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segunda-feira, 2 de maio de 2022

Quão credível é a ameaça de guerra nuclear da Rússia no caso da Ucrânia? Rememorando o caso dos mísseis soviéticos em Cuba

Quão credível é a ameaça de guerra nuclear da Rússia no caso da Ucrânia?

  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Rememorando o caso dos mísseis soviéticos em Cuba.


 Por duas ou três vezes, o próprio Putin, seu eterno chanceler Lavrov, e outros observadores, comentaristas ou jornalistas seguindo os assuntos da guerra de agressão da Rússia, ou do Putin, contra a Ucrânia e os ucranianos, chegaram a mencionar a possibilidade de uma guerra nuclear, sem que se saiba exatamente por que, com quais motivos ou dirigida a quais envolvidos nesse conflito, que são, ademais da própria Rússia e a Ucrânia, todos os países vizinhos, pró-Rússia (como a Belarus), ou os "ocidentais" membros da OTAN, ou seja, os bálticos e membros recentes da UE e da OTAN na Europa central e oriental, os próprios países líderes da UE ou da OTAN (França, GB e Alemanha), alguns escandinavos e, sobretudo, os Estados Unidos, o capitão e comandante da OTAN.

Sempre achei essa ideia estapafúrdia, despropositada, sem sentido, pura chantagem dos agressores russos, que não conseguiram realizar seus objetivos primários – ocupar toda a Ucrânia, eliminar seu governo atual e colocar um governo fantoche no lugar, ou seja, transformá-la numa nova Belarus – e resolveram partir para a intimidação nuclear contra não se sabe bem quem exatamente, supostamente algum membro da OTAN que decidisse intervir na guerra (já estão intervindo, mediante sanções e ajuda militar à Ucrânia, que não é nem da UE, nem da OTAN, mas aspira ingressar em ambas).

Não acredito, repito, em guerra nuclear, pois isso representaria a aniquilação de dezenas, possivelmente centenas de milhões de vidas humanas de um lado e outro, e a destruição da vida na Europa central, setentrional, meridional, oriental, ocidental, etc., etc., etc. Os generais e alguns estadistas responsáveis sabem disso, mas jornalistas e observadores ligeiros continuam especulando, como é de seu feitio, assim como os estrategistas amadores.

Em todo caso, como eu despertei para o tema da política internacional com a crise dos mísseis soviéticos em Cuba, sessenta anos atrás, fui buscar na biblioteca o livro quintessencial de reflexão sobre esse caso emblemático da política do MAD durante a Guerra Fria, este aqui, publicado originalmente em 1971 e objeto de uma segunda edição revista em 1999.

Permito-me unicamente reproduzir a primeira e metade da segunda página da Introdução, com as questões que serão examinadas ao longo do livro, aliás muito chato, pois combina descrição empírica daqueles terríveis quinze dias de outubro de 1962 com capítulos especulativos sobre modelos decisórios em situações de alto stress como foram aqueles dias e situações de quase aniquilação nuclear. Lembro-me que minha mãe foi me buscar na escola num daqueles dias, quando normalmente eu voltava sozinho, a pé, durante três ou quatro quarteirões da zona sul de São Paulo: não sei exatamente para quê, pois é evidente que não tínhamos os abrigos nucleares construídos por americanos, russos e europeus para se proteger (inutilmente) do Armageddon nuclear caso ele ocorresse. Mais tarde, os uruguaios diriam que a solução era ir para o Uruguai, um país no qual, segundo eles, "no pasa nada!". 



Em todo caso, as questões em causa naquele conflito não encontram nenhuma correspondência com a situação atual. Para quê, exatamente, os russos usariam a arma nuclear, contra quem e onde? Estas questões alinhadas no livro do Allison (muito chato, diga-se de passagem) não encontram paralelo com o caso cubano ou outros casos menores ocorridos durante toda a era da Guerra Fria e além (tem os aventureiros coreanos do norte, iranianos, israelenses e os irmãos inimigos Índia e Paquistão).

O próprio Allison veio agora recentemente (desde 2015, pelo menos) com a ideia maluca de uma "armadilha de Tucidides", que seria uma guerra entre China e EUA, que só poderia ser nuclear. Se não for, seria uma proxy war, como as muitas que já ocorreram desde o final dos anos 1940, inclusive a atual, na Ucrânia.

Em todo caso, cabe recomendar, ou pelo menos esperar, cabeça fria e racionalidade da parte dos malucos que nos governam, alguns mais malucos do que outros, obviamente, Putin em primeiro lugar, o baixinho da Coreia do Norte em segundo lugar, talvez os aiatolás, depois que o Saddam Hussein e o Kaddafy já se foram. Ainda bem que Brasil e Argentina resolveram baixar suas armas nos coldres, pois era sumamente ridícula qualquer competição militar nuclear ou tradicional entre os dois grandes do Cone Sul sul-americano. Mas até hoje existem militares e diplomatas que consideram FHC um traidor, porque resolveu vincular o Brasil ao TNP (em 1996-98). Ainda bem que o fez, inclusive porque a Constituição de 1988 já tinha liquidado qualquer hipótese diferente.

Concluo: não haverá guerra nuclear. Mas espero que a Rússia seja condenada a pagar toda a destruição material e em vidas humanas que a loucura do Putin provocou. Não, não será uma reprodução do Tratado de Versalhes de 1919, e a Rússia não se converterá numa nova Alemanha com desejos de vingança. Ela tem de ser contida em seus instintos primitivos, sendo colocada numa espécie de "curral de contenção econômico". Essa é única forma de mostrar ao povo russo que ele precisa escolher dirigentes mais compatíveis com a Carta da ONU e com os grandes princípios do Direito Internacional. A China tem todo interesse que seja assim, pois do contrário ela também pagará um preço  se escolher outro caminho.

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 2 de maio de 2022


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