Nenhum conceito contribuiu tanto para confundir o pensamento acadêmico e estratégico sobre a economia global e a política internacional nos últimos anos quanto o de BRICS. Formado pelas letras iniciais de Brasil, Rússia, Índia e China, o termo BRICs foi formulado inicialmente em 2001 pelo Economista-Chefe do banco de investimentos Goldman Sachs, Jim O´Neill, para agrupar os principais países emergentes que constituiriam, até 2050, os “pilares” de um renovado sistema internacional.
Embora a ideia central de O´Neill se referisse simplesmente à trajetória econômica individual de quatro países agrupados pela existência de características similares, mas sem implicar qualquer articulação entre si, o impressionante desempenho econômico desses países, alimentado por mercados consumidores em expansão e pelo crescimento elevado do Produto Interno Bruto, e a assertividade na política externa fizeram com que a denominação se tornasse de uso comum em escala global.
Foi, entretanto, apenas a partir de 2006, após série de reuniões informais realizadas às margens da 61ª Assembleia-Geral das Nações Unidas, que representantes desses países, embalados pelos sonhos de se tornarem as superpotências que definiriam os rumos de um novo ordenamento global, começaram a trabalhar a criação de uma plataforma coletiva de atuação no cenário internacional. Havia a percepção de que, além da economia em expansão e de aspectos demográficos em comum, outras características eram partilhadas, entre as quais a crença no direito a um papel mais influente em assuntos mundiais, derivada do necessário reconhecimento internacional ao peso político, econômico, histórico e diplomático dessas nações.
O mecanismo BRICs seria, assim, porta-voz do processo de construção de uma nova ordem internacional mais solidária, legítima, representativa e simétrica, além de uma alternativa ao predomínio econômico-financeiro de Estados Unidos, União Europeia, G7 e FMI. Na realidade, entretanto, pouca coisa em comum os une. As enormes diferenças estruturais, de modelos de desenvolvimento, de concepção do papel do Estado existentes e interesses de política externa pouco coincidentes tornam limitadas as possibilidades de ação coletiva.
Após cinco Cúpulas, e, para além da retórica diplomática, o BRICS não disse a que veio. Nada avançou rumo a uma identidade coletiva, tampouco apresentou plataforma concreta de proposições estratégicas ou nova moldura teórica para negociações comerciais. É uma frágil comunidade de interesses, consequência de suas relações serem mais de competição, ou mesmo franco desinteresse, do que de cooperação.
Sob a ótica econômica, não há indicador confiável a sustentar a tese de que o grupo tende a liderar o crescimento mundial. A China já era uma potência econômica. Mas sua atual estratégia de desaquecimento suave, que retira ênfase do comércio externo e dinamiza o mercado interno, não é boa notícia para países como o Brasil, que depositavam suas esperanças na China como motor da recuperação.
O PIB brasileiro cresceu minguados 2.7% em 2011 e 0.9% em 2012, com previsão de 3% neste ano, pouco para quem almeja redefinir a geografia econômica mundial. A indústria nacional sofre de grave falta de competitividade, mas não é perceptível política industrial integrada. Ao contrário, assiste-se a uma profusão de ações desconectadas, contraditórias e pouco elaboradas, que aprofundam um protecionismo primário sem a preocupação de aumentar a produtividade.
Embora a China tenha ultrapassado os EUA como nosso principal parceiro comercial, isso não representou vantagem para o comércio exterior. A pauta exportadora para os chineses é menos diversificada do que há dez anos e se concentra em commodities. Desenvolvemos dependência em relação às suas importações. Pior, perdemos participação no mercado americano. Na década de 80, Brasil e China tinham níveis quase idênticos de exportação para os EUA. Em 2011, para lá enviamos US$ 25 bi; os chineses, mais de US$ 320 bi.
A Rússia necessita diversificar sua economia para voltar a crescer. O setor energético representa 60% das exportações. Dos BRICS, foi o mais afetado pela crise. Em 2009, a economia encolheu 8%, com crescimento abaixo de 3% ao ano desde então. A desaceleração também atingiu a Índia, cujo PIB cresceu em média 6% nos últimos três anos, inferior aos 8.5% pré-crise e abaixo dos dois dígitos necessários para fazer avançar um país com quase 90% da população abaixo da linha de pobreza. O país sofre com acentuadas deficiências regulatórias, disseminação da miséria e infraestrutura produtiva digna dos mais atrasados países africanos.
Na sequência da crise de 2008, os BRICS demonstraram clara falta de harmonização de políticas financeiras. Esperava-se que tivessem papel fundamental na superação do tsunami financeiro que submergiu as economias mais avançadas, em vista das vultosas reservas em seus cofres. Entretanto, sua contribuição para a superação da crise foi nenhuma. A mesma falta de iniciativa se verifica no tocante às dificuldades fiscais enfrentadas pelos europeus em sua luta para salvar o Euro.
Sob o ângulo estratégico, o que esperar de um grupo cujos membros – exceto o Brasil, o ingênuo e otimista Dr. Pangloss da política internacional – apresentam desconfianças e ressentimentos mútuos, sobretudo em relação ao papel desempenhado por essas nações no espaço euroasiático? A China não tenciona alimentar o surgimento de um concorrente geopolítico, razão porque não apoia o pleito indiano a um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU (assim como não endossa a candidatura brasileira). A Rússia segue o mesmo raciocínio. A Índia veta a entrada chinesa no IBAS. Ciente de sua importância para o desenho de qualquer cenário, a China não necessita e nã quer harmonizar suas políticas com os interesses dos parceiros, evitando firmar alianças que tolham sua liberdade de ação.
Compreende-se que projetos como o BRICS se inscrevam no quadro de diversificação de parcerias Sul-Sul. Todavia, as possibilidades de ação concertada para conformar uma nova ordem internacional não se adequam à realidade. Inexistem dados que suportem a ideia de atuação coletiva, como demonstram a crise Síria e a questão nuclear no Irã. Na eventualidade de o bloco assumir postura mais assertiva, isso se dará em função dos esforços individuais.
Para o bem da política externa brasileira, o BRICS deveria ser visto como uma aliança complementar às demais interações bi e multilaterais. Não se apostam todas as fichas em um projeto cujo potencial para divergências é maior do que para avanços. As diferenças nos recursos de poder, nas prioridades de política externa, nos modelos de inserção internacional e no ritmo de expansão econômica representam obstáculos práticos ao estabelecimento de uma relação funcional acerca de temas de interesse global.
Marcos Rosas Degaut Pontes, Mestre em Relações Internacionais pela Universidade de Brasília, doutorando em Ciência Política pela University of Central Florida, Especialista em Economia Política Internacional e Chefe Adjunto da Assessoria Internacional da Presidência do Superior Tribunal de Justiça ()
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