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domingo, 22 de outubro de 2017

Como vencer a transicao: Consequencias economicas da vitoria, parte 4 (4-2002) - Paulo Roberto de Almeida

Ainda fiz um último esforço para ajudar os companheiros – isso antes mesmo do segundo turno – já antecipando sobre as próximas etapas da governança: montagem do gabinete, preparação das políticas a serem implementadas, essas coisas. Pouca gente, se alguém, me leu, mas eu escrevia sobretudo para mim mesmo, para ter ideias claras sobre a governança do Brasil.
Nada do que eu prescrevi deu certo, o que era óbvio, mas nada impede que meus "ensinamentos" continuem a servir ainda hoje a novos candidatos a estadistas do Brasil. Eles não faltam mas invariavelmente falham, por mediocridade de formação, por deformação de carreira, por má influência de oportunistas e de todos os bandidos que se aproximam do poder para lucrar e enriquecer. O poder é isso mesmo: um pote de mel que atrai os mais gananciosos.
Espermos que um dia isso mude. Por isso escrevo e mantenho a esperança...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 22/10/2017


Como vencer a transição:
recomendações espontâneas sobre como alcançar a vitória na subida ao poder
(da série: Consequências econômicas da vitória, parte 4)

Paulo Roberto de Almeida
(Washington, 20/10/2002)

            Dando continuidade a minha série de reflexões sobre a nova situação política criada com a mudança da maioria social de governo no Brasil – já consubstanciada em trabalhos sobre aspectos pouco usuais do pensamento mudancista – , pretendo tocar mais de perto, não nos elementos constitutivos de um “manual para a nova economia política”, que estava compondo de maneira algo improvisada, mas em uma série de pontos de caráter mais tático do que estratégico, que visam chamar a atenção para problemas do curto prazo, condizentes aliás com a transição relativamente longa que se vive no sistema político brasileiro. Esses pontos podem ser sumariados nas tarefas seguintes:

1) Unificar o discurso
2) Falar ao País, não ao partido
3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
4) Tranquilizar os agentes econômicos
5) Designar os principais assessores, depois negociar
6) Recompor um programa de governo
7) Atender a circunstâncias excepcionais
8) Indicar as linhas do discurso de posse
9) Estruturar as bases do apoio congressual
10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista

            Não se trata obviamente de uma lista exaustiva, ou de um “manual para a fase de transição”, mas de alguns pontos que me parecem de consideração relevante na presente conjuntura, a partir de uma observação prática de outros momentos de transição para uma nova maioria, no Brasil e no exterior. A ordem não é essencial, mas pode ser importante.

1) Unificar o discurso
            Trata-se de uma regra absoluta, válida em qualquer momento, em qualquer circunstância do jogo político, por isso vem em primeiro lugar. A liderança fala de uma voz única, ou quando ela não é única é pelo menos unificada, homogênea, concordante, sobretudo em matéria econômica, terreno no qual os perigos são maiores do que em qualquer outro, dadas suas consequências potencialmente catastróficas. Pequenos chefes e porta-vozes auto-assumidos têm de ser alertados para os efeitos nefastos da chamada “dupla linguagem” e o comando central tem de saber impor um discurso uniforme e, portanto, tranquilizador. Em operações militares não pode haver dualidade de comando, e a arte da política tem regras muito semelhantes.

2) Falar ao País, não ao partido
            Quaisquer que sejam os resultados de 27 de outubro, o corpo eleitoral e, mais importante, a Nação permanecerão divididos, independentemente do que diga ou faça o vencedor. A desconfiança em relação ao novo centro de poder é obviamente muito maior no caso de uma mudança importante no centro de gravidade política como a que acaba de ocorrer, com temores infundados e animosidades involuntárias aflorando mesmo na ausência de motivos objetivos para tal estado de espírito. Trata-se de um sentimento talvez exagerado mas não de todo inesperado, dada a situação de incerteza que reina no País sobre diversos aspectos da nova realidade política.
            Contado o resultado do pleito de 27, o vencedor não pertence mais a um partido ou a uma coalizão, mas trata-se de um líder nacional. Por isso, a primeira palavra não deve ser aos seus seguidores mas à Nação, ainda que esse pronunciamento contenha palavras de agradecimento a todos aqueles que tornaram possível a vitória. Esta contudo já pertence ao passado e à História e o que conta doravante é a construção de algo novo, que não será a realização pura e simples da agenda partidária – a Nação ainda está dividida, lembre-se – mas a busca de um novo consenso em favor do conjunto da coletividade. Esqueça por um momento os grupos sociais e os problemas locais, com exceção de uma menção ampla aos excluídos e marginalizados, pois que os interesses começam justamente a divergir quando se mencionam categorias específicas da população. O discurso ao País deve ser unificador e consensualizador, e todas as referências partidárias – de fato todas as vinculações – devem ficar para trás ou em segundo plano. O tom elevado deve ser mantido durante todo o exercício.

3) Dirigir-se ao mundo, seletivamente
            Não cabe ao eleito dirigir mensagens a quem quer que seja, e sim recebê-las e depois respondê-las, em tom formal, cerimonioso, anódino, pois ninguém faz política externa em mensagens de cumprimentos e agradecimentos, salvo algumas referências óbvias à importância e relevância das relações bilaterais e do direito internacional. Cabe, sim, cuidadosamente, planejar eventual viagem pré-posse, já que a teia da globalização e os compromissos em curso não permitem uma espera passiva pela chegada da agenda externa à sua mesa.
            Não será possível cobrir todos os pontos de interesse, ou mesmo aqueles ditos principais, colocados burocraticamente no capítulo de relações exteriores do programa, mas seria preciso ter uma visão clara de onde estão as prioridades na frente externa, que não são necessariamente os pontos que oferecem soluções aos problemas, mas podem ser aqueles que representam a própria fonte desses problemas, ou pelo menos onde um início de solução pode ser encontrado e encaminhado.
            De modo geral, contudo, a raiz de nossos principais problemas encontra-se aqui mesmo no País, são mazelas “Brazil-made” e auto-infligidas, estando sua solução inteiramente sob nosso controle e responsabilidade, sendo não apenas derrisório como francamente inútil buscar suas causas no estrangeiro. O mundo vai aceitar o Brasil como uma grande democracia consolidada, que está justamente dando enormes passos no sentido de resolver internamente seus piores problemas de injustiça social e de miséria residual, de corrupção latente e de desigualdades gritantes no exercício e no gozo dos mais elementares direitos da cidadania. Se nos dedicarmos a isso de forma consequente, com ou sem a cooperação internacional – pois que esta eventualmente está voltada para os ainda mais carentes do que nós – teremos o respeito e a consideração da comunidade internacional. Todo o resto é secundário, inclusive a política externa, que deve ser vista como o prolongamento da política interna por outros meios. Nosso principal problema é o de assegurar uma educação de qualidade a todos os brasileiros? Que seja! Este deve ser também o objetivo da política externa. O prestígio externo será o resultado de termos alcançado aquele objetivo na frente interna, não a consequência de qualquer novo ativismo no plano externo.

4) Tranquilizar os agentes econômicos
            Não se pode negar um ambiente de turbulência na frente econômica, o que é próprio de todas as fases de transição, sobretudo as de nítido sentido paradigmático como a que agora se empreende. Por isso caberia fazer o máximo para restabelecer a confiança dos agentes sociais, pois são eles que garantem, em última instância, o comportamento da conjuntura econômica. Por agentes deve-se entender todo mundo, não apenas o banqueiro e o industrial, eventualmente o investidor estrangeiro, mas também o assalariado e a dona de casa, que se preocupa com sua poupança duramente adquirida, a única garantia de uma velhice um pouco menos sofrida.
            Provavelmente mais da metade da economia é feita de uma mercadoria básica que se chama confiança – na moeda, na capacidade de compra dos salários, no retorno dos investimentos, mesmo aqueles mais arriscados ou especulativos – e a confiança é um elemento terrivelmente difícil de se adquirir e muito fácil de se perder. A componente psicológica de qualquer programa econômica é provavelmente maior do que a de seus elementos matemáticos mais consistentemente lógicos, e de fato não há muita lógica na reação dos agentes econômicos a qualquer fato ou dito no terreno econômico. Cabe inteiramente aos dirigentes econômicos e, em última instância, à liderança política inspirar confiança nos cidadãos enquanto agentes econômicos.
Essa confiança não cresce apenas com a abertura ao diálogo, mas sobretudo com a capacidade demonstrada de tomada de decisão. Há um momento, portanto, em que as consultas precisam ser interrompidas e a decisão anunciada. Ela não vai, não pode, satisfazer a todos ao mesmo tempo, e de fato alguns serão mais sacrificados do que outros. Mas a liderança se afirma, justamente, no momento de explicar claramente a natureza do problema e o sentido da decisão tomada, como sendo a de menor custo social possível, da maneira mais transparente e compreensível a todos os agentes econômicos, mesmo os mais humildes.

5) Designar os principais assessores, depois negociar
            Trata-se de uma derivação da regra anterior, especificamente voltada para a área econômica, pois que uma máquina governamental não pode, pela sua complexidade, emergir pronta de um embate eleitoral. Sua construção é por vezes lenta e penosa, o que justamente alimenta os focos de turbulência econômica, que caberia extinguir em seu início. De todo modo, trata-se do núcleo central de comando, que deve não só dispor da, como corresponder à, confiança total do novo líder, sendo junto a ele responsável, à exclusão de qualquer jogo partidário ou congressual. Por isso caberia designar a equipe econômica que vai começar a trabalhar na primeira fase da transição, dando-lhe inteiro respaldo e preservando-a das inevitáveis barganhas das demais escolhas.
            Uma vez feito isso, pode-se sentar para ouvir velhos aliados e novos amigos, antigos militantes e apoiadores de última hora, sem negociar o que é essencial, isto é, a capacidade governativa no núcleo central. Há que preservar uma certa coerência na máquina governamental, mas algumas concessões terão de ser feitas à esquerda e à direita (sem esquecer o centro), literalmente. Ainda que a montagem seja política, a competência técnica deveria prevalecer sobre indicações meramente partidárias, uma vez que a responsabilidade final sempre incumbe ao presidente, não aos partidos da base aliada.

6) Recompor um programa de governo
            Não se pode pensar que o calhamaço de propostas contidas no programa de campanha (metade do qual era aliás composto de críticas à situação corrente) constitua uma base credível de ação governativa, ainda que as sugestões ali contidas sejam um indicador razoável da filosofia geral pela qual vai se pautar a nova maioria. Mas cabe agora preparar um novo documento de diretrizes executivas, nas quais ficam excluídas todas as considerações (mais ou menos impressionistas) sobre o quão deletéria era a situação anterior. Algumas críticas nesses sentido são até aceitáveis, inclusive como forma de transferir responsabilidade pelas dificuldades encontradas no momento mesmo da transição (“a herança recebida é pior do que se esperava”, etc.), mas a ideia é que se tenha agora não um manual completo de governo, mas uma agenda de ações prioritárias para os primeiros seis meses de governo, enquanto se faz o “balanço acurado” da situação e se procede a elaborar um novo orçamento, levando em conta essas novas prioridades, que não são necessariamente as mesmas que as da fase mais imediata de governo.
O programa de governo é o que poderá ser levado adiante com a nova maioria congressual, o que vai ficar claro já nas primeiras conversações para a formação da primeira equipe de governo – estaremos vivendo uma situação semi-parlamentarista – e ele será necessariamente menos ambicioso do que as grandes mudanças prometidas no programa de campanha, sendo sobretudo despojado do tom grandiloquente – ainda que possa continuar sendo tão vago quanto – que marcava aquele documento. De preferência será curto, preciso, objetivo, sem adjetivos, indicando claramente para onde vai dirigir-se a ação governamental, numa primeira fase pelo menos. Lembre-se de que não será possível contentar a todos e assim certos problemas não serão necessariamente tocados. Isso não deve ser motivo de angústia, pois ninguém espera, sobretudo os mais esclarecidos, que a nova situação resolva tudo em seis meses.
O essencial seria preservar a estabilidade econômica – sem a qual a situação dos mais pobres estará imediatamente comprometida – e iniciar um processo de “reversão de expectativas” que confirme que, por uma vez, o bem estar dos mais humildes será, sim, a preocupação principal da nova maioria política. Não vai aqui nenhuma recomendação em favor do assistencialismo, muito pelo contrário, pois que medidas de cunho social podem ser mobilizadas mediante políticas universalistas de investimentos nos setores mais suscetíveis de alcançar a maioria da população: educação, saúde, infraestrutura social, capacitação profissional, segurança pública. O emprego será uma decorrência disso, não do favorecimento de grupos de interesse mediante políticas ativas nos setores industrial ou comercial.
Falou-se em “recompor”, não rescrever um programa de governo, o que indica que sua essência virá daquele primeiro documento, ainda que revisto por uma maioria que não será mais exclusivamente partidária, ou aliancista. Ainda assim, caberia rever certos cacoetes de linguagem que se acumulam em longos anos de autismo militante.

7) Atender a circunstâncias excepcionais
            Não se pode negar que o Brasil vive circunstâncias excepcionais, não apenas pela mudança política em curso, mas também pelo nível anormalmente alto de turbulência econômica, real e percebida, justamente motivada em grande medida pelo caráter inédito da transição na área política. Não apenas se deve evitar que a situação se deteriore ainda mais na fase de transição como caberia buscar ações conjuntas para restabelecer o precário equilíbrio anteriormente prevalecente, antes de se pensar em fatores mais permanentes de estabilidade macroeconômica.
            O papel da liderança política e o do discurso unificado são aqui essenciais, mas caberia encerrar a “muralha da China” que até agora dividiu “nós e eles” na área da administração econômica e passar a trabalhar conjuntamente na solução de um problema que é nacional, não político ou partidário. Determinados bens públicos devem ser preservados além e acima das querelas ideológicas e a situação econômica é um deles. Eventualmente, medidas excepcionais serão necessárias, antes mesmo da assunção ao poder, o que exige, antes de mais nada, o abandono da postura do “eu não disse?” em favor da adoção de uma atitude de responsabilidade compartilhada no acolhimento dos custos – inclusive políticos – derivados de medidas restritivas ou de ajuste emergencial.
            A liderança política se fortalece em situações de comoção nacional, mas a margem de manobra é muito estreita no terreno econômico, o que recomenda uma avaliação cuidadosa das opções disponíveis e uma corajosa defesa da decisão tomada nessas circunstâncias excepcionais.

8) Indicar as linhas do discurso de posse
            As incertezas tendem a ocupar o espaço político – e estender-se ao terreno econômico – por isso seria recomendável não esperar até o dia da posse para revelar algumas das grandes linhas de atuação da futura administração. Isso ocupa os jornalistas e movimenta as colunas de comentaristas, mas esta não deve ser a principal motivação da nova liderança, e sim o próprio fato de avançar para a sociedade alguns elementos da ação governativa que estará sendo implementada no momento devido. Essas indicações não precisam ser na linha das “rupturas” e “continuidades”, mas podem retomar os pontos principais do novo programa de governo, o que significaria portanto destacar mais os elementos afirmativos da futura ação governamental do que as críticas à herança recebida (ainda que algum “exagero” seja aqui compreensível).
            Uma coisa é certa: deve-se terminar de uma vez por todas com aquelas entrevistas de porta de carro ou de descida de avião, pois microfones agressivos e perguntas confusas raramente resultam em boas exposições de ideias. Não há mais improvisação possível e toda declaração tem uma “massa atômica” específica e um peso político próprio. Por isso, as poucas declarações gerais dadas em caráter coletivo antes da posse deverão aproximar-se o mais possível do próprio discurso de posse, para diminuir as tensões naturais que emergem a partir das grandes transições. Uma vez definida as linhas do novo tipo de consenso tranquilo, deve-se ater a esses elementos conceituais na fase de transição.

9) Estruturar as bases do apoio congressual
            Tarefa gigantesca, por certo, mas não tão difícil quanto parece, pois parece haver um natural adesismo – mais do que oposicionismo de princípio – por parte de toda nova legislatura em situação de inauguração presidencial. As ofertas de colaboração virão dos redutos mais inesperados – alguns até suspeitos, e que caberia descartar sem parecer grosseiro – e o esforço deveria ser feito na direção da preservação da plataforma de ação, mais do que na manutenção das velhas trocas de favores da antiga situação política.
            Ainda aqui caberia ter presente de que o melhor para o Brasil seria não se ter um governo de um partido, ou de uma coalizão, mas um governo nacional que procuraria atuar a partir de suas bases naturais de apoio no Congresso, com ampla latitude de meios e muito pragmatismo, em função mais de resultados efetivos do que de velhas bandeiras ideológicas. Afinal, o novo governo, no executivo ou no legislativo, deve estar primariamente interessado na eficácia de suas ações, não na sua conformidade a qualquer cartilha política do passado. A clareza de propósitos deve servir como elemento de pressão do ponto de vista da opinião pública, que por uma vez estará satisfeita de saber que velhas práticas clientelísticas e fisiológicas da situação anterior não estariam sendo herdadas – ou em todo caso não serão privilegiadas – na nova situação.
            Não custa nada lembrar que teremos um presidencialismo congressual – falou-se anteriormente em semi-parlamentarismo – ou pelo menos uma situação na qual os dois poderes terão de trabalhar conjuntamente, provavelmente mais do que em qualquer outra época da história política brasileira, salvo na do próprio regime parlamentarista de 1961-63 (mas se tratava de uma construção artificial e de mero expediente). Essa situação não é intrinsecamente perversa do ponto de vista da ação administrativa, mas exigirá o abandono de alguns cacoetes do passado, como aquelas situações em que o presidente se dirige “diretamente ao povo”, passando por cima das prerrogativas congressuais.  Melhor ter essa situação muito clara desde o início, inclusive porque o Brasil ganharia em evoluir para um tipo de regime no qual as maiorias presidenciais deixem de se chocar com as maiorias congressuais (uma das maiores fontes de instabilidade política em nossa história).

10) Preparar-se para o pior, manter a mensagem otimista
            Não seria conveniente agitar de público a gravidade da situação econômica, mas o Brasil parece estar atravessando uma dessas conjunturas de turbulência – típicas num passado não tão remoto – nas quais a mudança política e as incertezas administrativas associadas a maiorias divergentes no executivo e no legislativo podem afetar a estabilidade econômica. Em todo caso, qualquer mudança tem um custo, ainda que ele seja simplesmente o da substituição de pessoas e o da descontinuidade temporária da maior parte das atividades administrativas.
            Neste caso específico, a sociedade pretendeu a uma mudança de maior magnitude e ela tem de saber que isso também tem um custo maior, o que geralmente se traduz pela retração geral das atividades econômicas e do investimento produtivo, quando não ocorre o fenômeno do “desinvestimento” e o da fuga de capitais, ainda que para “dentro” do País (mas para fora do sistema bancário oficial). A desconfiança no valor da moeda é o sinal mais claro desse desconforto com a mudança, que não resulta necessariamente da obra de “especuladores” ou outros conspiradores externos. Tudo isso precisa ficar claro para a nova maioria, que não pode perder o sangue frio e sair buscando “bodes expiatórios” e culpados de ocasião. A instabilidade é intrínseca à mudança, não um dado externo importado involuntariamente.
Por isso caberia preparar-se para o pior, isto é, para uma deterioração ainda maior da situação econômica nos próximos meses, ainda que mantendo um discurso otimista – ou moderadamente realista – sobre a superação da presente fase de turbulências. Seria preciso estar pronto a adotar com coragem um conjunto de medidas de distribuição de sacrifícios – pois que é disso que se trata – que será inevitável implementar caso essa hipótese pessimista se confirme. Mais uma vez, unificação do discurso e capacidade de tomada de decisões são os elementos-chave para a superação das turbulências, além, é claro, de se ter uma ideia clara do que se pretende resguardar: se a estabilidade econômica ou se a passagem a um “novo modelo econômico”, que resta largamente indefinido em seus contornos básicos.
            Os verdadeiros líderes se formam na hora da borrasca, não em situações de mares tranquilos, e eles são capazes de infundir tranquilidade em seus liderados mesmo nas horas mais sombrias do panorama político ou econômico de um país. O Brasil não tem nenhuma grande tragédia nacional, graves fontes de instabilidade econômica ou algum manancial de constantes terremotos políticos, mas ele tem uma miríade de pequenas-grandes tragédias sociais que podem ser agravadas em caso de rompimento de alguns consensos básicos. Mais uma vez se adverte: o sentido da ação é nacional, não partidário ou setorial.
            A nova maioria tem todas as condições de realizar uma transição bem sucedida para uma situação de mudanças incrementais em favor de uma nova agenda social, desde que ela não contribua para a erosão da situação econômica ou pretenda modificar por fora e por cima o tecido social. Ações voltadas para os excluídos permitirão construir de modo imperceptível as bases da mudança desejada, mais do que grandes discursos contra os incluídos (aqui compreendidos não só banqueiros e industriais, mas sindicalistas, funcionários públicos e universitários em geral).
As maiores rupturas, na verdade, não são aquelas contra a “velha ordem” – em grande medida já vencida ou pelo menos acomodada à nova situação –, mas contra as antigas formas de pensar e de conceber políticas, que por vezes impedem a incorporação da imaginação criadora ao novo modo de fazer política que agora se pensa implementar.

Paulo Roberto de Almeida
Washington, 969
Esquema: 16 de outubro de 2002
Desenvolvimento: 20/10/2002


Ver os outros trabalhos desta série nas postagens precedentes.

1. Companheiros, muita calma: trata-se agora de não errar!: As consequências econômicas da vitória (ou: manual de economia política para momentos de transição); 22 de setembro de 2002;
2. Administrando as relações econômicas internacionais do Brasil: As consequências econômicas da vitória, 2ª parte; 29 de setembro de 2002;
3. Preparado para o poder?: pense duas vezes antes de agir: As consequências econômicas da vitória, parte 3; 8 de outubro de 2002.

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