O Globo, 15 de agosto de 2013
É embaraçoso para o governo Dilma: como dizer que o automóvel particular
a gasolina agora é o bandido, depois de ter passado anos dando-lhe tratamento
de rei?
Não é modo de dizer. Os carros tiveram seus preços abatidos, via redução
de impostos, e as montadoras locais foram apoiadas com proteção e financiamento
subsidiado para aumentar a produção. Os compradores também foram brindados com
enorme ampliação do crédito — nada menos que R$ 52 bilhões concedidos nos
últimos dois anos. De presente extra, a gasolina com o preço congelado e
contido, para segurar a inflação e evitar a bronca dos motorizados.
Agradecidos, os brasileiros, especialmente os da nova classe média,
foram à luta, quer dizer, aos bancos e concessionárias, e cumpriram sua
obrigação de apoiar o crescimento do PIB. Saíram de carro por aí.
Infelizmente, a Petrobras não conseguiu entrar na festa. Sua produção de
petróleo estagnou, as refinarias não deram conta da demanda, as novas
refinarias estão atrasadas, de modo que a estatal precisou importar cada vez
mais gasolina. E a preços não brasileiros, claro.
Não é de estranhar que o resultado tenho saído muito errado. A inflação
continuou elevada e o crescimento permaneceu muito baixo. Sempre se pode dizer
que tudo teria sido pior com a gasolina e os carros mais caros. Mas pior
comparado com o quê? De todo modo, o fato é que muitas outras coisas também
deram errado. A Petrobras, perdendo receita, sendo obrigada a vender gasolina
mais barato do que importa, teve que se endividar. E as ruas ficaram
congestionadas, pois não se investiu na infraestrutura necessária para acolher
os carros e abrir caminhos para o transporte coletivo.
Como consertar isso, considerando ainda mais que a Petrobras precisa de
dinheiro, muito dinheiro, para o pré-sal? E lembrando que o dólar caro veio
para ficar?
Claro, precisa aumentar o preço da gasolina para turbinar as receitas da
estatal. Quanto? Se for apenas para equilibrar o preço atual, pelo menos 20%.
Se for para recuperar perdas passadas, uns 30%.
Mas isso jogaria a inflação de novo para cima do teto da meta — 6,5% — e
provocaria uma justa bronca na classe média. Qual é? Não era para comprar
carro?
Que tal, então, um aumento moderado para a gasolina e para o diesel?
Ruim também. Talvez pior. Provocaria inflação de qualquer jeito — pois o índice
está rodando em torno do teto —, não resolveria o caixa da Petrobras e deixaria
todo mundo aborrecido.
E, para complicar, tem mais essa proposta do prefeito de São Paulo,
Fernando Hadad, de colocar um imposto de 50 centavos por litro de gasoloina e
usar todo o dinheiro para subsidiar e reduzir tarifas de ônibus. Para efeitos
de índice de inflação, a redução da tarifa compensaria a alta da gasolina, mas
vá explicar para o pessoal que está tudo bem com a gasolina a R$ 4,20.
Imaginem o impacto psicolólogico e social, pois a gasolina subiria em dose
dupla, uma para a Petrobras, outra para os ônibus. E, como estes passam a ter
prioridade, os brasileiros que micaram com os carros pagarão mais caro para
ficar em congestionamento mais demorado.
Como o governo pode ter se equivocado tanto?
Seria uma pergunta cabível se o resto estivesse funcionando. Mas
considerem apenas o que tem saído na imprensa nos últimos dias.
As usinas de Jirau e Santo Antonio, em construção no Rio Madeira, vão
gerar uma carga de energia que não pode ser levada pela linha de transmissão
projetada. Simplesmente queimaria tudo. A linha é insuficiente. Sabe-se disse
desde 2010 — e ainda estão discutindo para descobrir de quem é a culpa.
Mas deve estar sobrando energia, não é mesmo? Usinas eólicas estão
prontas e paradas há um ano, por falta de linhas de transmissão.
Há uma guerra judicial no setor elétrico, com o governo tentando
empurrar para empresas a conta da energia produzida nas usinas térmicas.
Há milho para ser estocado, uma superprodução, e armazéns da Conab
fechados por falta de manutenção ou porque estocam milho… velho.
Na política econômica, o Brasil é o único país importante que está
subindo juros. É também o único emergente de peso que não pode se aproveitar do
momento internacional para deixar a moeda local se desvalorizar o tanto
necessário para dar muita competitividade às exportações.
Uma ironia: a “nova matriz” do governo, alardeada pela presidente Dilma,
se baseava em juro baixo e dólar caro, para ter crescimento elevado. Pois, no
momento em que o dólar sobe sozinho, por conta dos EUA, o BC brasileiro tem que
elevar os juros e tentar segurar o dólar para controlar a inflação. E lá se vai
o PIB.
Uma ironia pedagógica, se é que conseguem aprender com tantos equívocos.
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