Transcrevo, de um debate entre colegas diplomatas e economistas:
“ Diversamente da UE, o Mercosul não é nem deveria ser um "projeto político". A nossa política na região, como no resto do mundo, se processa bilateralmente e só se tomam decisões em grupo ou regionais caso a caso. E isso é relativamente raro quando estão em jogo interesses concretos, para implementação efetiva.
Na UE o projeto de integração caminhou passo a passo mas nunca perdeu de vista a possibilidade ou a expectativa de progressiva abdicação das soberanias nacionais em muitas áreas. Só não avançou realmente nas questões de segurança externa, entre outras, porque os países não quiseram ir tão longe, confiando mais no guarda chuva americano (OTAN) do que numa eventual e problemática liderança militar franco-alemã-britânica. Mas puderam chegar a um alto grau de integração/cooperação em matéria econômica, exceto (sobretudo) nas áreas fiscal e social, pois era inevitável reservá-las para a jurisdição dos parlamentos nacionais devido ao próprio funcionamento dos seus regimes políticos .
Nada disso é possível no Mercosul, nem mesmo a cooperação política, porque os quatro países, sem falar no enxerto venezuelano aprovado à época por 3 governos esquerdistas (infringindo a legislação da instituição), não têm a suficiente estabilidade para que as decisões e orientações sejam mantidas - como ocorre na UE - a despeito das mudanças de governo. A politização é até contrária aos interesses do Brasil, porque os parceiros invocam argumentos políticos para extrair vantagens econômicas e quase nunca acontece o contrário, até pela influência do Itamaraty, porque o papel institucional das chancelarias, quando podem decidir sozinhas, as inclina a fazer concessões para manter "boas relações", sendo o exemplo mais óbvio a aceitação das permanentes restrições ilegais argentinas às importações do Brasil. Isso é turbinado quando o próprio presidente adota essa postura, como ocorreu na expropriação de bens da Petrobrás pela Bolívia, nossa endêmica tolerância com o contrabando paraguaio e os financiamentos à Cuba e Venezuela, até agora "a fundo perdido".
A proposta argentina de moeda escritural é só um pretexto para financiar as importações originárias do Brasil e escolheram o oportuno momento político para dar o bote, a volta de Lula, disposto a pagar por uma efêmera popularidade ou "liderança" na região, que, mesmo se fosse autêntica, não serviria para nada prático, às custas do contribuinte.
O Mercosul é uma simples zona de livre comércio imperfeita, incompleta, incapaz de transcender as limitações impostas pelas leis do mercado, o que já foi testado ao longo das décadas. Ele tem representado apenas 7 por cento do nosso comércio exterior, mas nos impede de negociar livremente outros acordos com terceiros países. A reivindicação uruguaia deveria ser a brasileira, não que quiséssemos agora abrir nosso mercado a um acordo com a China ou a Grã Bretanha, mas sim ter o direito de fazê-lo quando e como decidirmos sem depender da aprovação de 3 países menores, com outra estrutura produtiva. Aliás, não há precedente no mundo de um país abrir mão de sua soberania em política comercial dessa maneira e com tais parceiros.
A propósito, é óbvio que o Uruguai poderia vir a ser uma plataforma de reexportação de produtos industriais chineses como resultado do acordo que pleiteiam com aquele país ou com a Associação do Acordo Transpacífico. Num caso como esse, o procedimento natural dos demais países do Mercosul seria fazer valer o sistema de requisitos de origem, pelo qual os produtos ou seus componentes que não fossem legitimamente processados no Uruguai não se beneficiariam das concessões tarifárias do bloco. Só que isso demandaria que inspetores brasileiros, por ex., em caso de dúvida, inspecionassem as unidades produtivas e a contabilidade dos exportadores uruguaios, o que seria "políticamente inviável". ”
Tomas Guggenheim
30/01/2023
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