O substantivo neoliberal e o conceito de neoliberalismo têm um registro de nascimento, e ele é mais antigo do que supõem tanto os esquerdistas, que os usam como xingamento, quanto os liberais que preferem recusar esse conceito -- pela conotação negativa dada pelos esquerdistas justamente -- e usar simplesmente o de liberal, ou clássico, ou tout court.
Ele nasceu em 1938, por ocasião de um colóquio organizado em Paris em torno do livro do jornalista liberal americano (no sentido clássico, porque depois isso virou um xingamento também nos EUA) Walter Lippmann, que estava providenciando a tradução para o Francês de seu livro The Good Society (1937).
Nesse colóquio, os participantes reconheceram que, em face das transformações econômicas e políticas em curso -- crise do capitalismo, ascensão dos fascismos, dirigismo econômico, totalitarismo e várias outras coisas mais -- o velho liberalismo doutrinal precisava ser reforçado, ou adaptado aos novos tempos. Ninguém sabia bem o que propor, até que um alemão, refugiado do nazismo, Alexander Rüstow, sugeriu "neoliberalismo".
Ninguém sabia dizer muito bem o que era, mas pelo menos tinha uma conotação de novo.
De fato ficou meio esquecido até que no pós-guerra, Milton Friedman, um dos fundadores do Mount Pelerin Society, criada por Friedrich Hayek para estimular um retorno ao liberalismo clássico, escreveu, em 1952, um pequeno artigo tratando do "neoliberalismo", que depois foi integrado ao seu livro Essays in Positive Economics (Chicago: University of Chicago Press, 1953). O artigo deve estar disponível na internet, e eu o tenho guardado neste computador. Depois posto no Academia.edu e aviso.
Depois disso, o termo ficou meio esquecido, numa época de dominância praticamente absoluta do keynesianismo doutrinal e aplicado, ou seja teórico e prático, já que todos os governos eram keynesianos, inclusive os conservadores (os tories na Grã-Bretanha e os republicanos nos EUA).
Só quando a Margaret Thatcher desenterrou Hayek e começou a aplicar suas ideias na combalida economia britânica o termo foi recuperado pela esquerda já com uma conotação acusatória.
Ele inclusive passou a ser identificado com as chamadas regras do Consenso de Washington, quando estas não têm nada a ver, a não ser vagamento, com o espírito liberal, mas isso apenas por estupidez da esquerda, que repete slogans sem qualquer fundamentação e sem qualquer conhecimento de causa.
Retirei as informações sobre Walter Lippmann e seu colóquio do livro que estou lendo agora:
Edmund Fawcett (ex-editor da Economist): Liberalism: The Life of An Idea (Princeton, NJ: Princeton University Press, 2014), p. 276 para ser mais exato.
Divirtam-se, portanto, e ninguém mais tem o direito de se enganar sobre o conceito, ou pelo menos o seu nascimento.
O copyright pertence a Alexander Rüstow.
Aliás, a informação já está na Wikipedia (vejam aqui: http://en.wikipedia.org/wiki/Alexander_R%C3%BCstow), de onde retiro este parágrafo:
In the 1930s, the climate in Germany became too unfriendly for Rüstow, and he obtained a chair in economic geography and history at the University of Istanbul, Turkey, where he worked at his magnum opus, Ortsbestimmung der Gegenwart (in English published as Freedom and Domination), a critique of civilization. In 1938 at the Colloque Walter Lippmann, it was Rüstow who created the term 'neoliberalism' to separate new liberalism from classical liberalism. Rüstow promoted the concept of the social market economy, and this concept promotes a strong role for the state with respect to the market, which is in many ways different from the ideas who are nowadays connected with the term neoliberalism.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Postagem em destaque
Livro Marxismo e Socialismo finalmente disponível - Paulo Roberto de Almeida
Meu mais recente livro – que não tem nada a ver com o governo atual ou com sua diplomacia esquizofrênica, já vou logo avisando – ficou final...
-
Uma preparação de longo curso e uma vida nômade Paulo Roberto de Almeida A carreira diplomática tem atraído número crescente de jovens, em ...
-
FAQ do Candidato a Diplomata por Renato Domith Godinho TEMAS: Concurso do Instituto Rio Branco, Itamaraty, Carreira Diplomática, MRE, Diplom...
-
Países de Maior Acesso aos textos PRA em Academia.edu (apenas os superiores a 100 acessos) Compilação Paulo Roberto de Almeida (15/12/2025) ...
-
Mercado Comum da Guerra? O Mercosul deveria ser, em princípio, uma zona de livre comércio e também uma zona de paz, entre seus próprios memb...
-
Reproduzo novamente uma postagem minha de 2020, quando foi publicado o livro de Dennys Xavier sobre Thomas Sowell quarta-feira, 4 de março...
-
Israel Products in India: Check the Complete list of Israeli Brands! Several Israeli companies have established themselves in the Indian m...
-
Itamaraty 'Memórias', do embaixador Marcos Azambuja, é uma aula de diplomacia Embaixador foi um grande contador de histórias, ...
-
Desde el post de José Antonio Sanahuja Persles (Linkedin) Con Camilo López Burian, de la Universidad de la República, estudiamos el ascens...
-
O Brics vai de vento em popa, ao que parece. Como eu nunca fui de tomar as coisas pelo seu valor de face, nunca deixei de expressar meu pen...
Nenhum comentário:
Postar um comentário