Uma Ideia Ruim Sempre Pode ser Piorada: O Banco dos BRICS
https://www.youtube.com/watch?v=xXwo5_-KDH8&list=UUdivG5uywW1-UHNG5NGpExQAgora leiam o artigo do Roberto Ellery em seu blog, sobre o qual o Sachsida justamente me chamou a atenção.
Paulo Roberto de Almeida
Banco dos BRICS: Desnecessário e Perigoso
Blog do Roberto Ellery, 16/07/2014
O assunto da semana é a criação do Banco dos BRICS. Brasil,
Rússia, China, Índia e África do Sul decidiram criar um banco que será sediado
em Xangai e que será uma mistura de FMI com Banco Mundial. Para começo de conversa
é preciso deixar claro que FMI e Banco Mundial exercem funções diferentes e,
não raro, conflituosas. Enquanto o Banco Mundial é um banco de desenvolvimento
com a tarefa de financiar o crescimento econômico no mundo e reduzir a pobreza (ver
aqui) o FMI é um fundo desenhado para socorrer países em crise de balanço de
pagamentos (ver aqui). O Banco Mundial é aquele banco que você recorrer quando
tem uma ideia que acredita ser boa e quer transformar a ideia em um negócio ou
quer um financiamento para que sua ideia reduza a pobreza, o FMI é aquele banco
que você procura quando está quebrado. O Banco Mundial é o “policial bonzinho”
e o FMI é o “policial malvado”.
Pensar as duas funções em um único banco é um desafio que
não vou enfrentar nesse post, apenas registro que as possibilidades de risco
moral são inúmeras. Aqui vou separar cada função e questionar a relevância de
cada uma delas para o Brasil. Começo pelo banco de desenvolvimento, um dos meus
vilões favoritos. A verdade é que já temos um banco de desenvolvimento de dimensões
consideráveis. Em 2012 o Banco Mundial emprestou U$ 32 bilhões (ver aqui e aqui), no
mesmo ano o BNDES desembolsou R$ 156 bilhões, o que equivale a aproximadamente
U$ 70 bilhões pelo cambio atual. É isto mesmo, em 2012 o BNDES desembolsou duas
vezes mais que o total de empréstimos realizados pelo Banco Mundial. Se o
Brasil tem um banco maior que o Banco Mundial que é só dele por qual razão vai
criar outro banco concorrente do Banco Mundial?
Uma possível resposta é que o novo banco terá uma atuação
internacional e nós queremos ajudar os países mais pobres. O problema é que o
BNDES já financia projetos em outros países (ver aqui) e sem dar satisfação a
chineses ou a russos. Outra resposta é que o BNDES está fazendo um excelente
serviço e um novo banco seria uma forma de ampliar esses serviços. Já escrevi
um bocado sobre os efeitos do BNDES aqui no blog, é só fazer uma busca. Os
exemplos do fracasso das políticas do banco se amontoam, o caso mais
emblemático é o do grupo X de Eike Batista o que eu tomei conhecimento mais
recentemente é o da Eldorado (ver aqui). O próprio Luciano Coutinho, presidente
do BNDES e um dos mentores da política de campeões nacionais, já percebeu que a
política de campeões nacionais que norteou a atuação do BNDES deve ser
abandonada (ver aqui).
Entretanto, na condição de liberal chato e sendo mais chato
do que liberal, coloco mais uma vez o retrato do fracasso do BNDES em elevar a
taxa de investimento brasileira. A figura abaixo mostra os desembolsos do
BNDES, a taxa de investimento no Brasil e a taxa de investimento na América
Latina e Caribe. Notem que a taxa de investimento no Brasil é menor que a da
América Latina e Caribe (não retirei o Brasil do grupo América Latina e Caribe,
portanto o Brasil está puxando o grupo para baixo), mas ainda, o gigantesco
aumento dos desembolsos do BNDES não foi capaz de dar a taxa de investimento do
Brasil uma dinâmica diferente da taxa de investimento da América Latina e do
Caribe. O único momento em que isto aconteceu foi na sequencia da crise de 2008,
minha conclusão é que os efeitos da atuação do BNDES parecem mais com a de uma
política de curto prazo do que com o que se esperaria de um banco de
desenvolvimento. Os dados para desembolso são do próprio BNDES, as taxas de
investimento são do FMI.
O motivo para isto é simples: o Brasil não precisa de um
banco de investimento. As grandes restrições para o investimento no Brasil
estão no ambiente de negócios, investir em um país que muda regras o tempo todo
é uma decisão de alto risco. Investimentos de longo prazo exigem estabilidade,
exatamente o que não oferecemos. Peço que o leitor imagine a apreensão de quem
acabou de investir no Brasil em um setor que concorre com produtos chineses.
Com o novo banco os chineses serão favorecidos? Quem arrisca uma resposta? A
verdade é que mesmo no Banco Mundial a estratégia de combater pobreza e
estimular desenvolvimento com crédito barato vem sendo questionada. O crédito
barato costuma acabar nas mãos dos amigos do governante de plantão que não
necessariamente são os que têm os melhores projetos, mais grave, o crédito
barato acaba sendo usado para manter governos no poder e atenta contra a
democracia.
A atuação do banco dos BRICS como banco de desenvolvimento me
parece trazer mais problemas do que soluções. Mas como fica a atuação como
emprestador de última instância para países em crises de balanço de pagamentos?
Aqui é mais delicado. Alguém sempre pode argumentar, com alguma razão, que a
existência desse tipo de banco acaba por estimular um comportamento irresponsável
que leva às crises que o banco vai resolver. Simpatizo com essa linha de raciocínio,
mas tenho de reconhecer que crises existiam antes do FMI e que, portanto, o FMI
não pode ser a causa única para crises. Parece razoável argumentar que já que
crises existem é aceitável existir um banco que socorra países em crises. Mas como
entra o Brasil nesta história?
A taxa de poupança do Brasil está entre as mais baixas do
mundo (ver aqui). Exatamente por qual razão um país que não tem capital para
financiar o próprio investimento e que importa capital vai se oferecer para
financiar países sem crédito para honrar seus compromissos externos? Pior, se
não ajustar o preços dos combustíveis o Brasil caminha ele mesmo para uma crise
do balanço de pagamentos (ver aqui). Mas aí está a vantagem, podem argumentar os
espertos de plantão, ao criar o banco dos BRICS o Brasil está se antecipando e
conseguindo quem financie uma eventual crise no balanço de pagamentos, afinal a
China é um dos maiores credores do planeta. É uma jogada interessante, mas não
esqueçamos que malandro demais vira bicho. China, Rússia e mesmo Índia não são
os bobos do jogo de poder internacional, pelo contrário, são atentos e não raro
brutais neste jogo. Acreditar que a China está disposta a financiar uma crise
brasileira para mostrar algo aos EUA é acreditar em fadas. Impressiona que os
que falam pelos cotovelos a respeito da questão geopolítica não estejam nos
explicando exatamente o que ganhamos e o que perdemos no jogo de poder com a
criação do banco.
O post já está longo, termino com uma frase que gosto muito
de um filme sobre pôquer que não estou lembrando o nome agora. O jogador do
filme dizia que se em tantos minutos você não souber quem o otário da mesa então
saia da mesa que o otário é você. Gostaria muito que os especialistas que
defendem a criação do banco dissessem quem é o otário da mesa, por razões
óbvias as autoridades não podem dizer, se não souberem é melhor recomendar que
saiamos da mesa...
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