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segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Previsões diplomáticas para 2023 em diante (feitas em maio de 2022) - Paulo Roberto de Almeida

 Previsões diplomáticas para 2023 em diante  

Paulo Roberto de Almeida

Diplomata, professor

(www.pralmeida.org; diplomatizzando.blogspot.com)

Respostas tentativas às perguntas de um jornalista.

Brasília, 4147: 4 maio 2022, 3 p.

  

1. Se Lula for eleito, qual é a chance de voltarmos a ter uma "diplomacia partidária" como nos dois mandatos de Lula? 

 

PRA: Não existe a menor chance de voltarmos à pirotecnia da diplomacia lulopetista dos anos 2003-2010, mas Lula tem de fazer alguma concessão para a sua tribo de true believers, alguns gestos para seus companheiros bolivarianos – já não tão vermelhos, mas apenas róseos, por dificuldades econômicas bem visíveis –, assim como para seus amigos cubanos, que também estão em situação calamitosa novamente, não tanto quanto no “período especial – pós implosão da URSS –, mas agora sem o mesmo volume dos petrodólares venezuelanos. O que haverá é uma composição de gestos de fachada progressistas, com sua esperteza habitual de se relacionar com todos os grandes do planeta. Ele tem boa aceitação internacional, mas terá de escolher um bom chanceler, que pode novamente ser algum diplomata alinhado com Celso Amorim – já que os companheiros não têm quadros qualificados nessa área, ou então será um político de algum dos partidos da ampla coalizão que ele pretende formar para governar. Mas não haverá mais, na pizza diplomática aquelas duas ou três fatias condimentadas com algum molho bolivariano ou cubano: será bem mais na linha do diplomatês tradicional

Isso na hipótese de que Lula consiga chegar lá, pois persistem ainda algumas dúvidas sobre o itinerário dos próximos meses. Se o Bozo continuar, vai continuar a confusão e a mediocridade. Se for algum da fantasmagórica 3ª via, o Itamaraty retorna com vários cicatrizes e golpes na sua autoestima.

 

2. Lula poderia se aproximar dos governantes bolivarianos, como Maduro, Daniel Ortega, Díaz-Canel e o boliviano Luis Arce Catacora? Já deu algum indício disso? 

 

PRA: Terá de fazer gestos simbólicos, mas é mais provável que queira se aproximar mais do chileno Gabriel Boric. Os bolivarianos não têm muito a oferecer ao Brasil, assim como não tinham antes; Lula e o PT, no período glorioso, não estavam atrás de ideologia, e sim de negócios rendosos. 

 

3. O sr. acha que Lula poderia modificar o Médicos pelo Brasil para reeditar o Mais Médicos, em que os cubanos ganhavam menos que os demais e não podiam se deslocar no país? 

 

PRA: Lula TEM DE FAZER vários gestos no plano interno, de conteúdo social popular, e a assistência médica aos mais pobres deve ser um dos seus carros-chefes, assim como um remake do Bolso Família, sua grande marca registrada, com uma calibragem melhor, para o que todo o aparelho do Estado trabalhará com entusiasmo, e a colaboração dos acadêmicos progressistas, os gramscianos universitários, que retornarão triunfantes ao comando dos programas de fomento à pesquisa. Não sei como ficará o ensino fundamental, que necessita uma profunda reflexão no sentido da integração dos subsídios federais com a gestão estadual e municipal dos primeiros ciclos escolares. A volta triunfal do Líder Genial do Povo Brasileiro depende de uma forte ênfase no social, e para isso a resolução dos nós e amarras fiscais é essencial; seu ministro da Economia terá de ser um craque, começando por desativar o seu besteirol já disparado: “abrasileirar” os preços dos combustíveis – seja lá o que quer dizer essa demagogia sem sentido – e propor uma “moeda latina” para a integração regional.

 

4. Poderíamos ter uma melhora nas relações com os EUA e com países europeus? Temas como desmatamento e acordo UE-Mercosul deixarão de ter obstáculos?

 

PRA: Sim, Lula é amigo de gregos e goianos: visitará todo mundo e receberá visitas de meio mundo, do bando do bem e do bando do mal. Não é difícil se entender com americanos e europeus, pois eles querem fazer concessões a um novo Brasil, bastando gestos simbólicos no plano ambiental, social e econômico. O acordo Mercosul-UE terá de passar por uma revisão, uma espécie de protocolo complementar com precisões na área ambiental, e o Brasil terá de provar – na prática, não no papel – que será ineditamente compliant no terreno da sustentabilidade, da proteção dos direitos indígenas e várias outras esferas, para que o acordo birregional possa entrar em vigor. O acordo Mercosul-UE não é um obstáculo à melhoria das relações, mas ele pode não ser mais tão relevante quanto parecia no momento de sua negociação e assinatura, quando Trump estava desmantelando todo o edifício do sistema multilateral de comércio implantado pelos EUA desde Bretton Woods. O Brasil é relevante no plano dos investimentos europeus e dos mercados de consumo, mas estes vêm sendo erodidos com grande gula pelo gigante asiático, assim que caberá talvez produzir novas pontes de cooperação entre o Brasil e o Mercosul, de um lado, e os americanos e europeus, de outro, para ter algum significado regional e talvez mundial (mas a mediocridade do crescimento brasileiro e argentino não são feitos para entusiasmar muito esses parceiros). 

Volto a dizer o que sempre digo: o Brasil não tem nenhum NENHUM problema com o mundo, se eliminarmos, claro, o estrupício do desgoverno atual. O Brasil tem enormes problemas brasilo-brasileiros, que precisam ter soluções made in Brasil (todas as reformas que nunca foram feitas nos últimos trinta anos, salvo algumas cosméticas). Os problemas do Mercosul também representam um enorme desafio à nossa diplomacia, que sempre foi contida pelo protecionismo renitente dos nossos capitães da indústria e dos nossos líderes do agronegócio, todos eles perfeitamente mercantilistas. Talvez o Brasil devesse retroceder o Mercosul a uma ZLC, mas tal gesto condicionado a uma abertura UNILATERAL, tarifária e não tarifária, a TODOS os parceiros da América do Sul, com o que se terá um espaço econômico integrado, sem qualquer necessidade negociação produto a produto, serviço a serviço: ABERTURA incondicional, ilimitada, irrestrita a todos os sul-americanos.

Mas não creio que nossas valentes elites econômicas permitam gestos de tamanha magnitude e importância para o futuro do Brasil. Elas são muito medíocres para pensar num Brasil grande; só querem defender políticas setoriais defensivas e subvencionistas, como sempre foi em quase toda a nossa história. O Brasil não está apenas isolado diplomaticamente no mundo, como resultou do “programa pária” do desgoverno bolsonarista; estamos singularmente isolados no plano da economia global, sem pertencer a cadeias de valor significativas em qualquer um dos três setores: agricultura, indústria, serviços. Somos um avestruz no comércio internacional, a despeito de sermos primeiros fornecedores de diversas commodities relevantes (mas poucas integradas a cadeias de valor). 

Mas tudo o que figura acima são apenas argumentos impressionistas de um anarco-diplomata. Melhores previsões sobre nosso futuro diplomático, caberia perguntar a alguma Mãe Dinah do setor.

 

 

Paulo Roberto de Almeida

Brasília, 4147: 4 maio 2022, 3 p.


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