'Governo dá sinais na
contramão', diz ex-secretário do Ministério da Fazenda”
Entrevista Marcos Lisboa
Folha de São Paulo, 6/01/2018
A proposta em discussão pelo governo de suspender a chamada
"regra de ouro" –que impede a União de captar recursos no mercado em
volume superior aos investimentos– talvez seja inevitável, mas precisa ser
acompanhada de contrapartidas, diz o economista Marcos Lisboa, presidente do
Insper e colunista da Folha. Para ele, que foi secretário de Política Econômica
do Ministério da Fazenda, sem essas contrapartidas o governo vai contratar uma
grave crise e avisa: o Rio não está tão distante assim.
Folha - O que leva o governo a discutir a regra de ouro?
Marcos Lisboa - A realidade. Talvez seja inevitável essa
mudança, mas ela pode ser feita em meio a ajustes mais severos. Junto, é
preciso discutir acabar com as desonerações da folha de salários. Também não dá
para aumentar limites para o Simples [regime tributário das pequenas empresas]
como está sendo feito. Discutir a regra de ouro é extremamente preocupante.
- Mas não é isso que o governo está tentando fazer?
- Espero que a discussão inclua flexibilizar a regra por algum
tempo, mas com contrapartidas. O BNDES também tem que devolver o dinheiro que
recebeu do Tesouro, é preciso fazer a reforma da Previdência e, no âmbito dos
Estados, teremos que discutir o que significa direito adquirido, pois o
problema deles é a folha de pagamentos. O que surpreende é que chegamos a esse
nível de degradação com complacência da sociedade.
- Essa complacência atinge seus pares economistas?
- Todos nós. O governo, junto com o Congresso, teve uma agenda
importante de avanços que têm que ser reconhecidos, como o teto de gastos, mas
há muito a ser feito no ajuste fiscal de mais curto prazo para garantir o
equilíbrio das contas públicas e enfrentar o deficit primário que temos hoje,
na faixa de R$ 150 bilhões por ano.
- O que precisa ser feito?
- Se um policial sem receber há dois meses não desperta um
imenso alerta que reformas importantes têm que ser feitas, eu não sei mais o
que desperta. E o governo dá sinais na contramão quando a Caixa volta a
financiar Estados. Será que não aprendemos nada com o erro dos últimos anos? É
melhor vedar de vez qualquer empréstimo da União aos Estados. A Caixa acabou de
dar R$ 600 milhões para o Estado de Goiás. Será que a gente vai ter que
assistir o Estado de Goiás em 2109 virar um novo Rio de Janeiro?
- O sr. acha que sim?
- Acho. Como a Caixa pode voltar a emprestar para os Estados?
Como é que podem usar dinheiro dos trabalhadores [recursos do FGTS] para
capitalizar a Caixa?
- Mas a Caixa é a grande financiadora imobiliária do país.
- Talvez o país tenha que pensar em outros mecanismos menos
sujeitos a pressões oportunistas ou gestão incompetente como vimos nos últimos
anos. Se não conseguimos fazer uma gestão eficiente da Caixa, talvez o melhor
seja mesmo privatizá-la.
- Incompetência deste governo também?
- Esse governo é dois para lá, dois para cá. Tem tido avanços
importantes em algumas questões, como a discussão da reforma da Previdência,
mas retrocessos também. Grandes. Volta e meia há um retorno ao passado de usar
recursos públicos para empurrar os problemas para 2019. Mais ainda: não se
consegue fazer os ajustes. Acaba se optando por, em vez de tratar o tumor, dar
morfina porque ela tira a dor e dá um barato.
- O prazo político para isso não acabou?
- Temo isso porque, se não fizermos ajustes em 2018, teremos
problemas mais severos em 2019. Mas é sempre possível piorar. A Venezuela que o
diga.
- O próximo passo pode ser atacar o teto de gastos?
- O país pode sempre escolher tomar mais morfina do que
enfrentar a doença. Nós nos acostumamos com tudo. Aprovar mudanças na regra de
ouro sem contrapartida seria contratar uma crise mais grave no futuro. Se isso
não for parte de um pacote que garanta a estabilização da dívida sobre o PIB
nos próximos anos, o cenário pode ser muito ruim. O Rio de Janeiro não está tão
distante assim.
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