Começou dizendo que sua primeira impressão era de que o governo brasileiro não representava um dos principais traços do caráter do nosso povo: o gosto pela conversa. Ele me disse que uma das coisas que mais o impactaram em sua chegada fora a capacidade de o brasileiro de conversar e se mostrar interessante e agradável, mesmo quando o interlocutor não tem um grau razoável de formação intelectual.
Além disso, o fato de os brasileiros puxarem conversa em filas, aeroportos ou em qualquer ambiente coletivo soa como um grande abraço de boas-vindas ao estrangeiro. Muito conectado, ele conversava com dezenas de oficiais do governo, parlamentares da base e da oposição e jornalistas de todas orientações ideológicas.
“A presidente Dilma não dará certo, pois não gosta de fazer o que o brasileiro faz melhor: conversar”, disse-me o embaixador. “Isso é verdade, mas ela está indo muito bem. Promoveu uma limpeza em alguns ministérios e sua popularidade está beirando os 70%. O país está voando no piloto automático”, retruquei.“No meu relatório”, disse ele, “coloquei que ela não sabe conversar e que não tem o menor interesse nisso. Escrevi também que ela tem um sentimento de superioridade por conta do seu passado. Isso é até compreensível, pois ela se mostrou muito guerreira. Acredito que pela falta de um diálogo bem feito entre ela e Lula, quando ela aceitou ser sua candidata, os dois não entenderam o que um esperava do outro. Ele achava que ela seria apenas seu anexo e ela achava que ele seria seu Yoda”, continuou o embaixador.
Concordei com seu argumento e pedi mais detalhes sobre o primeiro relatório que enviou para o presidente de seu país. Depois de saborear um cafezinho, ele prosseguiu: “Acho que ela sente o complexo de ter sido colocada em situação de poder, enquanto seu padrinho político ambiciona o mesmo poder. Isto não dará certo, e a estimulará a cercar-se apenas daqueles que reconhecem o poder nela. Não daqueles que de fato a assessoram para tomar boas decisões”. Finalmente, o embaixador decretou: “Cedo ou tarde, a falta do diálogo vai prejudicá-la. Ela e Lula não combinaram bem o que cada um é de fato”.
Essa conversa ocorreu no fim de 2011. Lembro-me de ter anotado as passagens do embaixador, pois sua confiança era tanta, que me surpreendeu. Encontrei recentemente as anotações e com elas o e-mail pessoal dele. Mandei-lhe mensagem e lembrei-o dessa nossa conversa. Ele respondeu-me dizendo que, sim, lembrava de suas confidências de recém-chegado ao Brasil. Estava viva em sua memória aquela nossa conversa e também havia lembrado dela há poucas semanas, enquanto lia sobre o Brasil em um jornal do país onde serve no momento.
Entre lembranças dos bons anos no Brasil, ele disse: “Quem não conversa, não escuta o som da própria voz e tende a perder a noção da consciência. Tudo vira fantasia”. Ainda não lhe respondi com comentários e novas perguntas, pois tenho receio das respostas que receberei. Ele não errou em 2011 e, com a frase recente, parece que não errará agora.
*Thiago é sociólogo e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas da França.
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