"Os BRICS são uma invenção completamente artificial"
Entrevista com Vaclav Smil, escritor e professor da Uni. Manitoba
Por Carlos Eduardo VALIM
IstoÉ Dinheiro, Nº EDIÇÃO: 830 | 06.SET.13
O tcheco naturalizado canadense Vaclav Smil é o que se costuma chamar de um homem renascentista,no sentido de que suas 400 publicações acadêmicas e mais de 30 livros escritos demonstram interesses amplos como eram os de gênios de conhecimento multifacetado
O tcheco naturalizado canadense Vaclav Smil é o que se costuma chamar de um homem renascentista, no sentido de que suas 400 publicações acadêmicas e mais de 30 livros escritos demonstram interesses amplos como eram os de gênios de conhecimento multifacetado como Leonardo da Vinci, Michelangelo e Nicolau Copérnico. Smil, que não tem telefone celular e garante ler até 80 livros por ano, publicou obras sobre assuntos tão diversificados que vão da evolução do consumo de carne no Japão à exploração da biosfera, passando pela desindustrialização dos Estados Unidos. Sua vasta produção faz parte da lista de leituras obrigatórias do bilionário americano Bill Gates, fundador da Microsoft, que escreveu em seu blog que Smil é um dos seus autores favoritos e que aprende mais com ele do que com qualquer outro. Nesta entrevista à DINHEIRO, Smil, com o seu forte sotaque do Leste Europeu, coloca em questão o sentido do termo Brics e o excesso de importância dada aos economistas.
DINHEIRO – Seu último livro trata da reindustrialização dos Estados Unidos. Por que acredita que ela não esteja realmente acontecendo?
VACLAV SMIL – Em uma perspectiva histórica, não ocorre um renascimento da manufatura americana. Muitos economistas não acreditam que a indústria seja uma atividade especial. Eles esperam que seja possível sobreviver somente com empregos em serviços. Mas as sociedades mais bem-sucedidas, não só em termos de geração de riqueza, possuem uma boa porção de empregos industriais. Fazer microchips é, apesar do que muitos economistas americanos pensam, bem mais importante do que servir batatas chips. Os índices de desemprego do país estão em 7%, o que é ok. Mas os postos de trabalho criados nos últimos cinco anos são, em grande parte, temporários e pagam mal. Com isso, surgem problemas, como a queda no número de casamentos. As pessoas querem se casar só depois de terem empregos estáveis. Ou seja, há tremendas consequências sociais, não apenas econômicas, na desindustrialização.
DINHEIRO – A terceirização de produção para o Exterior causará, então, grandes problemas nos países desenvolvidos?
SMIL – Esse é um grande problema, não só por criar um desequilíbrio na balança comercial. Há um grande impacto na classe média. Foi com bons e confiáveis empregos em fábricas que as classes médias surgiram pelo mundo. Sem eles, acontecerão dois movimentos: uma minoria se moverá para cima, para uma classe mais alta, e a grande maioria se tornará pobre.
DINHEIRO – Isso não é privilégio dos países desenvolvidos. No Brasil, há muitas discussões sobre a perda de atividades de manufatura para a China.
SMIL – Até mesmo a China está perdendo empregos. Bangladesh já é o produtor número 2 em têxteis. O Paquistão passou a China e é o número 1 em roupas de algodão. Tudo isso por causa de uma procura louca por locais com mão de obra mais barata. As empresas vão para Bangladesh, para aproveitar as condições locais horríveis de trabalho.
DINHEIRO – Não há um limite para isso?
SMIL – Não, até que se acabem as pessoas. As empresas sempre procurarão locais mais baratos, exceto por lugares aonde elas nunca iriam por serem muito perigosos, como alguns países muçulmanos. Acredito que nos próximos 10 a 20 anos estaremos atingindo o limite, porque já teremos passado por toda a América Latina e a Ásia e chegado à África. Então, o ciclo precisa terminar.
DINHEIRO – As empresas vão passar, então, a considerar mais a produtividade como fator para escolher onde se instalarem?
SMIL – Isso já acontece agora. A industrialização moderna não tem relação com a força de trabalho. A maior parte do trabalho já é feita por máquinas. Os iPhones, iPads e que tais não são feitos na China. São apenas montados lá, a partir de componentes construídos por máquinas nos EUA, na Alemanha, Inglaterra, Holanda, Coreia do Sul ou Cingapura. A produtividade já é muito alta. Então, eles buscam fazer de forma um pouco mais barata. Mas, dessa forma, quem terá empregos do futuro? Nem todo mundo poderá ser um consultor de negócios. Então, quem terá poder de compra para consumir esses produtos? Essas pessoas que eles empregam não poderão.
DINHEIRO – E que papel o Brasil pode ter nesse mundo?
SMIL – O Brasil é um País estranho. Por exemplo, que ideia estúpida é esta de Brics? Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul é uma combinação nada natural. Eles são países completamente diferentes: religiões, expectativas, história, meio ambiente, não há nada parecido entre eles. É algo completamente artificial os colocarem juntos só porque, por um tempo, tiveram altos índices de crescimento econômico. E isso nem acontece mais com o Brasil. Mesmo na China o crescimento caiu rapidamente. E, na Rússia, só há petróleo e gás. Não existe crescimento econômico lá. A Rússia é um país de mentira, que não produz nada. O conceito de Brics é a invenção de um economista britânico (Jim O’Neill – leia reportagem
AQUI) que um dia teve essa ideia. Agora estão dizendo que 20 outros países serão a onda do futuro, no lugar dos Brics. São nações como Indonésia e a Nigéria. Boa sorte com a Nigéria!
DINHEIRO – Quais são os limites para o crescimento da China?
SMIL – O problema da China é que ela quer ser mais os EUA que os próprios EUA. Mas ela não tem os mesmos recursos, as mesmas capacidades, e não pode repetir a mesma evolução. Então, para que tentar? Os japoneses foram muito mais sábios. O consumo japonês é muito mais modesto e moderno.
DINHEIRO – O aumento do consumo chinês pode ser um problema para o mundo?
SMIL – Com certeza. É só observarmos a indústria da pesca. Estamos pescando próximo ou além dos limites, em todas as partes do oceano. Mesmo na Antártica e no Ártico. É como as plantações de eucaliptos. A Amazônia está sendo preenchida por eucaliptos da Austrália, que não pertencem a essa região. Estamos exaurindo os recursos e causando grandes problemas.
DINHEIRO – O sr. acredita que está havendo uma desmaterialização dos itens industrializados, com o lançamento de produtos que exigem menos materiais para serem produzidos?
SMIL – Sim e não. Nós estamos desmaterializando, em termos. Meu próximo livro, que será lançado em dezembro, tratará disso. Nossas geladeiras, é certo, possuem menos aço do que as de 20 anos atrás. O iPhone é mais leve do que os telefones de dez anos atrás. No entanto, com os automóveis isso não aconteceu. O motor é mais leve, porque tem menos alumínio. Mas o peso geral dos carros aumentou. Mesmo o telefone mais leve agora é jogado fora a cada nove meses. Podemos ter desmaterializado em cada unidade, mas, em termos absolutos, a desmaterialização ainda não aconteceu. Lembra que as pessoas falavam sobre o escritório sem papel e que tudo seria eletrônico? O consumo de papel se multiplicou nos últimos 20 anos.
DINHEIRO – Os avanços tecnológicos na agricultura darão conta do crescimento da população?
SMIL – Com certeza. Mas o maior problema é que, nos EUA e na Europa, jogamos fora 40% da comida que produzimos. Mesmo em países pobres acontece isso. Na China, na Índia e o no Brasil, as pessoas ricas desperdiçam comida demais. Estressamos o meio ambiente, aumentamos a produção e desperdiçamos quase a metade no final. Não faz o menor sentido. As pessoas perguntam como fazer para alimentar a todos e haverá falta de alimentos, mas ninguém fala que dois bilhões de pessoas estão desperdiçando comida.
DINHEIRO – Recentemente, o sr. escreveu um livro sobre se os humanos devem comer carne. Devemos?
SMIL – Não há nada de errado em comer carne, mas sim na quantidade em que fazemos isso. Todo mundo quer comer 100 quilos per capita. E as pessoas não querem comer comida eficiente como galinha e porco, mas sim vacas, que exigem muito espaço e o corte de florestas tropicais. Os fast-foods deveriam ser baseados em frango. Antes de pensarmos em animais e sementes geneticamente modificadas, poderíamos nos preocupar em encontrar métodos racionais para desperdiçar menos. As pessoas poderiam comer de 20 a 40 quilos por ano, como no Japão. Assim como na Europa, lá há uma diminuição do consumo per capita de uma série de coisas, por conta do envelhecimento da população e da economia mais lenta.
DINHEIRO – Mas não há uma grande pressão para que esses países cresçam mais rapidamente?
SMIL – Sim, com certeza. Mas é porque a sociedade moderna é comandada por economistas. E eles só sabem pedir uma coisa: crescimento. Diga a um economista moderno que podemos ter uma sociedade sem expansão, e para eles será o fim do mundo. Eles não conseguem imaginar uma sociedade estável. Em tudo, há nascimento, maturação e crescimento rápido, depois a saturação e, em um momento, o declínio e a morte. Seja isso em um organismo, em um ecossistema, ou em um grande sistema chamado economia global.
DINHEIRO – O sr. é um crítico das energias renováveis?
SMIL – Não há nada de errado com elas, mas depende de como as exploramos. Qual é o ponto de se derrubar florestas tropicais para plantarmos cana-de-açúcar para produzir etanol? Nos EUA, as pessoas colocam o etanol em grandes SUVs. Você produz esse combustível, que é relativamente caro, e usa para abastecer veículos monstruosos. Por outro lado, os motores estão mais eficientes. Mas, como a massa do carro é maior, o consumo também cresce.
DINHEIRO – O sr. acredita que os combustíveis fósseis ainda terão participação importante no mundo?
SMIL – Sim, porque cerca de 85% do combustível utilizado no mundo para alimentar as máquinas vem de fontes fósseis. E a transição para a energia renovável será lenta. Nós não estamos nem diminuindo o uso dos combustíveis fósseis, em termos absolutos. Por causa da China e da Índia, estamos, na verdade, consumindo mais desses combustíveis hoje do que há dez anos.
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