O BNDES é um banco nacional, certo?
De Desenvolvimento, certo?
Econômico, cela va sans dire...
E, sobretudo, social, nem é preciso acrescentar.
Então, por que um banco desses tem de dar dinheiro para um negócio que não vai desenvolver o país (ou seja, o tal de nacional), não vai acrescentar nada no plano econômico (além de concentrar o mercado, diminuir a competição, ou seja, atuar contra as regras da boa economia) e, sobretudo, atuar num sentido anti-social, ao dar dinheiro para quem já é rico?
Confesso que não compreendo.
Ou será que o governo pensa que somos todos idiotas e não compreendemos o alto sentido nacional, desenvolvimentista e social deste magnífico empreendimento que foi a compra do Pão de Açúcar pelo Carrefour, financiada por um empréstimo generoso do BNDES?
Ver, por exemplo, esta notícia:
Diniz busca R$ 3,9 bi no BNDES para megafusão com Carrefour
Mas este economista compreende, por isso vale ler o que segue abaixo:
É hora de repensar o BNDES
Rodrigo Constantino
O Globo, 28/06/2011
Quando o BNDE (ainda sem o S de Social) foi criado em 1952, pelo segundo governo Vargas, argumentava-se que havia grande escassez de capital para financiamento de longo prazo no país. Mas será que esta ainda é a realidade do Brasil? Se não for, por que deve ser função do governo atuar como banqueiro? Esta questão merece maior reflexão.
A intermediação financeira é fundamental para o bom funcionamento da economia. Será que ela pode ser feita de forma mais eficiente pelo governo do que pelo mercado? Existem pelo menos dois importantes pontos contrários ao governo: a utilização de recursos da “viúva”, afrouxando o escrutínio sobre os riscos; e a presença de interesses político-eleitoreiros. Enquanto empresários precisam pensar na sobrevivência de sua empresa num futuro distante, políticos costumam pensar nas próximas eleições.
Não obstante, o Brasil tem sido refém de uma enorme presença do governo no setor financeiro. A mentalidade dirigista, de que cabe ao Estado fomentar o crescimento econômico do país, está por trás disto. O inchaço do BNDES é reflexo desta crença. O banco ficou razoavelmente blindado contra o “desenvolvimentismo” no começo. Mas não resistiu e sucumbiu à pressão ideológica.
Roberto Campos, que presidiu o banco, chegou a lamentar: “Graças ao recrutamento por concurso público, o BNDE manteve uma saudável tradição meritocrática, com nível técnico bastante satisfatório. Não escapou, naturalmente, ao vício do burocratismo e complacência com a irrupção do nacional-estatismo”. Na década de 1980, por exemplo, o banco aderiu à defesa das “reservas de mercado”, como a política de informática que lançou o país no atraso tecnológico. Na gestão do PT este viés ideológico voltou com força total.
Mesmo se o BNDES conseguisse manter um quadro de bons tecnocratas, ainda assim seria complicado evitar a contaminação política em suas operações. A pressão vem de cima. E quando política se mistura com economia, boa coisa não sai. O critério de empréstimos sofrerá a influência ideológica. Ou há alguma justificativa econômica para tantos bilhões injetados no grupo JBS? Ao que tudo indica, o governo quer criar uma “Boibrás”, custe o que custar.
O Japão é um bom estudo de casos, já que a interferência estatal no setor financeiro foi enorme. O resultado é conhecido: um abacaxi que já leva duas décadas para ser digerido, com nefastas seqüelas para a economia do país. A alocação eficiente de recursos exige um ambiente de livre concorrência de empresas privadas em busca do lucro. Quando esse quadro é substituído pelas decisões políticas de poucos poderosos, raramente será possível evitar uma catástrofe. A União Soviética foi um caso extremo, mas a recente crise imobiliária americana também teve ligação com esta forte presença estatal no setor.
A corrupção é outro risco grave. Quando é o governo que controla o carimbo dos empréstimos, há um incentivo perverso para a captura dos políticos pelos grandes empresários. Mais de 70% dos desembolsos subsidiados do BNDES têm como destino justamente as grandes empresas. Desde 2006 os desembolsos cresceram 34% ao ano. Em 2010 foram quase R$ 170 bilhões. Uma bolsa-empresário e tanto!
Além disso, o banco possui, por meio do BNDESPAR, participações bilionárias em diversas grandes empresas. Por que o governo deve ser sócio de tantas empresas, quando há disponibilidade de capital no mundo? Várias empresas têm aberto ou aumentado capital em bolsa nos últimos anos, aproveitando a farta liquidez dos mercados. Nos últimos cinco anos foram quase R$ 250 bilhões em emissões de ações. Simplesmente não há uma boa justificativa para um banco estatal ter uma carteira de ações tão grande.
Os três principais bancos estatais fecharam 2010 com ativos na casa dos R$ 1,7 trilhão, montante similar ao dos três maiores bancos privados. O governo é o maior banqueiro do país! No “Manifesto Comunista”, não custa lembrar, Marx colocou como uma das metas fundamentais de seu programa a “centralização do crédito nas mãos do Estado”.
O setor financeiro é importante demais para ser dominado pelo governo. O crescimento econômico sustentável não é fruto da caneta milagrosa do Estado, mas de uma ampla liberdade econômica que permite alocações eficientes dos recursos. O nosso “capitalismo de estado” tem servido para concentrar renda e beneficiar grandes empresários próximos ao poder, além de canalizar recursos com viés ideológico.
O BNDES é o grande elo desta ligação entre governo e grandes empresários. Está na hora de repensar seu papel econômico.
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