Vórtice de mediocridade
Marcelo de Paiva Abreu*
O Estado de São Paulo, segunda-feira, 12.11.2012
Será
pessimismo excessivo? O clima que parece prevalecer hoje no País é de certa
acomodação à mediocridade, com a opinião pública entorpecida. O governo está
atordoado. Qual Midas às avessas, ao invés de tudo o que toca virar ouro, todas
as suas iniciativas recentes têm sido desastradas. É difícil que esse quadro
seja revertido. E, em pouco mais de um ano, o País estará mergulhado em clima
pré-eleitoral.
Vale citar
alguns desacertos recentes, tratando de manter a lista sob controle draconiano.
"Flexibilização" imprudente da política macroeconômica, com abandono
do câmbio flutuante, do centro da meta inflacionária e das metas de superávit
primário, já afetadas pela persistente alquimia nas contas públicas. Reversão
da abertura comercial, distribuindo benesses com aumentos de proteção
discricionários (no caso extremo - o do setor automotivo -, a margem de
proteção foi aumentada para a casa dos 70% ad valorem). Exigências excessivas
quanto à participação da Petrobrás na exploração do pré-sal, combinadas a metas
irrealistas para o conteúdo local de bens e serviços demandados. Trapalhada na
prorrogação dos contratos de concessão de energia elétrica. Inépcia reiterada
no cumprimento das metas de investimento previstas no PAC. E, também, com
relação às licitações da exploração de aeroportos e do trem-bala, quase sempre
com base em visão fantasiosa sobre as virtudes do controle estatal. Política
externa que parece, em muitos casos, a reboque dos países vizinhos ao norte e
ao sul, cujos dirigentes, para ser circunspecto, têm escassa ou nenhuma
credibilidade internacional. E, ainda, com o Itamaraty mostrando docilidade
quanto à preponderância de ideias econômicas, frequentemente disparatadas, que
emanam do eixo Planalto-Fazenda. Isso tudo em meio a denúncias algo pueris de
tsunamis monetários e propostas de ajustar as tarifas consolidadas na
Organização Mundial do Comércio (OMC) às flutuações cambiais. Enquanto isso, o
País segue sem iniciativas de política externa que resultem em ganhos
substantivos. É só gogó.
Com esse
retrospecto, e com a formação bruta de capital fixo na casa dos 17% do PIB, o
Brasil parece satisfeito com a sua posição na rabeira dos Brics e com as
perspectivas de crescer a 3% ao ano por muito tempo, entremeados a ocasionais
voos de galinha.
É
indiscutível, entretanto, que o predomínio da mediocridade, esboçada no segundo
mandato de Lula e que hoje prevalece no governo Rousseff, só se pode enraizar à
sombra da inoperância da oposição. Mesmo antes da derrota na eleição municipal
de São Paulo, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso enfatizou a necessidade
de renovação do PSDB. Esses comentários foram considerados
"inconvenientes" por importantes políticos do partido: afinal, se
"novo" ganhasse eleição, o ex-senador Arthur Virgílio não teria ganho
por ampla margem a eleição em Manaus. A ideia de que alguns candidatos sejam
"bons de urna", e outros bem menos, parece de difícil digestão entre
políticos do PSDB calejados pela sucessão de derrotas desde 2002. Renovação de
programa? Nem pensar. A vocação para reincidir no erro é quase inacreditável.
O
ex-presidente tem razão. Embora seja possível argumentar que suas ponderações
tenham ocorrido com significativo atraso. O seu governo foi marcado por
divisões muito marcadas entre os que implementaram e apoiaram o Plano Real, e
viam méritos na privatização e na abertura comercial, e aqueles que resistiram
ao Plano Real, promoveram a reversão da abertura comercial e demonstraram
entusiasmo quase nulo com a privatização. Quis o destino, e a cúpula do PSDB,
que o candidato presidencial da situação em 2002 fosse José Serra, que não
tinha nenhum entusiasmo pelo programa implementado pelo governo FHC. Após essa
sua primeira derrota, o que se viu foi a apropriação pelo PT da ênfase na
estabilização, inicialmente acompanhada por comedimento quanto à proteção e à
reversão da privatização. A partir daí o PSDB foi posto na defensiva.
Nas
candidaturas presidenciais do PSDB em 2006 e 2010, de novo faltou convicção a
Alckmin e Serra para voltar a defender o programa do governo FHC. O PSDB não
conseguiu apresentar programa alternativo ao programa governista. Serra, em
2010, não conseguiu se apresentar como algo diferente de um Lula bem menos
simpático.
Com o
retrospecto medíocre do governo Dilma, Lula ficará tentado a voltar à liça em
2014, embora lhe falte programa. Afinal, desta vez, não vai poder copiar o
programa de seu antecessor. O PSDB terá de digerir as viúvas de Serra e
alinhar-se a Aécio Neves em torno de um programa que retome FHC 1995-2002
aggiornato. Afinal, espaço para tanto está sendo criado pelos disparates do
governo Rousseff coroando a gradativa volta aos entusiasmos originais petistas:
a inflação que se dane, muita estatização e muito protecionismo, tudo
acompanhado por alguma redistribuição de renda. Mas é difícil imaginar que o PSDB
resista à antropofagia. Embora a candidatura presidencial alternativa do PSB se
tenha posto seriamente, com base nos resultados das eleições municipais
recentes, é difícil vislumbrar qual será o programa substantivo de seu
candidato. Será que o Brasil pode escapar da mediocridade?
*Doutor em
economia pela Universidade de Cambridge, é professor titular no Departamento de
Economia da PUC-Rio.
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