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terça-feira, 13 de novembro de 2012

O modelo capenga dos keynesianos de botequim - Raul Velloso

O título do post, obviamente, é de minha responsabilidade, pois o articulista, um economista de renome, respeito e moderado, não ousaria chamar os companheiros economistas pelos nomes depreciativos que figuram aí encima. Mas, como eu não tenho necessidade de descolar qualquer reputação de mercado, posso chamar as coisas pelos nomes que as coisas têm, e o nosso keynesianismo é de fato de botequim, se não for de quitanda, ou empório, de secos e molhados...
Paulo Roberto de Almeida 

Por que o consumo sufoca a indústria

Raul Velloso

O Estado de S.Paulo, 12/11/2012


Puxadas pelas transferências públicas e pelo crédito explosivo, as vendas reais do comércio há muito crescem em ritmo chinês, à média de 8% ao ano, enquanto a indústria decresce, acompanhando a balada dissonante da crise mundial. É o que deu em setembro. Em parte, isso se deve à crise de demanda que vem de fora. Afinal de contas, a indústria é superaberta ao exterior. É surpreendente, contudo, que a indústria não decole quando, em que pese a crise, o consumo cresce a taxas tão elevadas e sem interrupção há vários anos.
A falta de dinamismo se concentra na indústria de transformação, que hoje representa apenas 14% do Produto Interno Bruto (PIB). No final de 1994, representava 30% do total. Enquanto isso, o peso do setor de serviços, que antes se aproximava de 60%, hoje chega perto de 70% do PIB. Esse fenômeno não é exclusividade nossa. Ocorre em todo o mundo ocidental. Os dados da Conferência das Nações Unidas para Comércio e Desenvolvimento (Unctad) mostram, com clareza, o peso da indústria no PIB caindo do lado de cá, enquanto na Índia e na China ocorre exatamente o inverso. É o confronto de dois modelos diametralmente opostos. O modelo consumidor (ocidental) versus o modelo poupador (oriental).
A coisa vem piorando. Até setembro de 2008, a indústria crescia a uma taxa que era 60% da taxa do consumo. Diante da crise, a taxa anual desabou para -16% em dezembro de 2008, enquanto o menor nível a que chegou a taxa do consumo ainda era positivo (+1%, em março de 2009). A indústria se recuperou rapidamente, mas depois estagnou ou caiu, em que pese as injeções de socorro do governo. Enquanto isso, o consumo continuou a mil por hora.
Já expliquei isso aqui. Ao pressionar fortemente a demanda por serviços e industrializados, o modelo pró-consumo tende a aumentar salários e preços nos primeiros e só salários nos segundos, pois ali os preços são determinados fora do País, basicamente pela China. Dá-se, assim, uma apreciação real da moeda, que, cozinhada internamente, é o veículo pelo qual a economia busca novo equilíbrio. Em serviços não há, basicamente, como atender à subida da demanda via importações. Por isso os preços tendem a subir. Exatamente o contrário ocorre na indústria. A apreciação induz maiores importações de industrializados e os recursos em geral são atraídos pelo segmento onde os preços e, portanto, as rentabilidades, são maiores, ou seja, serviços.
Note que a inflação é pressionada pelos serviços, mas é aliviada pela apreciação da moeda. É só acompanhar a decomposição setorial do Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) nos últimos anos, confrontando a evolução dos bens e serviços não comercializáveis com o exterior em relação à dos plenamente transacionáveis.
Não há espaço para explicar o modelo oriental, exatamente complementar ao nosso, havendo o elemento adicional de que temos recursos naturais e eles não. Daí as grandes exportações de commodities para lá, em troca de industrializados. Colocando as commodities nessa história, a tendência à apreciação se acentua, pois somos fortes exportadores líquidos, e os preços externos, também fora de nosso controle, têm subido fortemente desde 2003. Assim, pelos dois lados - serviços e commodities -, o Brasil atrai grande volume de capitais externos para inversão nesses segmentos, cobrindo a necessidade de financiar o déficit externo.
Outro fator a acentuar a mesma tendência é a recente inundação de liquidez mundial. Assim, mesmo com o Banco Central comprando toneladas de dólares, o valor real do dólar caiu sistematicamente até bem pouco, e o déficit externo - ou a entrada de poupança externa - subiu cerca de cinco pontos porcentuais do PIB, viabilizando idêntico aumento da taxa de investimento e uma subida expressiva do crescimento potencial do PIB. Como há pleno emprego na economia, é sinal de que houve transferência maciça de mão de obra da indústria para serviços e commodities, concomitantemente com os aumentos de salários, algo que surpreende a todos.
Assim, para o Brasil crescer mais sem mudar o modelo, é preciso apoiar a expansão dos setores de serviços e commodities, e não travá-la, como o governo às vezes tem feito. No caso dos serviços de infraestrutura, energia elétrica e petróleo, a interferência governamental é muito grande por definição e é um prato cheio para tentações populistas. Sabedor das pressões que o modelo pró-consumo exerce sobre esses preços, em vez de agir com vistas à redução dos preços no longo prazo, tem-se procurado a via fácil de impor preços artificialmente baixos no curto prazo, esperando que o setor privado (ou com domínio estatal, como no caso da Petrobrás e da Eletrobrás) atenda bem os consumidores de hoje e expanda o que for necessário.
O louvável esforço de incrementar as concessões de infraestrutura de transportes corre o risco de dar com os burros n'água, pois a imposição de retornos pouco atrativos e certos procedimentos inadequados nos leilões de concessões favorecem o surgimento de concessionários despreparados para as difíceis tarefas à frente. Nesse contexto, a política industrial deve ser altamente seletiva, com foco na competitividade internacional.
* CONSULTOR ECONÔMICO

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