Quebra
dos paradigmas políticos e culturais no País
José
Matias-Pereira
Estadão
Noite – Sexta-feira, 27 de novembro de 2015
A
compreensão da dimensão da crise institucional que está ocorrendo no Brasil
passa necessariamente pelo entendimento da forma como as variáveis econômica,
política, social e policial estão se desenrolando. Essas variáveis, alimentadas
por fatos novos que ocorrem diariamente, estão produzindo resultados sociais
bastante desfavoráveis para a população brasileira. Deve-se reiterar que, a
atual crise institucional, que paralisou o país, tem as suas origens na forma
temerária de governar dos governos petistas Lula e Dilma, que adotaram decisões
econômicas e políticas equivocadas, agravadas pela má gestão pública e o
aparelhamento político do Estado. Assim, a soma desses erros que tiveram como
fundamentos motivações ideológicas e eleitoreiras, patrimonialismo, populismo,
demagogia, irresponsabilidade fiscal e a corrupção, transformaram a política e
a economia do país num cenário de terra arrasada, contaminando de forma
preocupante o ambiente social. A recessão na economia, o aumento do desemprego,
a redução da renda dos trabalhadores, a queda na arrecadação, o aumento
acelerado da dívida pública bruta, o descontrole da inflação, as taxas de juros
elevados e o grave desajuste nas contas públicas, são os resultados mais
visíveis desses desatinos.
A
eclosão de novas turbulências nesta semana, e de forma específica, a decretação
pelo Supremo Tribunal Federal da prisão do Senador Delcidio do Amaral (PT-MS),
que até então era o líder do governo Dilma no Senado Federal, impactou
fortemente no Congresso Nacional e na sociedade. A denúncia feita
pelo Ministério Público Federal assinala que o senador Delcídio, em
conluio com o banqueiro André Esteves, do BTG Pactual, ofertaram vantagens
pecuniárias significativas para que o ex-diretor internacional da Petrobras
Nestor Cerveró, não firmasse acordo de delação premiada na Lava-Jato, e caso
viesse a firmar o acordo, não mencionasse os seus nomes nos depoimentos. Assim,
para avaliar a profundidade dessa decisão do STF no sistema político do país,
se faz necessário analisar os seus efeitos políticos, jurídicos e culturais.
Coube
ao ministro Teori Zavascki, relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal
(STF), a decisão de decretar a prisão dos envolvidos, que foi referendada
posteriormente, por unanimidade, pelos demais ministros da Segunda Turma
daquela Corte. O colegiado considerou gravíssima a acusação do Ministério
Público Federal de que o parlamentar tentava obstruir as investigações sobre o
esquema de desvios de dinheiro da Petrobras. No
seu voto, a ministra Cármen Lúcia ressaltou que, parece que o escárnio venceu o
cinismo, mas “o crime não vencerá a Justiça". Aviso aos navegantes dessas
águas turvas de corrupção e das iniquidades: criminosos não passarão a navalha
da desfaçatez e da confusão entre imunidade, impunidade e corrupção. Não
passarão sobre os juízes e as juízas do Brasil”. O ministro Celso de Mello, por
sua vez, declarou que ninguém está acima de lei. E que as leis também serão
aplicadas no caso de qualquer autoridade que tenha cometido crimes. “Quem
transgride tais mandamentos, não importando sua posição estamental, se
patrícios ou plebeus, governantes ou governados, expõem-se à severidade das
leis penais e, por tais atos, devem ser punidos exemplarmente na forma da lei”
É
oportuno ressaltar que, a manutenção da prisão de Delcídio teve que ser votada
pelo Senado Federal em função da imposição do artigo 53 da Constituição
Federal, que prevê que os membros do Congresso Nacional só podem ser presos em
flagrante de crime inafiançável. Após a decisão, o processo no qual a prisão
foi determinada deve ser remetido em 24 horas à Casa respectiva, de modo que a
maioria dos parlamentares dê a decisão final. No Senado Federal, depois de um
intenso debate, os senadores decidiram na noite da última quarta-feira (25/11),
em voto aberto, manter a prisão de Delcídio do Amaral (PT-MS), resultado de um
placar de 59 votos a favor e 13 contras.
A
postura da direção do PT, por meio de nota, se recusando a prestar
solidariedade ao seu eminente membro preso causou um enorme desconforto no meio
político, visto que ela destoa da histórica proteção do partido a seus próceres
envolvidos em esquemas de corrupção. Os condenados no processo do Mensalão são
ungidos pelos dirigentes do PT como "guerreiros do povo brasileiro",
e os seus líderes alcançados pelas investigações da Operação Lava Jato vistos
como "vítimas do sistema".
A
decisão do STF que resultou na prisão do senador Delcídio do Amaral
(PT-MS), abriu a possibilidade de um "efeito dominó", em relação a
novas prisões de políticos investigados. É oportuno lembrar que existem
mais de seis dezenas de políticos estão envolvidos no escândalo da Petrobras,
derivado da Operação Lava-Jato, entre parlamentares, ex-parlamentares,
dirigentes de partido, ministros e governadores. Cerca de cinco dezenas desses
políticos já estão sendo investigados. Entre os denunciados pelo
Procurador-Geral, se destacam o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ) e o ex-presidente da República, Fernando Collor de Mello
(PTB). Os políticos envolvidos na Lava-Jato são ou já foram filiados a
sete partidos, dentre eles, o PT, PMDB e o PP.
A
análise dos fatos aqui debatidos me permite argumentar que os grandes
perdedores neste caso, além do senador petista preso, foram: o Partidos
dos Trabalhadores, que se enfraqueceu ainda mais perante a opinião pública, ao
votar favoravelmente ao relaxamento da prisão de seu filiado; o presidente do
Senado Renan Calheiros, que motivado por interesses pessoais, defendeu de forma
enfática a votação da prisão por meio do voto secreto; o ex-presidente Lula e a
presidente Dilma, que perderam um aliado importante no Congresso Nacional, que
além dos esforços para blindá-los das investigações da Operação Lava Jato,
estava colaborando ativamente nas negociações dos projetos de interesses do
governo, em especial, com o ajuste fiscal.
Por
fim, se pode concluir que os efeitos da decisão de mandar prender um senador da
República no exercício de seu mandato, respaldada pelo Senado Federal, se
apresenta como uma importante quebra dos paradigmas políticos e culturais no
Brasil. Essa mudança irá contribuir para acelerar o fim do atual sistema
político, que se esgotou há bastante tempo. Assim, além de demonstrar
que as instituições de controle e da Justiça estão funcionando bem no
Brasil, a decisão do STF sinaliza para os detentores de mandatos eletivos
que, doravante, não mais poderão usar essa prerrogativa esdruxula para se
escudar de responsabilidades criminais.
José
Matias-Pereira. Economista e advogado. Doutor em ciência política (área de
governo e administração pública) pela Universidade Complutense de Madri,
Espanha, e Pós-doutor em administração pela Universidade de São Paulo.
Professor de administração pública e pesquisador associado do programa de
pós-graduação em contabilidade da Universidade de Brasília. Autor, entre
outras obras, do Curso de economia política (2015), publicado
pela Atlas.
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