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terça-feira, 20 de setembro de 2016

Estudantes Pela Liberdade, BH-MG: o que eu falei hoje no Ibmec-BH - Paulo Roberto de Almeida


Quem mudou, de fato, a humanidade? Uma reflexão contrarianista

Paulo Roberto de Almeida
 [Texto introdutório a palestra, Estudantes Pela Liberdade, BH-MG, 20/09/2016]


Por que estou aqui? Por que fui convidado pelos Estudantes Pela Liberdade para me dirigir a vocês nesta noite?
Suponho que tenha sido porque tenho fama de, ou me consideram, um liberal, o que é errado. Não sou um liberal típico, ainda que eu possa defender soluções liberais para a economia, ou seja, medidas inteiramente pró-mercado, antes que pelo Estado.
Supostamente eu também seria um liberal no terreno político, mas reconheço que o Estado avançou tanto, nas nossas sociedades urbanizadas e altamente complexas, ele cresceu tão desmesuradamente na regulação pública de praticamente todos os aspectos da vida privada, que se me afigura virtualmente impossível, hoje em dia, pretender um retorno ao Estado mínimo que alegadamente existiu em algum momento do passado, e que todos gostaríamos que existisse de fato, antes e em algum futuro indefinido. Sinto dizer, isso não ocorrerá, e é preciso ser realista a esse respeito.
Já coloquei o meu texto, preparado para responder ao tema deste encontro, à disposição de todos os interessados, primeiro na plataforma Academia.edu (neste link: https://www.academia.edu/s/e4d696a571/3039-problemas-publicos-solucoes-privadas-nem-sempre-nao-necessariamente-2016), depois os próprios organizadores do encontro se encarregaram de fazê-lo no site do movimento (link: http://epl.org.br/2016/09/15/professor-e-diplomata-paulo-roberto-almeida-escreve-sobre-problemas-publicos-solucoes-privadas/). Coloquei ali o que penso sobre o slogan algo redutor, “Problemas Públicos, Soluções Privadas”, e até ofereci algumas respostas tentativas a alguns dos principais problemas que atravancam o avanço do Brasil, ou sua simples conversão em um país normal. Não pretendo agora abordar nenhuma de minhas “soluções” para esses problemas, inclusive porque elas são praticamente inexequíveis nas condições atuais de nosso país, mas é isso exatamente o que ocorre quando vocês atribuem a algum acadêmico a apresentação de propostas para problemas complexos: eles costumam construir uma teoria bizarra, e depois oferecem soluções utópicas que não serão implantadas no horizonte previsível.
Mas eu também me deparei, no Facebook do EPL, com uma pergunta formulada em intenção das “almas cândidas” que somos todos nós: “Você já se perguntou quem realmente trouxe mudanças efetivas para a humanidade? Quem realmente resolveu problemas que pareciam sem solução há décadas?” Suponho que as respostas esperadas também sejam pré-determinadas no sentido das soluções privadas, o que até pode ser verdade, e acredito que seja, mas isso não impede o crescimento contínuo, regular e desmesurado do Estado, contra essas tendências às soluções privadas para problemas públicos.
Minha observação, a este propósito, seria esta: por mais liberal que sejamos, não vamos fazer como a esquerda, que sempre apresenta respostas simples, e equivocadas, para problemas complexos, alguns aparentemente insolúveis. Todas as soluções para os problemas humanos são sempre apresentadas pelos seres humanos, quer eles atuem de forma absolutamente individual e solitária, quer estejam inseridos em alguma instituição privada ou pública, ou seja, a empresa ou o governo. Indivíduos são, sempre serão, os únicos responsáveis pelos grandes triunfos da humanidade, mas isso se dá num contexto de acumulação cumulativa, se ouso dizer, de conhecimentos, de um lento processo de formação de capacidades individuais e coletivas, transmitidas continuamente de uma geração a outra, e que acabam fazendo parte de um estoque mundial de saberes e de técnicas que passam a integrar – ainda que após o monopólio temporário das patentes e dos direitos de autor – o patrimônio coletivo da humanidade.
Meu objetivo, como contrarianista inveterado que sou, é um pouco o de me colocar a contrário senso de certas tendências coletivas, de forma a evitar que os liberais reproduzam mimeticamente, ainda que com sinal invertido, o mesmo comportamento das esquerdas, ou seja: apresentar respostas simples para problemas complexos. Minha própria trajetória de vida poderia ser um exemplo de como superar esse dilema.
Como indivíduo pensante, na primeira adolescência e até na vida adulta juvenil, eu me situava no marxismo, e isso era inevitável no ambiente escolar e universitário de minha época – e talvez o seja ainda hoje, com uma diferença: nossos marxistas de então, professores e alunos, liam Marx, Lênin, Gramsci e outros, o que provavelmente não é muito o caso nos dias que correm. No meu caso, eu lia o meu Marx e também Raymond Aron, Lênin, mas também Roberto Campos, e creio que esse marxismo não religioso me ajudou a superar as amarras do credo quando passei da teoria pura à contemplação da realidade dos socialismos reais e surreais que pude conhecer in loco, em estágios naquele mundo socialista que não se caracterizava apenas pela miséria material, mas também, e sobretudo, pela miséria moral: o ambiente policialesco, de repressão, de delação, de controle absoluto sobre a vida dos outros (tem até um filme sobre isso).

De fato, quem mudou a humanidade foram indivíduos, de preferência os mais livres dentre todos, pois só num ambiente de plenas liberdades individuais, econômicas e políticas, é que ideias contestadores do senso comum, das tradições ancestrais, dos usos e hábitos ancorados nos comportamentos de gerações seguidas, podem florescer e prosperar, apontando novos caminhos para velhos problemas humanos. O próprio Marx, quando jovem, tinha alguns insights interessantes a esse respeito, quando disse que a humanidade encontra continuamente novas respostas a problemas que ela própria se coloca de contínuo. Regimes socialistas, especialmente os tirânicos, costumam ser as sociedades mais esclerosadas de todas, a exemplo da finada União Soviética e da infeliz Cuba e da inacreditável Coreia do Norte. Quando as liberdades econômicas são enfim estabelecidas, como ocorreu na China, os lampejos de criatividade individual se tornam capazes de transformar radicalmente a paisagem social e o universo material, mesmo sob condições de severas restrições políticas, como ainda ocorre na mesma China.
Não existe, portanto, uma dicotomia absoluta entre o público e o privado, como não deveria haver, na busca de soluções criativas aos inúmeros problemas coletivos, uma única via que supostamente nos levaria do inferno burocrático do Estado opressor ao nirvana do regime privatista das economias de mercados livres. As teias, as amarras, as imbricações entre um universo e outro são por demais reais, fortes e permanentes, para nos fazer refletir profundamente sobre a inexistência de um mundo em branco e preto, no qual os vícios estariam todos de um lado, e todas as virtudes do outro.
Vamos usar nossa capacidade de raciocínio para pensar cada problema humano, individual ou coletivo, na sua dimensão própria, colocar toda a nossa inteligência na análise e diagnóstico desse problema, sem qualquer a priori dogmático, e adotar soluções que sempre serão parciais, limitadas, temporárias, não ideais ou perfeitas, mas aquelas possíveis num momento dado das nossas experiências de vida. Creio que seria isso recomendariam pensadores tão distintos em suas especializações acadêmicas quanto Raymond Aron ou Karl Popper. A modesta racionalidade dos nossos saberes nos incita a ver cada solução a um problema determinado com o mesmo ceticismo sadio que um sábio em seu laboratório realiza todos os experimentos possíveis antes de formular uma explicação em face de uma hipótese de trabalho. Vamos proceder da mesma forma.

Paulo Roberto de Almeida 
Brasília, 19 de setembro de 2016

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Complemento, escrito em Belo Horizonte, em 20/09/2016:

Minhas opiniões já foram expostas em dois, ou três, textos que preparei, justamente para atender aos convites e às demandas dos Estudantes Pela Liberdade, dois para este mesmo encontro, já transcritos no site do EPL-MG, e um em Brasília, sobre populismo econômico na América Latina, já publicado no boletim Mundorama. Por isso não vou repetir meus argumentos sobre a temática dos Problemas Coletivos, Soluções Privadas.
Vou apenas acrescentar uma última reflexão, antes de abrir o debate com todos vocês, o que me parece mais interessante do que um monólogo com virtudes dormitivas.
Ideas do matter; ideias contam, e como! As ideias são, e sempre serão, mais poderosas do que canhões, do que tanques, do que todas as tecnologias criativas (ou destruidoras), todas as forças materiais.
Como eu já disse em várias ocasiões, eu venho do marxismo universitário nos meus tempos juvenis (mas acho que melhorei um pouco desde então). Apesar dos argumentos de Marx, sobre as forças produtivas e toda a infraestrutura material serem os determinantes por excelência das relações sociais e da consciência humana – como ele postulou em seus trabalhos de juventude, especialmente na Ideologia Alemã – são as ideias que predominam sempre, em quaisquer circunstâncias. A prova está em que, a despeito dos fracassos rotundos do socialismo, onde quer que ele tenha sido tentado, as ideias socialistas, as ideias de Marx, constituem um sucesso indiscutível, e dominaram poderosamente muitas consciências, desde o final do século XIX, durante quase todo o século XX, e talvez ainda agora, neste início de século XXI. De fato, ainda podemos encontrar muita gente disposta a lutar pela causa socialista, independentemente do fracasso material das propostas econômicas, sociais e políticas do credo marxista. E isso ocorre sobretudo nos ambientes supostamente esclarecidos das academias.
Repito: trata-se de um sucesso estrondoso, em termos de marketing, e de crença religiosa. Ideias contam, portanto, e é preciso refletir sobre isso. Foi o que eu tentei argumentar em meus trabalhos oferecidos à leitura e reflexões de vocês.
Agora estou aberto a ouvir as perguntas, os argumentos, as reflexões de vocês sobre o tema da nossa palestra de hoje, ou sobre quaisquer outras questões.

Belo Horizonte, 20 de setembro de 2016.

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