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Este blog trata basicamente de ideias, se possível inteligentes, para pessoas inteligentes. Ele também se ocupa de ideias aplicadas à política, em especial à política econômica. Ele constitui uma tentativa de manter um pensamento crítico e independente sobre livros, sobre questões culturais em geral, focando numa discussão bem informada sobre temas de relações internacionais e de política externa do Brasil. Para meus livros e ensaios ver o website: www.pralmeida.org. Para a maior parte de meus textos, ver minha página na plataforma Academia.edu, link: https://itamaraty.academia.edu/PauloRobertodeAlmeida.

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sexta-feira, 27 de dezembro de 2019

O velho nacionalismo protecionista, a anacrônica reserva de mercado volta ao cartaz...

... nas telas dos cinemas.
Os "liberais" do governo podem até se esforçar por abrir a economia, mas o velho nacionalismo protecionista volta a entrar pela janela, como comenta Ricardo Bergamini: 

Quando o governo – em nome de boas intenções – tenta reorganizar a economia, legislar a moralidade ou proteger interesses especiais, o resultado é a ineficiência, a falta de motivação e a perda de liberdade. O governo deve ser um árbitro, não um jogador ativo. MILTON FRIEDMAN:

Prezados Senhores

Presidente Jair Bolsonaro desmoraliza o pensamento liberal, com a volta da jurássica reserva de mercado. Que vergonha!


Cota de Tela 2020: Governo estabelece as regras para exibição obrigatória de filmes brasileiros nos cinemas

Decreto regulamenta reserva de salas do audiovisual brasileiro no próximo ano, conforme aguardava o setor; indefinição ao longo de 2019 prejudicou o mercado

Helena Aragão e Luiza Barros

25/12/2019

Sala de cinema: exibição de filmes nacionais será obrigatória em 2020 

RIO - Um decreto publicado na terça-feira (24) pelo presidente Jair Bolsonaro estabelece as novas cotas obrigatórias de exibição de filmes brasileiros nos cinemas do país em 2020. A regulamentação das regras para o próximo ano era aguardada pelo setor audiovisual.

Conhecida como Cota de Tela, a obrigatoriedade da exibição de filmes nacionais nos cinemas foi estabelecida pela Medida Provisória 2.228 de 2001. O objetivo do dispositivo é proteger e fomentar a produção audiovisual no país. Todo ano, o Poder Executivo tem que publicar, até 31 de dezembro, os parâmetros da Cota para o ano seguinte — ou seja, por quantos dias uma sala deve abrigar um filme nacional ao longo de um ano.

O número de filmes brasileiros que devem ser exibidos varia de acordo com o tamanho das empresas exibidoras. Por exemplo, uma empresa que tiver apenas uma sala é obrigada a exibir por 27 dias filmes brasileiros em sua programação de 2020. Já empresas que tenham a partir de 201 salas devem dedicar 57 dias de sua programação ao cinema nacional.

Também é exigida a variação nos títulos exibidos. Uma empresa com apenas uma sala, por exemplo, precisa exibir três filmes diferentes. A partir de 16 salas, deve ser feita a exibição de pelo menos 24 filmes nacionais distintos.

Salas que optarem por programar voluntariamente filmes brasileiros a partir das 17h poderão reduzir em 20% a cota obrigatória. Será estabelecido um limite mínimo de títulos diferentes a ser oferecido por cada complexo, de forma a garantir a diversidade de obras exibidas.

O decreto ainda determina que os requisitos e as condições de validade para o cumprimento da obrigatoriedade da cota de tela, bem como a metodologia de cálculo da quantidade de dias para cumprimento da obrigação, serão disciplinados em ato expedido pela Ancine.

"Em suma, a proposta tem por finalidade ampliar os resultados e atualizar o modelo vigente à atual conjuntura do setor, garantindo não só a expansão do cinema nacional, mas também sua capilaridade e divulgação em todo o país", diz nota divulgada pelo Palácio do Planalto.

Como estava a situação?

Para 2019, o ex-presidente Michel Temer não assinou o decreto no fim do ano anterior. Em janeiro, o então secretário especial de Cultura, Henrique Medeiros Pires, afirmou que, sem a definição daquele ano, as regras de 2018 seguiam valendo. Mas produtores e distribuidores seguiram com dúvidas jurídicas: segundo eles, advogados especializados contradiziam a afirmação de Pires.

No fim de abril, a ausência de definição ficou clara com a estreia de "Vingadores: Ultimato". Por causa do grande número de salas ocupadas, o blockbuster acabou diminuindo o alcance de "De pernas pro ar 3", filme brasileiro que fazia uma boa campanha nos cinemas.

Por conta disso, o ministro da Cidadania, Osmar Terra, chegou a assinar a nova Cota de Tela em maio de 2019. Mas, para a nova regra valer, ela dependia de uma assinatura de Jair Bolsonaro, que nunca se concretizou.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2013

O nacionalismo exacerbado e' a mae de todas as guerras...

...ou de quase todas elas.
Veja-se, por exemplo, este início de análise do Stratfor, um dos mais conceituados think tanks americanos, sobre os desafios da Alemanha contemporânea.

Germany: A Power Among Powers
The crisis in Europe continues to make headlines around the world, as nations from China to Russia to the U.S. have an interest in the outcome. But the country arguably with the most at stake is Germany.
Surrounded by powerful neighbors, Germany inhabits one of the most competitive environments in the world. In our upcoming video, we take a centuries-long step back to look what makes Germany Germany (hint: a healthy distrust of neighbors)... and how that shapes its economic policy today.


A Alemanha foi, justamente, o país que produziu três dos três grandes últimos conflitos inter-europeus, dois dos quais estiveram na origem de guerras mundiais, que destruiram metade da Europa e a retiraram, definitivamente, da liderança dos assuntos mundiais, permitindo a ascensão de poderes "periféricos" que assumiram a liderança da geopolítica mundial.
O nacionalismo é uma desgraça, pelo menos em sua forma canhestra, xenófoba, militarista, irredentista e agressiva. No plano econômico, igualmente, o nacionalismo é responsável pelo atraso de muitas sociedades, entre elas as latino-americanas, que sofrem por falta de capitais e tecnologia, mas que não gostam de depender de conhecimentos e know-how estrangeiros. O Brasil, particularmente, é um país que ama o capital estrangeiro -- pois que depende dele -- mas que detesta os capitalistas estrangeiros, por preconceito, inveja, despeito, ou qualquer outro sentimento assemelhado.
O nacionalismo já provoucou algumas das piores guerras da humanidade, e ele continua a provocar atrasos, subdesenvolvimento (sobretudo mental) e perda de oportunidades.
Abaixo a análise do articulista argentino Carlos Malamud, do Instituto Elcano e do InfoLatam, sobre um recente episódio vergonhoso para o exército chileno (mas que deve se reproduzir entre os vizinhos também...).
Paulo Roberto de Almeida 

Algumas Mostras Execráveis do Nacionalismo Latino-Americano

Infolatam, 11/02/2013

Por Carlos Malamud
(Infolatam).- O vídeo divulgado na semana passada com os depreciáveis cânticos de uns marinhos chilenos são uma prova do mais execrável nacionalismo latino-americano. Sobre isso há pouco o que se discutir, exceto seu envolvimento para a América Latina. O problema está em que ainda hoje são muitos na região os que enaltecem as virtudes dos nacionalismos locais, insistindo nas enormes diferenças com os nacionalismos xenófobos e racistas da Europa e outras regiões.
Se olharmos para as ideologias e os sentimentos populares latino-americanos perceberemos que os discursos do catolicismo do séc. XIX, da direita liberal, do zapatismo mexicano em qualquer de suas versões, do castrismo cubano e do bolivarianismo new age, para citar apenas alguns exemplos, estão todos permeados pelo mesmo nacionalismo que é a única opção possível, o que sempre tira o pior de nós, especialmente ao se contrapor com os demais. E nessa contraposição, sempre somos os bons ou os melhores e eles os perdedores ou a soma da maldade absoluta.
Podemos alegar que os marinhos chilenos que cantavam ameaçadoramente contra bolivianos, peruanos e argentinos eram uns simples descerebrados. Ao menos da mesma categoria que os gendarmes (agentes de polícia) argentinos que proferiam insultos semelhantes contra os “chilenitos” vizinhos, em um vídeo um pouco mais antigo, mas que serve para a ocasião. E se continuarmos pesquisando, provavelmente encontraríamos outras evidências próximas. Esta alusão à idade mental dos envolvidos só serve para esconder a maior parte da verdade. Descerebrados semelhantes podem ser encontrados em qualquer país da região e fora dela. Por isso, o problema está na forma como os cantores e suas canções são utilizadas por quem pode e que permanentemente se gaba de um nacionalismo semelhante.
Os insultos chilenos, que chegam a ferir a sensibilidade dos ouvintes, foram justamente condenados no Chile e no exterior. No Chile, as autoridades civis e militares pronunciaram-se duramente contra o escândalo internacional que se aproximava. Mas também se escutaram vozes rebaixando a importância do ocorrido ou o justificando com o pueril argumento de que em todos os lados ocorrem coisas semelhantes, como depois foi visto no caso argentino.
O ministro de Defesa chileno Alfonso Vargas, ao mesmo tempo que qualificou os cânticos de “ofensivos ”, assinalou que: “Em todas as instituições armadas em nosso país e em todos os países do mundo, é habitual o trote com cantos alusivos de diferentes tipos. O importante destes é que as letras dos cantos sejam adequadas e aqui o que ocorreu é que o grumete improvisava”. Inclusive um parlamentar da oficialista UDI (União Democrata Independente), depois de criticar as vozes críticas e justificar os fatos concluiu de forma tachante: “para evitar esses cantos violentos dos marinhos [teria que inscrevê-los] em aulas de bordado e ponto cruz”.
Fora do Chile alguns despiram as armaduras até limites indescritíveis. Quem rapidamente se colocou à frente da procissão foi o governo de Evo Morales, que clamou por uma forte condenação internacional contra aqueles que tinham manchado a honra pátria. O vice-ministro de Coordenação com os Movimentos Sociais, César Navarro, disse que “em pleno século XXI não podemos ter, entre vizinhos, inimigos desta envergadura”. E foi mais longe ao apontar, em relação à reclamação boliviana de uma saída ao mar, que “O Governo do Chile não pede união na América Latina e vê seus vizinhos como inimigos, sejam argentinos, peruanos ou bolivianos. A isso responde a atitude excessivamente conservadora e ortodoxa do presidente (Piñera) de dizer não a tudo”. Ademais, um deputado do MAS (Movimento ao Socialismo), não descartou que a Assembléia Legislativa emita um pedido oficial pelas expressões xenófobas, já que “isto confirma que o Chile é um mau vizinho”.
Por sua vez, uma publicação argentina, claramente amarela e sensacionalista, falava dos “covardes cânticos da armada chilena” e chamava-os de cultura pinochetista”. No entanto, em todo o continente praticamente não se ouviram vozes que apontassem a conveniência de limpar a própria casa ao invés de se intrometer nos assuntos vizinhos. É bem mais fácil clamar vingança contra o agressor externo do que se esforçar em evitar casos semelhantes em nosso país.
As reações provocadas pelos cânticos militares nacionalistas também contradizem o discurso de integração regional, tão agitado ultimamente por uns e outros na América Latina. Algo do tipo foi visto na última Cúpula da CELAC, em Santiago do Chile, quando Cuba assumiu a presidência pró tempore. Raúl Castro, novo presidente da Comunidade Latino-Americana, proclamou a necessidade de uma batalha “a sangue e fogo” contra o narcotráfico, já que: “Nossas leis permitem a pena de morte. Está suspensa, mas aí está de reserva, porque uma vez que a suspendemos, o único que fizemos com isso foi estimular as agressões e as sabotagens contra o meu país”. Seu discurso esteve cheio de quase todos os tópicos do nacionalismo anti-imperialista latino-americano, começando pelo vitimismo e as responsabilidades de fora. Em definitiva, trata-se de combater o narcotráfico com receitas similares às que alguns militares chilenos e argentinos recomendam para seus vizinhos.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Banco Internacional Futebol Clube?, ou Confederacao Mundial da Politica Monetaria?

Leio esta notícia no Wall Street Journal:

Britain Picks Canadian To Head BOE
 (ou seja, a Grã-Bretanha escolheu um canadense para dirigir o seu banco central, o Bank of England)

Ao mesmo tempo fiquei sabendo que a impoluta, transparente, corretíssima, espartana, limpíssima Confederação Brasileira do Futebol descartou qualquer convite ao antigo técnico do Barça (o time de futebol de Barcelona), hoje vivendo em New York, para ser o novo técnico da seleção brasileira de futebol, na saída do antigo, sumariamente demitido por razões ainda obscuras (mas que são certamente mal cheirosas, sabendo que o vice-presidente da CBF anda metido com grandes irregularidades no setor financeiro).

Enfim, quando se cogitou desse convite, eu nunca o considerei factível, realista ou possível, por "n" razões, entre elas de que não basta ser o bem sucedido técnico de um time muitas vezes campeão no plano mundial para ter sucesso no futebol tupiniquim, também muitas vezes campeão, mas certamente por outros méritos e características que fizeram do Barça um dos maiores times da história secular do futebol.
A razão principal, obviamente, é que ninguem, com raríssimas exceções -- salvo um ou outro louco, como este que aqui escreve --, concordaria em ter um "estrangeiro" -- oh!, que horror, não é mesmo? -- à frente do esquadrão canarinho de tão gloriosas tradições tupiniquins (e várias outras jabuticabais).
Por que isso? Bem, parece que além de sermos nacionalistas em várias coisas, somos terrivelmente chauvinistas em matéria de futebol (e desculpem a expressão de origem francesa, mas vocês não esqueceram que football é importado, não é mesmo Aldo Rebelo?).
(9,99% dos brasileiros considerariam um atentado à soberania nacional ter um técnico estrangeiro à frente da nossa glorioso seleção (hoje bem menos gloriosa, e um pouco mercenária...).
Eu não: eu veria com naturalidade, e acho que até seria bom, embora eu também tenha 99,99% de certeza de que, se tal loucura fosse concretizada, por um desses milagres que ocorrem a cada 2 mil anos, ela simplesmente não daria certo: o técnico seria um fracasso, e seria também demitido no espaço de poucos meses. 

Mas vejam vocês: a velha Grã-Bretanha (na verdade o Reino Unido) entrega o comando de uma das instituições mais relevantes do reino, aquela que cuida da sua saúde monetária, o guardião do poder de compra da velha libra esterlina a um estrangeiro, recrutado unicamente com base no mérito, numa seleção aberta, na qual qualquer cidadão do mundo, inclusive um aborígene da Nova Guiné, ou o nosso mais competente Armínio Fraga, poderia ter se apresentado e ter sido eleito, ou escolhido.
Não é interessante?
Eu também acho, e acho também que os presidentes, os reitores de faculdades, vários (talvez todos) os ministros, os juízes do Supremo também poderiam (quem sabe deveriam?) ser recrutados em bases mais amplas do que esse modesto quinhão de apenas 194 milhões de brasileiros (na verdade menos, pois temos de tirar daí pelo menos dois terços de analfabetos funcionais). 
Não seria bom se pudéssemos contar com os talentos de zilhões de chineses, americanos, europeus, australianos, hotentotes e pigmeus, para dirigir o nosso país, suas universidades, a Suprema Corte, pessoas recrutados unicamente com base na sua competência, dedicação, plano de trabalho, metas a serem cumpridas e, sobretudo, conhecimento e experiência?
Eu colocaria anúncios na Economist e no Wall Street Journal para recrutar o nosso presidente do Banco Central tranquilamente, assim como ofereceria salários milionários para o bom administrador que resolvesse enfrentar a dura tarefa de corrigir nossas universidades públicas (claro, teria que passar primeiro o trator em cima do MEC, mas isso seria permitido), e também acharia bom que juízes experimentados de outros países resolvessem aplicar a nossa lei, apenas com base na lei escrita -- o que não deve ser difícil de fazer, sendo um cidadão normalmente alfabetizado -- e não com o espírito justiceiro de quem pretende corrigir injustiças "históricas" cometendo outras injustiças e rompendo com o princípio da igualdade de todos os cidadãos (e cidadãs).

OK, acho que as pessoas não estão preparadas para isso, ainda, mas seria bom se começassemos por algo inócuo, como o futebol. Inócuo? Claro, a despeito de dar alegria a todos nós, uma derrota no futebol não é uma tragédia, não diminui a renda nacional, não produz déficit orçamentário, nem crise de balanço de pagamentos, tampouco problemas institucionais, só um pouco de tristeza.
Eu sei que não daria certo, mas não custa tentar...
Paulo Roberto de Almeida   

sexta-feira, 13 de julho de 2012

Nacionalismo miope atrasa o Brasil e nos torna mais pobres

Incrível como duzentos anos de teoria das vantagens comparativas e dezenas de anos depois de serem comprovados os efeitos nefastos do protecionismo comercial, como ainda tem gente que defende, pratica, promove, estimula e justifica o mais canhestro protecionismo comercial e o nacionalismo mais rastaquera no domínio industrial.
Enfim, tem gente que não aprendeu economia, nem mesmo frequentando cursos (supostamente) de economia na faculdade, ou exibe uma visão estreita, míope, deformada, dos fenômenos econômicos, e por isso acaba praticando o que eu chamo de stalinismo industrial, ou seja, uma estrutura industrial verticalizada, feita unicamente no próprio país, ignorando completamente o fato de que qualquer indústria, hoje em dia, tem dimensão necessariamente internacional.
Apenas rústicos podem praticar nacionalismo de botequim e protecionismo de contabilidade invertida.
Assim marcha o Brasil (ou não?).
Paulo Roberto de Almeida 




Se, efetivamente, estender para todo o setor de energia elétrica a política de conteúdo local em vigor para a indústria do petróleo - medida já em discussão no Conselho Nacional de Política Energética (CNPE) -, o governo premiará mais um segmento específico da indústria nacional, como tem feito com outras medidas de estímulo à atividade econômica. É muito pouco provável, contudo, que com essa medida beneficie o País. A possibilidade de se exigir dos fornecedores de equipamentos para as áreas de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica um índice mínimo de componentes nacionais, repetindo o que já se faz no setor de petróleo, pode criar uma reserva de mercado para determinadas empresas instaladas no País, com todas as consequências negativas inevitáveis nesse tipo de prática.
O governo argumenta que a extensão para o setor elétrico da política de conteúdo local permitirá combater o aumento das importações, dotar a indústria nacional de maior competitividade e dar mais segurança e confiabilidade ao sistema - além de aumentar o emprego. São, basicamente, os mesmos argumentos de que lançou mão para justificar essa política para o setor de petróleo.
Segundo o governo, é cada vez maior a presença de fornecedores estrangeiros em obras de infraestrutura, em particular em projetos de exploração de recursos naturais. Primeiro vieram os europeus, depois os chineses. É crescente, segundo o Ministério de Minas e Energia, a participação de equipamentos importados e também da mão de obra estrangeira na execução e operação dos projetos nessa área. Como mostrou reportagem do Estado, o documento em estudo pelo CNPE lembra que problemas como esses no setor do petróleo foram enfrentados com a adoção da política de conteúdo local.
Ao estudar meios de ampliar essa política nacionalista, o governo Dilma dá continuidade a mais um dos muitos equívocos de seu antecessor. A contratação, no Brasil, de equipamentos para a indústria do petróleo foi uma importante bandeira eleitoral do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002. Ela tinha o poder de encantar uma parte do empresariado, aquela que seria diretamente beneficiada pelo aumento das encomendas, outros que ganhariam com a dinamização da atividade em sua área e os trabalhadores, pois representaria mais empregos para eles.
A realidade, porém, tem sido muito diferente do cenário prometido pelo governo na defesa dessa política. A falta de capacidade de produção da indústria nacional para atender a encomendas de grande porte, como são comuns no setor de petróleo, vem retardando projetos da Petrobrás.
Mesmo que a indústria nacional esteja preparada para atender aos pedidos volumosos nas áreas de petróleo e de energia elétrica, há outros riscos decorrentes da exigência de conteúdo nacional. A existência de um mercado cativo para o produtor local desestimula a busca da eficiência e abre espaço para a prática de preços incompatíveis com o mercado internacional. O resultado pode ser produto de qualidade inferior ao de similares disponíveis no mercado externo, mais caros e entregues fora do prazo contratual.

Não se contesta a intenção do governo de estimular e incentivar a produção local. Trata-se de discutir os limites a incentivos desse tipo. Se exagerados ou muito seletivos - como são muitos dos concedidos pelo governo Dilma a pretexto de reduzir os impactos da crise mundial sobre a economia brasileira -, resultam em perdas para os demais setores e para os contribuintes e consumidores em geral, ao aumentar custos.
No exame dessa questão - que deve levar em conta a capacidade da indústria local e os compromissos assumidos pelo Brasil na OMC, entre outros fatores, como se anuncia que será feito -, o CNPE não pode deixar de observar os objetivos para os quais foi criado, como órgão de assessoramento do presidente da República. Entre eles está a proteção dos interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos e a promoção da livre concorrência. A exigência de conteúdo nacional pode resultar no oposto desses objetivos.


O governo continua apostando no mercado interno para enfrentar a crise global, mas até agora a aposta deu pouco ou nenhum resultado. As políticas de estímulo resultaram quase exclusivamente no aumento do consumo, do endividamento, da insolvência e das importações. Jornais publicam longas matérias sobre os altos níveis de calote, em geral involuntário, e sobre como evitar as armadilhas do crédito. O problema é importante, mas é apenas um dos muitos sintomas de um desarranjo muito mais amplo. Por nove semanas o mercado financeiro reduziu as projeções de crescimento econômico. O último número é 2,01%, mediana das previsões coletadas pelo Banco Central (BC) para o Boletim Focus. O próprio BC já havia, em junho, baixado sua estimativa de 3,5% para 2,5%.
A economia brasileira teria crescido muito mais no ano passado e continuaria a expandir-se com folga, neste ano, se o aumento do produto interno bruto (PIB) fosse mais dependente do consumo privado e do custeio do setor público. Foi essa, no entanto, a terapia básica adotada pelo governo. Teria dado resultados melhores, provavelmente, se os grandes problemas da produção nacional fossem conjunturais. Não são, mas os formuladores da política oficial têm agido como se a maior ameaça econômica viesse de fora, isto é, das grandes potências em crise. Com essa interpretação, tão irrealista quanto confortável, o governo se dispensa de cuidar mais seriamente dos problemas reais, todos made in Brazil.
Gastança pública e estímulo ao consumo são bons para fazer a economia pegar no tranco, em tempos de desemprego e muita capacidade ociosa. A longo prazo, o crescimento depende mesmo é da taxa de investimento e da eficiência do capital investido. Entre janeiro e março deste ano, o Brasil investiu o equivalente a 18,7% do PIB. Além de baixa, essa proporção foi inferior à do primeiro trimestre do ano passado (19,5%) e à de igual período de 2010 (19,2%). Mesmo para esse resultado abaixo de medíocre foi necessária a participação externa, porque a taxa de poupança, naqueles três meses, ficou em 15,7% do PIB (17% em 2011). O governo, como já foi comprovado muitas vezes, é o mais importante moedor de recursos e tem-se dedicado com empenho à despoupança.
O Ministério da Fazenda reduziu de 20,8% para 20,4% sua projeção da taxa de investimento. A nova estimativa apareceu em abril, no último boletim da série Economia Brasileira em Perspectiva. Esse tipo de correção tem sido frequente. O setor privado investe menos do que poderia, se enfrentasse menos entraves, e o governo, bem menos do que promete, por incapacidade gerencial. Neste ano, o governo federal acelerou os empenhos e desembolsos, num esforço para se antecipar às limitações do período eleitoral. Mesmo assim, os resultados foram ruins.
De janeiro a junho, o Tesouro aplicou R$ 18,9 bilhões, 2,1% mais que em igual período de 2011, descontada a inflação, mas 13,7% menos que no primeiro semestre de 2010. Além disso, o total desembolsado correspondeu a apenas 21% do valor previsto para 2012 no Orçamento Geral da União. Como sempre, restos a pagar, R$ 14,1 bilhões, compuseram a maior parte dos desembolsos.
A realização do PAC, o Programa de Aceleração do Crescimento, continua deficiente e os números divulgados pelo governo são enfeitados. No primeiro semestre, 52,6% dos desembolsos foram financiamentos destinados aos programas habitacionais, como indica tabela divulgada pela organização Contas Abertas. A maior parte do PAC é executada mais lentamente. Também é ruim a execução dos projetos dependentes das estatais. Mesmo a mais eficiente, a Petrobrás, tem sido incapaz de entregar os resultados prometidos, como deixou claro a nova presidente, Graça Foster, em suas primeiras declarações depois de assumir o posto.
O baixo investimento seria compensado, em parte, se a produtividade do capital investido fosse mais alta. Não se pode, no entanto, contar com isso. No setor privado, é normal o esforço para extrair o máximo de cada real investido, mas a aplicação do dinheiro no setor público segue outros critérios. Queimam-se recursos com emendas parlamentares de alcance paroquial. Montanhas de dinheiro são perdidas em projetos mal preparados, em contratos com empreiteiras malandras, em convênios com organizações delinquentes e em negócios com fornecedores despreparados. O escândalo do petroleiro João Cândido, lançado ao mar com discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e só entregue dois anos depois, é um exemplo especialmente pitoresco de como investir mal.
Tudo isso se reflete na balança comercial. Até a primeira semana de julho, as exportações foram 1,4% menores que as de um ano antes, as importações, 4% maiores e o superávit, 44,6% inferior. O sistema produtivo está emperrado e só o governo insiste em desconhecer esse fato.