Foi ainda como governador do Ceará que Cid Gomes fez chacota da
greve dos professores, sugerindo que “professor deve
trabalhar por amor, não por dinheiro”. A frase causou revolta e já foi
atribuída erroneamente a diversos autores, como o governador paulista Geraldo
Alckmin. Significa, na prática, o exato oposto daquilo que se considera como o
correto para termos uma educação de qualidade que coloque o Brasil entre os
países desenvolvidos.
Não por um acaso, abraçamos com veemência a ideia de destinar 10%
do PIB para a educação, ainda que no mundo real este número mágico não
siga estudo algum que o comprove. De fato, o país que mais investe em educação
proporcionalmente ao seu PIB, o Timor Leste, não tem tido grandes avanços com
isso.
Entre 2005 e 2015, vimos o orçamento do Ministério da Educação
crescer 531%, saltando de R$ 15,97 para R$ 85 bilhões em orçamento, sendo 1/3
dele destinado aos 1,7 milhão de universitários matriculados em instituições
públicas brasileiras. Apesar disso, seguimos sem grande destaque entre as
universidades do mundo. A primeira universidade federal brasileira a aparecer
no ranking das melhores do mundo, a UFRJ, ocupa um modesto 323º lugar. Quanto
nos comparamos ao resto do mundo, o resultado fica ainda mais preocupante. Nem
todo este aumento de verba impediu o Brasil de cair para um 60º lugar no PISA, o exame internacional de
educação que mede a qualidade do ensino em matemática, ciências e leitura.
Estamos ao lado de países como Albânia quando o assunto é matemática, e atrás
de Romênia e Bulgária quando tratamos de leitura.
Entender o que deu errado, ou mesmo por onde as coisas começam a
dar errado na nossa educação, não é algo fácil. Do ensino básico ao ensino
superior, continuamos capengando. Quer saber melhor o tamanho da encrenca?
Estes são alguns dos motivos:
1. Investimos mais
do que qualquer país em Ensino Superior, e menos em Ensino Básico.
Ao contrário do que se imagina, gastar com educação não é algo
colocado em segundo plano pelo governo brasileiro. Gastamos cerca de 19% do
total de despesas do governo brasileiro com educação, contra 13% na média da
OCDE, uma organização que reúne alguns dos países mais ricos do mundo, além de
outros países emergentes, como Chile e México, por exemplo.
Gastamos com educação 6,1% do nosso PIB, contra 4,5% do Chile e
4,7% da Argentina, ambos países melhor colocados no PISA.
Na média, despendemos cerca de US$ 10,9 mil por cada aluno no
ensino superior, já excluídos gastos com pesquisa, contra US$ 9,3 mil de países
ricos.
Por aqui, são gastos em média 410% a mais por cada aluno no ensino
superior em relação aos alunos de ensino básico, contra 30% a mais que gastam
os países já considerados desenvolvidos.
Quando comparamos com nosso PIB per capita, gastamos na média
93% dele por cada aluno no ensino superior, contra 23% gastos com alunos do
ensino básico.
2. Temos 3 vezes
mais burocratas na área de educação do que a média mundial.
Quantas pessoas trabalham na área de educação no Brasil?
Aparentemente essa pergunta possui pouca ou nenhuma relevância quando nos
preocupamos em “como investir em educação”. O exército de 5,1 milhões de
funcionários da educação no Brasil, no entanto, dá uma boa pista de para onde
vai todo nosso “investimento”.
Temos hoje cerca de 2 milhões de professores, contra 3,1 milhões
de “não professores”, ou seja, pessoas que trabalham em escolas, secretarias de
educação e tudo o mais que seja necessário para manter uma universidade ou
escola. Ocorre que esta média, de 1,5 não professor para cada professor, é
considerada única no mundo. Trata-se de um recorde de consequências poucas
conhecidas.
Na média, cada país membro da OCDE emprega 0,5 não professores
para cada professor. Considere por um minuto que as escolas brasileiras
precisassem do mesmo número de funcionários que as bem sucedidas escolas de
países como Finlândia, França ou Alemanha – isso implicaria que temos por aqui
algo como 2 milhões de pessoas trabalhando em um setor sem que sejam de fato
necessárias.
Cerca de 11% do orçamento do Ministério da Educação destina-se
exclusivamente a manter o Ministério e sua burocracia. Nas universidades, boa
parte é gasto também com estrutura. Neste efeito cascata que começa em Brasília
e se estende até as secretarias de educação estaduais, chegamos a um gasto de
quase R$ 46 bilhões apenas com burocracia, que,
caso mantivéssemos o mesmo número de escolas de países ricos, não seriam
necessários.
Na prática, significa que poderíamos, caso destinássemos estes
recursos para aumentar salários de docentes, pagar a eles até 73% mais do que
hoje, fazendo com que nenhum professor no Brasil recebesse menos do que 3 vezes
o salário médio de um trabalhador brasileiro.
3. Em algumas
universidades, até 102% do orçamento é gasto apenas com salários.
Mesmo com autonomia financeira, o que implica que seu orçamento
não depende da boa vontade de governantes, algumas universidades brasileiras
têm tido dificuldades para pagar as contas. Este é precisamente o caso da Unicamp, a segunda maior
universidade paulista e a segunda melhor universidade brasileira dentre as 500
melhores do mundo.
O caso da Unicamp não se diferencia muito da USP, onde 104,7% do
orçamento foi gasto em salários em março deste ano. Por lei, as universidades
paulistas tem à disposição 9,57% do ICMS arrecadado pelo estado, valor que
mantém todos os gastos com os mais de 200 mil alunos das
três instituições. O número é equivalente à metade do gasto total com os 4
milhões de alunos em escolas técnicas.
Com esta verba, as universidades devem pagar salários, manter
hospitais universitários, financiar pesquisas, investir em infraestrutura e
tudo o mais que se necessite para o seu bom funcionamento.
Como resposta, as universidades paulistas, que hoje enfrentam
greves, pediram ao governo estadual que aumente a cota à qual têm direito no
ICMS para 9,9%.
Em universidades federais, a situação não é muito distinta. Na
UFRJ, 95% do orçamento é gasto com salários. A universidade chegou a enfrentar
problemas como corte de energia, uma vez que as contas se encontravam atrasadas
por falta de recursos. Nove universidades federais já acumulam déficits que
chegam a R$ 400 milhões, a despeito de seus
orçamentos terem mais do que triplicado na última década.
Transformadas em meras pagadoras de salários, as universidades
brasileiras investem cada vez menos.
4. O número de
adolescentes entre 15 e 17 anos que abandona a escola saltou de 7,2% para 16,2%
na última década.
Manter um aluno na sala de aula deveria ser em tese o primeiro
objetivo de qualquer plano educacional. Na prática, porém, este resultado está longe de
ser alcançado.
Entre 1999 e 2011, o número de jovens que abandonam as escolas no
Brasil saltou de 7,2%
para 16,2%. Destes, cerca de 60,5% estão empregados e outros 33,8%
estão em busca de trabalho. Como aponta a pesquisa realizada pela FGV, abrir
mão de complementar o ensino médio pode impactar em até 40% o salário médio do
trabalhador no futuro.
Nenhuma área é hoje tão problemática para desenvolver a educação
no Brasil quanto o ensino médio – é o que tem apontado a UNICEF, órgão das
nações unidas para a infância e adolescência.
O currículo inchado com 13 disciplinas e 5 outras complementares é
um dos fatores considerados primordiais e afasta os jovens das salas de aula.
Para boa parte, ir à escola significa apenas obter um diploma.
5. 38% dos
universitários brasileiros são considerados analfabetos funcionais.
Expandir o número de matrículas no ensino superior foi por muitos
anos o principal objetivo do Ministério da Educação para o setor. Por meio de
financiamentos como o FIES, ou programas como o Reuni, dedicado à expansão de
vagas em universidades públicas, o MEC colaborou ativamente para elevar em 81%
o número de vagas nas universidades brasileiras.
A qualidade dos alunos que entram ou saem, porém, ganhou pouco
destaque. Segundo uma pesquisa realizada pelo Instituto Paulo Montenegro, feita
com 2 mil alunos em universidades do país, cerca de 38% deles apresenta dificuldade em compreender
um texto e fazer associações entre o que leram e aquilo que é perguntado.
Quando levados em conta apenas alunos com mais de 50 anos, o índice chega a
52%.
O número é semelhante também ao de brasileiros que jamais
completaram o ensino fundamental, cerca de 1 em cada 3.
6. 35,4% dos
professores do Ensino Fundamental não deveriam poder dar aulas por falta de
qualificação.
“Um país pode ir tão longe quanto o nível de seus professores
permitir”. A frase do coordenador do PISA, o exame internacional que mede a
qualificação dos alunos em 65 países ao redor do mundo, evidencia exatamente um
dos maiores desafios do Brasil: superar a falta de interesse dos jovens
brasileiros pela carreira do magistério.
Com salários baixos e uma rotina considerada estressante, apenas
2% dos jovens brasileiros querem seguir carreira na área. Daqueles que
efetivamente se tornam professores, cerca de 1 em cada 3 não o fazem por meio
de uma graduação – apenas dão aulas após completarem o ensino médio. Entre o 6º
e 9º ano, cerca de 35,4% dos professores não fez licenciatura ou
graduação em Pedagogia.
Quando o assunto são questões mais específicas, como a educação
para indígenas, por exemplo, a situação piora e muito. Cerca de 12,1% dos 8 mil
professores concluíram apenas o ensino fundamental e 9,9% deles sequer
concluíram. Quase metade das escolas não possui material didático apropriado.
Um professor brasileiro ganha 43% menos do que a média na América
Latina e 50% a menos do que em países como o Peru.
7. Apenas 0,6% das
escolas brasileiras tem condições consideradas ideais.
Biblioteca, laboratório de informática, quadra poliesportiva e
adaptação para receber alunos com necessidades especiais podem não parecer um
grande exagero. No fundo, trata-se do mínimo necessário para que um aluno possa
focar apenas naquilo que realmente importa: a qualidade da aula.
Essa, porém, é a realidade de apenas 0,6% das escolas
brasileiras. Escolas elementares, aquelas que possuem apenas água, esgoto,
energia e cozinha, representam cerca de 44% das 194 mil escolas brasileiras. Em
13 mil destas escolas não há sequer energia elétrica. Em 72,5% delas, não há
biblioteca.
Em alguns lugares, como a região Norte do país, os números são
ainda mais preocupantes: até 71% das escolas podem ser consideradas
“elementares”. Na área rural este número chega a 85,2% das escolas.
Em nenhuma região brasileira, porém, o número de escolas com
estrutura considerada “ideal” chega a ser maior do que 2%.
8. A cada minuto, 3
alunos abandonam a escola no Brasil.
Diminuir o número de alunos não matriculados em nenhuma série foi
por muito tempo o principal objetivo dos sucessivos governos brasileiros. Ainda
assim, cerca de 7 milhões de crianças entre 0 e 17 anos estão longe das
escolas.
Nas creches, o número chega a ser de quase 25%, ou 3 milhões de
crianças. Para resolver este problema, em tese, o governo pretendia construir 6
mil creches em 4 anos. Um corte de 84% na verba para este tipo de investimento
em 2015, no entanto, inviabilizou os planos.
Entre os alunos já matriculados, o grande problema tem sido a
evasão. Segundo as Nações Unidas, dentre os 100 países com maior IDH no mundo,
apenas 2 possuem taxas de evasão escolar maiores que a brasileira.
Apenas em 2012, 1,6 milhão de alunos abandonaram as salas de aula,
ou 1 a cada 3 minutos. Com cerca de 3,15 milhões de crianças envolvidas, o
trabalho infantil explica parte do problema, porém não todo. A repetência é um
grande incentivo ao abandono. Cerca de 1/3 dos alunos que deveriam estar no
ensino médio ainda encontram-se presos ao ensino fundamental.
Com números como este, o Brasil segue como o país com a menor
média de estudos da América Latina, tendo 45,5% dos seus adultos sem um ensino
fundamental completo.
9. 25 anos é o
tempo que levará para os alunos brasileiros terem o mesmo desempenho dos
alunos em países ricos hoje.
A soma entre professores desmotivados, governos que não sabem onde
gastam, escolas com pouca ou nenhuma estrutura, pais que não completaram os
estudos e outros fatores como os citados acima, não poderia resultar em nada
diferente. Para atingir hoje o mesmo nível de alunos de países desenvolvidos,
os brasileiros terão de percorrer ainda longos 25 anos, mantendo-se o nível de
investimento crescente atual.
Para o vice-presidente de educação da OCDE, Andreas Schleicher,
melhorar a educação passa por concentrar-se naquilo “que realmente importa”.
Segundo Andreas, países pobres como Vietnã, o 17º colocado no ranking do PISA,
atingem números considerados “impressionantes”, ainda que seu dispêndio em
educação seja considerado baixo, pois focam em melhorar a gestão dos poucos
recursos que possuem.
O problema é que no Brasil, dispersos entre slogans e frases de
efeito, os jovens brasileiros relegam para segundo plano atributos como
eficiência.
Em estados como o Rio Grande do Sul, o governo tem hoje de bancar
1,1 professor aposentado para cada 1 professor na ativa. Com características
como essa, o dinheiro destinado à educação se esvai. Em estados como os do Rio
de Janeiro ou Minas Gerais, gasta-se mais com aposentados e pensionistas do que
com educação.
Nem mesmo a crise parece fazer os governos estaduais e federal
repensarem práticas. Em andamento, lidamos agora com medidas que podem
elevar os impostos sobre o setor de serviços, em especial sobre educação. Para
fazer caixa e ajustar as contas, o governo prevê investir menos em educação
pública e arrecadar mais impostos do ensino privado.
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