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sexta-feira, 27 de março de 2015

Politica Externa: Brasil quase mudo em Direitos Humanos - Jamil Chade (OESP)

Ativistas cobram fim de "silêncio" em política externa brasileira

JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE
O ESTADO DE S. PAULO, 26/03/2015

ONGs e defensores de direitos humanos pedem postura de maior liderança por parte do Brasil

GENEBRA - Ativistas de direitos humanos e governos cobram do Brasil o fim do que classificam de política externa do "silêncio" e apelam para que o governo de Dilma Rousseff "assuma maior a liderança" em debates sobre crises internacionais em temas de direitos humanos.
Na quinta, o Conselho de Direitos Humanos da ONU conclui seus trabalhos e, pela primeira vez em anos, o Brasil não enviou um representante de alto nível de Brasília para a reunião. O organismo da ONU se reúne três vezes por ano. Mas é a sessão de março que é considerada como seu principal encontro. 
Desta vez, enquanto o pódio era ocupado por Sergei Lavrov, John Kerry e dezenas de ministros, inclusive da Venezuela e de Cuba, a representação brasileira foi deixada aos diplomatas em Genebra. Pelo protocolo da ONU, isso significou que o Brasil apenas pode discursar dias depois da presença dos ministros e quando nem eles nem chanceleres estavam na sala para escutar.
O plano original era de que a ministra Ideli Salvatti, da Secretaria de Direitos Humanos, viajasse no início de março para a reunião com os demais ministros. Mas ela acabou adiando a visita para esta semana para coincidir com outra reunião e, assim, economizar uma passagem aérea. Essa segunda data também foi cancelada.
Durante a sessão, o governo tem concentrado seus esforços em fazer passar uma resolução para garantir o direito à privacidade, numa resposta à espionagem conduzida pelos serviços dos EUA. Fontes diplomáticas revelaram ao Estado que, justamente para garantir a aprovação do texto, uma estratégia do Brasil foi a de não entrar em conflito com os demais governos.
Além disso, para atrair o voto do Egito, ONGs como Anistia Internacional e o Serviço Internacional para os Direitos Humanos acusam o Brasil de ter dado garantias ao regime militar do Cairo de que apoiaria uma resolução proposta pelos governos árabes para permitir ações contra grupos terroristas. "Trata-se de um cheque em branco para reprimir ativistas de direitos humanos e é um escândalo ver o Brasil apoiando isso", declarou Michael Ineichen, representante da Anistia Internacional.
Mas o que surpreendeu as ONGs e autoridades é que isso foi traduzido em um silêncio e, durante os debates, raramente o Brasil pediu a palavra para se expressar. Até mesmo quando o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro apresentou seu informe sobre os crimes na Síria na semana passada, o Brasil optou por permanecer em silêncio.
Num informe publicado nesta semana, a Human Rights Watch pediu que o País "demonstre mais liderança". A entidade apelou por uma maior ação do Brasil em "mobilizar o Conselho da ONU a agir em situações de emergência e intervir de forma mais sistemática em debates sobre países específicos".
"O trabalho do Brasil para proteger o direito à privacidade é muito bem-vindo. Mas é difícil entender por qual motivo o País evita falar durante os debates formais do Conselho da ONU sobre alguns dos piores crimes, como na Síria, Sudão do Sul ou Iraque", declarou Philippe Dam, representante da HRW. "O Brasil deveria ter algo a dizer sobre crises de importância global", disse.
Camila Assano, coordenadora de Política Externa da entidade Conectas Direitos Humanos, aponta que "o Brasil está bem posicionado para agir e mostrou, no passado, que tem a capacidade de criar consenso em temas difíceis".
"Mas um pouco desse fôlego foi perdido e o Brasil não pode se esquivar de alguns temas importantes", disse. "Essa atitude não condiz com o papel que o Brasil lutou para ter", insistiu.
Camila Assano aponta que o silêncio do Brasil também foi registrado quando a sociedade civil cobrou na ONU uma resposta do governo em temas como a lista suja do trabalho escravo, tortura ou a falta de água.  Uma aliança de ongs usou a ONU para fazer essas denúncias. "Mas o Brasil não respondeu", contou a representante da Conectas.
Nas últimas semanas, o silêncio do Brasil no cenário internacional tem sido alvo de comentários. Num editorial, The New York Times apontou que " enquanto as três outras grandes economias emergentes, China, Rússia e Índia, têm forte viés de política externa, sob o olhar da Sra. Rousseff a voz do Brasil no cenário internacional raramente supera um sussurro", afirma.
Entre diplomatas estrangeiros, porém, o silêncio brasileiro em diversos debates é "um contraste" com o comportamento do governo há poucos anos. "Muitos governos ficavam esperando o Brasil falar antes para saber quais seriam suas posições", explicou um diplomata sul-americano, que pediu anonimato. "Hoje, nem sempre sabemos o que o Brasil pensa de alguns dos assuntos", disse.
Para um negociador europeu, o silêncio do Brasil é "uma pena". "Precisamos que as grandes democracias assumam seus valores", completou.
Resposta. Questionado pelo Estado sobre o motivo da ausência da ministra e o que achava da cobrança dos ativistas, a Secretaria de Direitos Humanos respondeu por meio de uma nota.
" O Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas reúne-se por meio de sessões ordinárias, que ocorrem no mínimo três vezes por ano, em Genebra, Suíça; além de sessões extraordinárias ", disse. " A participação dos ministros ou ministras de Estado Chefes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República não ocorre em todas as sessões, tendo em vista sua periodicidade e a agenda de compromissos que competem à Secretaria de Direitos Humanos ", apontou. " A participação em nível ministerial no âmbito do Conselho é resguardada principalmente aos instrumentos de alto nível, como por exemplo, no mecanismo de Revisão Periódica Universal, que ocorre a cada quatro anos ", alegou.
Segundo a Secretaria, não haveria necessidade de uma presença já que o " Estado brasileiro mantém a Missão Permanente do Brasil junto à Organização das Nações Unidas e Demais Organismos Internacionais em Genebra, cuja delegação é chefiada pela embaixadora Regina Dunlop, que detém competência plenipotenciária, ou seja, possui plenos poderes para representar a República Federativa do Brasil ".
O governo ainda insistiu que, nesta semana, o Brasil " instalou nesta segunda-feira, dia 23 de março, com a presença do representante do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos na Região, Humberto Henderson, o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, que ao lado do Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura comporá o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura ". Esse seria um dos " compromisso assumido pelas principais democracias do mundo com a ONU que tem como objetivo monitorar locais de privação de liberdade, propondo melhorias constantes para a garantia da preservação dos direitos humanos nesses espaços ".

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