Ativistas cobram fim de "silêncio" em
política externa brasileira
JAMIL CHADE, CORRESPONDENTE
O ESTADO DE S. PAULO, 26/03/2015
ONGs e defensores de direitos humanos pedem postura de
maior liderança por parte do Brasil
GENEBRA - Ativistas de direitos humanos e governos
cobram do Brasil o fim do que classificam de política externa do
"silêncio" e apelam para que o governo de Dilma Rousseff
"assuma maior a liderança" em debates sobre crises internacionais em
temas de direitos humanos.
Na quinta, o Conselho de Direitos Humanos da ONU
conclui seus trabalhos e, pela primeira vez em anos, o Brasil não enviou um
representante de alto nível de Brasília para a reunião. O organismo da ONU se
reúne três vezes por ano. Mas é a sessão de março que é considerada como seu
principal encontro.
Desta vez, enquanto o pódio era ocupado por Sergei
Lavrov, John Kerry e dezenas de ministros, inclusive da Venezuela e de Cuba, a
representação brasileira foi deixada aos diplomatas em Genebra. Pelo protocolo
da ONU, isso significou que o Brasil apenas pode discursar dias depois da
presença dos ministros e quando nem eles nem chanceleres estavam na sala para
escutar.
O plano original era de que a ministra Ideli Salvatti,
da Secretaria de Direitos Humanos, viajasse no início de março para a reunião
com os demais ministros. Mas ela acabou adiando a visita para esta semana para
coincidir com outra reunião e, assim, economizar uma passagem aérea. Essa
segunda data também foi cancelada.
Durante a sessão, o governo tem concentrado seus
esforços em fazer passar uma resolução para garantir o direito à privacidade,
numa resposta à espionagem conduzida pelos serviços dos EUA. Fontes diplomáticas
revelaram ao Estado que, justamente para garantir a aprovação do texto, uma
estratégia do Brasil foi a de não entrar em conflito com os demais governos.
Além disso, para atrair o voto do Egito, ONGs como
Anistia Internacional e o Serviço Internacional para os Direitos Humanos acusam
o Brasil de ter dado garantias ao regime militar do Cairo de que apoiaria uma
resolução proposta pelos governos árabes para permitir ações contra grupos
terroristas. "Trata-se de um cheque em branco para reprimir ativistas de
direitos humanos e é um escândalo ver o Brasil apoiando isso", declarou
Michael Ineichen, representante da Anistia Internacional.
Mas o que surpreendeu as ONGs e autoridades é que isso
foi traduzido em um silêncio e, durante os debates, raramente o Brasil pediu a
palavra para se expressar. Até mesmo quando o brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro
apresentou seu informe sobre os crimes na Síria na semana passada, o Brasil
optou por permanecer em silêncio.
Num informe publicado nesta semana, a Human Rights Watch
pediu que o País "demonstre mais liderança". A entidade apelou por
uma maior ação do Brasil em "mobilizar o Conselho da ONU a agir em
situações de emergência e intervir de forma mais sistemática em debates sobre
países específicos".
"O trabalho do Brasil para proteger o direito à
privacidade é muito bem-vindo. Mas é difícil entender por qual motivo o País
evita falar durante os debates formais do Conselho da ONU sobre alguns dos
piores crimes, como na Síria, Sudão do Sul ou Iraque", declarou Philippe
Dam, representante da HRW. "O Brasil deveria ter algo a dizer sobre crises
de importância global", disse.
Camila Assano, coordenadora de Política Externa da
entidade Conectas Direitos Humanos, aponta que "o Brasil está bem
posicionado para agir e mostrou, no passado, que tem a capacidade de criar
consenso em temas difíceis".
"Mas um pouco desse fôlego foi perdido e o Brasil
não pode se esquivar de alguns temas importantes", disse. "Essa
atitude não condiz com o papel que o Brasil lutou para ter", insistiu.
Camila Assano aponta que o silêncio do Brasil também
foi registrado quando a sociedade civil cobrou na ONU uma resposta do governo
em temas como a lista suja do trabalho escravo, tortura ou a falta de
água. Uma aliança de ongs usou a ONU para fazer essas denúncias.
"Mas o Brasil não respondeu", contou a representante da Conectas.
Nas últimas semanas, o silêncio do Brasil no cenário
internacional tem sido alvo de comentários. Num editorial, The New York Times
apontou que " enquanto as três outras grandes economias emergentes, China,
Rússia e Índia, têm forte viés de política externa, sob o olhar da Sra. Rousseff a voz do Brasil no cenário
internacional raramente supera um sussurro", afirma.
Entre diplomatas estrangeiros, porém, o silêncio
brasileiro em diversos debates é "um contraste" com o comportamento
do governo há poucos anos. "Muitos governos ficavam esperando o Brasil
falar antes para saber quais seriam suas posições", explicou um diplomata
sul-americano, que pediu anonimato. "Hoje, nem sempre sabemos o que o
Brasil pensa de alguns dos assuntos", disse.
Para um negociador europeu, o silêncio do Brasil é
"uma pena". "Precisamos que as grandes democracias assumam seus
valores", completou.
Resposta. Questionado pelo Estado sobre o motivo da
ausência da ministra e o que achava da cobrança dos ativistas, a Secretaria de
Direitos Humanos respondeu por meio de uma nota.
" O Conselho de Direitos Humanos da Organização
das Nações Unidas reúne-se por meio de sessões ordinárias, que ocorrem no
mínimo três vezes por ano, em Genebra, Suíça; além de sessões extraordinárias
", disse. " A participação dos ministros ou ministras de Estado
Chefes da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República não ocorre
em todas as sessões, tendo em vista sua periodicidade e a agenda de
compromissos que competem à Secretaria de Direitos Humanos ", apontou.
" A participação em nível ministerial no âmbito do Conselho é resguardada
principalmente aos instrumentos de alto nível, como por exemplo, no mecanismo
de Revisão Periódica Universal, que ocorre a cada quatro anos ", alegou.
Segundo a Secretaria, não haveria necessidade de uma
presença já que o " Estado brasileiro mantém a Missão Permanente do Brasil
junto à Organização das Nações Unidas e Demais Organismos Internacionais em
Genebra, cuja delegação é chefiada pela embaixadora Regina Dunlop, que detém
competência plenipotenciária, ou seja, possui plenos poderes para representar a
República Federativa do Brasil ".
O governo ainda insistiu
que, nesta semana, o Brasil " instalou nesta segunda-feira, dia 23 de
março, com a presença do representante do Alto Comissariado das Nações Unidas
para os Direitos Humanos na Região, Humberto Henderson, o Mecanismo Nacional de
Prevenção e Combate à Tortura, que ao lado do Comitê Nacional de Prevenção e
Combate à Tortura comporá o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura
". Esse seria um dos " compromisso assumido pelas principais
democracias do mundo com a ONU que tem como objetivo monitorar locais de
privação de liberdade, propondo melhorias constantes para a garantia da
preservação dos direitos humanos nesses espaços ".
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