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sábado, 25 de abril de 2020

O inesgotável Febeapá do governo Bolsonaro - André Rosa (Diplomatique)

Já dava para perceber a volta do Febeapá mesmo antes da inauguração do governo Bolsonaro --  que não vai conseguir ser um regime como foi o lulopetismo, que tinha muitos "intelequituais" a seu serviço -- e a coisa só podia degringolar a partir da posse. Reparem que este artigo é de 24 de JANEIRO DE 2019, ou seja, o festival de besteiras estava recém começando. Depois disso, as besteiras foram se acumulando às centenas, talvez milhares, e caberia aos repórteres investigativos fazerem o cômputo, assim como os repórteres do NYT e do WP fazem uma contagem minuciosa, precisa, rigorosa, de todas as MENTIRAS do Trump, o ídolo do nosso desmiolado presidente. 

A diferença com o Febeapá original, do inesquecível Sérgio Porto, o Stanislaw Ponte Preta, durante a primeiríssima fase do regime militar (antes do AI-5), é que antigamente os militares – mais os coronéis encarregados de IPMs, da repressão direta – se encarregavam de fornecer farto material para as colunas sempre bem humoradas do Stanislaw, sob a rubrica do Febeapá. Atualmente, os militares já não têm mais fornecido muito material: eles aproveitaram os 30 anos de redemocratização para estudar... Fizeram muito bem; deixaram o Febeapá para os políticos...
Paulo Roberto de Almeida

FESTIVAL DE BESTEIRA QUE ASSOLA O PAÍS
O inesgotável Febeapá do governo Bolsonaro
por André Rosa
Le Monde Diplomatique Brasil, 24 de Janeiro de 2019


Com menos de um mês de governo, a equipe de Jair Bolsonaro já conta com um bom capital de frases a situações que engrossam o novo Febeapá

Na década de 60, quando ainda vivíamos sob o jugo de uma feroz ditadura, parte de nossa intelectualidade combatia o regime com as armas do humor e do deboche. O teatro, a música e o cinema floresciam como nunca. Nos palcos, peças como “Liberdade, liberdade” (Millôr Fernandes, dir. Flávio Rangel) e “O rei da vela” (Oswald Andrade, dir. José Celso Martinez Corrêa) tiravam o sono dos militares. No jornalismo, o semanário O Pasquim fez história. Matéria-prima não faltava. Os brucutus que apreendiam livros sobre “cubismo” (coisa de cubano) e que queriam enjaular o perigoso comunista Sófocles, autor da subversiva “Electra”, não davam descanso à pena de nossos jornalistas. Assim nasceu o Febeapá.
O Febeapá — Festival de besteiras que assola o país — foi um livro publicado em três volumes pelo jornalista e cronista Sérgio Porto, sob o pseudônimo Stanislaw Ponte Preta. No livro, cujo primeiro volume saiu em 1966, o autor reuniu crônicas que relatavam com gozação os disparates que aconteciam na política após o advento da “redentora”, como ele chamava o golpe de 1964. Foi assim que histórias como a de Sófocles se imortalizaram no imaginário brasileiro, bem como a famosa frase de um simpático general sergipano chamado Graciliano, que dizia que “em Sergipe quem entende de teatro é a polícia”. Sérgio Porto faleceu no fatídico ano de 1968, pouco antes do AI-5. Cinquenta anos depois, novamente sob um governo colorido pelo verde-oliva, o Febeapá parece mais uma vez inesgotável.
Com menos de um mês de governo, a equipe de Jair Bolsonaro já conta com um bom capital de frases a situações que engrossam o Febeapá. Para Vélez Rodríguez, ministro da Educação, o “marxismo cultural faz mal à saúde”. Já o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, não deixa por menos: para ele, o risco de uma arma em casa é o mesmo que de um liquidificador. Calma, tem mais. A famosa ministra Damares, aquela da goiabeira, até outro dia dizia por aí que turistas vão a hotéis fazenda de fachada para transar com animais. Agora, foi adiante: para ela, quando um menino encontra uma menina vestida de azul, ele automaticamente pensa: ela é igual, então pode levar porrada. Há ainda um outro personagem, o ministro Ernesto Araújo, das Relações Exteriores, apelidado de “cavaleiro templário” pelo ex-ministro Roberto Freire: para Araújo, a esquerda se define “como a corrente política que quer fazer tudo para que as pessoas não nasçam”. Seria a indústria da pílula anticoncepcional uma das fachadas da Internacional Comunista?


Ilustração de capa do livro “Febeapá – O Festival de Besteira que Assola o País” de Stanilaw Ponte Preta

Outras situações não têm tanta graça. Não nos esqueçamos do juiz Moro, o cobiçado ministro da Justiça que em certa ocasião afirmou que “caixa 2 é pior que corrupção”, mas que a respeito do caixa 2 do também ministro Onyx, disse: “ele já admitiu e pediu desculpas”. Ah, bom. Fica a receita. Ainda no corpo ministerial, certas nomeações nos remetem inevitavelmente ao gênio do dramaturgo irlandês Bernard Shaw, que dizia que o seu gosto pela ironia não ia tão longe. É o caso da ministra da Agricultura, Tereza Cristina, aquela que recebeu doações de um réu por assassinato de líder indígena (Folha de S. Paulo, 20/11/2018) e que será a responsável pela… demarcação das terras indígenas. Isso porque o novo governo está em busca de pessoas que “amam desesperadamente os índios”, como disse Damares.
Como se vê, o Febeapá está em plena forma. Além dos ministros, há outros curiosos personagens que também orbitam o universo da política brasileira: há o soi-disant filósofo que acusa Newton de ter “espalhado burrice” e que acredita que cigarro faz bem à saúde; há o deputado que diz que Marx percebeu os seus erros na 1º Guerra Mundial (Marx estava morto havia 31 anos); há o ator pornô conservador; há o coordenador do ENEM que diz que Raskólnikov, personagem de Crime e Castigo, era um “típico estudante esquerdista”, influenciado por Nietzsche (que só publicaria seu primeiro livro em 1872, seis anos depois), enfim, uma grande diversidade.
Em seu discurso em Davos, o presidente Jair Bolsonaro cometeu um exagero de modéstia ao dizer que “pela primeira vez no Brasil um presidente montou uma equipe de ministros qualificados.”. No país que teve como ministros nomes como Darcy Ribeiro, Celso Furtado, Sérgio Paulo Rouanet, Francisco Weffort, Ana de Hollanda, Antônio Houaiss e outros, pela primeira vez se vê qualificação nos ministérios. Desnecessário comentar certos deboches. Vamos aguardar o que vem pela frente.
André Rosa é escritor.