Leio esta notícia no Wall Street Journal:
Britain Picks Canadian To Head BOE
(ou seja, a Grã-Bretanha escolheu um canadense para dirigir o seu banco central, o Bank of England)
Ao mesmo tempo fiquei sabendo que a impoluta, transparente, corretíssima, espartana, limpíssima Confederação Brasileira do Futebol descartou qualquer convite ao antigo técnico do Barça (o time de futebol de Barcelona), hoje vivendo em New York, para ser o novo técnico da seleção brasileira de futebol, na saída do antigo, sumariamente demitido por razões ainda obscuras (mas que são certamente mal cheirosas, sabendo que o vice-presidente da CBF anda metido com grandes irregularidades no setor financeiro).
Enfim, quando se cogitou desse convite, eu nunca o considerei factível, realista ou possível, por "n" razões, entre elas de que não basta ser o bem sucedido técnico de um time muitas vezes campeão no plano mundial para ter sucesso no futebol tupiniquim, também muitas vezes campeão, mas certamente por outros méritos e características que fizeram do Barça um dos maiores times da história secular do futebol.
A razão principal, obviamente, é que ninguem, com raríssimas exceções -- salvo um ou outro louco, como este que aqui escreve --, concordaria em ter um "estrangeiro" -- oh!, que horror, não é mesmo? -- à frente do esquadrão canarinho de tão gloriosas tradições tupiniquins (e várias outras jabuticabais).
Por que isso? Bem, parece que além de sermos nacionalistas em várias coisas, somos terrivelmente chauvinistas em matéria de futebol (e desculpem a expressão de origem francesa, mas vocês não esqueceram que football é importado, não é mesmo Aldo Rebelo?).
(9,99% dos brasileiros considerariam um atentado à soberania nacional ter um técnico estrangeiro à frente da nossa glorioso seleção (hoje bem menos gloriosa, e um pouco mercenária...).
Eu não: eu veria com naturalidade, e acho que até seria bom, embora eu também tenha 99,99% de certeza de que, se tal loucura fosse concretizada, por um desses milagres que ocorrem a cada 2 mil anos, ela simplesmente não daria certo: o técnico seria um fracasso, e seria também demitido no espaço de poucos meses.
Mas vejam vocês: a velha Grã-Bretanha (na verdade o Reino Unido) entrega o comando de uma das instituições mais relevantes do reino, aquela que cuida da sua saúde monetária, o guardião do poder de compra da velha libra esterlina a um estrangeiro, recrutado unicamente com base no mérito, numa seleção aberta, na qual qualquer cidadão do mundo, inclusive um aborígene da Nova Guiné, ou o nosso mais competente Armínio Fraga, poderia ter se apresentado e ter sido eleito, ou escolhido.
Não é interessante?
Eu também acho, e acho também que os presidentes, os reitores de faculdades, vários (talvez todos) os ministros, os juízes do Supremo também poderiam (quem sabe deveriam?) ser recrutados em bases mais amplas do que esse modesto quinhão de apenas 194 milhões de brasileiros (na verdade menos, pois temos de tirar daí pelo menos dois terços de analfabetos funcionais).
Não seria bom se pudéssemos contar com os talentos de zilhões de chineses, americanos, europeus, australianos, hotentotes e pigmeus, para dirigir o nosso país, suas universidades, a Suprema Corte, pessoas recrutados unicamente com base na sua competência, dedicação, plano de trabalho, metas a serem cumpridas e, sobretudo, conhecimento e experiência?
Eu colocaria anúncios na Economist e no Wall Street Journal para recrutar o nosso presidente do Banco Central tranquilamente, assim como ofereceria salários milionários para o bom administrador que resolvesse enfrentar a dura tarefa de corrigir nossas universidades públicas (claro, teria que passar primeiro o trator em cima do MEC, mas isso seria permitido), e também acharia bom que juízes experimentados de outros países resolvessem aplicar a nossa lei, apenas com base na lei escrita -- o que não deve ser difícil de fazer, sendo um cidadão normalmente alfabetizado -- e não com o espírito justiceiro de quem pretende corrigir injustiças "históricas" cometendo outras injustiças e rompendo com o princípio da igualdade de todos os cidadãos (e cidadãs).
OK, acho que as pessoas não estão preparadas para isso, ainda, mas seria bom se começassemos por algo inócuo, como o futebol. Inócuo? Claro, a despeito de dar alegria a todos nós, uma derrota no futebol não é uma tragédia, não diminui a renda nacional, não produz déficit orçamentário, nem crise de balanço de pagamentos, tampouco problemas institucionais, só um pouco de tristeza.
Eu sei que não daria certo, mas não custa tentar...
Paulo Roberto de Almeida
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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