Os comentários abaixo, encaminhados pelo Vinícius Portela, devem ser lidos em conexão com este post em outro blog meu.
Segunda-feira, Agosto 31, 2009
501) O apartheid em construcao no Brasil: NÃO no que depender de Demetrio Magnoli
Limito-me, neste momento, a transcrever estes comentários, sem adentrar no mérito dos argumentos, com os quais posso, ou não concordar.
Mas se trata de um assunto suficientemente importante para não passar à margem de nossas reflexões diárias. Apenas a falta de tempo me leva a deixar de formular comentários mais substantivos...
Transcrevendo:
"É curioso como na universidade é muito difundida a concepção de que nossa sociedade se apropria de ideologias exógenas. Contra essa "imposição da lógica do dominador", certos círculos universitários – para não fazer uma generalização indevida e de maneira a contemplar as dissonâncias, mesmo que tímidas – aguerridamente assumem uma postura combativa. A despeito da conotação ideológica, tal idéia não está de todo errada, visto que – parafraseando Millôr Fernandes – as ideologias, quando ficam velhinhas, vão morar no Brasil. Isso reflete em parte nosso debate pobre e desqualificado em que mesmo as idéias tidas como de vanguarda e contestatórias proferidas por certos membros insignes de nossa intelligentsia são compradas nos antiquários estrangeiros, como é o caso desse mito universitário.
Toda essa discussão acerca das cotas me fez lembrar quando, ainda bastante jovem, com 17 anos, fui ver uma palestra em que falava Abdias Nascimento. Foi nessa ocasião, em 2003, que ouvi falar pela primeira vez das ações afirmativas e na Fundação Ford. Elisa Larkin Nascimento, mulher de Abdias, foi quem explicou as ações afirmativas, salientando que as cotas raciais eram apenas um tipo de ação afirmativa que deveria andar junto com uma série de medidas para a integração do negro à sociedade e para a conseqüente eliminação do racismo, e não uma ação pontual para o benefício de negros, como defendiam os detratores de sua opinião – infelizmente, passados quase 6 anos não me lembro muito bem de suas palavras. Eu fiquei decepcionado com aquele encontro, eu esperava muito mais, esperava que ligassem a questão do negro à do pobre e propusessem ações concretas e eficazes para a superação dessa situação. Mas eles se contentavam, praticamente, só em entoar mantras lastimosos sobre a discriminação que sofriam e mais com a idéia de união do movimento, do “povo negro”, com todas as construções “imaginosas” típicas das afirmações de certos grupos e pouco calcadas numa avaliação mais sensata e apurada da realidade. Não estavam ali para uma discussão racional do problema. Isso me causou um certo desconforto, mas não o suficiente para me desviar o foco dalgo que me chamou muito a atenção: os tentáculos da FUNDAÇÃO FORD em dar muito do suporte ideológico para esses movimentos. Salvo engano, Elisa era ligada à essa fundação.
Este ano, tive aula com um professor favorável às cotas raciais. Basicamente, sua defesa estava pautada pelo argumento da filosofia prática desenvolvida nos EUA de que seria justo o tratamento desigual quando beneficiador dos desfavorecidos em condição imerecida. Assim, os negros não teriam culpa de serem, em geral, muito mais pobres do que os brancos, pois sua situação seria fruto quase que exclusivamente da escravidão a que foram submetidos no passado e da falta de políticas Estatais que viessem a integrar o negro à sociedade após a abolição da escravatura – no caso Brasileiro. É claro que essa é uma redução bastante grosseira de seu argumento. No entanto, com isso creio poder afirmar que seu argumento é muito mais elaborado do que o de Frei Davi e de muitos dos engajados no movimento negro.
Entretanto, penso que ignore muitos aspectos importantes que concorreram para a formação dessa realidade, pois se em geral, no Brasil, os negros constituem maciçamente aqueles que vivem em situação de miséria, na região sul, por exemplo, serão encontrados muitos brancos também, índios, mas é, claro, basicamente mestiços. Assim, o negro não é miserável, não é pobre porque é negro, ou por simples preconceito, mas por uma série de motivos de diversas ordens, dentre os quais a escravidão, mas que não podem ser reduzidos unicamente a este. Disso se segue que o argumento da “dívida histórica” com a população negra é extremamente discutível. Em verdade, se presta mais a uma figura de retórica na boca de líderes carismáticos e demagogos com um forte apelo emotivo.
Reuniões como aquela a que me referi, me fazem lembrar do que li em um certo livro de Peter Berger. Este ao se referir ao caso do negro nos EUA, dizia que era um ato de “má fé” tratar um ser humano exclusivamente como “negro”. Que esses receptores dessa identidade negativa eram muito propensos a aceitar as categorias de seus opressores, mas atribuindo um valor oposto a essa ficção. Assim, se impunha, em suas palavras, “um ‘orgulho de raça’ em lugar da vergonha anterior, construindo assim uma contraformação de racismo negro que não passa de sombra de seu protótipo branco”. Berger não descarta a utilidade de contraformações desse tipo para a organização da resistência à opressão, mas ressalta que “seja como for, estão fundadas em “má fé”, cujo poder corrosivo por fim cobra seu tributo, quando aqueles que adquiriram dolorosamente ‘orgulho de raça’, descobrem que adquiriram na verdade algo de muito vazio”.
Face a isso, penso que tais ecos dessas idéias no Brasil, além de não darem uma boa solução ao problema, criam outros também danosos, ao transpor para cá um modelo que nasceu numa sociedade de forte caráter sectário, de um racismo muito mais aflorado e concentrado, que teve leis discriminatórias como reflexo disso, diferente da sociedade brasileira que, a despeito de um racismo difuso, superou em parte tais problemas ao se “mestiçar” em um grau “incomparavelmente” maior. Uma semente de racismo made in USA.
Por fim, essas discussões sobre as cotas são um tanto infrutíferas e apresentam um forte viés “eleitoreiro” e – ressalto novamente – demagógico, pois tiram a atenção sobre os investimentos necessários na educação básica e profissionalizante – um dos meios efetivos que, aliado a outros, contribuem para a superação da pobreza – para se focar no acesso de certas “minorias” à universidade. Algo compreensivo, visto que no primeiro caso seria um investimento a longo prazo sem efeitos imediatos e sem a visibilidade que as ações afirmativas universitárias dão, além de que também se beneficiariam disso os estratos mais pobres da população, mas estes não são tão organizados quanto os estudantes universitários, na maior parte não estariam em idade de votar, nem agem como formadores de opinião. Realmente, é muito mais lucrativo afagar nossos universitários, bem como a tantos outros que vivem nas franjas r dos favores de nosso Estado paquidérmico. Para nossa desgraça, o tratamento objetivo de problemas e a proposta de políticas de Estado que os solucionem é algo muito mais raro em nossa política e no debate nacional, como bem prova a energia gasta com as cotas."
Vinicius Portela
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