Pelo menos é o que se pode deduzir da entrevista desse especialista francês em mercados emergentes: China e Índia possuem líderes ou equipes dirigentes que podem ser chamados de estadistas, ou seja, pessoas absolutamente comprometidas com o crescimento de seus países, com base em políticas que se amoldam aos estímulos e demandas dos mercados mundiais.
Por dedução contrária, o Brasil possui um bando de capiaus, dotados de pouca visão estratégica, praticando um keynesianismo de botequim, temperado com molhos atrasadíssimo de extração cepaliana ou prebischiana (mas no mau sentido, pois que as receitas sempre evoluem em função das circunstâncias, são os capiaus tupiniquins que permanecem onde estavam 30 ou 40 anos atrás), e incapazes de formular políticas de crescimento adaptadas aos requerimenos dos mercados mundiais. Daí o retorno ao estatismo, ao protecionismo, à improvisação e às medidas pontuais e setoriais, absolutamente incapazes de corrigir os defeitos estruturais do país.
Não creio que a China escapa de uma ou duas crises, em função, justamente, de seu estatismo exagerado, o que sempre redunda em investimentos errados e estímulos equivocados.
Em todo caso, cabe ler o que este francês tem a dizer...
Paulo Roberto de Almeida
INTERNACIONAL
China e Índia optaram pelo "pragmatismo de resultados"
Xavier Richet/Universidade de Paris III
Monitor Mercantil, 30/11/2012
Na segunda parte de sua entrevista exclusiva ao MM, o economista Xavier Richet, da Universidade de Paris III (Sorbonne Nouvelle), especialista em economias emergentes, compara os modelos de desenvolvimento chinês e indiano. Richet afirma que, mesmo existindo estratégias nacionais de desenvolvimento, a chave para entender o dinamismo das duas economias é a desregulamentação.
"Enquanto na China as grandes empresas são estatais, a Índia optou por aproveitar a herança inglesa e reforçar suas maiores corporações de propriedade familiar. É um "pragmatismo de resultados", cujo objetivo inicial era alimentar mais de um bilhão de pessoas", afirma Richet, acrescentando que as empresas privadas chinesas, temendo a intervenção do Estado, investem pesadamente em paraísos fiscais: "Cerca de 13% dos investimentos chineses vão para a América Latina. Porém, na verdade se destinam a paraísos fiscais."
A Índia é outro gigante emergente. Quais as semelhanças e diferenças em relação ao modelo chinês?
A Índia se concentrou numa dimensão pós-colonial, assumindo o modelo típico da Inglaterra, de formação de elites. Criou universidades e centros educacionais com excelentes resultados e dedicou-se também à formação de grandes grupos industriais sob controle de famílias.
O país consolidou grandes conglomerados, não voltados para a exportação, mas para o mercado interno. Bastante diferente do modelo chinês, mercantilista, voltado para o mercado externo. Os conglomerados indianos desenvolveram competências muito fortes, inclusive financeira, o que permitiu se posicionarem bem na produção com alto valor agregado, ao contrário do que ocorreu na China.
Apesar das diferenças, é correto afirmar que nos dois casos houve uma estratégia do Estado?
Na verdade, o Estado desregulamentou, tanto na China, quanto na Índia. Em alguns setores estratégicos, principalmente na China, houve planos, mas não há a visão de ocupar determinados setores da produção mundial.
Pelo contrário, até 2002, há uma forte desregulamentação e ausência do Estado. Quando se fala hoje, por exemplo, sobre o papel do Estado na China, com relação à conquista do mercado externo, é algo muito recente, de 2002, com a entrada do país na Organização Mundial do Comércio (OMC).
Então seria uma adaptação do Consenso de Washington?
Não. Fizeram a desregulamentação, mas não tinham uma visão pré-determinada sobre a direção a seguir. A diferença é muito simples. O Consenso de Washington recomendava um determinado conjunto de políticas para obter resultados pré-estabelecidos.
O objetivo, no caso de China e Índia, era alimentar mais de um bilhão de pessoas. Um pragmatismo de resultados. Há um medo atávico na China de que o governo possa tomar o dinheiro das empresas. Então, boa parte deles é aplicada fora do país, a partir de Hong Kong, embora a sede da empresa continue na China.
Isso é autorizado pelo governo?
Fazem uma ciranda. O dinheiro vai e volta. Boa parte vai para Ilhas Cayman ou Ilhas Virgens. Cerca de 13% dos investimentos chineses vão para a América Latina. Porém, na verdade se destinam a paraísos fiscais.
Estamos longe da transparência. As cifras oficiais falam de apenas 4%, mas as fontes ocidentais estimam que apenas 65% dos investimentos passam por Hong Kong. Em todo caso, nunca existiu uma visão anterior do Estado.
Como é na Índia?
Na Índia, o Estado também não diz para as empresas o que têm de fazer. Foram se especializando em mais valor agregado, sobretudo informática. Muitas vezes se apresenta, corretamente, a China como a fábrica do mundo e a Índia como escritório do mundo, porque o primeiro se especializou na produção de bens materiais, enquanto que os indianos teriam optado pelo setor de serviços. É uma constatação.
Quem se saiu melhor?
Há uma classificação muito interessante de uma grande empresa de consultoria norte-americana, a Boston Consult Group (BCG), de que, entre as empresas com melhores resultados dos Brics, há 47 empresas chinesas, a maioria com capital estatal; 25 indianas, com capital totalmente privado, dos setores de farmácia, informática, eletrônica; sete brasileiras, entre elas a Petrobras; e outras sete sediadas na Rússia. São as que mais investem no exterior. Há também oito firmas mexicanas neste grupo.
Então, o motor desse desempenho, apesar da desregulamentação, pelo menos no caso da China, é o Estado?
No caso da China, sim. Já na Índia e no México é o mercado.
Não há contradição nisso?
Partindo de um momento-chave, o início dos anos 2000, que é o momento da abertura, no caso chinês, excetuando algumas empresas estratégicas, foi permitida a entrada de empresas estrangeiras.
As exceções ficam predominantemente no setor bancário, no qual há seis bancos fortes, com grande presença do Estado.
No máximo, permite-se associações com instituições estrangeiras. Já no plano internacional, a partir da entrada da China na OMC, em 2002, fica clara a estratégia de internacionalização das empresas chinesas, que tiveram crescimento exponencial.
Existe algum caso similar ao chinês?
Hoje, a China é muito parecida com as empresas norte-americanas dos anos 50 e 60, quando começaram a se internacionalizar e a competir em outros mercados. Um grande exemplo e o setor automobilístico. Na China, encontramos as grandes montadoras norte-americanas, francesas, japonesas.
As empresas chinesas produzem também para o mercado interno, mas a população prefere os carros de luxo europeus e norte-americanos.
Então a China fica um pouco obrigada a vender para o exterior, porque em casa preferem Mercedes, Renaut, Volvo, embora a produção tenha melhorado muito o nível, levando o país a ser o primeiro produtor mundial de veículos.
Fiz um estudo sobre a Volvo na China e constatei que a empresa chinesa que comprou a Volvo produz na China para competir com as estrangeiras, por causa do referencial simbólico da Volvo.
O Brasil não tem conseguido construir um sistema nacional de inovação. Em que estágio se encontra a China? O país é uma ameaça para o Brasil?
Quanto à inovação, a China está no mesmo nível de desenvolvimento do que o Japão, embora o país esteja longe de produzir bens de luxo no nível, por exemplo, da indústria automobilística do vizinho asiático.
Já o Brasil, dificilmente terá condições de competir com a China. A mesma empresa que comprou a Volvo, para oferecer carros de luxo ao mercado interno, atualmente está investindo no Irã, na Malásia, em países com mão-de-obra barata, não para produzir o Volvo de luxo, mas carros para renda mais baixa.
É um mercado que o Brasil poderia ocupar, pelo menos na América Latina, mas não se vê condições para isso. A China importa commodities do Brasil, mas por outro lado, produz bens capazes de concorrer com o seu país na Argentina, México, Peru.
Rogério Lessa
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