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sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Itamaraty: discurso de posse do novo chanceler

Estranhamente, não consta no site do Itamaraty o discurso de transmissão de posse do ex-chanceler Aloysio Nunes Ferreira, que foi extremamente cordato, desde o início, com o chanceler designado.
Assim que o obtenha, vou postar aqui, como faço agora com o discurso de posse do novo chanceler Ernesto Araujo.
Paulo Roberto de Almeida
Gramado, 4/01/2019

Meu ilustre antecessor, Senador Aloysio Nunes Ferreira, senhora Gisele,
excelentíssimo senhor ministro José Antonio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal,
excelentíssimo senhor presidente Fernando Collor de Mello,
sua Alteza Imperial e Real Dom Bertrand de Orleans e Bragança, que juntamente com os presidentes Toffoli e Collor muito honram essa Casa e muito me honram pessoalmente, cuja presença muito agradeço,
excelentíssimo Dom Giovanni d'Aniello, Núncio Apostólico,
excelentíssimos demais chefes de missões diplomáticas acreditadas junto ao Governo do Brasil,
excelentíssima senhora Tereza Cristina, ministra da Agricultura, Pecuária e Abastecimento,
excelentíssimo senhor Ricardo de Aquino Salles, ministro de Estado do Meio Ambiente,
excelentíssimo general Carlos Alberto dos Santos Cruz, ministro da Secretaria de Governo,
excelentíssima senhora Raquel Elias Ferreira Dodge, procuradora-geral da República,
excelentíssimo senhor Senador Flávio Bolsonaro,
excelentíssimos demais senhores senadores e deputados,
excelentíssimo senhores secretários executivos,
excelentíssimas demais autoridades civis, militares, eclesiásticas,
senhores embaixadores,
minha mulher, Maria Eduarda, minha filha, Clarice, meus enteados, Joaquim e Pedro, minha mãe, Marylin, meu padastro Luís Carlos, minha irmã Lismary, meu sogro, embaixador Luis Felipe de Seixas Correa, grande chefe desta Casa, minha sogra, Marilu de Seixas Correa,
meus queridos amigos, colegas,
Inicialmente, gostaria de agradecer muito vivamente as palavras tão amáveis do ministro e senador Aloysio Nunes a meu respeito. Agradeço, muito tocado, sua deferência e gostaria de dizer que a história sempre lembrará a sua condução sempre segura, serena, competente, dessa Casa, em momentos difíceis, e queria dizer que tive muito orgulho em trabalhar sob sua chefia em temas importantes desse Ministério. O senhor deixará um legado muito importante para o Itamaraty.
Gostaria de começar com uma frase que é absolutamente fundamental para entender o que está acontecendo no Brasil. Vou dizê-la de uma maneira diferente do que vocês estão acostumados a ouvir:
Gnosesthe ten aletheian kai he aletheia eleutherosei humas.
"Conhecereis a verdade e a verdade vos libertará".
Essa convicção íntima e profunda animou o presidente Jair Bolsonaro na luta extraordinária que ele travou e está travando para reconquistar o Brasil e devolver o Brasil aos brasileiros.
Nesse versículo de São João há três conceitos cruciais para o pensamento humano, para a vida humana e para o nosso momento histórico. Nós temos Gnosis, que é o conhecimento, Aletheia, a verdade, e Eleuthería, a liberdade.
Aletheia. A tradução mais literal dessa palavra grega seria “desvelamento”, ou, melhor ainda, “desesquecimento”. Lethe é esquecimento. Lethe é o rio do esquecimento que, na tradição grega, os mortos cruzavam para ir para o outro lado. Então Aletheia é cruzar o rio de volta para cá. Aletheia é a superação do esquecimento. Algo que está esquecido e escondido e que de repente se recupera. Aletheia envolve uma experiência autêntica, individual, sentimental, de tal maneira que o nosso conceito atual de “verdade” é muito pobre diante desse conceito original. Nosso conceito de verdade normalmente se refere apenas à verdade factual, é um conceito um pouco técnico e frio, quando deveria ser algo orgânico e vivido.
Aletheia nos faz desesquecer e reconectar-nos conosco mesmo, e nesse redescobrimento e reconexão conosco mesmos é que a verdade liberta. Pois onde estava preso aquele que se vê libertado pela verdade? Estava preso fora de si mesmo. Estava procurando ser o que não é. O Brasil estava preso fora de si mesmo. E eu arriscaria dizer que a política externa brasileira estava presa fora do Brasil.
Eleuthería, eleutherosei humasEleuthería é outra palavra genial criada pelos gregos. Eu não conheço nenhuma outra língua antiga, não conheço tantas, enfim, não conheço wichita, não conheço sânscrito, mas não conheço nenhuma outra língua antiga que possua esse conceito, exceto o latim libertas, mas que já é uma tradução tardia do grego. Então, mesmo assim, na Grécia antiga, eleuthería significava basicamente a liberdade civil, era um termo jurídico. Somente com a literatura cristã, e, especialmente com esse trecho de São João, eleutheria se tornou algo mais completo, mais profundo e mais elevado.
É um conceito que se desgastou também ao longo dos séculos, a palavra liberdade se desgastou ao longo dos séculos, mas preserva uma força incrível. A palavra liberdade ainda é uma palavra que acende o coração das pessoas. A pessoa pode estar lá, desanimada, no seu canto, mas quando escuta a palavra “liberdade”, não há quem não levante a cabeça, subitamente alerta, e pergunte: liberdade? Onde? Eu quero.
O presidente Bolsonaro está libertando o Brasil, por meio da verdade. Nós vamos também libertar a política externa brasileira, vamos libertar o Itamaraty, como o presidente Bolsonaro prometeu que faríamos, em seu discurso de vitória.
Bem, nós falamos da verdade e da liberdade, mas ainda não falamos do conhecimento, da gnosis. A verdade liberta, mas para chegar à verdade é preciso conhecê-la. E não se trata aqui de um conhecimento racional, pois a verdade não pode ser ensinada, a verdade nesse sentido profundo não pode ser ensinada por dedução analítica. Gnosis é o conhecimento no sentido de uma experiência mais íntima. A verdade é essencial, mas não pode ser ensinada nem aprendida. Mas se é assim, como é que nós vamos conhecer a verdade, que é a chave de isso tudo?
Para explicar isso eu queria apelar a um brasiliense ilustre, Renato Russo, quando ele diz: "é só o amor, é só o amor que conhece o que é verdade".
Não são a cautela ou a prudência que conhecem o que é a verdade, mas o amor. A cautela, a prudência e o pragmatismo são bons instrumentos, quando sabemos para onde queremos ir, mas eles não nos ensinam para onde ir, não nos mostram o que somos, não nos explicam a nós mesmos.
É só o amor que explica o Brasil. O amor, o amor e a coragem que do amor decorre, conduziram os nossos ancestrais a formarem esta nação imensa e complexa. Nós passamos anos na escola, quase todos nós, eu acho, escutando que foi a ganância ou o anseio de riqueza, ou pior ainda, o acaso, que formou o Brasil, mas não foi. Foram o amor, a coragem e a fé que trouxeram até aqui, através do oceano, através das florestas, pessoas que nos fundaram, pessoas que disseram coisas como esta que vou ler agora:
Anuê Jaci, etinisemba-ê
Indê irú manunhê
Yara rekô embobeuká tupirã
Rekôku ya subí
Embobeuká tupirabê
Nge membyrá Tupã
Essa é a Ave Maria em tupi, na versão original do Padre José de Anchieta, onde ele traduz Maria por Jaci, a lua, Anuê Jaci, e Jesus por Tupã, o trovão.
E aqui precisamos da Aletheia. O desesquecimento. Precisamos libertar a nossa memória histórica da qual essa modesta oração faz parte.
Para libertar o Itamaraty através da verdade, precisamos recuperar o papel do Itamaraty como guardião da continuidade da memória brasileira.
Eu me lembro da emoção que eu senti pela primeira vez, quando era Terceiro Secretário, que subi as escadas para este terceiro andar, e vi, logo ao subir a escada, o quadro da Coroação de Dom Pedro I e o quadro do Grito do Ipiranga. Imediatamente, eu, que tinha 22 anos, me lembrei de quando tinha 5 anos e assisti maravilhado no cinema ao filme "Independência ou Morte", com Tarcísio Meira e Glória Menezes. E pensei: então tudo isso existe, né? Tudo isso existe... e tudo isso é aqui!
Eu me lembro desse momento muito marcadamente e eu percebi: olha, isso aqui não é simplesmente uma repartição pública, isso aqui é uma espécie de um santuário. É uma espécie de túnel do tempo, onde os heróis estão vivos, os heróis famosos e os heróis anônimos, onde nós convivemos com os descobridores, com Alexandre de Gusmão, José de Anchieta, com D. João VI, com os Imperadores e as princesas, com os bandeirantes e os abolicionistas, com os seringueiros e garimpeiros e tropeiros que construíram essa nação, e até mesmo com o estranho caso de um Barão monarquista que se tornou o grande ídolo da República.
Eu não sei se alguns de vocês já tenham assistido provavelmente a um seriado espanhol chamado Ministerio del Tiempo. Eu recomendo. E eu diria que o Itamaraty, em certo sentido, não é somente um Ministério das Relações Exteriores, é também um Ministério do Tempo. Como talvez nenhuma outra instituição no Brasil, nós temos a responsabilidade de proteger e regar esse tronco histórico multissecular por onde corre a seiva da nacionalidade.
O presidente Bolsonaro disse que nós estamos vivendo o momento de uma nova Independência. É isso que os brasileiros profundamente sentimos. E deveríamos senti-lo e vivê-lo ainda mais aqui no Itamaraty, onde a história está tão presente. Deveríamos deixar fluir por estes salões e corredores a emoção deste novo nascimento da pátria.
Precisamos desesquecer e lembrar de quem somos, de quem estamos voltando a ser.
Diz o lema do Barão: Ubique Patriae Memor. Normalmente se traduz como “em todos os lugares, lembrar-se da pátria.” Aqui, os senhores me perdoarão a um professor de latim frustrado, que nunca fui, antes de querer ser diplomata, para dizer que está errada essa tradução. Memor é uma primeira pessoa. Então, na verdade é: “em todos os lugares, eu me lembro da pátria.” É um compromisso de vida pessoal que cada um de nós assume, e não uma simples anotação na agenda. Onde quer que seja, eu me lembro da pátria. E “eu me lembro da pátria” aqui não significa simplesmente que, quando estamos no exterior, devemos pensar no Brasil. Significa, se nós pensarmos no conceito de Aletheia: eu sinto essa verdade profunda que é a pátria, eu sinto o que é ter uma pátria e lembrar-se da pátria, portanto, como uma verdade central, essa verdade que liberta e que só se pode conhecer pelo amor.
Lembrar-se da pátria. Não é lembrar-se da ordem liberal internacional, não é lembrar-se da ordem global, não é lembrar-se do que diz o último artigo da Foreign Affairs ou a última matéria do New York Times. É lembrar-se da pátria como uma realidade essencial.
Não estamos aqui para trabalhar pela ordem global. Aqui é o Brasil.
Não tenham medo de ser Brasil.
Não tenham medo.
Pensem, por exemplo, em Dom Sebastião. Quando preparava sua expedição à África, algum nobre da corte portuguesa perguntou a Dom Sebastião se ele não tinha medo. Dom Sebastião olhou e perguntou: “De que cor é o medo?”
Alguém objetará que Dom Sebastião morreu pouco depois no areal do Alcácer Quibir, que é verdade, mas nós estamos falando aqui dele, não é? Nós sabemos quem ele é. Dom Sebastião se tornou um mito, aquele que há de voltar das ondas do mar, num dia de muita névoa. Nós não nos lembramos das pessoas que ficaram em casa, daqueles que não foram ao Alcácer Quibir. A Aletheia que liberta está com os que foram, com os que seguiram a bandeira dos seus reis e dos seus santos, sem saber se iriam voltar, sem se importar se iriam voltar.
O mito ensina a não ter medo, e é curioso que o mito é o mito e no momento atual o mito é o apelido carinhoso que o povo brasileiro deu ao presidente Bolsonaro.
Marcel Proust dizia que os nossos sentimentos vão se atrofiando por medo, por medo de sofrer. E eu acho que a nossa política externa vem se atrofiando por medo de ser criticada. Então não tenham medo de sofrer e não tenham medo de ser criticados.
Por sua vez, Clarice Lispector dizia, falando do Brasil e do nacionalismo: “A nossa evidente tendência nacionalista não provém de nenhuma vontade de isolamento: ela é movimento sobretudo de autoconhecimento.” Autoconhecimento, a verdade. Aletheia, a verdade que liberta.
Então, para não ter medo, vamos ler menos Foreign Affairs, e mais Clarice Lispector ou Cecília Meireles.
Vamos ler menos The New York Times, e mais José de Alencar e Gonçalves Dias.
Vamos escutar menos a CNN e mais Raul Seixas.
Por que Raul Seixas? "Não fiquemos no trono de um apartamento", ou de uma Embaixada, "com a boca escancarada cheia de dentes esperando a morte chegar".
Vamos fazer alguma coisa pelas nossas vidas e pelo nosso país. Mergulhemos no oceano de sentimento e na esperança do nosso povo. Não mergulhemos nessa piscina sem água que é a ordem global.
O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para a ordem global.
O Itamaraty existe para o Brasil, não existe para si mesmo. Nós somos uma casa de excelência? Somos, claro que sim. Mas para sê-lo precisamos mostrá-lo, e não ficar simplesmente repetindo isso uns para os outros. Nós vamos cuidar da nossa administração, do fluxo de carreira, vamos solucionar esse e muitos outros problemas, se Deus quiser, que legitimamente afligem a instituição, para que o Ministério possa melhor se capacitar para sua tarefa maior. Queria dizer que nós não precisamos e não vamos abrir os quadros do Itamaraty para pessoas de fora da carreira, além dos casos que já existem. O presidente Bolsonaro confia plenamente na capacidade dessa casa e dessa carreira de implementar a sua política. Nós simplesmente estamos tomando a medida de flexibilizar a ocupação de cargos no Itamaraty por funcionários da carreira em determinados níveis hierárquicos justamente para arejar o fluxo da carreira e inclusive estimular os nossos colegas a ocuparem esses cargos.
Nós temos tradições, é claro, mas precisamos empregá-las como estímulo para buscar a verdade e a liberdade, como serviço à pátria, como serviço a todos os brasileiros, tanto os mais humildes, quanto os mais afortunados do nosso povo, esse povo que uma ideologia perversa não mais divide.
Temos tradições, mas, como dizia o Embaixador Azeredo da Silveira, na frase famosa, "a maior tradição do Itamaraty é saber renovar-se".
Eu quando ingressei no Itamaraty, repetia-se essa frase a torto e a direito. Você não conseguia cruzar um corredor sem ouvir essa frase da tradição do Itamaraty sabendo renovar-se; mas há alguns anos, há muito tempo, eu pessoalmente já não tenho escutado essa frase. Não sei bem porquê. Talvez seja por um pouco desse ensimesmamento, de um certo comodismo que se criou.
Nós nos apegamos muito à nossa própria autoimagem e fizemos dela uma espécie de um ídolo, e ficamos nos olhando um pouco no espelho e dizendo que nós somos o máximo, e dizendo que os Governos não nos entendem, mas que o Itamaraty está acima dos Governos. Nós nos tornamos diplomatas que fazem coisas que só são importantes para outros diplomatas. Isso precisa acabar. Deixemos de olhar no espelho e passemos a olhar pela janela. Ou melhor ainda, vamos sair à rua para o Brasil verdadeiro.
Não tenhamos medo do povo brasileiro. Somos parte do povo brasileiro.
Certa vez, ainda no Instituto Rio Branco, eu ouvi de um diplomata antigo o seguinte: que o Itamaraty não pode ser melhor do que o Brasil. Nessa época, eu tomei isso como um sinal de um grande pessimismo. Era um momento difícil na história do Brasil e eu achei que ele estava dizendo, olha, o Brasil está ruim, e o Itamaraty está igual. Mas hoje eu acho que finalmente eu compreendo o que ele queria dizer. O Itamaraty não pode achar que é melhor do que o Brasil. O Itamaraty não pode achar que não faz parte do Brasil. Fazemos parte, voltamos a fazer parte de uma aventura magnífica.
A partir de hoje, o Itamaraty regressa ao seio da pátria amada.
O Itamaraty voltou, porque o Brasil voltou.
Fernando Pessoa afirmava o seguinte: o poeta superior diz o que pensa. Ou melhor, o poeta superior diz o que sente. O que pensa, também. “O poeta superior diz o que sente. O poeta médio diz o que decide sentir. O poeta inferior diz o que acha que deve sentir.” O mesmo talvez se possa dizer do diplomata. E o mesmo se aplica ao um país na sua presença internacional.
Por muito tempo o Brasil dizia o que achava que devia dizer. Era um país que falava para agradar os administradores da ordem global. Queríamos ser um bom aluno na escola do globalismo, e achávamos que isso era tudo. Éramos um país inferior, aplicando a classificação de Fernando Pessoa.
Mas o Brasil volta a dizer o que sente, e a sentir o que é.
Vocês podem dizer que isso é “quixotesco”, talvez, e as pessoas nos chamam, às vezes, ou me chamam de tantas coisas bem piores, que então “quixotesco”, só para dizer que talvez já estaria bom, “quixotesco” já seria um bom adjetivo. Mas isso me lembra algo que escutei do Professor Olavo de Carvalho, um homem que, após o presidente Jair Bolsonaro, talvez seja o grande responsável pela imensa transformação que o Brasil está vivendo. Certa vez eu ouvi o Professor Olavo referir-se a um trecho do Dom Quixote de Cervantes, que é talvez o ponto central dessa obra. É quando Dom Quixote está caído à beira do caminho, em algum lugar de La Mancha, em espécie de delírio, e começa a conversar com os passantes como se fossem o marquês disso, o conde daquilo, ou algum herói de cavalaria, enquanto fala das suas próprias façanhas. Lá pelas tantas, ele se refere a um camponês que está passando como “Marquês de Mântua”. E o camponês pára e olha para ele e diz: “Peraí. Eu sei quem é o senhor. Eu não sou marquês de Mântua, eu sou seu vizinho, Pedro Alfonso. E o senhor não é Dom Quixote, o senhor é um bom homem, que conheço há muitos anos, o senhor é Alonso Quijano.” E Dom Quixote pára um segundo, pensa, e responde: “Yo sé quién soy.”
Algumas pessoas dirão que o Brasil não é isso tudo que o presidente Bolsonaro acredita e que eu também acredito, dirão que o Brasil não tem capacidade de influir nos destinos do mundo, de defender os valores maiores da humanidade, que devemos apenas exportar produtos e atrair investimentos, pois afinal somos um bom país, quieto e pacífico, mas não temos poder para nada. Dirão que o Brasil é apenas Alonso Quijano. Mas o Brasil responderá: Eu sei quem eu sou.
Eu sei quem eu sou.
Somos um país universalista, é certo, e a partir desse universalismo queremos construir algo bom e produtivo com cada parceiro. Mas universalismo não significa não ter opiniões. Universalismo não significa uma geléia geral. Não significa querer agradar a todos.  A vocação do Brasil não é ser um país que simplesmente existe para agradar. Queremos ser escutados, mas queremos ser escutados não por repetir alguns dogmas insignificantes e algumas frases assépticas, queremos ser escutados por ter algo a dizer.
Nós buscaremos as parcerias e as alianças que nos permitam chegar aonde queremos, não pediremos permissão à ordem global, o que quer que ela seja. Defenderemos a liberdade e a vida. Defenderemos o direito de cada povo de ser o que é, com liberdade e dignidade, com a dignidade que unicamente a liberdade proporciona.
Quem ama, luta pelo que ama. Então nós admiramos quem luta, admiramos aqueles que lutam pela sua pátria e aqueles que se amam como povo, por isso admiramos por exemplo Israel, que nunca deixou de ser uma nação ,mesmo quando não tinha solo – em contraste com algumas nações de hoje, que mesmo tendo seu solo, suas igrejas e seus castelos já não querem ser nação. Por isso admiramos os Estados Unidos da América, aqueles que hasteiam sua bandeira e cultuam seus heróis. Admiramos os países latino-americanos que se libertaram dos regimes do Foro de São Paulo. Admiramos nossos irmãos do outro lado do Atlântico que estão construindo uma África pujante e livre. Admiramos os que lutam contra a tirania na Venezuela e em outros lugares. Por isso admiramos a nova Itália, por isso admiramos a Hungria e a Polônia, admiramos aqueles que se afirmam e não aqueles que se negam. O problema do mundo não é a xenofobia, mas a oikofobia – de oikos, oikía, o lar. Oikofobia é odiar o próprio lar, o próprio povo, repudiar o próprio passado.
É mais fácil não amar, não lutar, porque amar e lutar também significam sofrer, significam muitas vezes não ser compreendido, significam suscitar o ódio, o desprezo, a inveja – então muitas nações, assim como muitas pessoas optam pelo conforto e pela facilidade de não amar e de não lutar. Nós aqui não optamos nem pelo conforto, nem pela facilidade.
Além da oikofobia, o ódio contra o próprio lar, deveria preocupar-nos, também, cada vez mais, a teofobia, o ódio contra Deus. Há uma teofobia horrenda, gritante, na nossa cultura. Não só no Brasil, em todo o mundo. Um ódio contra Deus, proveniente sabe-se lá de onde, canalizado por todos os códigos de pensamento e de não-pensamento que perfazem a agenda global.
Para destruir a humanidade é preciso acabar com as nações e afastar o homem de Deus, e é isso que estão tentando, e é contra isso que nos insurgimos.
O globalismo se constitui no ódio, através das suas várias ramificações ideológicas e seus instrumentos contrários à nação, contrários à natureza humana, e contrários ao próprio nascimento humano. Nação, natureza e nascimento, todos provém da mesma raiz etimológica e isso se dá porque possuem entre si uma conexão profunda. Aqueles que dizem que não existem homens e mulheres são os mesmos que pregam que os países não têm direito a guardar suas fronteiras, são os mesmos que propalam que um feto humano é um amontoado de células descartável, são os mesmos que dizem que a espécie humana é uma doença e que deveria desaparecer para salvar o planeta. Por isso a luta pela nação é a mesma luta pela família e a mesma luta pela vida, a mesma luta pela humanidade em sua dignidade infinita de criatura.
Quando eu era criança, ouvia, e adolescente também, ouvia muita gente dizendo: “O mundo caminha inexoravelmente para o socialismo”. Mas não caminhou. Não caminhou porque alguém foi lá e não deixou.
Hoje escutamos que a marcha do globalismo é irreversível.
Mas não é irreversível.
Nós vamos lutar para reverter o globalismo e empurrá-lo de volta ao seu ponto de partida.
Nós queremos levar a toda parte o grito sagrado da liberdade, eleuthería. Esse foi o primeiro grito de guerra do Ocidente em seu nascimento, na batalha de Salamina, Eleutheroûte Patrída. Libertai a pátria.
Então temos aqui o Barão dizendo “eu me lembro da pátria”, eu trago a pátria de dentro do seu escondimento, eu vivo a pátria na verdade. E temos Ésquilo gritando pela liberdade, libertai a pátria, Eleuthería. Mas Aletheia e Eleuthería só são possíveis pelo conhecimento da pátria, que se dá pelo amor.
Um dos instrumentos do globalismo, para abafar aqueles que se insurgem contra ele, é espalhar que, para fazer comércio e negócios, não se pode ter ideias nem defender valores. Nós provaremos que isso é completamente falso. O Itamaraty terá, a partir de agora, o perfil mais elevado e mais engajado que jamais teve na promoção do agronegócio, do comércio, dos investimentos e da tecnologia. De fato, ao se distanciar do Brasil e do povo brasileiro, o Itamaraty havia se distanciado também do setor produtivo nacional. Pois agora estaremos junto com o setor produtivo nacional, como nunca estivemos. Nós não vamos mais apenas “acompanhar os temas”, como se diz no jargão antigo, o jargão daquele Itamaraty fechado ao povo. O Itamaraty não será mais um Ministério que só fica olhando. Vamos trabalhar sem descanso para promover o comércio agrícola, a indústria, o turismo, a inovação, a capacitação tecnológica, os investimentos em infraestrutura e energia, avançando ombro a ombro com os outros Ministérios – graças a essa extraordinária equipe ministerial que o presidente Bolsonaro criou com um espírito de harmonia e um sentido de missão sem precedentes.
Quando digo extraordinária me excetuo, porque não quero falar de mim mesmo. Estou falando dos outros 21 ministros.
Formularemos com cada parceiro internacional um programa de trabalho específico, para desenvolver o potencial de cada relação, de maneira criativa e dinâmica. Para isso contaremos, entre outros, com esse instrumento extraordinário que é a APEX, uma APEX renovada, redinamizada e integrada ao conjunto da nossa estratégia de política externa. Contaremos também com um setor de Promoção Comercial dentro do Itamaraty que multiplicaremos por quatro, vamos desburocratizar os setores de promoção comercial nas Embaixadas no Exterior, transformando-os em verdadeiros escritórios comerciais capazes de gerar negócios e ocupar novos mercados para os nossos produtores.
Implementaremos uma política de negociações comerciais para os dias de hoje. Estivemos negociando acordos comerciais, alguns mais exitosamente, outros menos, mas em muitos casos no modelo dos anos 90. Em alguns casos também estamos negociando esses acordos desde os anos 90, e até agora, em alguns casos, vão involuindo com o passar do tempo. Nós negociamos esses instrumentos em abstrato, e não aquilo que deveríamos fazer, que são entendimentos efetivos direcionados às nossas potencialidades concretas. Nós negociamos muitas vezes a partir de uma posição de fraqueza, como se estivéssemos implorando acesso a mercados, quando na verdade deveríamos negociar a partir de uma posição de força, como um dos maiores e potencialmente o maior produtor de alimentos do mundo, por exemplo.
Nós orientaremos todas as relações bilaterais e multilaterais para a geração de resultados concretos para o emprego, a renda e para a segurança dos brasileiros. Ao mesmo tempo que as relações bilaterais, investiremos renovado esforço também nas negociações multilaterais, especialmente na OMC, que está construindo uma nova e promissora agenda da qual, hoje, o Brasil ainda está de fora, mas na qual entrará com todo o seu peso e toda sua criatividade.
No sistema multilateral político, especialmente na ONU, vamos reorientar a atuação do Brasil em favor daquilo que é importante para os brasileiros – não do que é importante para as ONGs. Defenderemos a soberania. Defenderemos a liberdade – a liberdade de expressão, a liberdade de crença, a liberdade na internet, a liberdade política. Defenderemos os direitos básicos da humanidade, o principal dos quais talvez seja, se me permitem usar o título de uma novela dos anos 60, o direito de nascer.
Abriremos o Itamaraty para a sociedade, seremos a casa de todos os brasileiros. Muito se escuta que o brasileiro não se interessa por política externa. Na verdade, o brasileiro não se interessava por política externa quando achava que política externa era simplesmente um exercício de estilo, infinitas variações para não dizer nada em um discurso da ONU. Desde a eleição do presidente Bolsonaro, o brasileiro está profundamente interessado e envolvido em política externa, mesmo porque o presidente dá uma atenção enorme a essa área, pois a considera algo profundamente integrado na vida nacional, e não alguma disciplina arcana à qual só teriam acesso alguns especialistas. O brasileiro sente que na frente externa se dá uma das principais, senão a principal batalha pelos seus ideais e valores mais profundos. O brasileiro entende que da frente externa depende em grande medida a sobrevivência e o êxito do projeto de redescoberta e libertação, esta aventura de aletheia eeleuthería que estamos vivendo com amor e com coragem.
Falar com a sociedade não é simplesmente falar, é principalmente ouvir. Vou dar um exemplo do que temos para ouvir. É o comentário de uma pessoa que segue a minha conta do tweeter, que diz o seguinte... li isso ontem: “Antes eu não entendia o amor do povo da Inglaterra pela rainha. Agora entendo. Quando temos alguém que ama seu país e seu povo e os defende, ganha amor e respeito. Não conhecíamos isso antes de Bolsonaro.”
A isso me proponho aqui. Fazer do Itamaraty um instrumento de amor pelo nosso país e pelo nosso povo.
Estou certo de que podemos tornar o Brasil ao mesmo tempo mais competitivo e mais autêntico, ao mesmo tempo mais econômica e comercialmente dinâmico e mais verdadeiro, mais respeitado internacionalmente e mais fiel a si mesmo.
Não deixem o globalismo matar a sua alma em nome da competitividade. Não acreditem no que o globalismo diz quando diz que para ter eficiência econômica é preciso sufocar o coração da pátria e não amar a pátria. Não escutem o globalismo quando ele diz que paz significa não lutar.
Os senhores me perguntarão: e como faremos isso?
Pela palavra.
Acreditemos no poder infinito da palavra, que é o logos criador.
O presidente Jair Bolsonaro está aqui, chegou até aqui, e nós com ele, porque diz o que sente. Porque diz a verdade. E isso é o logos.
Eu vou terminar falando do princípio e citando novamente São João, a abertura do Evangelho de São João, quando diz “en archê ên ho logos”. O princípio era o logos. A palavra. O verbo. Archê, a última palavra em grego que eu vou dizer aqui hoje, significa princípio, tanto no sentido de início, quanto no sentido, principalmente, de força estruturante, princípio estruturante. A realidade, pelo menos a realidade humana, está estruturada em torno da linguagem, da palavra, do verbo, portanto do logos.
Tudo o que temos, tudo de que precisamos, é a palavra. Ela está aprisionada, mas com amor e com coragem havemos de libertá-la.
Que Deus abençoe a todos vocês, aos que crêem e aos que não crêem, aos que estão conosco e aos que ainda não estão conosco. Que Deus abençoe o presidente Jair Bolsonaro e que Deus abençoe o Brasil.
Anuê Jaci!
Muito obrigado.

Peru: uma Lava Jato dentro da Lava Jato peruana? (El País)

O Brasil precisa reforçar sua Lava Jato, pois são muitos os seus inimigos dentro da classe política, entre a alta magistratura e nos meios capitalistas promíscuos.
Paulo Roberto de Almeida
Gramado, 4/01/2019

El País, Madri – 4.1.2019
La corrupción de Odebrecht intenta atrincherarse en Perú
El cese temporal de los fiscales del caso deja en suspenso los interrogatorios sobre la trama
Raúl Tola

Hubo que esperar hasta el 31 de diciembre para que el fiscal de la Nación Pedro Chávarry le diera razón a los persistentes rumores que circulaban desde hacía semanas, concretando el descabezamiento del equipo especial encargado del caso Lava Jato en Perú. Chávarry pretendió aprovechar el ambiente festivo que rodea al último día del año para amortiguar el impacto por la remoción de los reconocidos fiscales Rafael Vela y José Domingo Pérez.
Las pesquisas por la trama de corrupción de las constructoras brasileñas habían alcanzado un inusual dinamismo gracias al trabajo de ambos. Desde que en julio de 2018 asumió su coordinación, Vela se había ocupado de garantizar la independencia y el desempeño del equipo especial. Dentro de este destacaba la figura de José Domingo Pérez, encargado de investigar las donaciones irregulares a las campañas políticas de los expresidentes Pedro Pablo Kuczynski, Alan García, Alejandro Toledo y la excandidata Keiko Fujimori.
Este trabajo pronto se tradujo en resultados tangibles, como el relanzamiento de la negociación para un acuerdo de colaboración eficaz con Odebrecht.Concretado en diciembre último, éste obliga al gigante de la construcción a pagar una indemnización de cerca de 180 millones de dólares, a entregar todas las pruebas sobre los casos de sobornos en los que intervino y a facilitar el interrogatorio a cinco de sus exejecutivos, entre los que se cuenta Jorge Barata, su antiguo representante en Perú. A cambio, obtiene la inmunidad judicial y una autorización para seguir operando en el país.
Pero fueron los logros en los casos de Keiko Fujimori y Alan García —líderes de la oposición y dueños de un enorme poder, que se tradujo en la renuncia del presidente Pedro Pablo Kuczynski en marzo pasado— los que concitaron la mayor atención de la opinión pública, despertando un respaldo mayoritario para Pérez. A Fujimori se la acusa de ser la cabecilla de una organización criminal enquistada dentro de Fuerza Popular —su partido político—, cuyo propósito fue lavar el dinero que Odebrecht le entregó para las elecciones de 2011. Por estas consideraciones, desde hace dos meses cumple prisión preventiva.
Líder indiscutido del Partido Aprista Peruano y dos veces presidente del Perú, Alan García es investigado por tráfico de influencias en la concesión del Metro de Lima —Odebrecht admitió haber desembolsado millonarias coimas para obtenerla— y por el pago de 100.000 dólares a cambio de una conferencia dictada en Brasil que, todo indica, provendrían de la Caja B de la propia empresa de construcción. Ante el avance de estos procesos, García se refugió a escondidas en la embajada de Uruguay en Lima, donde solicitó un asilo políticoque el gobierno de Tabaré Vásquez terminó por negarle. Hoy mismo pesa contra él una orden de impedimento de salida del país.
Pero estos avances empequeñecen frente a las posibilidades que abre el acuerdo de colaboración. Hace poco, el diario O’Globo de Brasil publicó un editorial donde aseguraba que, cuando lleguen, las revelaciones de Odebrecht tendrán consecuencias "devastadoras" sobre la clase política peruana.
Pedro Chávarry no pudo escoger un peor momento y una manera más sospechosa para anunciar la remoción de Rafael Vela y José Domingo Pérez: a unas horas del fin del año, en una conferencia de prensa donde no admitió preguntas, leyendo con voz temblorosa cada una de las palabras que pronunció, justificando su decisión con argumentos personales como las críticas que Pérez ha dedicado a su desempeño como fiscal del país. Al retirar a dos funcionarios que resultaron capitales para negociarlo, a menos de dos semanas de su firma definitiva —fijada para el 11 de enero— y anunciando que haría público su contenido —que ahora mismo debe mantenerse bajo reserva—, parecía decidido a dinamitar el acuerdo de colaboración con Odebrecht.
La conferencia de prensa de Chávarry puso en marcha una vertiginosa cadena de reacciones. A pesar de la fecha, numerosos ciudadanos salieron a las calles del centro de Lima y recibieron el año nuevo mientras marchaban contra la desarticulación del equipo especial. Los medios de comunicación más importantes del país se posicionaron unánimemente contra la medida. Lo mismo hicieron numerosas instituciones públicas y privadas, incluidos varios representantes del Poder Judicial y la misma Fiscalía. Luego de manifestar su rechazo ante la remoción de los fiscales, el presidente Martín Vizcarra anunció que adelantaba su vuelta del Brasil, adonde había viajado para asistir a la toma de mando de Jair Bolsonaro.
Las críticas contra el fiscal general no eran nuevas. Pedro Chávarry había sabido estar en el ojo del huracán desde el mismo día de su nombramiento, cuando se publicó un audio donde se lo oía coordinar una reunión con medios de prensa amiga que había negado en todos los idiomas. Aquella conversación era con César Hinostroza, cabecilla de Los cuellos blancos del puerto, una intrincada mafia de corrupción en el poder Judicial del puerto del Callao en la que ha sido implicado el propio Chávarry. Todo este tiempo fue pública su hostilidad contra el equipo especial Lava Lato, cuyo trabajo ha intentado entorpecer por varios caminos, llegando a anticipar que tenía la potestad de remover a José Domingo Pérez "en cualquier momento", pero que evitaba hacerlo porque podría parecer "una represalia"
Estos controvertidos antecedentes no impidieron que las bancadas de Fuerza Popular y el APRA —con sus líderes puestos contra las cuerdas por el caso Lava Jato— lo sostuvieran al frente del Ministerio Público. Además de justificar sus frecuentes salidas de tono, la alianza de ambos contuvo una y otra vez las denuncias constitucionales presentadas contra el fiscal general. 
Aunque se apresuraron a respaldar la salida de Vela y Pérez, tanto el aprismo como el fujimorismo tuvieron que retroceder. Haciendo eco del cada vez más extendido descontento popular, el presidente Vizcarra aterrizó en Lima anunciando un proyecto de ley para declarar en emergencia al Ministerio Público peruano. Sumada a las fuertes críticas, esta noticia precipitó la declinación de los fiscales elegidos por Chávarry para ocupar las vacantes que quedaban libres en el equipo especial.
El fiscal general comenzó a verse cada vez más aislado y, dos días después de cesarlos, se vio obligado a firmar una resolución donde disponía que Rafael Vela y José Domingo Pérez eran repuestos en sus cargos. El ataque de Chávarry contra el equipo especial se saldaba con un rotundo fracaso, aunque todavía faltaban algunos episodios por ver.
La siguiente en abandonarlo fue nada menos que Keiko Fujimori, quien desde su cuenta de Twitter apoyó a Vizcarra, asegurando que la prisión preventiva la había cambiado: "Es necesario iniciar una reforma integral de una institución que es fundamental para una correcta administración de justicia.Por esa razón invocó a Fuerza Popular a apoyar y priorizar la declaratoria de emergencia del Ministerio Público de forma inmediata". De este modo, intentaba mostrar sus intenciones de no seguir obstruyendo con la justicia, uno de los motivos de peso de su actual detención. El último en pronunciarse fue el APRA que, ante su manifiesta debilidad, pidió la renuncia del fiscal, aunque no apoyó el proyecto de ley de Vizcarra.
Completamente aislado y vencido, se espera que Pedro Chávarry anuncie su salida en cualquier momento. Por lo pronto, el cese temporal de los fiscales Vela y Pérez ha tenido una primera consecuencia negativa, dejando en suspenso la firma de la colaboración eficaz y los interrogatorios de Odebrecht. Se anuncian marchas multitudinarias en todo el país para protestar por su permanencia en el Ministerio Público, para apoyar al equipo especial y para respaldar la lucha contra la corrupción, con el acuerdo con la constructora brasileña como piedra angular.

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4/01/2019


Afastamento da dupla que comandava a investigação abre precedente perigoso, diz comunicado

SÃO PAULO

O afastamento dos dois procuradores peruanos que comandavam a investigação de um esquema de corrupção envolvendo a construtora Odebrecht no país abre um precedente perigoso na América Latina, disse nesta quarta (2) a força-tarefa da Lava Jato no Paraná.

Em nota, os procuradores brasileiros afirmaram que o afastamento fere a independência e a estabilidade de seus colegas peruanos e que este tipo de ação é uma ameaça a investigações de corrupção em todo o mundo.

O procurador-geral do Peru, Pedro Chavarry, anunciou na noite do Ano-Novo a saída dos dois principais nomes da equipe especial responsável pela Lava Jato peruana.

Foram afastados o coordenador do grupo, Rafael Vela, e José Domingo Pérez, que há uma semana tinha ameaçado denunciar o próprio Chavarry por encobrir e obstruir investigações contra Keiko Fujimori, a principal líder da oposição, uma das acusadas de receber propina da empresa brasileira.    

Segundo o procurador-geral, a ação caracterizou uma quebra de hierarquia dentro do Ministério Público e por isso os dois foram afastados. A medida causou uma crise no país que levou o presidente Martín Vizcarra a deixar Brasília de emergência, onde estava para a posse de Jair Bolsonaro, e retornar a Lima.

Vizcarra é contrário a mudança na investigação, mas não tem poder para afastar Chavarry, que foi escolhido para o cargo pela cúpula do Ministério Público local.

Segundo a força-tarefa da Lava Jato no Brasil, o afastamento da dupla de procuradores foi feito por "motivo frágil", que coloca em risco o trabalho já feito e mina a credibilidade da equipe.

"Quando investigações envolvem políticos e autoridades públicas e têm um efeito dominó em potencial, podendo vir a atingir um grande número de poderosos como aconteceu no Brasil, elas precisam ter um grau de independência inquestionável", diz o comunicado.

"Garantir tal independência é absolutamente imprescindível para evitar que interesses não republicanos prejudiquem a efetividade, a integridade, os resultados, a imparcialidade ou a credibilidade da investigação", completa a nota.

Os procuradores brasileiros disseram ainda que a saída da dupla pode prejudicar a cooperação internacional entre Brasil e Peru na investigação do caso.

Além de Keiko, também são investigados quatro ex-presidentes do país por suspeita de terem participado do esquema de corrupção:  Alejandro Toledo (2001-2006), que fugiu para os Estados Unidos e enfrenta um pedido de extradição; Ollanta Humala (2011-2016), que ficou preso por nove meses com sua esposa Nadine; Alan García (1985-1990, 2006-2011), que pediu asilo na embaixada do Uruguai e teve o pedido negado; e Pedro Pablo Kuczynski (2016-2018), que renunciou em março, alvo de denúncias de corrupção.


Após críticas e protestos, procurador-geral revoga demissão dos promotores do caso Odebrecht

Os promotores encarregados de chefiara chamada Lava-Jato peruana foram devolvidos a seus cargos, após severas críticas à decisão do procurador-geral do país, Pedro Gonzalo Chávarry, de demiti-los. Uma resolução do Ministério Público do Peru entregue à imprensa ontem comunicou que estão “completamente sem efeito” as demissões dos promotores Rafael Vela e José Domingo Pérez, no caso que investiga a Odebrecht.

Chávarry estava sob severas críticas pela surpreendente demissão dos dois, realizada a quatro horas da virada do ano. Os desligamentos motivaram uma onda de protestos no país e levaram o presidente peruano, Martín Vizcarra, a voltar às pressas de Brasília para Lima, faltando à cerimônia de posse de Jair Bolsonaro. Ontem, Vizcarra ameaçou enviar um projeto de lei ao Congresso declarando uma intervenção no Ministério Público do país, por obstruir as investigações.

A sensação geral é de que Chávarry favoreceu a impunidade com a remoção dos promotores, indicados em julho do ano passado. Eles investigam supostos vínculos da Odebrecht com quatro ex-presidentes peruanos.

Chávarry é investigado por suspeita de ligações com uma rede de corrupção no Judiciário. Em julho, a sua situação se complicou, coma divulgação de áudios que mostravam a existência de uma rede de venda de sentenças judiciais da qual ele fari aparte. O procurador-geral justificou as demissões soba alegação de que os dois promotores violaram o princípio da hierarquia no Ministério Público.

Os promotores indicados para substituir Vela e Pérez já tinham anunciado que se recusariam a aceitar as nomeações, “pelo bem da instituição e para que as investigações não sejam prejudicas”, segundo disse a jornalistas o procurador Marcial Paúcar, que foi indicado junto de Frank Almanza.

A força-tarefada Lava-Jato em Curitiba divulgou nota manifestando preocupação coma destituição dos peruanos. Os procuradores brasileiros afirmaram que os promotores peruanos “têm feito com sucesso a interlocução coma empresa Odebrecht e com as autoridades brasileiras para viabilizar depoimentos e produção de provas”.


Af orça-tarefa de Curitiba manifestou “apoio irrestrito aos promotores coordenados por Vela” e afirmou que a destituição deste e de Pérez “levanta dúvidas sobre a imprescindível garantia de independência com que investigações desse vulto estão sendo conduzidas, o que pode ter implicações internacionais”.

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

A nova diplomacia brasileira e o papel do Itamaraty - Bruno Boghossian (FSP)

Itamaraty pode virar departamento de relações públicas da direita

Chanceler quer pautar ministério por valores sem conexão com política externa

Bruno Boghossian

O chanceler Ernesto Araújo quer transformar o Itamaraty em um mero departamento de relações públicas da direita. O ministro mostrou em seu discurso de posse que pretende mover as ligações do Brasil com o mundo a partir de valores conservadores que não têm conexão com a política externa.
Sob a justificativa de reparar uma influência excessiva do globalismo e dos governos de esquerda, o novo chanceler promete atar novos laços a partir de agora. Crítico ferrenho do PT, que já chamou de “Partido Terrorista”, Araújo corre o risco de repetir e exacerbar justamente aquilo que ataca em seus opositores.
O ministro considera inimigos “quem odeia Deus” e “quem diz que não existem homens e mulheres”. Até onde se sabe, discussões teológicas e sobre discriminação sexual não fazem parte das atribuições do Itamaraty e não norteiam sua política.
No discurso, Araújo ainda disse que o ministério deveria se pautar por liberdades. “A principal delas, se me permitem citar uma novela dos anos 60, é o direito de nascer”, disse. Nos EUA, modelo do bolsonarismo, o aborto é um direito constitucional referendado pela Suprema Corte.
Embora repise o argumento de que o Brasil não deve se curvar à ordem global, valorizando seus próprios interesses, o chanceler parece mais interessado em ganhar pontos num clube conservador. Além dos americanos e dos israelenses, seus amigos são líderes de direita da Itália, da Polônia e da Hungria.
Araújo diz que a política externa dos anos petistas era submissa à agenda da esquerda, mas agora ameaça cair no extremo oposto. Ou alguém acha que Bolsonaro vai abrir os olhos e criticar as interferências autoritárias do premiê húngaro Viktor Orbán no Judiciário?
O chanceler recita com destreza a cartilha e as falsas polêmicas do ideólogo Olavo de Carvalho para dizer que pretende combater a contaminação ideológica no Itamaraty. Diz também que Bolsonaro está libertando o Brasil. Pelo visto, o país ficará preso em uma bolha diferente.

Globalistas e soberanistas - Hoenir Sarthou

Globalistas versus soberanistas por Hoenir Sarthou

Globalistas versus soberanistas por Hoenir Sarthou
En los años 60 y principios de los 70, las cosas eran claras: se era “de izquierda” o se era “de derecha”. Ese eje nítido tendía a subsumir cualquier otra dicotomía ideológica y, simplificando un poco, ponía de un lado a los partidarios del socialismo estatista y de la economía centralizada y planificada, y, del otro, a los partidarios de la propiedad e iniciativa privadas y de la economía de mercado.
Pasada la dictadura, quizá desde fines de los años 80 o principios de los 90, las cosas se hicieron menos claras. Apareció en debate otro eje: el de las libertades y derechos humanos e identitarios. Los “nuevos derechos” y las reivindicaciones identitarias (primero mujeres, luego gays, trans, minorías raciales, consumidores de marihuana, etc) conformaron el nuevo eje. Y en torno a él se perfilaron dos tendencias: la “tradicional- conservadora”, y la “liberal-progresista” (esos nombres no van a gustar a tirios ni a troyanos, pero de alguna forma hay que referirse a esas sensibilidades contrapuestas).
Lo complejo es que el surgimiento de un nuevo eje no anula al anterior. Así, hay gente “de derecha” que es liberal-progresista en las costumbres. Y hay izquierdistas que son tradicional-conservadores en materia de derechos y costumbres. Y viceversa en los dos casos.
Lo que definitivamente complica el panorama en esta segunda década del Siglo XXI es la aparición de un tercer eje, conformado en torno a la globalización.
La llamada “globalización” es un fenómeno todavía en curso, que no podemos describir del todo por falta de perspectiva. Tiene origen en la formidable acumulación de capital y de tecnología ocurrida entre fines del Siglo XX y comienzos del XXI. Por primera vez en la historia, ciertos intereses económicos particulares tienen la capacidad de tomar decisiones que pueden afectar al planeta entero.
Las políticas financieras, la tierra, el agua, los recursos energéticos y alimentarios, el valor del dinero, las guerras y el aparato militar, la situación ambiental, la información que circula por los medios formales e informales de comunicación, las políticas estatales, la investigación científica y social, los contenidos ideológicos implícitos en la formación impartida por muchas universidades, e incluso el discurso de los organismos internacionales (ONU, Banco Mundial, etc.), están cada vez más determinados por corporaciones económicas sin asiento territorial determinado. Además, una sofisticada ingeniería societaria hace difícil saber quién controla realmente a esas corporaciones.
Pero la globalización no es ya sólo un fenómeno económico. Los Estados –incluso los muy poderosos- son cada vez más débiles frente al empuje imparable de las corporaciones. Así, las decisiones políticas y los ordenamientos jurídicos se someten, a menudo sin violencia, a los tratados, los criterios de “gobernanza”, las normas y tribunales internacionales y los “protocolos de buenas prácticas” que promueven, financian y exigen las corporaciones como requisitos para recibir inversión y no quedar “aislado del mundo”.
No menos fuerte es la globalización ideológica y cultural. No hablamos sólo de publicidad o de influencia directa. Las donaciones, becas y proyectos de investigación financiados por ciertas fundaciones (Ford, Rockefeller, Soros, etc.) son en gran medida un traspaso de dinero del mundo corporativo al mundo académico e intelectual. Traspaso con condiciones, claro. Porque quien financia la investigación determina qué se investiga, y, a menudo, a qué conclusión se llega. No es de extrañarse, entonces, que en todas partes del mundo se impongan las mismas modas ideológicas y convicciones “científicas”. Si la financiación es la misma, las conclusiones tienden a ser las mismas. Lo cierto es que las convenciones ideológicas que rigen al mundo no son ya delineadas por los Estados o los gobiernos, sino por los “tanques de ideas” de las corporaciones y por los científicos, intelectuales y artistas financiados por ellas.
Pero toda acción genera una reacción. La globalización genera también resistencias locales que, a los efectos de este artículo, identificaré como resistencias “soberanistas”, porque, bajo la forma de movimientos de protesta, acciones judiciales, denuncias ambientales y afirmación de tradiciones culturales, reivindican la soberanía institucional, económica, ambiental y cultural sobre un territorio que, al menos en teoría, fue hasta hace poco un Estado. Lo que para el globalismo es “abrirse al mundo”, para el soberanismo es el avasallamiento del espacio republicano de decisión democrática y la destrucción de una tradición cultural.
La dicotomía globalismo – soberanismo, sin anular otros ejes ideológicos, explica algunas cosas. Por ejemplo, que gente que se proclama “de izquierda” se muestre proclive a la inversión extranjera, a la “apertura económica al mundo”, y confíe en organismos como la ONU o el Banco Mundial. O que gente que se considera “de derecha” abomine de la megainversión extranjera y reclame al Estado que la limite, la regule y le cobre impuestos. También explica otros cruces llamativos. Como que gente que es liberal-progresista en las costumbres desconfíe de la nueva agenda de derechos por su vinculación con el capital financiero global. O que gente tradicional-conservadora, como algunos de nuestros legisladores blancos, vote sin chistar la nueva agenda de derechos porque está respaldada por la ONU y cuenta con financiación corporativa.
Cabe preguntarse si el eje globalismo – soberanismo estará llamado a provocar una revolución copernicana en los sistemas políticos nacionales.
En Uruguay, por el momento, no aparece explícito en el debate político formal. Ninguno de los partidos con peso parlamentario se proclama antiglobalista o soberanista.
Sin embargo, el tema late con fuerza en ciertos reclamos ciudadanos y lo hará más en los conflictos sociales, ambientales, tributarios, jurídicos, educativos, culturales, tecnológicos y laborales que se adivinan para un futuro nada lejano.
Quizá la pregunta sea cuánto tardaremos en asumirlo y en referirnos a él con nombre y apellido.

Duas ou Tres Coisas: Francisco Seixas da Costa sobre a Regra e a Exceção...


Duas ou Três Coisas

quinta-feira, 3 de janeiro de 2019


Diplomacia brasileira

A diplomacia brasileira, ao longo dos anos, sob lideranças políticas muito diversas, tem sabido garantir ao país um lugar importante no sistema internacional.
Encontrei frequentemente, nos colegas brasileiros com quem me cruzei, alguns excelentes profissionais, conhecedores profundos do seu “métier”, capazes de cruzar os interesses - permanentes ou conjunturais - do seu país, com a evolução da sociedade global, na tentativa de nela preservar ao Brasil um papel de prestígio.
Ontem, ao ouvir o discurso do novo chefe da diplomacia brasileira, ele próprio um diplomata, confirmei a consabida regra de que não há regra sem exceção.


Lima Barreto: Policarpo Quaresma (extrato)

(...)
Durante os lazeres burocráticos, estudou, mas estudou a Pátria, nas suas riquezas naturais, na sua história, na sua geografia, na sua literatura e na sua política. Quaresma sabia as espécies de minerais, vegetais e animais que o Brasil continha; sabia o valor do ouro, dos diamantes exportados por Minas, as guerras holandesas, as batalhas do Paraguai, as nascentes e o curso de todos os rios.
Defendia com azedume e paixão a proeminência do Amazonas sobre todos os demais rios do mundo. Para isso ia até ao crime de amputar alguns quilômetros ao Nilo e era com este rival do "seu" rio que ele mais implicava. Ai de quem o citasse na sua frente! Em geral, calmo e delicado, o major ficava agitado e malcriado, quando se discutia a extensão do Amazonas em face da do Nilo.
Havia um ano a esta parte que se dedicava ao tupi-guarani. Todas as manhãs, antes que a "Aurora, com seus dedos rosados abrisse caminho ao louro Febo", ele se atracava até ao almoço com o Montoya, Arte y diccionario de la lengua guaraní ó más bien tupí, e estudava o jargão caboclo com afinco e paixão.
Na repartição, os pequenos empregados, amanuenses e escreventes, tendo notícia desse seu estudo do idioma tupiniquim, deram não se sabe por que em chamá-lo — Ubirajara.
Certa vez, o escrevente Azevedo, ao assinar o ponto, distraído, sem reparar quem lhe estava às costas, disse em tom chocarreiro: "Você já viu que hoje o Ubirajara está tardando?"
Quaresma era considerado no arsenal: a sua idade, a sua ilustração, a modéstia e honestidade de seu viver impunham-no ao respeito de todos.
Sentindo que a alcunha lhe era dirigida, não perdeu a dignidade, não prorrompeu em doestos e insultos.
Endireitou-se, concertou o pince-nez, levantou o dedo indicador no ar e respondeu: —Senhor Azevedo, não seja leviano. Não queira levar ao ridículo aqueles que trabalham em silêncio, para a grandeza e a emancipação da Pátria.
(...)
Leiam a íntegra aqui: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/bv000159.pdf

Franz Kafka: A Metamorfose (extrato)

Numa manhã, ao despertar de sonhos inquietantes, Gregório Samsa deu por si na cama transformado num gigantesco inseto. Estava deitado sobre o dorso, tão duro que parecia revestido de metal, e, ao levantar um pouco a cabeça, divisou o arredondado ventre castanho dividido em duros segmentos arqueados, sobre o qual a colcha dificilmente mantinha a posição e estava a ponto de escorregar. Comparadas com o resto do corpo, as inúmeras pernas, que eram miseravelmente finas, agitavam-se desesperadamente diante de seus olhos. Que me aconteceu ? — pensou. Não era nenhum sonho. O quarto, um vulgar quarto humano, apenas bastante acanhado, ali estava, como de costume, entre as quatro paredes que lhe eram familiares. Por cima da mesa, onde estava deitado, desembrulhada e em completa desordem, uma série de amostras de roupas: Samsa era caixeiro-viajante, estava pendurada a fotografia que recentemente recortara de uma revista ilustrada e colocara numa bonita moldura dourada. Mostrava uma senhora, de chapéu e estola de peles, rigidamente sentada, a estender ao espectador um enorme regalo de peles, onde o antebraço sumia! Gregório desviou então a vista para a janela e deu com o céu nublado — ouviam-se os pingos de chuva a baterem na calha da janela e isso o fez sentir-se bastante melancólico. Não seria melhor dormir um pouco e esquecer todo este delírio? — cogitou. Mas era impossível, estava habituado a dormir para o lado direito e, na presente situação, não podia virar-se. Por mais que se esforçasse por inclinar o corpo para a direita, tornava sempre a rebolar, ficando de costas. Tentou, pelo menos, cem vezes, fechando os olhos, para evitar ver as pernas a debaterem-se, e só desistiu quando começou a sentir no flanco uma ligeira dor entorpecida que nunca antes experimentara. Oh, meu Deus, pensou, que trabalho tão cansativo escolhi! Viajar, dia sim, dia não. É um trabalho muito mais irritante do que o trabalho do escritório propriamente dito, e ainda por cima há ainda o desconforto de andar sempre a viajar, preocupado com as ligações dos trens, com a cama e com as refeições irregulares, com conhecimentos casuais, que são sempre novos e nunca se tornam amigos íntimos. Diabos levem tudo isto! Sentiu uma leve comichão na barriga; arrastou-se lentamente sobre as costas, — mais para cima na cama, de modo a conseguir mexer mais facilmente a cabeça, identificou o local da comichão, que estava rodeado de uma série de pequenas manchas brancas cuja natureza não compreendeu no momento, e fez menção de tocar lá com uma perna, mas imediatamente a retirou, pois, ao seu contato, sentiu-se percorrido por um arrepio gela- do. Voltou a deixar-se escorregar para a posição inicial. Isto de levantar cedo, pensou, deixa a pessoa estúpida. Um homem necessita de sono.
(...)
Ler a íntegra aqui: http://www.dominiopublico.gov.br/download/texto/ua00106a.pdf