Nesta quarta-feira, 18/11/2015, como sempre faço quando encontro um excerto interessante de algum livro escrutinado pelo serviço de extratos de livros DelanceyPlace, postei um trecho de uma biografia do homem mais rico do mundo na passagem da Idade Média para a era moderna, Jacob Fugger:
O homem mais rico do mundo, Jacob Fugger - livro de Greg Steinmetz
http://www.diplomatizzando.blogspot.com.br/2015/11/o-homem-mais-rico-do-mundo-jacob-fugger.html
O que eu disse na introdução à transcrição do excerto que causou tanto frisson num leitor manifestamente defensor da Igreja Católica?
Isto (e transcrevo primeiro o que eu disse):
"A Igreja Católica sempre teve essa inacreditável capacidade de pecar fragorosamente contra as principais leis da economia, pecados mortais, não simples pecados veniais, talvez atrasando o surgimento do capitalismo na Europa em um ou dois séculos.
Meu argumento é certamente impressionista, mas a Igreja continua a ser altamente expressionista contra a economia de mercado, contra o lucro, contra qualquer coisa que cheire a dinheiro.
Isso, mesmo sendo detentora de um banco (falido por roubo, corrupção e incompetência) e de imensos, gigantescos, incomensuráveis ativos materiais e muitos outros intangíveis.
O atual papa, por exemplo, é um peronista econômico, ou seja, um aloprado em matéria de economia. No resto ele é até bonzinho, reformista, e um bom sujeito, mas se os pobres dependessem dele para ficarem ricos, estão perdidos: é um grande destruidor de riquezas..."
E o que me escreve um leitor atento, que confessa estar decepcionado comigo, me equipara a Carta Capital e disse que vai abandonar este blog? Isto:
Caro PRA,
Afirmar haver a Igreja Católica 'talvez' atrasado o capitalismo na Europa em 'um ou dois séculos' não é um argumento 'impressionista', mas sim duplamente leviano:
. pela infantilidade da assertiva em si mesma;
. e pela impossibilidade de demonstração histórica séria de tal acontecimento.
Como leitor assíduo de seu blog, decepcionei-me ao ler uma colocação dessa espécie, não me surpreendendo, entretanto, com o nível dos comentaristas atraídos por tal postagem.
Pelo que vejo, esse blog assemelhou-se àqueles mantidos nos sites da Carta Capital e da Agência Carta Maior.
De hoje em diante, procurarei leitura mais saudável.
Cordialmente.
[Leitor que se foi..., supostamente]
Bem, vamos ao debate, agora.
Sinto decepcionar outra vez esse leitor, e talvez muitos outros mais -- o que não me preocupa muito, pois debate de ideias servem justamente para que cada um exponha suas posições -- mas vou recrudescer na minha afirmação sobre o papel essencialmente negativo da Igreja Católica na questão da economia, do desenvolvimento econômico, do surgimento e expansão do capitalismo.
A Igreja Católica fez um imenso bem à humanidade, durante séculos e séculos, ao preservar a cultura, a civilização, os valores cristãos (que são todos muito bons, comparativamente a outros, de outras religiões) e ao cuidar dos pobres e dos miseráveis por meio de suas obras caridosas e muitas coisas mais. Tudo isso não impediu certos papas de serem devassos, de cuidarem mais dos bens materiais do que dos valores espirituais e de terem incitado à violência contra heréticos (ou considerados tais) e infiéis, numa missão evangelizadora por vezes agressiva, estúpida e altamente danosa para certos povos. Todas as suas boas contribuições à cultura, à defesa da dignidade humana e da mulher tampouco impediram a Igreja Católica, sobretudo sua versão ultra-montana e carola, de ser uma barreira por vezes formidável ao desenvolvimento do espírito científico (que o digam Galileu, Copérnico, Giordano Bruno, Teilhard de Chardin e tantos outros).
Indo especificamente ao caso da economia, permito-me ressaltar o papel essencialmente negativo da Igreja Católica na acumulação de riquezas, no desenvolvimento dos negócios, no livre funcionamento dos mercados e na promoção da prosperidade dos mais pobres.
A própria biografia do Fugger demonstra isso, pelo lado do comércio de dinheiro, ou seja, empréstimos usurários ou próximos disso. O próprio papa Francisco não cessa de falar contra os mercados e contra a "sede de lucros". Tudo isso é essencialmente negativo, sobretudo para os mais pobres.
Em parte é ignorância econômica, o que se compreende do lado dos preconceitos ancestrais na história da humanidade; mas ao persistirem os preconceitos por tanto tempo, isso já se torna estupidez consumada, e eu não tenho nenhum problema em acusar o papa Francisco de estupidez econômica crassa, e de preconceito infantil contra o capitalismo e contra os mercados.
Por tudo isso, ouso dizer, mesmo correndo o risco de ser impressionista, mas não temendo sê-lo, que a Igreja Católica não atrasou o desenvolvimento do capitalismo em apenas um ou dois séculos, mas provavelmente muito mais, até hoje aliás, com suas posições alopradas em matérias econômicas.
Ao leitor frustrado com minhas posições, eu diria o seguinte.
Ser infantil ou não nessas minhas posições é meu direito, como é meu direito achar que esse leitor está mais preocupado com a reputação da Igreja do que com os fatos históricos.
Ser duplamente leviano é também um direito meu, mas tampouco o leitor me trouxe argumentos que fossem contrários às minhas posições -- ele só fez acusações contra mim, segundo aquele velho costume de atirar contra o mensageiro, em lugar de debater a mensagem -- e menos ainda trouxe argumentos em favor de suas posições, que seriam supostamente a de que a Igreja não apenas não atrasou o capitalismo, como ela contribuiu tremendamente para o seu desenvolvimento.
Pode até ser, mas se ele não avançar fundamentações empíricas a esse tipo de posição, suas acusações ou defesas não valem absolutamente nada.
Minhas posições estavam apoiadas nesse livro de história, de biografia do banqueiro Fugger, que teve de fazer contorsionismos para manter uma atividade altamente capitalista em face da hostilidade de certos homens da Igreja (que nada mais faziam senão refletir as posições retrógradas da Igreja em matéria econômica).
Quanto a dizer que meu blog está ficando parecido com Carta Capital e Agência Carta Maior, é simplesmente ridículo, mas eu acrescento mais uma coisa a esse respeito.
Como acadêmico não religioso e não fundamentalista, eu leio absolutamente de tudo, inclusive esses dois sites, constatando, na maior parte das vezes como eles são, pela ordem: 1) estúpidos; 2) de má-fé; 3) desonestos "subintelequitualmente". Mas nem por isso tenho problemas em lê-los, uma vez que eles refletem exatamente o que pensam os subinteliquituais da esquerda, e milhares, talvez a maioria, dos acadêmicos gramscianos (que nunca leram Gramsci) de nossas universidades.
Um último desejo: que o leitor expresse, uma última vez, antes de abandonar definitivamente este blog, seus argumentos em favor das "consequências econômicas da Igreja Católica".
Meu argumento é de que essas consequências foram essencialmente prejudiciais ao desenvolvimento econômico e à expansão do capitalismo, historicamente e mesmo agora. Basta considerar, por exemplo, as posições expressas na encíclica do papa peronista sobre o meio ambiente, que não falha em atribuir os desequilíbrios ecológicos e ambientais ao mercado, o que não é apenas ingênuo, mas estúpido. Ainda que certos capitalistas possam causar danos ao meio ambiente, é o livre jogo de preços, num mercado que expresse claramente a raridade relativa de bens escassos, e que precifique tudo isso, que vai contribuir para o equilíbrio ambiental, bem mais do que medidas regulatórias de governos.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 19 de novembro de 2015
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