sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

E agora as tiranias capitalistas? Mario Vargas Llosa e o futuro de Cuba

Grato ao meu amigo Orlando Tambosi, que está sempre selecionando o que de melhor aparece na imprensa responsável -- e às vezes na irresponsável também -- e em cujo blog vou pescar o que me parece digno de refexão.
O que me interessa nesta crônica de Vargas Llosa não é tanto o futuro de Cuba -- cujo itinerário está muito bem discutido, nas suas alternativas, no artigo abaixo -- e sim o que está na primeira parte de meu título, também refletido na crônica de Vargas Llosa, ou seja, a convivência do capitalismo com regimes tirânicos.

Os anticapitalistas aproveitarão essa modalidade para fazer uma crítica ao capitalismo, onde eu vejo uma homenagem e um triunfo da economia de livres mercados. Ou seja, mesmo as tiranias, cuja lógica é sempre a da concentração monopólica de poder, inclusive econômico, são obrigadas a reconhecer que o seu método, eventualmente funcional na política (até certo tempo), não funciona na economia, pois que regimes fechados e não competitivos são incapazes de criar prosperidade ou sequer de fornecer o básico à população. As tiranias adotam então o método do capitalismo tutelado, de uma economia controlada de modo flexível pelos tiranos do poder político.
Não me interessa discutir aqui os casos da China ou do Vietnã, autocracias de capitalismo amestrado e domado, e sim o nosso próprio caso.
O Brasil dos companheiros não é certamente uma economia socialista. Como eu digo sempre, os companheiros são burros mas não são estúpidos. Se eles não tivessem um capitalismo funcional, onde encontrariam ricos capitalistas para extorquir? E o lado capitalismo amestrado se revela plenamente nessas companhias e órgãos estatais, que são transformados em vacas a serem ordenhadas metodicamente de todo o seu leite financeiro, tanto para reforçar o monopólio do poder político, quanto para o enriquecimento pessoal dos ordenhadores, seus chefes de quadrilha, os intermediários, os políticos, enfim, tutti quanti se encontram associados ao empreendimento mafioso.

Estaríamos caminhando no Brasil para esse tipo de configuração? No que depender dos companheiros, não tenho nenhuma dúvida em responder pela alternativa.
Cabe aos brasileiros dignos denunciar o esquema mafioso neobolchevique, e cabe aos que detêm algum poder tentar desmantelar o empreendimento criminoso. Esse é o desafio do momento.
Paulo Roberto de Almeida
Cuba e as miragens da liberdade
Em artigo publicado no El País, o escritor Mário Vargas Llosa analisa o reatamento de relações entre EUA e Cuba, observando que o acordo pode tornar a vida dos cubanos mais respirável, "mas me entristece pensar que isso poderia afastar ainda por alguns anos mais a recuperação de sua liberdade". 


O restabelecimento de relações diplomáticas entre Cuba e os Estados Unidos depois de mais de meio século e a possibilidade do fim do embargo norte-americano foram recebidos com beneplácito na Europa e América Latina. E, no próprio Estados Unidos, as pesquisas dizem que a maioria das pessoas também aprova, ainda que os republicanos sejam contra. O exílio cubano está dividido; enquanto nas velhas gerações prevalece o repúdio, as novas veem nessa medida um apaziguamento do qual poderia derivar uma abertura maior do regime e até sua democratização. Em todo caso, existe um consenso de que, nas palavras do Presidente Obama, “o embargo foi um fracasso".

A leitura otimista desse acordo pressupõe o fim do embargo, conjetura ainda incerta, pois essa decisão depende do Congresso dominado pelos republicanos.

Mas, se ele acabar, sustenta essa tese, o aumento dos intercâmbios turísticos e comerciais, o investimento de capitais norte-americanos na ilha e o consequente desenvolvimento econômico iriam flexibilizando cada vez mais o regime castrista, levando-o a fazer concessões maiores para a liberdade econômica, o que, cedo ou tarde, resultaria em uma abertura econômica e na democracia. Indício desse futuro promissor seria o fato de que, ao mesmo tempo que Raúl Castro anunciava a boa nova, 53 presos políticos cubanos eram postos em liberdade.

Como nas últimas décadas vivemos toda sorte de fenômenos sociais e políticos extraordinários, nada parece já impossível em nosso tempo e, então, tudo aquilo poderia acontecer. Seria o único caso na história de um regime comunista que renuncia ao comunismo e escolhe a democracia graças ao desenvolvimento econômico e a melhoria do nível de vida de sua população devido às aplicações de políticas de mercado. O fabuloso crescimento da China não trouxe a decadência do totalitarismo político, mas, pelo contrário, como acabam de experimentar os estudantes de Hong Kong, o seu fortalecimento. O mesmo poderia ser dito do Vietnã, onde a adoção desse modelo anômalo – o capitalismo comunista – apesar de ter impulsionado uma prosperidade indiscutível não suavizou a dureza do regime de partido único e a perseguição de toda forma de dissidência. O desmoronamento da União Soviética e seus satélites centro-europeus não foi obra do progresso econômico, pelo contrário: foi o fracasso do estatismo e do coletivismo que levou essa sociedade à ruína e ao caos. Cuba poderia ser a exceção à regra, como espera a maioria dos cubanos e entre eles muitos críticos e resistentes ao domínio castrista? É preciso desejá-lo, a partir de agora, mas não acreditar ingenuamente que isso já está escrito nas estrelas e será inevitável e automático.

As ditaduras nunca caem graças à bonança econômica, mas graças à sua inaptidão para satisfazer as mais elementares necessidades da população e a que esta, em um dado momento, se mobiliza contra a asfixia política e a pobreza, não acredita mais nas instituições e perde as ilusões que sustentaram o regime. Ainda que o meio século e pouco de ditadura que Cuba padece tenha visto aparecer em seu interior opositores heroicos, pelo desamparo com o qual enfrentavam a prisão, a tortura ou a morte, a verdade é que, como a eficácia da repressão os impedia, ou porque as reformas da revolução nos campos da educação, da medicina e do trabalho trouxeram melhoras reais na condição de vida dos mais pobres e adormeciam seu desejo de liberdade, o regime castrista não teve uma oposição maciça nesse meio século; somente uma míngua discreta do apoio quase generalizado com que contou no começo e que, com o empobrecimento progressivo e o fechamento político, transformou-se na resignação e no sonho da fuga para as costas da Flórida. Não é de estranhar que, para aqueles que perderam as esperanças, a abertura de relações diplomáticas e comerciais com os Estados Unidos, e a perspectiva de milhões de turistas dispostos a gastar seus dólares e de empresários e comerciantes decididos a investir e criar empregos por toda a ilha, tenha sido exultante, a ilusão de um novo despertar.

Raúl Castro, mais pragmático que seu irmão, parece ter compreendido que Cuba não pode continuar vivendo das dádivas petrolíferas da Venezuela, muito ameaçadas desde a queda brutal dos preços do ouro negro e da bagunça na qual o governo de Maduro está metido. E que a única sobrevivência possível de seu regime em longo prazo é uma certa distensão e uma acomodação com os Estados Unidos. Isso está em marcha. O desígnio do governo cubano é, sem dúvida, seguindo o modelo chinês ou vietnamita, abrir a economia, um setor dela pelo menos, ao mercado e à empresa privada, de modo que os níveis de vida aumentem, empregos sejam criados, o turismo se desenvolva, ao mesmo tempo que no campo político sejam mantidos o monolitismo e a mão de ferro para quem alimente aspirações democráticas. Pode funcionar? Em curto prazo, sem dúvida nenhuma, e desde que o embargo acabe.

Em médio ou longo prazo não é muito certo. A abertura econômica e os intercâmbios crescentes vão contaminar a ilha com informação e modelos culturais e institucionais das sociedades abertas que contrastam de maneira tão espetacular com os que o comunismo impõe à ilha, o que, cedo ou tarde, animará a oposição interna. E, diferentemente da China e do Vietnã, que estão muito distantes, Cuba está no coração do Ocidente e rodeada de países que, uns mais e outros menos, participam da cultura da liberdade. É inevitável que ela termine por se infiltrar sobretudo nas camadas mais ilustradas da sociedade. Cuba estará em condições de resistir a essa pressão democrática e libertária, como fazem a China e o Vietnã?

Minha esperança é que não, que o castrismo tenha perdido toda a força ideológica que teve no começo e que em todos esses anos se tenha transformado em mera retórica, uma propaganda na qual seja improvável que até mesmo os dirigentes da Revolução acreditem. O desaparecimento dos irmãos Castro e dos veteranos da Revolução, que agora ainda exercem o controle do país, e a tomada dos postos de comando pelas novas gerações, menos ideológicas e mais pragmáticas, poderia facilitar aquela transição pacífica que esperam aqueles que comemoram com tanto entusiasmo o fim do embargo.

Existem razões para compartilhar esse entusiasmo? Talvez em longo prazo. Em curto, não. Porque agora quem tira mais proveito do novo estado de coisas é o governo cubano: os Estados Unidos reconhecem que se equivocaram tentando dobrar Cuba mediante uma quarentena econômica (“o bloqueio criminoso”) e agora vão contribuir com seus turistas, seus dólares e suas empresas para levantar a economia da ilha, para reduzir a pobreza, para criar emprego, em outras palavras, para escorar o regime castrista. Se Obama visitar Cuba será recebido com todas as honras, tanto pelos opositores como pelo governo.

Não é nada para se alegrar do ponto de vista da democracia e da liberdade. Mas a verdade é que esta não era, não é, uma opção realista neste preciso momento da história de Cuba. A escolha era entre Cuba continuar empobrecendo e os cubanos continuarem submergidos no obscurantismo, no isolamento informativo, na incerteza, ou que, graças a esse acordo com os Estados Unidos, e sempre desde que o embargo acabe, seu futuro imediato se alivie, gozem de melhores oportunidades econômicas, sejam abertas maiores vias de comunicação com o restante do mundo, e – se se portam bem e não incorrem por exemplo nas extravagâncias dos estudantes de Hong Kong – possam até gozar de uma certa abertura política. Ainda que a contragosto, eu também escolheria essa segunda opção.

Época confusa a nossa, na qual ocorrem certas coisas que nos fazem sentir saudade daqueles anos tensos da guerra fria, onde pelo menos a escolha era muito clara, pois se tratava de optar “entre a liberdade e o medo” (para citar o livro de Germán Arciniegas). Agora a escolha é muito mais arriscada porque é preciso optar entre o menos mau e o menos bom, cujas fronteiras não são nem um pouco claras, mas escorregadiças e volúveis. Resumindo: alegra-me que o acordo entre Obama e Raúl Castro possa tornar a vida dos cubanos mais respirável e esperançosa, mas me entristece pensar que isso poderia afastar ainda por alguns anos mais a recuperação de sua liberdade. 

Lima, dezembro de 2014

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