Seja um pouco mais Gorby e menos Ceausescu
Paulo Roberto de Almeida
Caro senhor general Raul Castro,
À diferença de minha carta anterior, que lhe dirigi em 2 de agosto de 2009 – leia a “Carta aberta a Raul Castro sobre Cuba e o socialismo”, postada em meu blog Diplomatizzando, e reproduzida em Via Política (17.08.2009), mas que o senhor não deve ter lido – quando escrevi mais ao homem do que ao atual (e, suponho, passageiro) presidente de Cuba, fazendo algumas sugestões para uma volta ordenada de Cuba ao velho capitalismo e a uma democracia de mercado, desta vez escrevo ao general e (suponho) chefe, igualmente, dos serviços de segurança nessa ilha caribenha. Digo general porque suspeito que os serviços de inteligência, de segurança, de ordem pública e, last but not the least, de repressão aos assim chamados dissidentes estejam todos militarizados e sob seu estrito controle. Cabe-lhe, portanto, junto com seu irmão, que ainda merece a alcunha de comandante, a responsabilidade última por tudo o que acontece em seu país, para o bem e para o mal.
Pois bem, senhor general presidente de Cuba, as coisas vão muito mal em seu domínio, posto que agentes dos seus serviços de segurança se permitiram, ainda bem recentemente, espancar uma pequena blogueira caracterizada como dissidente, cujo nome eu não preciso lhe dizer qual é. Digo dissidente, mas esse termo é equivocado, pois se trata apenas de uma pessoa comum, que desejaria viver normalmente num país normal, o que Cuba reconhecidamente não é, posto que os próprios dirigentes vivem dizendo que a ilha vive em condições excepcionais (primeiro pela implosão e morte do socialismo real – que terminou com a mesada que vocês recebiam dos generosos russos – e depois pelos furacões e intempéries que assolaram a ilha, o que faz com que ela viva em uma “situação especial” que é permanente ).
Essas agressões sofridas por uma blogueira indefesa e pacífica, que apenas fala sobre as condições reais de vida em Cuba – não aquelas apregoadas pelo seu governo e apoiadores, muitos deles, infelizmente, intelectuais de renome, que não merecem esse nome – revelam, na verdade, que os verdadeiros dissidentes em Cuba são os membros do Partido Comunista Cubano. A violência cometida contra uma colega blogueira me parece representar o medo, um medo não confessado, mas evidente, que todos vocês, poderosos senhores da policia e da inteligência, exibem em relação a todos aqueles que ousam pensar fora do padrão do PCC e dos cânones do governo. É o medo do fim do regime que se aproxima, o temor de que os seus dias estejam contados, e quando se multiplicam os atos abusivos contra os que não pensam como vocês e não pertencem à nomenklatura do regime. É isso que amplia o arbítrio, a repressão, a simples violência cega daqueles que não têm mais nenhum argumento racional, nenhuma resposta aos reclamos da sociedade, nada a oferecer de promissor nos tempos de decadência absoluta e inevitável do sistema criado por vocês.
Pois bem, senhor general Raul Castro, creio que está na hora de fazer um segundo alerta para os dissidentes do mundo moderno que são vocês, dirigentes de um partido esclerosado, que já deixou passar várias oportunidades de transição a um regime simplesmente normal, de democracia de mercado (ainda que, por um certo tempo, com predominância estatal, para abrigar todos esses desempregados do socialismo senil). Vocês são os dissidentes da História, o que nos remete, justamente, aos ensinamentos que essa velha musa pode dar em circunstâncias como esta.
O ex-secretário geral do PCUS, Mikhail Gorbachev, soube colocar-se no compasso da História, quando também recomendou aos esclerosados dirigentes do SED – o Partido Comunista da finada RDA – que não reprimissem a imensa população do país que simplesmente desejava ter liberdade para viajar ao exterior e comprar bananas. Quando a repressão se armava, talvez em estilo chinês – Praça da Paz Celestial, o senhor deve saber o que foi – ele disse aos alemães orientais que não fizessem nada, e ainda alertou: “Quem se atrasa, é punido pela História”.
Creio que é isso que vai acontecer com vocês, general: serão punidos pela História, ao se revelarem incapazes de atender aos mínimos requisitos da população por uma vida decente e pela simples liberdade de viajar ao exterior (o que aliás ainda ocorreu recentemente com a referida blogueira). Vocês, é claro, não precisam de muro, pois já têm um natural: o mar e os tubarões, além, obviamente, da destruição da frota pesqueira cubana ao longo dos anos (o que explica, por exemplo, que a produção de peixes e frutos do mar em Cuba tenha decaído de 192 mil toneladas por ano, para apenas 55 mil, uma redução de 71% entre 1986 e 2006).
Senhor general Raul Castro,
Vou lhe fazer um pequeno alerta pessoal, mas que vale como uma advertência para todos a sua equipe de aparatchiks e encarregados da repressão: seja mais Gorbachev e menos Nicolau Ceausescu, não tente prolongar a agonia do seu regime reprimindo com violência aqueles que apenas desejam se expressar livremente e viver normalmente; sobretudo, não tente atrasar a roda da História. Do contrário, seu regime e o seu destino pessoal poderão acabar sendo como o do casal Ceausescu, que eu não preciso lhe lembrar qual foi, no Natal de 1989.
No próximo Natal, aproveite a oportunidade dos vinte anos de funerais coletivos do socialismo real para proclamar uma mudança decisiva da situação em Cuba. Se desejar, aproveite algumas das sugestões que eu lhe fiz em minha primeira carta. Eu gostaria, sinceramente, de escrever um obituário do socialismo cubano que não tenha de mencionar sangue, feridos, mortos e outros sofrimentos inúteis. Seja mais Gorby, general, e a História lhe absolverá...
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 14 novembro 2009.
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