O que é este blog?

Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida;

Meu Twitter: https://twitter.com/PauloAlmeida53

Facebook: https://www.facebook.com/paulobooks

domingo, 29 de agosto de 2021

A restauração da diplomacia na gestão atual - Leonardo Lellis (Revista Veja)

 Política

Carlos França retoma pragmatismo no Itamaraty para reconstruir pontes

  • Após encontrar uma pasta contaminada pelos delírios ideológicos do bolsonarismo, chanceler tenta recuperar o diálogo com parceiros

Ainda na campanha eleitoral, o presidente Jair Bolsonaro fez uma das promessas que viria a descumprir assim que empossado no cargo: retirar o que considerava ser “viés ideológico” das relações exteriores do Brasil. Aconteceu exatamente o contrário. Nomeou Ernesto Araújo, que pautou a condução de sua política externa pelas teorias conspiratórias do escritor Olavo de Carvalho, priorizou relações com governos à imagem e semelhança de seu ideário ultraconservador e criou atritos com parceiros históricos até o ponto em que a sua permanência se tornou insustentável. Agora, o chanceler Carlos França, que se aproxima de completar cinco meses à frente do Itamaraty, tenta consertar o estrago. Ainda que empreendida de forma discreta, a mudança é sentida tanto nas questões internas quanto nos discursos e gestos de aproximação de países antes hostilizados. “O ministro trabalha para reconstruir as pontes que foram dinamitadas e recuperar o nível de confiança no Itamaraty”, obser­va Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington.

O sinal dos novos tempos foi dado já no discurso de posse, quando França se descolou do negacionismo do antecessor ao reconhecer a gravidade das crises ambiental e sanitária. Em um movimento interno, trocou o comando da Fundação Alexandre de Gusmão (Funag). De respeitado órgão dedicado às questões acadêmicas, ele havia se tornado na gestão Araújo uma máquina de promover desinformação sobre a Covid-19 e espalhar boatos conspiratórios associando a China à disseminação da doença. As sandices foram tantas num passado recente que a Funag acabou entrando no radar das investigações da CPI da Pandemia. Cicerone de olavistas e suas teses nos eventos que promovia, o presidente Roberto Goida­nich foi exonerado por França.

FORA DO CIRCUITO - Eduardo Bolsonaro (em visita a Donald Trump) e o assessor Filipe Martins (abaixo, com o guru Olavo de Carvalho): eles perderam o espaço que tinham com Ernesto Araújo e a influência na política externa -
FORA DO CIRCUITO – Eduardo Bolsonaro (em visita a Donald Trump) e o assessor Filipe Martins (abaixo, com o guru Olavo de Carvalho): eles perderam o espaço que tinham com Ernesto Araújo e a influência na política externa – @bolsonaro.enb/Facebook; @filgmartin/Instagram

O movimento mais delicado até aqui envolveu afastar gradativamente do raio de influência do Itamaraty dois nomes de maior peso, a começar pelo assessor especial da Presidência, Filipe Martins, outro discípulo de Olavo. Nos tempos de Araújo, dizia-se que Martins, um dos mais empenhados na cruzada ultraconservadora, tinha mais poder que o próprio ministro e havia se tornado até um conselheiro influente do presidente. Hoje, França nem sequer o recebe em seu gabinete. Com o deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), o ministro tem apenas uma relação protocolar. A frieza é recíproca: se cada gesto de Araújo era celebrado e replicado pela dupla para a horda de seguidores no Twitter, França não conta com a mesma deferência. Apesar disso, Martins e o filho Zero Três do presidente continuam com a pretensão de terem interlocução fora das fronteiras, mas hoje ela se resume a laços com o ex-­presidente americano Donald Trump e movimentos internacionais de direita — um exemplo é a organização da CPAC, evento de extrema direita que acontece nos dias 3 e 4 setembro em Brasília (e que terá entre os palestrantes o próprio Ernesto).

Com o afastamento da dupla e da influência olavista na pasta, diplomatas e servidores celebram nos corredores do Itamaraty que o clima de caça às bruxas tenha se dissipado. O mesmo alívio se nota nas relações com outros países. Foi França, por exemplo, quem convenceu o presidente a escrever uma carta a Joe Biden para reduzir as desconfianças em relação à política ambiental brasileira. Também são marcas dessa inflexão a posição em organismos internacionais. O país se absteve de votar pela abertura de investigação contra Israel por crimes de guerra em Gaza, aprovada no Conselho de Direitos Humanos da ONU, e para condenar o embargo econômico a Cuba. “Essas abstenções já representam uma guinada que seria inimaginável sob Ernesto Araújo”, diz o professor da FGV Guilherme Casarões, especialista em relações internacionais.

HISTÓRICO - Oswaldo Aranha: o brasileiro preside a Assembleia-Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina em 1947 -
HISTÓRICO - Oswaldo Aranha: o brasileiro preside a Assembleia-Geral da ONU que definiu a partilha da Palestina em 1947 – Bettmann Archive/Getty Images

Considerando-se a lista de problemas criados pela gestão anterior, o maior trabalho até o momento tem sido normalizar as relações com a China, o principal parceiro comercial e alvo dos piores ataques de membros do governo, incluindo o próprio Araújo. “O diálogo está restabelecido e agora há mais boa vontade por parte da China, mas a desconfiança está plantada”, pondera o diplomata Valdemar Carneiro Leão, ex-embaixador em Pequim. O primeiro chanceler a receber um telefonema do novo ministro foi o chinês Wang Yi. “O embaixador da China no Brasil mantém contatos frequentes com o chanceler brasileiro, que tem reiterado que as relações com a China são uma prioridade da diplomacia brasileira e que o relacionamento bilateral é amplo, mutuamente benéfico e estratégico”, relata o porta-voz da embaixada chinesa, Qu Yuhui. Os dois países se preparam para promover, ainda neste ano, a reunião de cúpula da Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação (Cosban). Entre representantes do agronegócio, a sensação é de otimismo por poder projetar um futuro com menos solavancos com o maior destino de nossas exportações. O mesmo se dá com o papel ativo que o Itamaraty passou a exercer na busca de imunizantes contra a Covid-19, ao contrário de Araújo. França se reuniu com o colega chinês na primeira reunião do Fórum Internacional sobre Cooperação em Vacinas.

Sob todos os aspectos e frentes, trabalho não falta. Mesmo a relação com aliados históricos está sendo refeita, como com a Argentina, onde o presidente Alberto Fernández tem a oposição de Bolsonaro desde a sua campanha. Existem questões práticas a resolver com os hermanos, como diminuir as resistências à redução da tarifa externa comum do Mercosul. Para avançar nas discussões, França se reuniu três vezes com Felipe Solá, ministro das Relações Exteriores argentino. No Senado, fonte das pressões que levaram à queda de Araújo, França também tenta recompor o diálogo. Já participou de duas reuniões convocadas pela senadora Kátia Abreu (PP-TO), presidente da Comissão de Relações Exteriores, que processou Ernesto por insinuar que ela fazia lobby em favor dos chineses — ela venceu.

OSTRACISMO - Ernesto Araújo: a atuação se resume a dar palestra para radicais -
OSTRACISMO - Ernesto Araújo: a atuação se resume a dar palestra para radicais – Evan Vucci/AP/Imageplus/.

O desafio maior do novo chanceler é avançar ainda mais nessa faxina diplomática, já que ele não pode contrariar frontalmente as diretrizes do Palácio do Planalto. “Não vejo como França será capaz de melhorar a posição do Brasil internacionalmente. Qualquer grande mudança terá de vir de Bolsonaro, e isso também provavelmente não terá credibilidade. A visão em Washington é a de que o Brasil hoje é mal administrado em muitas frentes e, provavelmente, incapaz de mudar enquanto Bolsonaro estiver na Presidência”, avalia o brasilianista Peter Hakim, presidente emérito do Diálogo Interamericano, instituição dedicada a discutir a América Latina.

Muito embora não possa ter sucesso na impossível tarefa de controlar o presidente, França tem a seu favor a proximidade que alcançou ao conviver com Bolsonaro quando era chefe de cerimonial do Palácio do Planalto. Não estimular os arroubos presidenciais e costurar nos bastidores já é um bom começo para que o Itamaraty retome um rumo mais razoável. A relevância histórica do Brasil na área de relações internacionais foi delineada desde que o Barão do Rio Branco atuou para definir as fronteiras do país e teve momentos grandiosos como o papel de Oswaldo Aranha na Assem­bleia-Geral da ONU em 1947 que definiu a partilha da Palestina e abriu caminho para o Estado de Israel. O que se espera é que o Itamaraty reencontre a sua história de respeito às outras nações e devolva ao Brasil o protagonismo que o país se esforçou por décadas para construir.

Publicado em VEJA de 1 de setembro de 2021, edição nº 2753


sábado, 28 de agosto de 2021

O fim da hegemonia americana - Francis Fukuyama

O fim da hegemonia americana

O Afeganistão não marca o fim da era americana; o desafio para sua posição global é a polarização política em casa, diz um especialista em política externa.

 Francis Fukuyama


As imagens horripilantes de afegãos desesperados tentando sair de Cabul nesta semana, após o colapso do governo apoiado pelos Estados Unidos, evocaram uma importante conjuntura na história mundial, quando a América se afastou do mundo.  A verdade é que o fim da era americana havia chegado muito antes.  As fontes de longo prazo da fraqueza e declínio americanos são mais domésticas do que internacionais.  O país continuará sendo uma grande potência por muitos anos, mas o quão influente ele será depende de sua capacidade de resolver seus problemas internos, ao invés de sua política externa.

 O período de pico da hegemonia americana durou menos de 20 anos, desde a queda do Muro de Berlim em 1989 até em torno da crise financeira em 2007-09.  O país era dominante em muitos domínios de poder na época - militar, econômico, político e cultural.  O auge da arrogância americana foi a invasão do Iraque em 2003, quando esperava poder refazer não apenas o Afeganistão (invadido dois anos antes) e o Iraque, mas todo o Oriente Médio.

 O país superestimou a eficácia do poder militar para provocar mudanças políticas fundamentais, ao mesmo tempo que subestimou o impacto de seu modelo econômico de mercado livre nas finanças globais.  A década terminou com suas tropas atoladas em duas guerras de contra-insurgência e uma crise financeira internacional que acentuou as enormes desigualdades que a globalização liderada pelos Estados Unidos trouxe.

 O grau de unipolaridade neste período tem sido relativamente raro na história, e o mundo tem voltado a um estado mais normal de multipolaridade desde então, com China, Rússia, Índia, Europa e outros centros ganhando poder em relação à América.  O efeito final do Afeganistão na geopolítica provavelmente será pequeno.  A América sobreviveu a uma derrota anterior e humilhante quando se retirou do Vietnã em 1975, mas rapidamente recuperou seu domínio em pouco mais de uma década e hoje trabalha com o Vietnã para conter o expansionismo chinês.  A América ainda tem muitas vantagens econômicas e culturais que poucos outros países podem igualar.

 O desafio muito maior para a posição global da América é doméstico: a sociedade americana é profundamente polarizada e tem dificuldade em encontrar consenso sobre praticamente qualquer coisa.  Essa polarização começou com questões convencionais de política, como impostos e aborto, mas desde então se transformou em uma luta amarga pela identidade cultural.  A demanda por reconhecimento por parte de grupos que se sentem marginalizados pelas elites foi algo que identifiquei há 30 anos como o calcanhar de Aquiles da democracia moderna.  Normalmente, uma grande ameaça externa, como uma pandemia global, deve ser a ocasião para os cidadãos se reunirem em torno de uma resposta comum;  a crise do covid-19 serviu mais para aprofundar as divisões da América, com o distanciamento social, o uso de máscaras e agora as vacinas sendo vistas não como medidas de saúde pública, mas como marcadores políticos.

 Esses conflitos se espalharam por todos os aspectos da vida, dos esportes às marcas de produtos de consumo que os americanos vermelhos e azuis compram.  A identidade cívica que se orgulhava da América como uma democracia multirracial na era pós-direitos civis foi substituída por narrativas de guerra entre 1619 e 1776 - isto é, se o país é fundado na escravidão ou na luta pela liberdade.  Esse conflito se estende às realidades separadas que cada lado acredita ver, realidades nas quais a eleição em novembro de 2020 foi uma das mais justas da história americana ou então uma fraude maciça que levou a uma presidência ilegítima.


 Ao longo da guerra fria e no início dos anos 2000, havia um forte consenso da elite na América a favor da manutenção de uma posição de liderança na política mundial.  As guerras opressivas e aparentemente intermináveis ​​no Afeganistão e no Iraque irritaram muitos americanos não apenas em lugares difíceis como o Oriente Médio, mas também no envolvimento internacional em geral.

 A polarização afetou a política externa diretamente.  Durante os anos de Obama, os republicanos assumiram uma postura agressiva e castigaram os democratas pela “reinicialização” russa e pela alegada ingenuidade em relação ao presidente Putin.  O ex-presidente Trump virou a mesa ao abraçar abertamente Putin, e hoje cerca de metade dos republicanos acredita que os democratas constituem uma ameaça maior ao modo de vida americano do que a Rússia.  Um âncora conservador de notícias de televisão, Tucker Carlson, viajou a Budapeste para celebrar o autoritário primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orban;  “Possuir a liberdade” (isto é, antagonizar a esquerda, uma frase de efeito da direita) era mais importante do que defender os valores democráticos.

 Há um consenso mais aparente em relação à China: tanto os republicanos quanto os democratas concordam que ela é uma ameaça aos valores democráticos.  Mas isso só leva a América até certo ponto.  Um teste muito maior para a política externa americana do que o Afeganistão será Taiwan, se estiver sob ataque chinês direto.  Estarão os Estados Unidos dispostos a sacrificar seus filhos e filhas em nome da independência dessa ilha?  Ou, de fato, os Estados Unidos arriscariam um conflito militar com a Rússia caso esta invadisse a Ucrânia?  Essas são questões sérias sem respostas fáceis, mas um debate fundamentado sobre o interesse nacional americano provavelmente será conduzido principalmente pela lente de como isso afeta a luta partidária.

 A polarização já prejudicou a influência global da América, bem longe de testes futuros como esses.  Essa influência dependia do que Joseph Nye, um estudioso de política externa, rotulou de “soft power”, ou seja, da atratividade das instituições e da sociedade americanas para as pessoas ao redor do mundo.  Esse apelo diminuiu muito: é difícil para alguém dizer que as instituições democráticas americanas têm funcionado bem nos últimos anos ou que qualquer país deveria imitar o tribalismo político e a disfunção dos Estados Unidos.  A marca registrada de uma democracia madura é a capacidade de realizar transferências pacíficas de poder após as eleições, um teste em que o país falhou espetacularmente em 6 de janeiro.

 O maior desastre político do governo do presidente Joe Biden em seus sete meses de mandato foi o fracasso em planejar adequadamente o rápido colapso do Afeganistão.  Por mais impróprio que tenha sido, isso não mostra a sensatez da decisão subjacente de se retirar do Afeganistão, que pode, no final, ser a acertada.  Biden sugeriu que a retirada era necessária para nos concentrarmos em enfrentar os desafios maiores da Rússia e da China no futuro.  Espero que ele esteja falando sério sobre isso.  Barack Obama nunca teve sucesso em fazer um “pivô” para a Ásia porque os Estados Unidos permaneceram focados na contra-insurgência no Oriente Médio.  O atual governo precisa redistribuir recursos e a atenção dos formuladores de políticas de outros lugares para dissuadir rivais geopolíticos e se envolver com aliados.

 É improvável que os Estados Unidos recuperem seu status hegemônico anterior, nem deveriam aspirar a isso.  O que ela pode esperar é sustentar, com países com ideias semelhantes, uma ordem mundial favorável aos valores democráticos.  Se conseguirá fazer isso, não dependerá de ações de curto prazo em Cabul, mas da recuperação de um senso de identidade nacional e propósito em casa.

 ___

 Francis Fukuyama é pesquisador sênior do Instituto Freeman Spogli de Estudos Internacionais de Stanford e diretor Mosbacher do Centro de Democracia, Desenvolvimento e Estado de Direito.

sexta-feira, 27 de agosto de 2021

200 Anos de Independência do Brasil: A revolução do Porto (1820) e Deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa (1821) - Exposição virtual na CD


 Duas publicações digitais: 

Catálogo 1: Memória da Exposição: A Revolução do Porto, 1820

https://pt.calameo.com/read/006654907d2490491bba0 

e  

Catálogo 2: Os deputados brasileiros nas Cortes de Lisboa, 1821

https://pt.calameo.com/read/00665490727a79c00db84


Exposição virtual: “Ocupação Portinari – Drummond”, em Itabira, por Afonso Borges: não percam



O amigo Afonso Borges, inexcedível promotor cultural, me envia esta excelente notícia sobre a maravilhosa exposição da qual ele é o curador, que acabo de visitar virtualmente, no seguinte link: 

https://flitabira.com.br/tour360/ 


Gente, quero contar uma coisa muito importante para vocês. Apresentamos aqui o fruto de um trabalho imenso, no sentido de democratizar o acesso à cultura e mandar para o mundo a “Ocupação Portinari – Drummond”, instalada na Praça do Areião, na cidade mineira de Itabira. Com o “Tour 360” qualquer pessoa pode visitar a exposição sem sair de casa. Além do mais, contém o Educativo, para alunos (Prêmio de Redação) e professores (Aulas Livres). Importante: feito por Esdras Vinícius, dono de uma empresa de soluções em tecnologia da própria cidade de Itabira. O meu melhor agradecimento ao Instituto Cultural Vale, por acreditar. O Flitabira vai acontecer entre 26 e 31 de outubro. Grato, Afonso Borges.
 
 
 

 
© 2021 Associação Cultural Sempre um Papo
 






Percival Puggina é desonesto: acha que a culpa do fracasso do governo Bolsonaro é dos outros; Ricardo Bergamini contesta corretamente; eu também

Percival Puggina é um conservador. Isso todo mundo sabe, e ninguém lhe contesta esse direito. Mas, mesmo sendo conservador, ou até reacionário e bolsonarista fundamentalista, poderia ao menos se ater à verdade dos fatos.

O fracasso retumbante do governo Bolsonaro não cabe apenas, ou essencialmente, aos outros, a todos os outros, menos a ele próprio. As oposições fazem o seu dever, em qualquer governo: ser oposição. Dizer que elas se opõem, ou que se opuseram ao governo Bolsonaro, é chover no molhado.

Agora, dizer que o Centrão é oposição ao governo Bolsonaro é de uma falta de caráter tremenda, pois este Centrão, como qualquer Centrão, em qualquer governo, está sempre com o governo, com qualquer governo, mas basicamente consigo mesmo, o que também é evidente.

Falar em ministério "técnico" é apenas uma meia verdade, e mesmo os "técnicos" deveriam ter vergonha de servir a um governo negacionista, a um chefe de governo psicopata perverso, como revelado nos números de vítimas da pandemia, aspecto que Percival Puggina NUNCA comenta. Ou ele aprova soluções anti-ciência, como o degenerado pratica? Se sim, é mais falta de caráter.

Dizer, por fim, que o presidente propõe, encomenda, mas que não entrega, porque não lhe deixam, é também falta de caráter tremenda. Basta ver tudo o que propôs e andou para a frente: o presidente propôs armamentismo e foi cumprido. Quis flexibilizar regras de trânsito e se fez. Propôs destruir a natureza, ignorar o destino dos indígenas e foi cumprido. Quis desmantelar a política externa e conseguiu. Propôs o fim da luta contra a corrupção – que atinge GRAVEMENTE a si e sua inteira família, todas elas – e foi mais do que cumprido, abundantemente cumprido por um Congresso que esperava isso mesmo dele, inclusive os petistas. Propôs, implicitamente, imunidade de rebanho e foi cumprido, com quase 600 mil mortos até aqui. Propôs acabar com a cultura e teve resultados tremendos, na educação e nas verbas para C&T também, tremendamente. Tudo isso ele fez, quase sem oposição, e até com o apoio das oposições, nas matérias mais escabrosas para a moralidade e a ética públicas.

Percival Puggina tem váriasescolhas: ou escolhe ser CEGO, ou ser INGÊNUO, ser MENTIROSO, ou ter FALTA DE CARÁTER, ou então todas as opções.

O que não cabe, a esta altura do desgoverno Bolsonaro é ficar defendendo o degenerado e seu fracasso, como ainda fazem certos representantes do NOVO.

Eu nunca tive problemas em dizer o que penso. Sempre faço isso.

Paulo Roberto de Almeida


ENCOMENDOU, PAGOU E NÃO RECEBEU.

 

Percival Puggina

26/08/21

 

Nos primeiros dois anos de governo, o presidente da República compôs um ministério técnico. Alimentou a ilusão de que sua impactante vitória eleitoral acabaria reconhecida como fato político suficiente para certificar ante os demais poderes da República as legítimas expectativas da sociedade.

 

A opinião expressa nas urnas costuma ser levada a sério nas democracias.

 

Mas na prática, a teoria é outra. Combatidos pela mídia militante, os projetos do governo batiam nas traves do Congresso, ou eram obstados pela ampla bancada oposicionista no STF, onde o governo não tinha e não tem a menor chance. As realizações do governo só eram informadas nas redes sociais.

 

A pandemia entrou na cena sanitária e política nacional no início de 2020 e as posições do governante (tido por autoritário, mas sempre em favor da liberdade), lhe complicaram ainda mais a vida. O Brasil tornou-se o único país do mundo onde as pessoas não eram vitimadas pela Covid-19, mas pelo presidente. As manifestações populares minguaram pelo receio da contaminação.

 

Quando interpelado sobre suas sucessivas derrotas no Congresso, atribuídas à “falta de capacidade de negociação”, o presidente respondia que seu papel era o de propor, cabendo ao Legislativo decidir. No Congresso havia três grupos – a oposição, o centrão e a minguada base de apoio ao governo. O centrão sabia que, cedo ou tarde, o poder cairia nas suas malhas e a vida voltaria à normalidade. O dinheiro público voltaria a circular e, com ele, a "prosperidade econômica" da política.

 

Bolsonaro, então, tratou de se entender com o centrão. Foi o sinal para que os críticos da “incapacidade de negociação” passassem a atacar o governo por... negociar com quem estava disponível, ou seja, com o centrão.

 

Estabelecido o entendimento, o governo, como é normal nas democracias, apoiou a eleição de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, redistribuiu cargos e mexeu no ministério para nomear ministros do bloco. Porém (ah, porém!) como cantaria Paulinho da Viola, estavam canceladas as práticas irregulares de que se abastecia a corrupção imprescindível ao funcionamento dos acordos políticos.

 

Cargos, sem grana, são apenas trabalho e responsabilidade! E quem quer apenas trabalho e responsabilidade?

 

Cargo sem grana não é o objetivo sonhado pelos acordos que organizam maiorias parlamentares em nosso presidencialismo de cooptação rentista.

 

Assim, o presidente encomendou, cumpriu sua parte, e não recebeu o que encomendou. Na vida real, ele só tem, por si, a parcela do povo que quer preservar sua liberdade, seus princípios e seus valores num país próspero. Tais anseios serão expressos nas gigantescas manifestações democráticas do dia 7 de setembro, contra as ações – estas sim, antidemocráticas – do Congresso Nacional e do STF.

 

Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.


=============

Bolsonaro culpa o fracasso do seu governo aos seguintes inimigos: forças armadas, imprensa, legislativo, judiciário, esquerda, governadores, prefeitos, COVID-19, mercado, cartéis, e ao resto do mundo (Ricardo Bergamini).

 

Querido amigo Puggina

 

Em sua opinião, o Brasil não merece a pureza e a santidade do mestre, ídolo, líder e mito Bolsonaro, mas poderia, pelo menos, ter vendido 141 lixeiras de estatais federais, que não se enquadram nos argumentos de defesa do seu  artigo. Como se explica?

 

Quando pediu demissão da equipe econômica do governo Jair Bolsonaro (sem partido), em 11 de agosto de 2020, Salim Mattar deixou claro que estava insatisfeito com o ritmo das privatizações. Agora, o ex-secretário especial de Desestatização e Privatização diz que o presidente abandonou a agenda liberal de olho na reeleição e que o ministro da Economia e seu ex-chefe, Paulo Guedes, está sendo "tolhido" por militares e outros ministros.

 

Se ele [Jair Bolsonaro] quisesse, podia privatizar 141 estatais que não precisam [de aprovação] do Congresso. Depende só dele, [mas] falta vontade. Salim Mattar, ex-secretário de Desestatização.