isso mesmo, tendo votado, no primeiro turno, para o candidato que me parecia o melhor preparado para colocar o Brasil numa rota correta, pretendo abster-me no segundo turno.

Mas, eu comecei o ano com uma consigna: “não reelejam ninguém “.
Acho que fui largamente recompensado pelos resultados eleitorais.
O resto são hipóteses, e pretendo esperar pela realização dos desastres anunciados.
Boas eleições a todos, minha solidariedade aos derrotados: o eleitorado está bem mais educado do que se esperava.

Paulo Roberto de Almeida
Rio de Janeiro, 18/10/2018

quarta-feira, 17 de outubro de 2018

Paulo Roberto de Almeida sobre Chateaubriand (julho de 2016)

Na verdade, não tive posse no IPRI, sequer apresentação aos funcionários, e não tive, portanto, discurso de posse ou qualquer outra cerimônia formal.
In lieu et place da cerimônia, que nunca ocorreu – e depois da qual já coloquei meu cargo à disposição duas ou três vezes – eu sempre registro, para mim mesmo, eventos e fatos, mesmo efêmeros, não tanto para informar terceiros, mas para gravar, para mim mesmo, minhas reflexões do momento.
Paulo Roberto de Almeida
Paris, Aéroport Charles De Gaulle, 17 de outubro de 2018


Considerações sobre o caráter efêmero das memórias, e das funções públicas 
(inspiradas em Chateaubriand)

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de junho e 7 de julho; São Paulo, 21 de julho de 2016.
Divulgado anteriormente no blog Diplomatizzando (03/08/2016, link: http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/08/nomeacao-para-ipri-in-lieu-of.html).

Andei lendo, no período recente, uma seleção de trechos das “Memórias de Além-Túmulo” de François-René Auguste de Chateaubriand, numa compilação feita por Georges Readers, antigo diretor do Lycée Franco-Brésilien de São Paulo, já autor de um livro saboroso sobre Gobineau, O Inimigo Cordial do Brasil. No Avant-Proposdessa compilação,Les Plus Belles Pages des ‘Mémoires d’Outre Tombe’ (Rio de Janeiro: Americ=Edit., 1945), Georges Readers relembra que Chateaubriand, Chevalier de France, mais tarde Visconde, havia começado a redação de suas memórias entre 1803 e 1809, mas que ele a interrompeu em 1814, quando ingressou na vida política, sob a Restauração. Ele retomou sua escrita entre 1821 e 1822, durante o lazer que lhe proporcionavam as embaixadas em Berlim e em Londres, mas outras partes foram escritas bem mais tarde, abordando as carreiras literária e política, além de suas viagens pela Europa, já mais perto do final esperado de sua vida, nos anos 1840 (p. 7). 
Chateaubriand, em um trecho de suas memórias, disse mais ou menos o que eu mesmo poderia dizer, se por acaso tivesse o seu estilo, a sua pompa, suas pretensões à glória e à imortalidade, ou se me sentisse, como ele, perto de um projetado túmulo: 
“J’écris principalement pour rendre compte de moi-même... Aujourd’hui que je regrette encore mes chimères sans les poursuivre, que parvenu au sommet de la vie je descends vers la tombe, je veux avant de mourir remonter mes belles années, expliquer mon inexplicable cœur...”
François-Auguste de Chateaubriand, Mémoires d’Outre Tombe.

En 1846, dois anos antes de sua morte, Chateaubriand submeteu suas memórias, o trabalho de toda uma vida, a uma última revisão, mas como lhe faltavam recursos, ele concedeu entregar os originais a editores para aliviar suas agruras financeiras. Como ele mesmo escreveu, ele “hipotecou sua tumba” a uma sociedade de acionistas por uma soma de 250 mil francos, e uma ‘pension viagère’ (ou seja válida até sua morte) de 20 mil francos anuais (p. 8, p. 43). De minha parte, não tive ainda necessidade, graças a meu trabalho paralelo de professor, de hipotecar qualquer escrito vivo ou póstumo, não só porque não escrevi, até o momento, minhas memórias, apenas depoimentos esparsos, mas também porque nenhuma sociedade de acionistas se disporia a comprar alguns dos meus escritos, pelo estilo pesado que é o meu, falando de coisas totalmente aborrecidas.
Chateaubriand passou boa parte do regime do Terror, sob o Diretório, refugiado em Londres, onde ele começou, em 1796, a redigir um “Ensaio sobre as revoluções”, publicado no ano seguinte sob o título de Essai historique, politique et moral sur les Révolutions anciennes et modernes, considérées dans leurs rapports avec la Révolution Française, livro que dedicou “a todos os partidos” que dividiam então a França (p. 11). 
Em 1799, Napoleão, então “primeiro cônsul” da França, retirou-o da lista dos emigrados impedidos de voltar, os banidos, e Chateaubriand retorna à França. Três anos depois, Napoleão se torna “cônsul eterno”, nomeando Chateaubriand Secretário de Embaixada em Roma, mas, um ano depois, como reação ao assassinato do Duque de Enghien, sequestrado a mando de Napoleão no exterior, Chateaubriand renuncia ao seu posto, mediante uma carta de demissão enviada diretamente ao primeiro cônsul. 
Em 1804, Napoleão se autodesigna imperador hereditário dos franceses, título ao qual ele agregou o de rei da Itália. Chateaubriand viaja novamente ao exterior, notadamente à Terra Santa, e publica livros, além de reedições de suas primeiras obras. Em seu retorno à França, em 1807, o exército de Napoleão invade Portugal e provoca a fuga da família real para o Brasil. Pouco tempo depois, Chateaubriand começa a redigir as suas memórias; eleito para a Academia Francesa em 1811, não lhe dão posse no entanto. Quando Napoleão é derrotado pela primeira vez, por uma coalizão de exércitos europeus em 1814, Chateaubriand publica De Buonaparte et des Bourbons.Luis XVIII entra triunfalmente em Paris, e nomeia Chateaubriand embaixador na Suécia, mas ele não assume o posto, devido à saída do rei de Paris, no seguimento da fuga de Napoleão da ilha de Elba, ao mesmo tempo em que o Congresso de Viena iniciava seus trabalhos. 
Depois de ser nomeado embaixador em Berlim (em 1820) e em Londres (1822), Chateaubriand é designado ministro plenipotenciário no Congresso de Verona, no qual desempenha um papel importante, quando se decide restabelecer no trono da Espanha o absolutista Fernando VII, contra a vontade dos espanhóis, revoltados em face de uma nova intervenção armada estrangeira. No final de 1822, Chateaubriand se torna ministro dos negócios estrangeiros, mas por pouco tempo, pois já em 1824 ele cai novamente em desgraça, assumindo uma posição liberal. Ele passa quatro anos escrevendo livros e publicando suas obras, antes de ser nomeado embaixador em Roma, em 1828. No ano seguinte, no entanto, descontente com o ministério Polignac, as querelas sobre o ensino e o restabelecimento da censura à imprensa na França, ele se demite de seu posto. Em 1830, defensor da legitimidade dinástica, ele se demite igualmente da Chambre des Pairs, protestando contra a revolução de 1830 e a posse de Louis-Philippe d’Orleans como novo rei. Condenado por complô contra o Estado em 1832, ele consegue a anulação da sentença e retorna à França, se instalando em Paris, voltando a escrever livros que confrontam o novo regime. Em 1836, ele vende suas memórias a uma sociedade comercial, sob promessa de que elas só seriam publicadas após sua morte. Em 1848, logo após a revolução de fevereiro e a queda de Luis Felipe, as Mémoires d’Outre Tombecomeçam a ser publicadas sob a forma de folhetim no jornal La Presse. Chateaubriand morre em 4 de julho, aos 80 anos, em Paris, unanimemente reconhecido como um dos maiores escritores da língua francesa em todos os tempos.

De minha parte, nunca tive qualquer pretensão de ser um novo Chateaubriand, certamente não pela política, e menos ainda pela literatura, a despeito de que, como ele, eu sempre me coloquei contra as tendências do momento, ao afirmar minhas opiniões e argumentos, mesmo quando eles podem provocar desconfortos ocasionais, ou até perda de posições possíveis na corporação que é a minha. Como ele, também enfrentei meus exílios, aliás dois: minha formação superior foi toda feita em francês, ainda que eu não tenha conhecido, como Chateaubriand, un séjour instructif dans un pays de langue anglaise, o que teria certamente ajudado a melhorar meu inglês, que, até hoje, permanece um tanto quanto déplorable.
Mas como Chateaubriand, eu me dediquei, ferozmente, às artes da escrita, não nos diversos gêneros literários que ele cultivou, sem exibir, em qualquer momento, sua crença romântica em algum “gênio do Cristianismo”, mas voltado unicamente aos temas da política, da economia e da sociologia. À diferença dele, entretanto, nunca pretendi vangloriar-me da beleza do meu estilo, que é terrivelmente pedante, em vez da elegância empolada das frases de Chateaubriand. Paul Hazard, da Academia Francesa, que introduziu a compilação das mais belas páginas das Memórias de Além Túmulo, não hesita em dizer que o escritor confundia, frequentemente, “verité avec beauté” (p. 32). 
Como sabem os que acompanham minha atividade de escrevinhador, passei os quase três lustros do regime dos companheiros numa situação de ostracismo absoluto, sem qualquer cargo na Secretaria de Estado, ganhando aproximadamente o que ganhava um Secretario (já que sem qualquer “ajutório”), e fazendo da Biblioteca meu escritório de preferência, de fato compulsório. Foi, digamos assim, o meu segundo exílio, mas que durou o dobro do primeiro, que tinha sido de “apenas” sete anos e meio, passado na Europa, durante a fase mais dura do regime militar. Ao contrário de Chateaubriand, no entanto, eu não preciseihipotecar a minha tumba para sobreviver. Aliás, eu nem teria memórias para vender ou hipotecar; a quase totalidade do que escrevo é gratuitamente colocada à disposição dos interessados através de meu site pralmeida.org (atualmente em fase de reconstrução) ou por meio do blog Diplomatizzando. Para compensar o prejuízo salarial derivado da falta de alguma função na SERE, eu me exerci como professor, o que aliás eu sempre fiz, com grande prazer e muita satisfação intelectual. 
Em todo caso, foram 13 anos e meio de travessia do deserto, durante os quais aproveitei para ler muito mais do que eu teria feito se inserido na máquina burocrática da diplomacia profissional durante os anos de dominação companheira sobre a política externa. Tal situação de ostracismo me poupou, aliás, do desprazer de ter de defender causas enviesadas e iniciativas míopes, ou ter de representar um governo totalmente inepto, notoriamente corrupto, literalmente podre, ao nível do patrimonialismo de tipo gangster, como infelizmente só descobrimos bem tarde. Aproveitei esse tempo de lazer totalmente involuntário para escrever vários livros e muitos artigos, assim como para reforçar o que eu chamei de meu “quilombo de resistência intelectual”, que é o blog Diplomatizzando, mesmo se muitos da Casa não gostem e achem que eu exagerei ou que ataquei demais a política externa dos companheiros, essa diplomacia partidária, medíocre, falsamente altiva e mentirosamente soberana, de fato, submissa a ditaduras. 
Num dos muitos tournantsde uma carreira diplomática razoavelmente feliz, na qual pude desempenhar funções profissionais, ou funcionais, durante muitos anos, temporariamente interrompidos por circunstâncias alheias à minha vontade, e combinar essas atividades com lides acadêmicas igualmente gratificantes, exclusivas no período recente, retomo agora o curso normal de atividades corporativas. Desde meu quilombo de resistência intelectual a desvios em algumas das políticas públicas que constituem o foco principal de meus estudos, reflexões e escritos, pude perceber, algumas semanas atrás, traços de terra na beira do oceano, vestígios de vegetação e de habitat humano ao final do deserto. Ao assumir o IPRI, espero poder oferecer à Casa algum retorno pelos bons momentos que desfrutei no serviço exterior, antes da chegada dos companheiros.
Tenho alguns, poucos, bons hábitos, e muitos outros maus, um dos quais, talvez péssimo, que é o de nunca pedir nada a ninguém, sequer audiências à administração, para cuidar, ou pedir, por exemplo, cargos ou funções, promoção, postos; nada, quase jamais. Sempre considerei que a Casa contasse com burocratas conscienciosos, que saberiam desempenhar suas avaliações de desempenho em total independência, sem interferências políticas externas e sem a influência nefasta dos chamados “pistolões” e sem o famoso “quem indica”. Durante todos esses anos, apenas tratei de fazer o meu trabalho, geralmente de maneira silenciosa, embora por vezes estridente, mas bem mais pela pluma do que pela voz. Posso contudo orgulhar-me de uma característica, talvez essencial em meu itinerário profissional, para o bem e para o mal: jamais deixei o meu cérebro em casa, quando saia para trabalhar, e nunca o depositei na portaria, quando ingressava no trabalho. Existem riscos nesses hábitos, porém, como se tornou evidente.
Aqui chegamos, enfim, e depois de anos e anos – na verdade os treze anos e meio da gestão lulopetista, quando fiz da Biblioteca, quase todos os dias, meu escritório de trabalho –, volto a exercer uma função na instituição diplomática, ainda que não de natureza executiva, simplesmente acadêmica, talvez decorativa, como disse certa vez o vice-presidente, hoje guindado à presidência interina. O cargo assumido não é porém isento de riscos, pois um antigo diretor foi ingloriosamente defenestrado, como se sabe, em pleno ancien régime“tucanês”. Achei francamente exagerada, e muito autoritária, aquela decisão, contra quem, aliás, não exercia nenhuma função executiva, certamente não relevante do ponto de vista das principais definições de política externa, no caso, na política comercial envolvida na questão das negociações em torno do projeto americano para um acordo de livre comércio hemisférico. 
Na ocasião eu me solidarizei imediatamente, com o defenestrado, para ser por ele reciprocado poucos meses depois ao ser, por minha vez, sancionado pela mesma administração por ter concedido uma entrevista sem a devida autorização prévia, que na época respondia à indecorosa circular da censura prévia, apropriadamente conhecida como “lei da mordaça”. Minha entrevista, ao contrário das tomadas de posição do ex-diretor do IPRI, se conformava inteiramente à política oficial do Itamaraty, mas ainda assim a administração resolveu me sancionar, sob a justificativa dúbia de que, tendo “punido um”, não poderia “deixar de punir outro”. Essa é a lógica da Inquisição, se me permitem a comparação totalmente indevida, nos efeitos práticos, mas creio que similar em espírito, senão em intenção intimidante ou dissuasiva. 
A despeito de minha solidariedade com o primeiro punido pela “lei da mordaça” – que, ao sê-lo, converteu-se imediatamente num dos mártires da causa justiceira, e como tal manipulada pelos propagandistas do partido companheiro – tive a frustrante surpresa de ser vetado, um ano depois (já no início de 2003), para um cargo no Instituto Rio Branco, de coordenar o programa de mestrado, do qual eu já era professor orientador, desde 2001, programa que só funcionou durante dez anos apenas. O veto ocorreu quando o mesmo ex-diretor do IPRI, convertido em uma espécie de porta-voz das causas petistas em matéria de política externa, justamente em virtude de sua ejeção pelos “neoliberais”, foi guindado (depois de uma mudança nas regras em vigor) ao cargo real de “oficial-maior” e virtual de ideólogo-mor da diplomacia lulopetista. Essa diplomacia estranha e exótica, complacente com as ditaduras e desdenhosa das grandes “potências hegemônicas”, se encontra hoje felizmente desativada, mas provavelmente não de todo; como os irredutíveis gauleses, ela resiste, encore et toujours, nos corações e mentes dos gramscianos de academia. De fato, a julgar pelos manifestos divulgados recentemente por quase todas as entidades acadêmicas a propósito de um “golpe” em curso no Brasil, acredito que o lulopetismo diplomático ainda esteja plenamente ativo e altivo no plano das mentalidades gramscianas. 
Fui vetado muitas outras vezes, ao longo do longo período lulopetista, pois nunca deixei de exercer meu direito de expressar minha opinião sobre as loucuras cometidas nestes anos bizarros, tempos de diplomacia não convencional e de exaltação exagerada da figura do “nosso Guia”. Não tenho porque esconder nada neste momento que poderia ser classificado de um “renascimento profissional”; todo o meu itinerário pessoal a longo desses anos, que eu chamei de um segundo exílio, apenas sobrevivendo no plano intelectual, encontra-se perfeitamente documentado em minhas listas de trabalhos, tanto as de originais quanto os publicados, disponíveis no meu site. Aliás, em apêndice a este texto, vou listar os trabalhos mais contundentes a esse respeito.
Não tenho ainda um programa de trabalho, meu, para o IPRI, mas existe um, já aprovado oficialmente, para secundar a diplomacia do governo, atuando como um canal de interação com a comunidade acadêmica. Vou pensar em agregar algumas outras coisas, talvez um pouco diferentes do programa que é desenvolvido oficialmente, ou dos debates que ocorrem normalmente na academia, apenas com certo comedimento, provavelmente. A razão da cautela é que, paradoxalmente, o ambiente universitário não parece ser um exemplo de isenção e de equilíbrio, se justamente medirmos os ânimos por todos esses manifestos divulgados nos últimos tempos, em “defesa da democracia”, contra o “golpe”, e outras bobagens do gênero. Vou tentar fazer algo em defesa dos valores e dos princípios da diplomacia brasileira, tão lamentavelmente conspurcados, ambos, sob o regime inacreditável dos companheiros. Digo inacreditável porque ainda não descobrimos ou desvelamos todas as patifarias cometidas ao longo desses anos, talvez mesmo no âmbito da política externa (não da diplomacia, cabe bem distinguir). Existe, certamente, muita coisa a ser feita, num país que passou mais de uma década num regime de mentiras constantes, propaganda fantasiosa, para nada falar dos crimes – econômicos, políticos, comuns – praticados ao longo desses anos bizarros.
Não precisa ser uma repetição de projetos já feitos anteriormente, mas pode-se pensar na continuidade do que foi feito em 2013, na obra em 3 volumes Pensamento Diplomático Brasileiro, 1750-1964(disponível no site da Funag), que resultou de um projeto original meu (embora não exatamente da forma em que foi desenvolvido). Nessa obra assinei um primeiro capítulo, metodológico, e um outro sobre Oswaldo Aranha, feito a partir de um texto do embaixador João Hermes Pereira de Araújo, recentemente falecido. Começo agora a desenhar a continuidade cronológica desse projeto, cujos contornos exatos não estão ainda perfeitamente definidos. Mas já elaborei um projeto sobre os valores e princípios da diplomacia brasileira, que pode resultar num trabalho de reflexão sobre o que fizemos, na República, em matéria de formulação e de execução da diplomacia governamental, por meio das ações e escritos de alguns dos profissionais e intelectuais que se desempenharam nesta arena. Divulgarei quando possível.

Neste momento, cabe uma palavra final aos que não esmoreceram na defesa de um serviço profissional, em condições por vezes adversas de manutenção dos princípios permanentes da política externa brasileira, e que lutaram pela preservação dos valores da carreira diplomática, por parte deste colega que, por acaso, é também acadêmico, e que sempre levou um duplo combate, nas duas frentes, em prol de valores tão simples como a ideia de honestidade intelectual, ademais do princípio do interesse nacional. A minha palavra é apenas esta: vale perseverar...
Talvez eu possa terminar com uma frase atribuída a Talleyrand, contemporâneo quase exato de Chateaubriand: Quand je me regarde, je me désole. Quand je me compare, je me console… Mas o próprio Chateaubriand fez uma avaliação final de sua vida, nas páginas finais das Mémoires d’Outre Tombe
Ainsi la vie publique et privée m’a été connue. Quatre fois j’ai traversé les mers ; (…)Pauvre et riche, puissant et faible, heureux et misérable, homme d’action, homme de pensée, j’ai mis ma main dans le siècle, mon intelligence au désert ; l’existence effective s’est montrée à moi au milieu des illusions, de même que la terre apparaît aux matelots parmi les nuages. Si ces faits répandus sur mes songes, comme le vernis qui préserve des peintures fragiles, ne disparaissent pas, ils indiqueront le lieu où est passé ma vie.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 27 de junho e 7 de julho; São Paulo, 21 de julho de 2016.

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Apêndice sobre fontes e leituras adicionais: 

As obras de Chateaubriand encontram-se disponíveis na seguinte Wikisource, embora eu tenha retirado excelentes edições na biblioteca do Itamaraty, como esta informada ao início deste texto:

Georges Readers (org.), Les Plus Belles Pages des ‘Mémoires d’Outre Tombe’ (Rio de Janeiro: Americ=Edit., 1945)
Chateaubriand, François-René Auguste de, obras, em francês: https://fr.wikisource.org/wiki/Auteur:Fran%C3%A7ois-Ren%C3%A9_de_Chateaubriand.


Almeida, Paulo Roberto de:
Trabalhos sobre a política externa e a diplomacia lulopetista (em ordem cronológica inversa de elaboração):

3004. “Crônica final de um limbo imaginário?”, Brasília, 1 julho 2016, 2 p. Reflexões sobre o encerramento de uma etapa e o início de outra. Divulgado no blog Diplomatizzando(link: (http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/07/cronica-final-de-um-limbo-imaginario.html). 
2991. “Uma seleção de trabalhos sobre a política externa brasileira na era Lula: Paulo Roberto de Almeida, 2002-2016”, Brasília, 6 junho 2016, 13 p. Listagem seletiva, na ordem cronológica inversa, dos trabalhos mais importantes, inéditos e publicados, produzidos no período em apreço em temas da diplomacia e do sistema político brasileiro. Disponível no blog Diplomatizzando(http://diplomatizzando.blogspot.com.br/2016/06/a-politica-externa-brasileira-na-era.html) e na plataforma Academia.edu (link: http://www.academia.edu/26393585/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_(versão revista e atualizada); http://www.academia.edu/25901782/Trabalhos_PRA_sobre_a_politica_externa_brasileira_na_era_Lula_2002-2016_).
2983. “O renascimento da política externa”, Brasília, 25 maio 2016, 14 p. Publicado na revista Interesse Nacional(ano 9, n. 34, julho-setembro de 2016, link: http://interessenacional.com/index.php/edicoes-revista/o-renascimento-dapolitica-externa/).