A resistível ascensão de um desequilibrado no Itamaraty: a trajetória frustrada do chanceler acidental
Paulo Roberto de Almeida, diplomata, professor.
Nota sobre o parêntese mais esdrúxulo na história do Itamaraty.
Um correspondente de uma das redes de informação me dirige as seguintes perguntas provocadoras:
"Oi Paulo Roberto, tudo bem?
"Ia te perguntar algo: o que levou o Ernesto Araújo a virar um fanático? Ele parece ter um currículo de um diplomata sem paixões políticas.
"Literalmente, um currículo adequado da burocracia estatal.
"De onde ele virou um fanático? Vi que ele estava no Bunker do Milei… na Argentina. Que coisa mais insana."
Eis o que respondi rapidamente, mas que talvez merecesse considerações mais delongadas, tendo em vista o "parêntese" ridículo que vivemos na história bastante burocrática do Itamaraty nos últimos cinco ou seus anos, começando em 2017 e terminando em 2021, mas com reflexos persistentes na carreira frustrada do chanceler acidental do desgoverno que tivemos de 2019 a 2022.
"Caro [...],
Creio que só mesmo um estudo psicológico dessa mente perturbada que é o EA, o chanceler acidental de Bolsonaro, poderia explicar por que ou como ele agiu dessa forma, se revelando apenas a partir da ascensão da direita a partir de 2013-14 e sobretudo depois da emergência de Bolsonaro como candidato viável tirado do "bolso do colete" dos militares que viram no político medíocre uma maneira de responder à esquerda depois da humilhação do "Comitê Nacional da Verdade".
EA é filho de um integralista na juventude, que serviu com fervor ao regime militar, católico integrista e reacionário beirando o fascismo. Ele cresceu nesse ambiente familiar, mas emergiu como diplomata profissional já na redemocratização, governo Collor, e o Itamaraty ficando mais progressista do que já era antes.
Ou seja, ele era contra o esquerdismo light do Itamaraty, mas manteve-se no armário durante os primeiros 30 anos de carreira, fingindo-se de burocrata normal. A ascensão da direita abriu-lhe as portas para a revelação da sua verdadeira natureza interior, mas de uma maneira angustiada, perturbada e totalmente equivocada, ao considerar que os bolsonaristas encarnavam um ideal de política conservadora baseada em ideias genuínas da uma direita filosófica, não os interesses mesquinhos, no limite criminosos, de um bando de oportunistas que viu na ascensão de certo liberalismo econômico a porta de entrada para um regime de reação ao esquerdismo até então dominante.
Ele acreditou que estaria ali a sua chance de exaltar o seu credo antirrevolucionário e até mesmo reacionário, baseado em padrões altos de filosofia política de extrema-direita. Encontrou no polemista Olavo de Carvalho o trampolim para ascender na política nacional na vertente diplomática do anticomunismo, da oposição ao PT, ao Foro de São Paulo, aos programas progressistas da esquerda diplomática.
Sua mente perturbada fez o resto, misturando filosofia conservadora à ideologia desenvolvimentista pela via da direita extrema. Frágil em sua ação concreta, se deixou manipular pelos "novos bárbaros" do bolsonarismo oportunista, e militou em favor de altos ideais que. nunca foram os da franja lunática e predatória dos chefes desse fenômeno inusitado na história política brasileira que foi o bolsonarismo.
Acabou sendo logrado por eles, e combatido até pela direita moderada das elites econômicas, que viram no seu anticomunismo primário um obstáculo para a expansão dos negócios com um suposto "poder comunista" que era a China, um grande capitalismo de Estado dirigido por um partido leninista. Acabou sendo marginalizado pelo poder e pelo Itamaraty, encerrando sua carreira como mero professor de filosofia política de extrema-direita.
Se enganou com Bolsonaro, se engana agora com Milei.
Patético personagem na história do Itamaraty, sem maior significado na política brasileira: um bufão torturado por suas ideias esquizofrênicas."
Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 4495, 23 outubro 2023, 2 p.
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