Sobre alguns deslizes da História
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre as tragédias provocadas pelos autoritários da História.
A tragédia presente da Ucrânia, assim como a anterior e atual do Afeganistão não foram provocadas pelo “imperialismo estadunidense”, ou pelos povos desses dois países, imersos em problemas de identidade nacional e de lenta e difícil construção de um Estado viável para uma nação fraturada por divisões internas.
A razão principal da violência e da imensa perda de vidas humanas é a prepotência de senhores da guerra, que, sim, ainda existem e insistem na violência pura.
Aliás, tem sido assim desde a guerra de Troia, mas a Helena não tem nada a ver com a guerra total entre gregos e troianos. São as paixões e os interesses dos senhores da guerra, do ódio e da ambição, que motivam esses empreendimentos guerreiros, exclusivamente masculinos.
No caso do Talibã é primitivismo puro.
No caso de Putin, são os instintos primitivos de um mero serviçal de uma máquina totalitária que ficou frustrado com a derrocada, por auto implosão, de um império baseado na opressão e na mentira.
Até hoje os russos atribuem a derrocada e o afundamento da Grande Rússia a um personagem trágico em sua tentativa de reforma: Gorbatchov.
Ainda não se conscientizaram que fizeram parte de um dos experimentos mais cruéis e extraordinários de toda a história da humanidade: a instalação, por acidente (mas também pelo sentido trágico da História) e o funcionamento por mais de três gerações de um regime escravista contemporâneo, em paralelo a um outro sistema similar, se não semelhante ao bolchevismo: o nazifascismo, este baseado numa suposta identidade de raça, aquele de “classe”.
Dois irmãos siameses, ou univitelinos, e que ainda deixaram marcas duráveis em certos povos ou indivíduos.
O caso da China é diferente, mas até coerente com suas tradições seculares de um “despotismo oriental” guiado por um mandarinato recrutado com base no mérito individual. O marxismo-leninismo foi mais passageiro no caso do maoísmo e mais superficial, a despeito do leninismo burocrático do Estado atual. A racionalidade tende a predominar sobre os instintos dos dirigentes.
A História, obviamente, não é a autora dessas monstruosidades, é apenas uma espectadora das loucuras dos homens.
Não estamos tão longe assim da guerra de Troia, ou até das tribos primitivas lutando pela sua sobrevivência.
A humanidade, no conceito civilizatório do termo, é ainda relativamente recente, talvez 50 mil anos ou mesmo o dobro.
Ainda não tivemos tempo de domar nossos instintos, de nos civilizarmos totalmente.
O caminho é longo, como o provam os feminicídios ainda largamente disseminados em diferentes sociedades.
Desculpem a longa reflexão.
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4444, 29 julho 2023, 2 p.
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