Além de Fazenda e Itamaraty
Marcos Troyjo
Folha de S. Paulo, Sexta, 29 de agosto de 2014
O lugar do Brasil no mundo foi para o centro do debate. À medida que se aproximam eleições presidenciais, nota-se que o tema da inserção externa do País -- sua participação nos fluxos globais de poder e riqueza -- deixou de ser apenas assunto para diplomatas, militares e círculos restritos do pensamento nacional.
Empresários, jornalistas, acadêmicos, sindicalistas, ongueiros -- todos passaram a ter opinião mais ou menos bem fundada sobre alianças regionais, predileção pelo multilateralismo, parcerias comerciais, relações com EUA e Europa ou cooperação com países emergentes.
Nesse bem-vindo exercício, clara tendência salta aos olhos. Em diferentes modulações, a sociedade parece supor que nossa inserção global resulta sobretudo de duas variáveis: gestão macroeconômica e política externa.
É claro que bom manejo cotidiano de variáveis monetárias e fiscais é imprescindível. Não há dúvida que defesa da moeda e credibilidade da autoridade econômica desanuviam preocupações e ajudam a construção de horizontes de longo prazo.
Na mesma linha, a diplomacia é tanto mais eficaz se orientada e conduzida por profissionais investidos no interesse nacional, não em afinidades aparentadas ao ilusório contraste esquerda/direita ou Norte/Sul.
Nessa abordagem incompleta, entende-se que daríamos largada a uma nova inserção internacional com dois movimentos.
Por um lado, mudança de titulares na Fazenda e no Banco Central que trouxesse novos ares de confiança e competência técnica.
Por outro, rebocar o Itamaraty da atual condição coadjuvante para que não se reproduzam os recentes furos n’água -- terceiro-mundismo, liderança regional auto-atribuída, mediação do impasse nuclear no Irã, apego fundamentalista ao multilateralismo e tantos outros.
Readequações na política macroeconômica e na diplomacia não bastam, contudo, para o sucesso da inserção externa. Nosso êxito internacional só pode se dar com um modelo de "governança da estratégia" que responda de forma estruturada à nova trama global.
Nada de dirigismo -- mas o Brasil carece hoje da visão e coordenação necessárias na confluência das frentes industrial, comercial e tecnológica. Não relaciona reformas internas à melhoria de ambiente de negócios e à competitividade externa.
Resultado: padece para atrelar-se às cadeias transnacionais de valor. Não tem ideia do que fazer ante essa “China 2.0” de grande escala econômica e sofisticada tecnologia. Arrasta-se na formação de elites para o campo do conhecimento e do empreendedorismo.
Nenhum dos desafios dessa “reglobalização” em que estamos ingressando compõe o cardápio cotidiano de atribuições da dupla “Fazenda-Banco Central" ou do Itamaraty.
Apesar da hipertrofia burocrática, inexiste no organograma, na prática e no conteúdo do Estado brasileiro instância que, em interação com a sociedade, formule e articule ações estratégicas.
Pena. Nossa inserção internacional é coisa séria demais para ser atribuída tão somente a macroeconomistas e diplomatas.
mt2792@columbia.edu
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são sempre bem-vindos, desde que se refiram ao objeto mesmo da postagem, de preferência identificados. Propagandas ou mensagens agressivas serão sumariamente eliminadas. Outras questões podem ser encaminhadas através de meu site (www.pralmeida.org). Formule seus comentários em linguagem concisa, objetiva, em um Português aceitável para os padrões da língua coloquial.
A confirmação manual dos comentários é necessária, tendo em vista o grande número de junks e spams recebidos.