Parece um autêntico château, mas fica na China
Por Bruce Einhorn | Da Bloomberg Businessweek
Valor Econômico – pág. D6 - 05.11.12
Nos subúrbios de Yinchuan, uma sonolenta capital de Província próxima ao Deserto de Gobi, trabalhadores dão os toques finais ao Château Changyu Moser XV, um amplo prédio com paredes de pedras brancas e uma mansarda de telhas negras e cúpulas. Não fossem pelas estátuas de leões chineses de metal fundido guardando a entrada principal, ele poderia passar por um "château" clássico, daqueles que podem ser vistos em pleno Vale do Loire, na França. Quando for inaugurado, em breve, com seus 150 acres de terreno, servirá de sede para o Changyu Pioneer Wine, uma produtora e negociante de vinhos chinesa, que já tem imitações de castelos em outras partes da China. Neste verão chinês, a empresa anunciou planos para investir US$ 950 milhões em uma "cidade do vinho" na Província de Shandong, Leste da China, com dois châteaux e um vilarejo de estilo europeu.
À medida que os novos ricos do país continuam a gastar prodigamente em vinho, essas imitações de castelos franceses - e outras imitações, como as de vilas no estilo das missões do Vale do Napa, da Califórnia - vêm surgindo pelo interior. Em alguns lugares, os produtores de vinho não se preocupam nem em ter vinhedos - simplesmente têm um castelo com um porão cheio de vinhos. "Quase nem me importo até que ponto o vinho é bom", diz o arquiteto e produtor de vinhos Qingyun Ma. "Assim que vejo um falso château francês, imagino que há algo errado."
Ma, de 47 anos, faz parte do número cada vez maior de enófilos chineses almejando que o mundo do vinho olhe além dos cenários europeus hiper-realistas e não pense nos pinot noirs ou cabernet sauvignons feitos na China como motivos de riso. Não é tarefa fácil, já que o país não tem tradição de produção de vinho. Na China, as pessoas que querem beber tradicionalmente pedem baijiu - um forte destilado claro de feito de sorgo, que continua sendo a bebida básica nas refeições e festas chinesas. Quando tentam fazer vinho, o produto fica praticamente intragável. Shao Xuedong, chefe de produção de vinho na Cofco Juding Winery, uma estatal que opera em uma vinícola em Shandong inspirada no Vale do Napa, lembra-se de quando começou a empresa, no fim dos anos 90. Naquela época, "pelo menos 95%" do vinho chinês não era de verdade, diz. "Era apenas uma mistura de água, açúcar e suco de uva."
Emma Gao, de 36 anos, é vinicultora em Silver Heights, uma vinícola familiar em Yinchuan que produz alguns dos vinhos mais admirados na China. Gao, que estudou na La Faculté d'Oenologie, de Bordeaux, diz que muitos de seus vizinhos não compreendem o que ela tenta alcançar. "Aqui, as pessoas acham que um bom vinho é o aquele não te dá dor de cabeça na manhã seguinte", diz.
Ainda assim, Gao e outros produtores sérios veem um potencial imenso. Os chineses compraram 156 milhões de caixas em 2011, o que torna o país o quinto maior mercado mundial de vinhos, segundo o grupo londrino de pesquisas de mercado International Wine & Spirit Research, que projeta um número de 250 milhões de caixas para 2016.
Parreiras e linha de engarrafamento, que mostram como a tecnologia vinícola chinesa vem se desenvolvendo
Créditos: Daniel J. Groshong/Bloomberg
Essa demanda serviu para dar um "impulso" global nos preços dos vinhos franceses como um todo, e não só nos preços dos grandes vinhos de Bordeaux - esses grandes, inclusive, dependem muito do mercado chinês para alavancar seus lucros. Virou chique para o chinês emergente tomar vinhos de Bordeaux. E isso provocou ainda um outro fenômeno: uma enxurrada de falsificações baratas que são vendidas até mesmo nas grandes redes de supermercados pelo país afora.
"Antes, as pessoas apenas compravam vinho para se exibir, mas isso está mudando", diz Shaun Rein, diretor-gerente da China Market Research Group, em Xangai. "Os chineses mais jovens estão bebendo [vinho] em casa."
E isso não tem passado despercebido diante dos olhos dos produtores chineses.
Tendo em vista o fraco histórico dos vinhos locais, não é de surpreender que os chineses, primeiro, tenham se voltado ao exterior. Compradores chineses tornaram-se importantes investidores na região de Bordeaux. O jornal estatal "China Daily" estimou em agosto que os chineses compraram pelo menos 25 propriedades nos últimos 12 meses. A China também é a maior importadora mundial de vinhos de Bordeaux, recebendo 35% das exportações da região. Os vinhedos na Califórnia também são populares. Depois de se aposentar como jogador do Houston Rockets, a estrela do basquete chinês Yao Ming lançou a Yao Family Wines, em novembro. A empresa produz vinhos cabernet sauvignon no Vale do Napa, com a fabricante francesa de bebidas Pernod Ricard fazendo a distribuição na China.
A ênfase pode estar nas importações, mas o vinho local vem melhorando. Mais chineses passaram a ir ao exterior para estudar produção de vinhos, e os críticos perceberam: um corte de cabernet da Helan Qingxue, uma vinícola em Yinchuan, ganhou em 2011 o "troféu internacional de melhor Bordeaux tinto acima de £ 10 (US$ 16,10)", na premiação Decanter World Wine Awards.
As vinícolas chinesas "butiques" esperam que os elogios atraiam mais especialistas à China para desenvolver sua cultura de produção de vinhos. O Castel Group e o Rémy Cointreau, da França, aliaram-se a vinícolas chinesas. A Domaines Barons de Rothschild (Lafite), talvez o maior nome de Bordeaux, já fincou sua bandeira na China, onde plantou vinhas e tem uma vinícola em construção. Trabalhando com a Citic como parceira local, a famosa produtora francesa promoveu em março a cerimônia de lançamento de sua vinícola, com 4,3 acres. A supervisão do projeto é do gerente-geral Gerard Colin, francês com mais de 50 anos de experiência na produção de vinhos e que vive na China desde 1997. "Penso que podemos produzir um vinho com equilíbrio e complexidade", diz.
Antes de aliar-se aos Rothschild, Colin contribuiu com a Treaty Port, vinícola próxima. No centro de seus 52 acres, há uma imitação de um castelo escocês do século XVII, uma fortaleza de pedra com a "Union Jack", bandeira do Reino Unido, tremulando em um mastro no topo. Concluído em 2009, o castelo tem seis quartos e um grande salão com painéis de madeira. Mas não esperem nenhuma construção característica europeia na primeira operação da Lafite na China. Colin promete que não haverá nenhum castelo extravagante desta vez. "Estamos na China", explica. "Não produzimos Versailles."
É isso o que Ma gosta ouvir. Ma divide seu tempo entre Xangai e Los Angeles, onde é diretor da faculdade de arquitetura da Universidade do Sul da Califórnia. Ele opera uma vinícola e estância turística perto de sua cidade natal, Xi'an, na região central da China, onde começou uma ampliação com três novos prédios, todos inspirados nas simples casas de tijolos dos vilarejos próximos. Sua empresa patrocina equipes de degustação de vinho em universidades chinesas e ele lançou uma seção temática de vinhos no Sina Weibo, a resposta chinesa ao Twitter.
Ma também criou uma firma de consultoria. Um dos clientes, a Star China Investment & Development, espera lançar uma vinícola e estância turística em Fangshan, perto de Pequim, sem imitar vinícolas estrangeiras. "O vinho não é necessariamente algo americano, francês ou australiano", diz Han Yanchang, vice-gerente-geral da Star China. "Também é algo chinês".
Que tipo de instalações Han tem em mente? "Penso que precisa ter um estilo ou sabor chinês", diz rapidamente. "Se não for assim, então, o professor Ma vai nos criticar."
Gu Dezhou, porta-voz da Changyu, diz que há bons motivos para construir imitações de castelos. "Os vinhos vêm do ocidente", escreveu em e-mail. "Usamos esse estilo para mostrar a cultura". Ma não se deixa convencer. Olhando pelo portão de entrada do châteaux em Yinchuan, ele não consegue conter a raiva. "Odeio isso", diz. "Este lugar é uma piada sem graça".
Seguindo pela mesma rua há um prédio de escritórios da Changyu, com barris falsos de vinho com parte de sua fachada. "Kitsch", diz Ma, com um suspiro. "Kitsch em sua máxima vulgaridade."
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