Reeleição de Bolsonaro seria uma calamidade climática
Manutenção da política ambiental atual é maior ameaça à soberania nacional desde a Independência
Mathias Alencastro
Folha de S. Paulo, 23.out.2022 às 13h12
As discussões sobre as consequências de uma eventual reeleição de Jair Bolsonaro no segundo turno giram, obviamente, em torno dos seus riscos para a democracia.
Todavia, no plano internacional, ela também marcaria o fim de um período dramático na luta contra a crise climática, severamente abalada pela Guerra da Ucrânia e pelo regresso em força de fontes fósseis de energia, e inauguraria uma nova era na geopolítica.
Existe um arcabouço teórico, jurídico e até militar pronto a ser colocado em prática caso o governo brasileiro prossiga na sua lógica de autodestruição ambiental. A sua dimensão mais conhecida é a proposta aprovada no Parlamento Europeu, em setembro, para obrigar os importadores da União Europeia a provar o cumprimento de exigências ambientais por parte dos fornecedores.
Apesar de enfrentar resistências entre governos dos Estados-membros, a aprovação final da medida seria tornada irreversível pela pressão da opinião pública da UE depois da reeleição de Bolsonaro.
A internacionalização da Amazônia seguiria avançando entre gritos de "a Amazônia é nossa". No contexto da aproximação da Colômbia de Petro com a Otan, a general Laura Richardson, do Comando Sul dos EUA, mencionou um "esboço" de iniciativas similares com o governo Bolsonaro, em discussão desde julho.
O fato de o Itamaraty ter circulado às pressas uma instrução interna na semana passada esclarecendo a fala da autoridade americana deixou evidente o incômodo com a questão no atual contexto eleitoral.
Pela posição crucial da Amazônia na manutenção do aumento da temperatura global abaixo de 1,5 ºC, a aceleração do desmatamento pode radicalizar a ação externa. Stephen Walt, outro grão-mestre das relações internacionais ao lado de John Mearsheimer, uma celebridade desde o início da Guerra da Ucrânia, teorizou sobre intervenções lideradas pela ONU contra países que ameaçassem a existência humana com a sua política ambiental. O governo Biden deu um passo nessa direção ao colocar o clima no centro da segurança internacional na Estratégia de Segurança Nacional divulgada na semana passada.
O bolsonarismo poderia buscar formas de contornar a pressão internacional até a decisiva eleição presidencial americana de 2024. O encontro noticiado por Fábio Zanini entre o chanceler Carlos França e Mario David, assessor internacional do premiê húngaro, Viktor Orbán, provavelmente não tratou do fechamento de Supremas Cortes e de outras especialidades locais.
David, que foi relator do acordo de livre comércio do Peru e da Colômbia no Parlamento Europeu, é um especialista na defesa de regimes violadores de direitos humanos e ambientais em instituições europeias.
Por fim, a solidariedade do Brics com um país alvo de sanções ocidentais até poderia trazer alívio econômico. Todavia, ao abdicar da condição de mediador em potencial entre os blocos orientais e ocidentais, o Brasil estaria se integrando à China da forma mais subalterna e assimétrica possível.
Todas essas pressões podem ser facilmente revertidas por um governo democrático. Mas se a política ambiental de Bolsonaro continuar —e for reforçada por um Congresso antiambiental—, o Brasil encararia a maior ameaça à sua soberania nacional desde a Independência.
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