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sábado, 4 de maio de 2013

America Latina: a marcha das tendencias totalitarias

Infelizmente, a Amėrica Latina tem recuado, e bastante, nos últimos tempos, em alguns paises menos, ou relativamente, em outros muito, ou absolutamente. E nāo apenas economicamente, com reestatizações e nacionalização de ativos detidos por investidores estrangeiros, mas também, e sobretudo, no plano político, com domesticaçāo dos parlamentos e a submissāo e o controle dos judiciários, sem esquecer os ataques e restrições à imprensa independente.
Um fascismo corporativo, por vezes um fascismo tout court, se abateu sobre o continente, com a conivência de uma esquerda totalitária, ou simplesmente estúpida, e sob a conduçāo dos neopopulistas e demagogos que chegaram ao poder.
Vamos pagar um alto preço por isso.
Paulo Roberto de Almeida


Falsa democracia

Editorial O Estado de S.Paulo, 04 de maio de 2013

Governos autoritários nunca traem sua natureza. O verniz democrático e de respeito ao Estado de Direito, quando existe, dura apenas o tempo necessário para a completa instalação de um regime de permanente exceção. As leis são criadas, alteradas e interpretadas de acordo não com as demandas legítimas dos cidadãos, mas segundo as conveniências dos autocratas, cujo único objetivo é manter-se no poder e impedir que ele seja contestado. É precisamente o caso da Bolívia de Evo Morales, cujo Judiciário recentemente decidiu que o presidente pode concorrer a uma nova reeleição, mesmo que a Constituição diga expressamente que não.
Eleito pela primeira vez em 2005, Morales foi reeleito em 2009, já sob uma nova Constituição - que prevê o direito a apenas uma reeleição. Na avaliação do Tribunal Constitucional, porém, o que aconteceu antes da promulgação da Constituição simplesmente não vale, porque o país foi "refundado". Logo, de acordo com essa narrativa mitológica, corroborada pela mais alta instância constitucional da Bolívia, Morales elegeu-se apenas uma vez e, portanto, está apto a tentar um novo mandato.
Não que Morales estivesse muito preocupado com o desfecho do caso, porque o Tribunal Constitucional é formado por magistrados que lhe são submissos, graças ao pitoresco sistema pelo qual foram escolhidos. A atual Constituição estabeleceu que todos os magistrados das principais instâncias judiciais do país têm de ser eleitos pelo voto direto dos cidadãos. A aparência democrática esconde o fato óbvio de que juiz não é político e não pode, por definição, estar à mercê das forças que viabilizaram sua eleição. Ademais, a escolha de um magistrado deve respeitar méritos técnicos, algo que o eleitor médio não tem condições de avaliar. Por fim, mas não menos importante, os candidatos são selecionados pelo Congresso - que é dominado pela tropa de choque de Morales. Logo, o sistema foi criado para, em nome da democracia, facilitar o controle do Judiciário por Morales.
Na eleição judicial de 2011, a primeira da história, os votos nulos e em branco somaram 60%, mostrando o ceticismo do eleitor boliviano sobre o modelo. Apesar do fiasco, os candidatos eleitos foram confirmados, e foram esses os juízes que aceitaram o papel de avalistas da violação escancarada da Constituição que eles juraram respeitar.
A própria Constituição, aliás, foi elaborada e aprovada sob uma atmosfera que nada lembra a de uma verdadeira democracia. A "refundação" da Bolívia se deu com uma Assembleia Constituinte que se trancou num quartel do Exército e que só contou com parlamentares governistas. Diante de protestos da oposição, que Morales tratou logo de qualificar como "conspiração golpista", os constituintes aprovaram um texto que muitos deles nem sequer haviam lido. Não havia necessidade, pois o texto constitucional, ao que parece, depende muito menos de sua letra e espírito e muito mais das conveniências do governo para ser seguido e respeitado.
Se eleito em 2014, Morales governará até 2020, totalizando 15 anos de governo. E não seria exagero imaginar que, até lá, ele encontrará meios de extrair da Constituição as justificativas necessárias para esticar mais um pouco sua temporada no poder, bem ao estilo de seu mentor, o falecido Hugo Chávez. Pois a "democracia" bolivariana é movida a casuísmos, intimidação e estado de permanente mobilização contra o "inimigo da pátria", geralmente os Estados Unidos e seus "lacaios", algo que serve para justificar toda sorte de arbitrariedades contra a oposição e as instituições.
Seguindo esse roteiro, Morales acaba de expulsar da Bolívia a Usaid, agência americana de ajuda internacional, acusando-a de conspirar contra seu governo por exercer "interferência política em sindicatos de camponeses e outras organizações sociais" que são focos de insatisfação. Na narrativa de Morales, se há oposição na Bolívia, ela só pode ser resultado de um complô americano, e não de legítimo descontentamento popular.

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Última TV crítica aos chavistas muda de mãos
O Estado de S. Paulo, 3/05/2013

A venda do canal Globovisión, uma das últimas vozes críticas ao chavismo na TV venezuelana, deveria ser concretizada ainda ontem. O anúncio foi feito pela própria emissora, que deve passar para as mãos do investidor Juan Domingo Gordero, tido como próximo dos herdeiros políticos de Hugo Chávez.
No fim da tarde de ontem, o vice-presidente do canal de TV, Carlos Zuloaga, afirmou que a venda, anunciada dois meses atrás, seria concluída "dentro de horas". Com a mudança, a oposição venezuelana deve perder ainda mais espaço na mídia, controlada por empresas estatais ou aliadas ao chavismo. O novo diretor-geral da Globovisión, será Vladimir Villegas - conhecido jornalista de moderada tendência opositora e irmão do ministro da Informação chavista, Ernesto Villegas. Seu gerente editorial será Leopoldo Castillo, atual apresentador do combativo programa antichavista Alóy Ciudadano.
Impugnação. Se confirmada, a venda ocorre no mesmo dia em que a oposição venezuelana solicitou formalmente ao Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) a impugnação do resultado da eleição presidencial do dia 14, que consagrou o chavista Nicolás Maduro. A iniciativa, liderada pelo candidato derrotado e governador do Estado de Miranda, Henrique Capriles, ocorre após semanas de duros embates - e até mesmo pancadaria na Assembleia Nacional - entre opositores e herdeiros de Chávez. Capriles apresentou a demanda à cúpula do Judiciário depois de recusar a validade de uma auditoria que o Conselho Nacional Eleitoral (CNE) fez sobre a votação do mês passado. A oposição venezuelana exigia que a apuração incluísse os chamados “cadernos de votação” - os registros físicos dos resultados, não apenas os dados das umas eletrônicas -, algo que o tribunal eleitoral recusou.
A expectativa é que o TSJ, favorável ao bloco chavista, rejeite a demanda de Capriles. O líder da oposição na Venezuela, porém, poderá recorrer a cortes internacionais em busca de uma ‘Vitória moral” sobre o chavismo.
Apontado pelo próprio Chávez como seu herdeiro político, Maduro derrotou Capriles por margem estreita, de menos de 1,5 ponto, apesar da comoção que tomou a Venezuela após a morte do presidente, de câncer. Os opositores não reconhecem o resultado das urnas, denunciando violações na campanha e na votação.
“Os incidentes que ocorreram não apenas no dia da eleição, mas também nos dias anteriores, mostram que os resultados anunciados pelo CNE não são os verdadeiros”, disse o político opositor Ramón José Medina. / afp
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AMÉRICA LATINA E CARIBE
Folha de S. Paulo - Presidente Dilma: suba o preço/ Artigo/ Moisés Naím

É preciso haver mais consequências negativas e riscos para quem atenta contra a liberdade
O preço pago pelos governos da América Latina que violam regras básicas da democracia vem caindo. Agora chegou ao nível mais baixo em muito tempo; está barato demais, e é urgente aumentá-lo.
É preciso mais consequências negativas e riscos para quem atenta contra a liberdade. Dilma Rousseff pode contribuir para que os líderes latino-americanos que se comportam de maneira não democrática paguem um preço maior por fazê-lo.
Não se trata de o Brasil se transformar em policial da democracia na região ou intervir arbitrariamente nos assuntos internos de outros países. Trata-se de que, de vez em quando... diga alguma coisa. Trata-se de sua política internacional refletir os valores de uma das democracias maiores e mais dinâmicas do planeta. De um país respeitado e influente expressar sua opinião.
Um país cujos líderes atuais possuem a autoridade de quem sofreu na própria carne as consequências de governos em que a repressão e o castigo aos que se opõem a eles são práticas normais, promovidas desde os mais altos escalões do Estado.
Os democratas do mundo, mas especialmente os da América Latina, observaram com espanto e tristeza o silêncio ensurdecedor que Lula manteve, durante seus oito anos como presidente, diante das claras violações dos direitos humanos cometidas em Cuba ou as violações mais sutis da democracia perpetradas por Hugo Chávez na Venezuela, Rafael Correa no Equador ou Daniel Ortega na Nicarágua.
Nem uma única palavra. Nunca uma observação crítica. Lula tem direito a suas afinidades ideológicas, a seus afetos pessoais e, no caso da Venezuela, de aproveitar sua amizade estreita com Chávez para promover os interesses comerciais das grandes empresas privadas brasileiras. Mas o que não é aceitável para um democrata é não ter, em oito anos, encontrado nada que merecesse um comentário sobre condutas que deveriam ser repugnantes para quem sabe, por experiência própria, o que significa enfrentar um governo que corrói os direitos políticos de seus opositores.
Seu silêncio não se deve a um respeito profundo pela não intervenção na política de outros países. Numa visita a Cuba, Lula criticou muito publicamente a greve de fome de um dissidente encarcerado (que depois morreu). E, como ex-presidente, Lula não abriu mão do hábito: seu vídeo publicitário em favor de Nicolás Maduro foi amplamente utilizado na recente campanha.
A esperança é que Dilma Rousseff seja diferente. Mas até agora ela não tem sido. O Brasil reconheceu imediatamente Nicolás Maduro como presidente, mesmo sabendo que havia razões para pôr seu triunfo em dúvida. Dúvida essa que em pouco tempo levou o Brasil a figurar entre os países que, dias depois, pressionaram a Venezuela a fazer uma auditoria dos votos.
O governo de Maduro, que aceitou recontar os votos, o está fazendo de maneira suspeitamente inadequada. Um governo com segurança de ter ganho não deve ter medo de contar os votos aberta e rigorosamente. E um governo democrático não deve impedir que os deputados da oposição falem na Assembleia Nacional.
Por favor, presidente Dilma, nos diga: o que a senhora pensa de tudo isso?

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Ataque ao Judiciário é quase a norma nos vizinhos do Brasil
Editorial Valor Econômico, 3/05/2013

A democracia nos países do Mercosul vem sofrendo duros golpes, desferidos pela Argentina, pelos governos bolivarianos da Venezuela e da Bolívia e, para não ficar apenas em regimes chamados de esquerda, pela senil direita paraguaia. Um dos alvos prediletos dos ataques é a Justiça, que como poder independente já não existe na Venezuela, deixará de existir na Argentina e está manietada na Bolívia. As práticas políticas vão de mal a pior no Mercosul, com exceção do Uruguai e do Brasil.
Diante do que estão fazendo os governos vizinhos, a escaramuça entre Legislativo e Executivo brasileiros, às vezes batizada com o termo forte de crise institucional, mais se assemelha, figurada ou realmente, à batalha de Itararé, aquela que não existiu. Há exemplos de casuísmo que lembram as manobras antidemocráticas bolivarianas, como a tentativa de impedir agora a criação de novos partidos, cortando-lhes no nascedouro fontes de recursos. Não é certo que a iniciativa prospere, assim como já foi sepultada a investida petista para limitar as decisões do Supremo Tribunal Federal.
Comparado aos vizinhos, o Brasil é, com todos os seus defeitos, uma democracia consolidada. Não se pode dizer o mesmo da Argentina. Há dez anos os Kirchner, primeiro Néstor e depois sua mulher, Cristina, tentam reduzir a pó a oposição e os meios de comunicação, que não se confundem necessariamente com as legendas antagônicas ao governo. Por trás de todas as práticas, várias delas típicas de gangsters, há o projeto político de Kirchner de se perpetuar no poder.
Em outubro, haverá eleições legislativas na Argentina. Elas se tornaram cruciais para Cristina Kirchner, cujo desejo de mudar a Constituição para se reeleger mais uma vez - ou indefinidamente, como conseguiu o ex-presidente Hugo Chávez - é explícito. A presidente, cuja popularidade vem em queda livre, enfrenta o desgaste com o desfalque legal na inflação, os congelamentos impostos por um de seus raivosos secretários, a proibição de obter dólares no país ou de gastá-los fora. Para reagir ao descontentamento, tenta impedir os veículos de comunicação independentes e críticos ao oficialismo. Em guerra contra o maior grupo de mídia, o Clarín, Cristina teve de engolir liminares na Justiça que a impediram de dividir na marra a companhia. Em votação polêmica no Congresso, conseguiu agora, por um par de votos, instituir eleição para os integrantes do Conselho da Magistratura, obrigando os juízes a portar em uma das mãos a Constituição e em outra o programa do partido. Mais que isso, limitou por lei o tempo de vigência de liminares contra atos do Estado, algo que só formalmente não pode se chamar de um ato ditatorial.
Quem foi mais longe no processo de transformar instituições democráticas em seu avesso foi a Venezuela. O governo tenta culpar Henrique Capriles, o líder oposicionista que quase derrotou Nicolás Maduro, pelas mortes nos protestos após a divulgação dos resultados, enquanto fecha a torneira de repasse dos recursos federais a Miranda, governada por ele. Os chavistas instituíram a democracia do pugilato, em que a maioria governista se sentiu no direito de literalmente espancar a minoria oposicionista, em uma sessão com vários feridos. Diosdado Cabello, presidente da Assembleia, destituiu a oposição de todas as comissões, ameaçou cortar-lhes a remuneração e impede suas manifestações parlamentares.
Bem-sucedido na economia em relação a Cristina e Chávez, o presidente boliviano, Evo Morales, acionou a corte constitucional do país e ganhou um polêmico direito à reeleição. Vitorioso em 2006, Evo fez a mesma coisa que Chávez ou Correa, no Equador - promoveu mudança na Constituição para permitir a reeleição. Mas jurou em público que só se candidataria mais uma vez. Era mentira. Ele vai disputar, com grandes chances de vencer, as eleições de 2014.
As espertezas para impedir novos partidos no Brasil têm filosofia parecida com a das rastejantes bases governistas dos países mencionados. Há diferenças de qualidade, porém. Quando tinha tudo para se perenizar no poder, Luiz Inácio Lula da Silva jogou absolutamente dentro das regras e se retirou no tempo devido. A presidente Dilma Rousseff, com popularidade recorde e favorita em 2014, não precisa de golpes de quinta categoria de aficionados no Congresso para aumentar suas chances de continuar no Planalto, e mantém real distância das baixarias no Congresso.

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