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sábado, 6 de agosto de 2011

Soldados e diplomatas: unidos pelo Conselho de Seguranca

Então fica assim: o que não se conseguiu em oito anos de gestão direta, poderá ser obtido em quatro anos de gestão coadjuvante, ou indireta.

Patriota diz que Amorim ajudará Brasil a obter vaga no Conselho da ONU
Jornal do Brasil, 6/08/2011

O novo ministro da Defesa, Celso Amorim, contribuirá para fortalecer o papel internacional do Brasil, ajudando-o na sua tentativa de conquistar uma cadeira permanente no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU).

A avaliação foi feita nesta sexta-feira, no Rio, pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Amorim, assinalou Patriota, tem grandes experiência em temas como desarmamento e não proliferação de armas nucleares, além de ter comandado o Itamaraty durante o governo Lula.

De acordo com Patriota, Amorim levará para o Ministério da Defesa "uma extraordinária experiência em temas que terão relevância na gestão da pasta, como, por exemplo, a atuação bem-sucedida do Brasil como Força de Paz no Haiti". "Ele também é um profissional extremamente comprometido com a integração sul-americana", destacou Patriota, que presidiu a solenidade em homenagem ao centenário de nascimento do político, jornalista e diplomata San Tiago Dantas, na Academia Brasileira de Letras (ABL).

Patriota ressaltou ainda o papel do Brasil no processo de construção da paz e de cooperação entre as nações. "Estamos no Conselho de Segurança da ONU como membro não permanente e temos contribuído para estabelecer pontes entre diferentes posições. Tenho certeza que, à frente do Ministério da Defesa, ele (Amorim) ajudará a fortalecer o papel internacional do Brasil".

sábado, 30 de julho de 2011

O charme excessivamente discreto da politica externa brasileira

POLÍTICA EXTERNA
A passividade de Antonio Patriota
Frederico Bartels Ferreira
Opinião e Notícia, 30/07/2011

O chanceler brasileiro se mostra disposto a aceitar que a ONU lide com questões que ameacem a paz e a segurança internacionais ficando em silêncio. Por Frederico Bartels Ferreira

Em uma entrevista concedida ao Estado de S. Paulo no dia 16 de julho de 2011, o atual chanceler brasileiro Antonio Patriota discutiu uma miríade de assuntos relevantes e determinantes para a política externa, inclusive a questão da diferença entre as situações da Líbia e da Síria em meio à Primavera Árabe.

Como abordado em artigo anterior, a delegação brasileira na ONU tem tomado posições distintas em relação a questões similares. Ambos os países árabes têm uma população que deseja se ver livre das mãos opressoras de seus ditadores – Khadafi e Assad. Quando perguntado sobre as duas situações e o posicionamento do Brasil, a resposta que melhor resume o caso foi que na Síria “é mais complicado”.

Explorarei neste artigo as complicações que são expostas por Patriota buscando iluminar os valores que norteiam a política externa do Itamaraty.

Um dos momentos mais elucidantes dos valores da política externa brasileira é a comparação feita pelo entrevistado entre as profissões de um diplomata e de um médico. Patriota coloca que “assim como o credo do médico é não piorar a doença do seu paciente, (..) a responsabilidade do diplomata em termos de paz e segurança é não piorar uma situação. Não torná-la mais grave, não torná-la mais instável”. A importância desse argumento está na definição dos valores que orientam a condução da política externa, determinados como sendo a busca da estabilidade internacional, através da manutenção da paz e da segurança. A fala de Patriota é mais relevante do que a breve discussão de valores feita por ele, quando exalta a importância da democracia, da diminuição da desigualdade, do pleno exercício dos direitos humanos, das soluções diplomáticas e de outros elementos que circundam a política externa brasileira. A crença de que a estabilidade é o valor primeiro do trabalho diplomático ilustra o ordenamento de preferências, onde a estabilidade e o não-agravamento de conflitos é imperativo.

Quando se analisam as questões da Síria e da Líbia pelo prisma da estabilidade, qualquer ação do Conselho de Segurança deveria ser evitada. Tais ações poderiam ser vistas como apoio às populações locais, fazendo com que elas fiquem mais agressivas em suas iniciativas contra seus ditadores; assim como qualquer ação de apoio ao governo poderia ser vista como carta branca para que ele continue a fazer o que têm feito.

Outro elemento que o chanceler aponta como sendo uma das divergências importantes entre as questões dos dois países é o fato de que antes de chegar no Conselho de Segurança da ONU, a situação Líbia já contava com resoluções da Liga Árabe e do Conselho de Direitos Humanos. Essa trajetória é vista pelo diplomata como sendo benéfica, apesar de significar que a questão simplesmente demorou mais para chegar à opinião pública internacional devido à atenção que cada uma dessas instâncias comanda. O diplomata se refere a esse elemento ao falar que a Síria ainda estaria em um estágio diferente. Estágio este no qual aparentemente o ditador ainda pode massacrar sua população sem sofrer condenação do Conselho de Segurança.

Patriota, a respeito do caso da Síria no Conselho de Segurança, conta ter tentado “avançar na ideia de uma declaração presidencial, que é uma manifestação menos contundente que uma resolução, e que é sempre por consenso. O chanceler afirma até ter recebido sinal verde da China e da Rússia para ir adiante na aprovação da declaração presidencial, mas não do Líbano. Com isso, China, Rússia, Brasil e África do Sul conseguiram não só não colocar uma resolução fraca em votação como também conseguiram acabar com as possibilidades de que do Conselho tome qualquer ação no último mês em relação à Síria.

A partir dessa inação do Conselho, Patriota se mostra disposto a aceitar que o órgão encarregado pela Carta da ONU lide com questões que ameacem a paz e a segurança internacionais ficando em silêncio. O chanceler discute a possibilidade de uma gestão diplomática liderada por Brasil, Índia e África do Sul em Damasco, almejando “dar um voto de confiança a esse desejo do governo Assad de promover reformas políticas, da reforma da lei eleitoral”. Sem dúvida, reformas políticas na Síria são um objetivo nobre, porém a existência de uma resolução do Conselho de Segurança condenando a violência praticada pelo governo e clamando por reformas políticas serviria para encorajar a oposição e reforçar o argumento. Acredito que esses termos passariam até mesmo pela peneira do diplomata brasileiro que procura não criar instabilidade.

A busca pela estabilidade e pelo consenso no caso sírio fez com que o Conselho ficasse passivo diante de uma questão que tem sido coloca como uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Uma pergunta válida para o chanceler nesta situação é: a inação não irá contribuir mais para a instabilidade? Espero que o povo sírio não dependa da comunidade internacional para se tornar uma democracia, pois se depender da política externa pragmática de Patriota, a bota de Assad não sairá do lugar.

*Frederico Bartels Ferreira é mestrando em Relações Internacionais na George Washington University e bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas.

domingo, 17 de julho de 2011

O que o chanceler pensa de sua propria politica externa - Entrevista Antonio Patriota

'Não existe país que esteja acima do bem e do mal', diz Patriota
Rui Nogueira e Lisandra Paraguassu
O Estado de S. Paulo, 16 de julho de 2011

Brasil, Índia e África do Sul estão negociando 'gestão diplomática' junto ao governo Sírio; se houver moção pró-independência palestina, o Brasil votará a favor

Em um mundo multipolar, com mais potências emergentes e em fase de realinhamento, não há países acima do bem e do mal. Os direitos humanos não podem ser tratados como uma política em que o grito maior é de quem tem mais força. Essas são sínteses da visão do mundo atual e da ação da diplomacia brasileira feitas pelo chanceler Antonio de Aguiar Patriota em entrevista ao Estado, na quinta-feira passada.
Ministro das Relações Exteriores dá entrevista exclusiva ao 'Estado'
O ministro, 57 anos, é formado em Filosofia, tem dois filhos e é casado com Tania Cooper Patriota, representante do Fundo de População das Nações Unidas (FNUAP) para a Colômbia e Venezuela. Desenhista e pianista fã de jazz, Patriota aceitou, antes de encerrar a entrevista, responder a mais cinco perguntas bem curtas e que abrem esta reportagem:
- Um pianista de jazz - Brad Mehldau.
- Um filósofo - Friedrich Nietzsche.
- Um filósofo do momento - Slavoj Zizek (se diverte com as performances dele).
- Um grande acerto diplomático - Acabei de ir a Buenos Aires para celebrar os 20 anos da Agência Brasileiro-Argentina de Contabilidade e Controle (Abacc). É um acerto diplomático extraordinário. Estava lá o diretor-geral da AIEA dizendo que é um exemplo para o mundo. Sedimentou a base de um entendimento com a Argentina que consolidou a relação que temos e o nosso projeto de integração sul-americana.
- Um grande erro diplomático - A invasão do Iraque. Mais que diplomático, um grande erro de política externa, porque de diplomacia não teve nada. Inclusive com implicações sistêmicas muito problemáticas porque passou por cima do Conselho de Segurança. A questão do Irã, em grande medida, tem a ver com isso. Uma das coisas que a invasão do Iraque mais fez foi fortalecer o Irã em um contexto regional delicado.

A seguir, a íntegra da entrevista:
O jornalista e também diplomata Antonio Patriota, hoje com 94 anos, aconselha os filhos a "não dizer tolices, porque a tolice complica". Quanto vale esse conselho?

O uso adequado das palavras, tanto oralmente quanto por escrito, é uma das atividades principais da diplomacia, um instrumento de trabalho.
O sr. nunca foi traído pelas palavras?
A gente vai adquirindo experiência com as palavras. E o diplomata tem de ter essa experiência em muitas línguas, atentar muito para a tradução correta de expressões. Um grande chanceler, talvez um dos maiores da diplomacia contemporânea, que é o Serguei Lavrov, da Rússia, quando faz seus discursos em russo, no Conselho de Segurança, fica com a tradução em inglês no ouvido. De vez em quando, ele para e corrige o tradutor. Isso demonstra bem a importância das palavras. A diplomacia trata de guerra e de paz (aponta para os painéis de Portinari no gabinete). Uma palavra que leve a uma interpretação equivocada é um problema diplomático.
O senhor diz que não vai promover nenhuma reviravolta na diplomacia, que haverá continuidade com ajustes em "nuances, ênfases e desafios". Só isso?
Para começar, é bom lembrar que o que este governo se propõe a fazer na área diplomática tem, em grande medida, a ver com a consolidação de um trabalho do que já vem sendo feito há mais tempo. Há um reconhecimento de uma elevação do perfil internacional do Brasil no mundo, foram abertas novas embaixadas, foram desenvolvidas novas coalizões, como o Ibas (Índia, Brasil, África do Sul), aprofundada a integração sul-americana. Essas linhas todas permanecem linhas de atuação. E meu trabalho aqui é assegurar que elas frutifiquem, se consolidem, se aprofundem. Existem as novas frentes de trabalho, onde se pode incluir a África, o Oriente Médio, um mundo em desenvolvimento que não era tão presente na diplomacia. Existe também um trabalho voltado para governança sistêmica, que envolve a promoção de mecanismos mais representativos, mais legítimos, mais em linha com a distribuição da configuração geopolítica contemporânea. Então, tudo isso permanece como linhas de atuação.
Sobre ênfases novas eu também tenho comentado, por exemplo, a busca de resultados em áreas que contribuirão para um novo estágio de desenvolvimento brasileiro. Sobretudo no relacionamento com países mais desenvolvidos que o Brasil, uma ênfase em ciência e tecnologia, inovação. A presidenta Dilma demonstrou interesse grande em aumentar o número de brasileiros que estudam fora, sobretudo em áreas de ciências exatas. Existe, também, uma preocupação com a diversificação da pauta comercial. Então essas são ênfases que têm sido manifestadas concretamente em comunicados conjuntos com, por exemplo, a China e os EUA.
É verdade que a presidente Dilma, em conversas com o senhor sobre as ações internacionais, tem perguntado: "Concretamente, o que vamos ganhar com isso"?
É, ela tem muito essa visão. Mas essa visão não resume tudo. Isso também não é inteiramente novo. Já era uma constatação interessante, que às vezes a imprensa questionava: por que essa ênfase, no governo Lula, no mundo em desenvolvimento? Depois, quando as economias desenvolvidas entraram em crise, ficou claro - principalmente depois da crise de 2008 - que a diversificação de parceiros foi uma estratégia muito inteligente do ponto de vista da manutenção de um bom padrão de intercâmbio comercial.
Mas eu também comentei outro dia as ênfases baseadas em valores, que têm a ver com a valorização da democracia, a diminuição da desigualdade, do pleno exercício dos direitos humanos de uma maneira não politizada, não seletiva, nas soluções diplomáticas e na resistência ao contemplar o uso da força quando a busca das soluções diplomáticas não esgotou seu curso.
Um bom exemplo de um novo desafio é a cúpula Rio+20. Um desafio que está inscrito no nosso calendário. Estamos nos reunindo de novo no Rio de Janeiro, 20 anos depois da Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - desta vez com foco na economia verde e no combate à pobreza. Outro foco é a governança ambiental global. E a partir de um estágio diferente do pensamento brasileiro sobre essas questões e uma evolução do pensamento brasileiro sobre essas questões. Adquirimos uma liderança importante nos biocombustíveis, um país com uma matriz energética limpa, mas, ao mesmo tempo, descobrimos petróleo em grande quantidade. Então temos a capacidade de olhar para os dois lados nessa equação. Fizemos avanços importantes no combate à pobreza e à desigualdade, e o desafio aqui, de certa maneira, é inscrever a variável ambiental nas conversas sobre desenvolvimento econômico e social. É um debate bem contemporâneo, que deve ser feito de maneira que aglutine os países da comunidade internacional, evitando que haja uma polarização entre mais e menos desenvolvidos, que haja um descuido em relação a aspirações legítimas e específicas, como as pequenas ilhas ou de países que sofrem com a desertificação. É um desafio conceitual, de certa forma filosófico, político, diplomático e logístico.
Na questão dos direitos humanos, o governo Lula era seletivo. A presidente Dilma criou uma demarcação nova nesse campo, não?
Eu acho que é um pouco mais complexo que isso. Em primeiro lugar, e aqui eu volto a defender que estamos construindo sobre uma base já estabelecida, os direitos humanos compreendem valores econômicos, sociais e culturais e os direitos civis e políticos. Os avanços do Brasil na política da diplomacia com relação aos direitos humanos têm muito a ver com a situação doméstica deste país. E os avanços do Brasil nos últimos anos foram muito significativos, mas ainda permanecem desafios importantes.
Eu me reúno frequentemente com minha colega Maria do Rosário (ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos), a quem eu prezo muito, e pergunto a ela quais são os principais desafios. São muitos: situação carcerária, violência urbana, direito das mulheres, educação, etc. Mas o governo Lula operou alguns saltos importantes. E isso não sou eu que digo: há um reconhecimento, por exemplo, do Alto Comissariado das Nações Unidas para Direitos Humanos de que o Brasil foi um dos países que melhor aproveitou - e isso vem de antes do governo Lula - a conferência de Durban (2001, África do Sul) sobre direitos humanos e racismo para se organizar no plano nacional e depois implementar algumas das ideias produzidas na conferência. A secretaria de Direitos Humanos foi elevada a nível ministerial, foi criada uma secretaria de Promoção da Igualdade Racial - um dos poucos países do mundo que tem um ministro para igualdade racial. Foi criada também uma secretaria de igualdade de gênero.
Há outro aspecto que eu acho que entra em Direitos Humanos: combateu-se a pobreza como nunca antes e num ritmo mais acelerado. Isso envolve direitos humanos, direito a uma vida digna, ao emprego, à educação, condições salubres de vida. A partir disso cria-se uma base muito positiva para se defender no plano internacional que, se nós conseguimos melhorar, outros conseguirão. E vamos usar o sistema Nações Unidas, que é universal, que é o que mais prezamos, para defender o acesso do maior número possível de pessoas aos seus direitos plenos.
Mas há problemas de outra natureza. Países onde se pode falar e onde não se pode falar nada.
Aí, às vezes, surgem dificuldades, porque existe uma polarização muito grande entre Norte e Sul nesses debates. Eu diria que não é aceitável a ideia de que violação de direitos humanos só acontece em país pobre. Porque, historicamente, nós sabemos que algumas das violações mais graves, e violações em escala assustadora, foram cometidas por países altamente desenvolvidos, altamente militarizados. Mas, na prática, em uma reunião do Conselho dos Direitos Humanos em Genebra, não se vê lá uma discussão sobre um país desenvolvido. Vai ser sobre um país africano, sobre um país latino-americano.
Às vezes, há uma distorção: a delegação de um país (em uma reunião do Conselho de Direitos Humanos, em Genebra) está preocupada com a opinião pública doméstica e quer mostrar que condenou certos acontecimento de maneira muito veemente. Mas essa condenação vai levar a uma melhora da situação de direitos humanos naquele país? Não necessariamente. A condenação em si mesma pode gerar uma indignação que, em decorrência, produza algum progresso. Mas também pode não gerar nada. Então, essa preocupação existia e continua a existir. Nós queremos que as manifestações do Conselho de Direitos Humanos e de outras agências da ONU produzam resultados que façam evoluir, produzam maior liberdade de expressão onde ela não existe. Aí, um pequeno passo já será um progresso.
Mas no governo Dilma essas posições ficaram menos dúbias, mais claras.
Se estiver mais clara eu fico satisfeito. Isso volta ao nosso ponto inicial da conversa sobre importância das palavras e da comunicação. Eu me esforço para comunicar da maneira clara. Já passei seis horas no Congresso Nacional abordando esses temas. Mas acho que é importante que a sociedade compreenda que não é através de uma manifestação em um voto em relação ao país A ou B que você contribui para uma melhora na situação dos direitos humanos no mundo. Não necessariamente.
Mas em países como Cuba e Irã a questão de poder falar é relevante.
Uma contribuição muito grande que se pode dar é o exemplo do Brasil. Nós, aqui, damos uma carta branca convite a todos os relatores especiais da esfera dos Direitos Humanos da ONU para visitar o Brasil. Não precisa ter convite. Agora está vindo o relator sobre a situação carcerária. Quando veio o relator sobre racismo, as conclusões foram incômodas para o Brasil em grande medida, apesar de nós termos a Secretaria de Promoção da Igualdade Racial. Houve muita conclusão do tipo "existem formas de racismo encoberto". Nós, aqui no Itamaraty, estamos tentando atrair o maior número de afrodescendentes, mas um estrangeiro que chega aqui vai dizer: "Gente, este é um país que tem mais de 50% de afrodescendentes, onde eles estão?". Tem algum aqui nesta sala (no gabinete)? Não tem. Então nós queremos, através dessa abertura à crítica, e abertura ao sistema ONU de direitos humanos, demonstrar que ele pode funcionar como uma alavanca para o progresso.
Foi nesse sentido que, por exemplo, votamos a favor do relator especial para o Irã. Porque o Irã estava se recusando a receber os relatores temáticos. Então, na medida em que não haja uma disposição para receber o relator, é justificável que haja isso (o voto). Mas isso não é contra o Irã, é a favor do sistema ONU e a favor de um sistema que funcione de maneira equilibrada e para tratar de situações no mundo inteiro. E quando tratamos desse tema não existe país que esteja acima do bem e do mal. É muito importante haver uma vigilância internacional respeitada. E quanto mais equânime for (a vigilância), mais respeitada ela será.
Que visão o senhor tem do problema dos direitos humanos em Cuba?
Nós queremos para os outros países o que queremos para o Brasil. No Brasil estamos dando exemplo de avanços. E não acreditamos, em primeiro lugar, na condenação como objetivo da política de direitos humanos. Porque isso não produz, necessariamente, uma evolução. Em Cuba tem havido reformas, houve soltura de presos políticos, houve gestos importantes. No sentido também de reformas econômicas que representam maiores oportunidades para o povo cubano. Cuba vive também uma situação específica, de um embargo de um país poderoso, vizinho, onde residem inúmeros cubanos. Isso penaliza o desenvolvimento econômico da ilha. Aquilo gera uma dinâmica negativa para essa questão. Mas, em última análise, os cubanos terão que procurar o próprio caminho da realização.
Mas há aspectos em Cuba que inspiram outros países. Eu tinha um colega núncio apostólico, em Washington, que tinha servido em Cuba. E ele dizia que em poucos lugares do mundo havia presenciado uma superação tão visível do preconceito racial como em Cuba. Cuba tem muito menos afrodescendentes que o Brasil, algo em torno de 25%, mas tem muito mais embaixadores negros. Tem um nível de educação elevado, faz um papel extraordinário no plano internacional de assistência médica. Estamos cooperando no Haiti. E os haitianos mesmo dizem que, se não fossem os médicos cubanos, a epidemia de cólera teria sido devastadora.
No que o Brasil ajuda quando deixa de votar uma condenação no Conselho de Segurança?

São situações completamente diferentes. Vamos mudar de assunto então?
Estamos falando de deixar de votar tanto no Conselho de Segurança quanto no Conselho de Direitos Humanos.

São situações diferentes. Porque quando você está lidando com segurança coletiva, que é o que a ONU faz, é a decisão mais grave que um país pode tomar: o recurso à coerção ou não. E aí a gente tem que medir de maneira muito responsável em que medida a coerção contribuirá para a estabilização e para a paz. Às vezes isso pode não contribuir para a situação dos direitos humanos. Mas aí o que está implícito é saber quem é que a desestabilização em grande escala prejudica mais. Geralmente o mais pobre, o mais desatendido, aquele que é mais vulnerável e cuja situação dos direitos humanos piorará ainda mais. Então, eu costumo dizer: assim como o credo do médico é não piorar a doença do seu paciente, eu acho que a responsabilidade do diplomata em termos de paz e segurança é não piorar uma situação. Não torná-la mais grave, não torná-la mais instável.
Às vezes, a abstenção é uma maneira de sinalizar "olha, atenção". É um sinal amarelo. Nós não temos como impedir - o Brasil não tem poder de veto -, mas podemos dizer "esse caminho comporta dificuldades e pode...". Vamos pegar o exemplo da Resolução 1.973, da Líbia. Cinco países se abstiveram. Rússia e China se abstiveram. É interessante, pois eles poderiam ter vetado. A abstenção de um membro permanente e com poder de veto também significa "vamos deixar ir adiante". Porque nessas questões ninguém tem o monopólio da sabedoria. É uma avaliação que você faz com base na experiência, naquilo em que você acredita. No Brasil acreditamos muito na diplomacia, no poder de persuasão, em resolver as questões pela conversa, pela negociação e não pela força, necessariamente. A força pode agravar muito a situação. Três meses ou mais depois da Resolução 1.973 o nível de violência na Líbia diminuiu? Não. Ouvi do conselheiro nacional de segurança norte-americano, na quarta-feira, em Washington, que não há solução militar para a Líbia. Então vamos conversar mais, vamos procurar um cessar-fogo monitorado, pode ser pelas Nações Unidas, e com alguma parte de avanço político nas aspirações que, aliás, consideramos mais do que legítimas, tanto que votamos a favor da resolução anterior, que condenava explicitamente (a violência na Líbia).
A sua impressão é de que a situação Líbia está mais perto de uma solução?
Está. Está começando a convergir para um ambiente propício a um encaminhamento que terá que envolver um cessar-fogo, um monitoramento de um cessar-fogo e alguma resposta também às aspirações dos manifestantes. No caso da Líbia existe até essa conotação geográfica, existe uma preocupação com a fragmentação do país. E há entendimentos que levem a transição política, que levem a um processo eleitoral, quem sabe!.
Já a situação da Síria?
Já a Síria está em outro estágio. Ajuda contrastar um pouco com a Líbia porque são circunstâncias diferentes, dentro de um mesmo movimento que assolou o mundo árabe. No caso da Líbia havia um consenso dentro da Liga Árabe. A liga suspendeu a Líbia, votou a favor das resoluções dentro do Conselho de Direitos Humanos, votou a favor da Resolução 1.970 e apoiou a criação da zona de exclusão aérea. Depois, na implementação da Resolução 1.973, apareceram vozes dissonantes. Então o embaixador do Líbano -que é o país árabe que está nesse momento no Conselho de Segurança - teve um trabalho menos complexo para fazer porque refletia posições mais ou menos consensuais.
Agora, na Síria, não existe um consenso entre os árabes. Existe, por exemplo, a percepção, em alguns lugares, de que as alternativas ao governo Assad podem ser mais problemáticas em relação, por exemplo, a minorias. Diferentemente da Líbia, existem minorias significativas. Existem os alauitas, existem os cristãos. Aliás, quase todos os que têm dupla nacionalidade brasileiro-síria são cristãos. Então, essa é uma preocupação brasileira também.
O outro aspecto é que há uma polarização maior entre os membros permanentes do Conselho de Segurança. A gente pode discutir se considera legítimo ou não o poder de veto hoje, mas a verdade é que eles têm poder de veto. Então, numa situação de polarização, uma resolução, mesmo como a primeira que houve sobre a Líbia, não será possível porque a China e a Rússia já deram a entender que vetarão. Eles consideram que é um assunto que tem também potencial desestabilizador em uma região que é da mais alta volatilidade, muito grande. Muito maior que o da Líbia. A Líbia desestabiliza um pouco a Tunísia e o Egito, mas aquilo não vai alterar o quadro complexo de negociação para a situação Israel-Palestina. A Síria, sim. É mais complicado.
E o Brasil...
O Brasil conversa com todos os lados da situação. Mas nos coordenamos muito com Índia e África do Sul, que estão neste momento no Conselho de Segurança. Tentamos avançar na ideia de uma declaração presidencial, que é uma manifestação menos contundente que uma resolução, e que é sempre por consenso. Eu até tive luz verde da China e da Rússia para ir adiante (para tentar aprovar a declaração presidencial), o que me animou, mas depois o Líbano disse que não havia condições.
Agora estamos pensando em fazer uma gestão diplomática de Brasil, Índia e África do Sul em Damasco, junto às autoridades sírias, para reafirmar a inaceitabilidade desse elevado número de mortos e feridos e da violência. E da importância - talvez indo um pouco mais longe que os ocidentais iriam, de dar pleno curso àquilo que eles próprios anunciaram que queriam fazer. Dar um voto maior de confiança a esse desejo do governo Assad de promover reformas políticas, da reforma da lei eleitoral.
Os senhores estão só pensando?
Já está sendo articulada (a gestão). Os embaixadores em Nova York estão trabalhando, até mesmo em termos de referência ampla para uma gestão desse tipo.
Qual será a posição brasileira, se a Autoridade Palestina levar mesmo à abertura da Assembleia-Geral da ONU, em setembro, uma proposta de independência, a contragosto de Israel e EUA?
Voltando atrás um pouquinho, vocês acompanharam, no ano passado, o reconhecimento do Estado Palestino nas fronteiras de 1967. Mais de 100 países haviam tomado essa decisão. Aqui, na nossa região, nem tantos, mas a decisão do Brasil teve um efeito dominó e sucessivos apoios surgiram. O responsável pela propulsão do processo negociador é o quarteto, formado pelo secretário-geral da ONU, Estados Unidos, Rússia e União Europeia. No quarteto tem havido muito pouco avanço. Em uma reunião, há dois dias, em Washington, eles não chegaram sequer a um texto consensuado. O quarteto, por exemplo, também não conseguiu emitir manifestações mais contundentes em relação ao prosseguimento dos assentamentos israelenses em território palestino. Parece estar se esgotando a capacidade do quarteto de estimular movimentos nessa direção. Não nos surpreende que, nesse caso, as autoridades palestinas busquem se fortalecer perante a comunidade internacional. E é isso que representaria uma moção (de independência) na Assembleia-Geral.
Aqui tem um aspecto técnico: para um país se tornar membro da ONU ele apresenta um pedido ao Conselho de Segurança. O conselho recomenda à Assembleia Geral e aí tem que ser por maioria. Mas, historicamente, já houve diferentes situações. Bangladesh foi primeiro à Assembleia-Geral. Legitimou-se, e aí foi ao Conselho de Segurança. Podem surgir situações diferentes. Os palestinos ainda não decidiram exatamente o que vão fazer.
Mas é certo que farão?
Tudo indica que eles estão considerando seriamente em fazê-lo. Em qual a hipótese eles não o fariam? Em que houvesse uma sinalização de parte dos israelenses, do governo norte-americano, do quarteto, de que vão trabalhar para que haja avanços significativos na negociação. Na ausência de algum progresso, eles vão adiante. Um cenário é apresentarem à Assembleia-Geral uma resolução dizendo que, assim como Israel, reconhece-se que a Palestina é um Estado. O outro desenho é eles irem ao Conselho de Segurança, independentemente de um veto provável norte-americano ou não. Porque também há quem calcule que uma resolução com 14 votos a favor e um veto é uma vitória diplomática. São considerações que competem aos palestinos.
O que posso dizer é que o Brasil não terá dificuldades de votar a favor de uma moção na Assembleia-Geral ou no Conselho de Segurança, uma vez que já reconhecemos. Nós consideramos que é apenas o justo reconhecimento de algo que estava desde o início no projeto de criação de dois Estados no Oriente Médio.
Quando falamos em reforma da ONU o que é realmente essencial mudar?
O processo de reforma da ONU já vem acontecendo e já ocorreram várias mudanças, muito significativas, depois do fim da Guerra Fria. Por exemplo, foi criado o Conselho de Direitos Humanos. Antigamente era uma comissão que se reunia apenas uma vez por ano. É uma mudança que representa uma elevação do tratamento dos direitos humanos no sistema ONU. Outro exemplo: foi criada a Comissão de Consolidação da Paz. Essa é uma reivindicação brasileira. A ideia aí era a seguinte: às vezes, uma situação é levada ao Conselho de Segurança porque existe um problema de estabilidade que ameaça a paz internacional. Você estabiliza aquela situação e ela sai da agenda do Conselho de Segurança. Só que, frequentemente, você está lidando com países frágeis, vulneráveis, onde a guerra e a violência destroem toda a estrutura. Esse país cai numa espécie de limbo governamental e isso cria condições para que voltem a surgir situações de instabilidade crônica. Então, o que nós defendíamos (e foi criado) foi uma Comissão de Consolidação da Paz. A comissão meio que recebe os pacientes que saem da UTI para tentar reabilitá-los, e ela está funcionando. A comissão trata de Serra Leoa, de Libéria, de Guiné Bissau.
Mas se você me perguntar o que falta de essencial na reforma da ONU, eu diria que o que falta é reformar a composição do Conselho de Segurança. Porque isso é o que vai ter o maior impacto na dinâmica, no tratamento daquilo que é o que mais tem potencial desestabilizador, que é a guerra e a paz. Por que o G-8 pode passar para G-20? Por que a gente pode modificar as práticas na OMC, por exemplo, com o G-20 comercial contribuindo para que as conversas na Rodada de Doha deixassem de ser só negociação entre o Quad (União Europeia, Estados Unidos, Japão e Canadá) para incluir Brasil e Índia. Por que nós não conseguimos reformar o Conselho de Segurança.
A ONU, agora, passa a ter 193 membros. Quando esse conselho foi criado, a ONU não tinha nem 100 membros. Há um consenso internacional de que o mundo está mais multipolar, que há potências emergentes, que o poder está em fase de realinhamento. Ninguém questiona isso. Mas o Conselho está se tornando anacrônico. Isso é preocupante porque, se o conselho se tornar anacrônico durante muito tempo mais, os países, talvez regiões inteiras, podem deixar de respeitar suas decisões. Isso tem potencial para gerar uma crise política séria no ordenamento internacional.
Se o quadro é tão racional e claro, qual é o nó que amarra essa situação?
Na verdade são alguns nós. Mas o essencial, em um esforço de simplificação, eu diria que se houvesse um consenso entre os cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, frança e Reino Unido) é muito provável que a reforma fosse viável e resolvida dentro de um prazo curto.
O senhor não quer nominar o mais reticente dos cinco?
O mais reticente dos cinco neste momento é a China. Não há dificuldade em nominar porque isso é público. Mas até pouco tempo atrás os Estados Unidos eram muito reticentes. A China não é contra a reforma em si, mas resiste ao aumento do número de países com poder de veto. Os Estados Unidos sinalizam que estão preparados para contemplar seriamente uma reforma. E eu acredito que a China também evoluirá no seu pensamento, talvez quando se chegar mais próximo de uma decisão efetiva. De qualquer maneira, essa é uma condição importante mas não é o suficiente. É importante também encontrar apoio de dois terços da comunidade internacional. Estamos muito próximo do apoio de dois terços para fórmulas que envolvam a ampliação nas duas categorias de membros, permanentes e não permanentes. Isso é um trabalho que o G-4 (Brasil, Japão, Alemanha e Índia) faz de coordenação conjunta e, recentemente, escreveram uma carta ao presidente da Assembleia-Geral da ONU com uma lista de assinaturas de países que apoiam a ampliação nas duas categorias. E essa lista se aproxima muito de 100. Mas, verbalmente, mais uns tantos países indicaram que também apoiariam. Isso é significativo porque são necessários 128 votos na Assembleia-Geral para passar uma resolução que reforme o Conselho de Segurança. E, depois, precisa da ratificação de uma maioria de membros da ONU, inclusive os cinco membros permanentes. Mas se um membro permanente não ratificar, não entra em vigor. Então o nó é esse.
O Haiti ainda está no Conselho de Segurança, é um assunto preponderantemente militar. Até quando? O contingente militar da missão de paz da ONU vai diminuir?
Eu acabei de passar pelo Haiti. A operação da paz na ONU contribuiu de maneira muito significativa para reduzir o nível de violência. E isso foi feito graças a uma ação que é unanimemente elogiada das tropas brasileiras, que trabalham, claro, em conjunto com tropas de muitos outros países. De modo que houve uma inflexão benigna, que permitiu, inclusive, que o terremoto do ano passado não voltasse a desestabilizar tudo. Quando o terremoto ocorreu havia vozes que diziam, "ih, todo o trabalho da ONU vai por água abaixo porque prisões ruíram, criminosos perigosos saíram por aí". Não aconteceu isso. A população haitiana deu uma demonstração de civismo extraordinário.
Eu fui várias vezes ao Haiti durante o terremoto. Vocês sabem que minha mulher estava lá durante o terremoto. E o que nós presenciamos foi um comportamento digno, com consciência cívica, sem turbulências graves. De modo que o trabalho da Minustah já tinha servido para estabilizar o país em grande medida. Só que o terremoto praticamente destruiu o país. E aí foram autorizadas tropas adicionais pelo Conselho de Segurança. Mais batalhões de engenharia, porque há conexão entre você conseguir circular pela cidade e a capacidade da cidade sobreviver em condições mínimas de paz e estabilidade. Eu fiquei bem impressionado agora. As artérias principais estão todas desimpedidas, poucos prédios ruindo. Continuam várias praças tomadas por tendas de plástico, mas o número de desabrigados também está diminuindo. E um novo governo tomou posse.
Não foi simples essa transição democrática. Mas nós também temos que lembrar que na história do Haiti essa foi a primeira vez que há duas sucessivas transições democráticas. E, agora, de um partido de mais centro-esquerda para um governo mais de centro-direita. Então, ainda é uma situação que requer um monitoramento para vermos como ela evolui.
Mas a opinião predominante que eu colhi é de que sim, nesse atual estágio podemos contemplar uma redução gradual de efetivos militares. Eu recebi, inclusive, o antigo representante do secretário geral da ONU para o Haiti, Edmond Mulet. Depois que morreu o sucessor dele no terremoto, ele foi chamado de volta. E ele é da mesma opinião, acha que hoje em dia o fundamental é a presença da Minustah em Porto Príncipe e que, gradualmente, se poderá reduzir o número de tropas nas províncias. Talvez o teste derradeiro seja a próxima eleição, a próxima transição. Mas, já em outubro, quando se discutirá no Conselho de Segurança a renovação do mandato da Minustah, estará em pauta a questão no número de efetivos. E o mais provável é que contemple alguma redução.
O desafio, a partir daí, e nós defendemos muito isso no conselho, é implementar uma concepção de que paz e desenvolvimento interligados, contribuir para o soerguimento da economia haitiana, desenvolvimento social, geração de emprego. Não só ajuda, mas também que tipo de gestão pública. Aí também há a questão da reforma constitucional, que permita a dupla nacionalidade. Há uma diáspora haitiana muito bem sucedida no Canadá e nos Estados Unidos. Hoje em dias eles não podem ter (a dupla nacionalidade) e isso afugenta o investidor.
A polêmica sobre os arquivos, a Lei de Acesso à Informação brasileira, isso está superado da parte do Itamaraty? Sim ou não?
Acho que a sociedade precisa ser informada um pouco melhor sobre a lei e fico grato de ouvir você se referir a ela como a uma lei de acesso à informação, porque não é uma lei de sigilo. Isso é uma conquista importante.
A questão do acesso ao trabalho da diplomacia é objeto de tratamento diferenciado em qualquer democracia avançada do mundo. Reino Unido, Estados Unidos, Dinamarca, ou até em um país de nível de desenvolvimento mais comparável ao Brasil, como Índia, África do Sul ou Turquia. Na França tem sigilo de até 150 anos e há temas que não podem ser objeto de consulta, como coisas relacionadas a guerras coloniais. Na Inglaterra, informação confidencial oferecida por outro governo não pode ser objeto de acesso. Então, é normal que haja um tratamento diferenciado dessa matéria.
Nós aqui estamos em um contexto o mais benigno, que é o de convívio harmonioso, de cooperação com todos os vizinhos. O nível e o grau das nossas preocupações é comparativamente menor, mas seria uma irresponsabilidade não examinarmos com cuidado as implicações para a diplomacia neste debate. O que acontece é que o projeto de lei que está no Congresso satisfaz em linhas gerais. Agora, é importante a sociedade saber que é um tema tratado de forma diferenciada em todos os países. Ele envolve uma responsabilidade diferenciada do governo e do agente diplomático. Não é à toa que o soldado que está na origem dos WikiLeaks está sendo processado.
Na relação Brasil-EUA, a questão do Irã, quando o Brasil e a Turquia tentaram intermediar um acordo nuclear, que gerou um mal estar com os Estados Unidos, está superada?
Isso, hoje em dia, enseja uma reflexão interessante. Primeiro, os Estados Unidos foram sempre mantidos informados de tudo que estava ocorrendo. Eu próprio, como vice-ministro e ex-embaixador em Washington, me encarregava de conversar com o embaixador Bill Burns - agora promovido a número dois - sobre o que a gente estava fazendo. Nunca houve uma atitude de fazer uma coisa sigilosamente, foi tudo feito de maneira transparente. E foi feito com base, inclusive, em elementos de uma carta do presidente Obama. Aqueles elementos que fizeram parte do acordo bilateral. O que pode ter acontecido foi uma certa ousadia diplomática. No sentido de dois países que à época eram membros não permanentes do Conselho de Segurança - é bom lembrar, porque é uma maneira de atuar no Conselho de Segurança sem esperar que a iniciativa sempre parta do membro permanente. Isso muita gente aplaudiu, independentemente de achar (que a ação diplomática) foi bem fundamentada ou que deveria ter sido feita.
É bom lembrar o que a medida propunha. Não era solucionar a questão nuclear do Irã. Propunha-se contribuir para uma medida de criação de confiança. Porque aí sim o grau de desconfiança é elevadíssimo entre os iranianos e os norte-americanos. Em função de circunstâncias históricas que a gente conhece. Então, a proposta era essa: um pequeno passo na construção da confiança com base em elementos fornecidos pelos Estados Unidos. Agora, que envolveu uma ousadia, envolveu. E a ousadia pode desconcertar alguns. Mas eu diria que nos Estados Unidos houve muita compreensão também.
Mas o que eu ia dizer, e que enseja uma reflexão interessante, é que à época havia quem defendesse, algumas vozes críticas do acordo Brasil-Turquia com o Irã, que era uma coisa ingênua. Que o que iria levar o Irã a fazer concessões eram sanções adicionais. Bom, as sanções adicionais foram adotadas, inclusive com voto negativo do Brasil e da Turquia. Um ano depois, produziu alguma concessão? Não. O Irã hoje tem mais urânio levemente enriquecido que há um ano. Ou seja, se o acordo tivesse sido implementado teria pelo menos feito com que o Irã tivesse se desfeito de uma porção do seu urânio e o colocasse na Turquia sob inspeção internacional. Então, para mim, isso ilustra de uma maneira muito clara que a alternativa apresentada como mais realista e menos ingênua não produziu qualquer resultado.
Agora, mais uma vez, não era uma panaceia, não era o que iria resolver. A questão é mais complexa. Existe uma desconfiança e, até o Brasil reconhece, uma desconfiança justificada porque o governo iraniano não desfez todas as dúvidas da Agência Internacional de Energia Atômica sobre aspectos do seu programa nuclear. E isso requer uma atenção da comunidade internacional.
O Brasil elegeu José Graziano para a FAO, mas uma das principais preocupações da agência da ONU é com o aumento no preço dos alimentos, o que rende muito dinheiro para o Brasil. Falou-se, no G-20, de alguma forma de controle do preço dos alimentos, mas o Brasil se aliou aos Estados Unidos e não quer nem ouvir falar nisso. Não é uma contradição?
Primeiro temos que ver os mandatos de cada organismo. O que a FAO faz? Ela promove desenvolvimento rural e segurança alimentar. São dois temas em que o Brasil tem muito a contribuir. Essa é a plataforma em torno da qual a candidatura Graziano foi apresentada e foi vitoriosa. Acho que sensibilizou, embora houvesse cinco outras candidaturas. Foi realmente uma campanha que mobilizou o Itamaraty inteiro e eu fiquei muito satisfeito com o resultado porque eu me empenhei pessoalmente.
A outra questão é o comércio internacional agrícola, que é tratado na OMC. E flutuações de preços são indicadas por uma série de circunstâncias, de oferta, demanda, não está sob controle do Brasil. O que gostaríamos de ver, sim, é a eliminação de subsídios agrícolas que distorcem o comércio de uma maneira que prejudica o pequeno agricultor e os países mais vulneráveis. Por exemplo, os produtores de algodão da África Ocidental, que fazem parte da nossa plataforma de condições do nosso painel, que foi vitorioso na OMC, em crítica às práticas distorcidas dos Estados Unidos. E essa é uma injustiça que vai contra a filosofia que a OMC prega para o setor de bens industriais. Essa sim é uma contradição que é muito gritante e que penaliza o mais vulnerável. Agora, questão de flutuação de preços é uma questão que depende de circunstâncias do próprio mercado e da oferta. O que nós queremos é ver o mundo em desenvolvimento, que não tem condições de subsidiar sua agricultura, poder se beneficiar de melhores condições de produção, de desenvolvimento rural e de comércio internacional. Mas comércio internacional não é tratado na FAO.
Sim, o comércio internacional não é tratado na FAO, mas é uma questão que a FAO fala, da alta dos preços dos alimentos. E o Brasil hoje é um dos maiores produtores mundiais de alimentos.
Mas o Brasil também é hoje um importante doador, cada vez mais. Então, a gente quer também colocar os benefícios que auferimos da agricultura, até mesmo da elevação dos preços, a serviço de uma causa equânime.
Os senhores, no Itamaraty, foram surpreendidos pela Primavera Árabe?
A extensão dela é surpreendente. A surpresa não foi para nós, mas para toda a comunidade internacional. É como perguntar "a comunidade internacional foi surpreendida com o fim da União Soviética?" Naquele ritmo de acontecimentos, foi. É difícil encontrar alguém que tivesse previsto. De modo que a extensão do fenômeno foi surpreendente, é surpreendente e é importante. Talvez um dos fatos políticos mais significativos deste ano. E é um desafio diplomático importante também. Porque embora haja um denominador comum de busca por maior expressão da população jovem árabe, e reforma política, emprego e reforma econômica, há especificidades.

sábado, 14 de maio de 2011

Politica Externa Brasileira explicada: pela voz autorizada

Antonio Patriota: "Somos menores que a China e os EUA"
Isabel Clemente e Leandro Loyola
Revista Época, 14/05/2011

O Brasil cresceu, mas ainda precisa superar muitos desafios no cenário mundial, diz o chefe do itamaraty

“Já falou com o patriota?” É a pergunta feita pela presidente Dilma Rousseff aos ministros que a procuram com projetos na área internacional. A frequência com que a presidente faz essa recomendação a seus auxiliares mostra que Antonio Patriota tem uma rotina diferente da exercida por seus antecessores no Ministério das Relações Exteriores. A economia nacional e a conjuntura internacional promoveram o Brasil ao papel de protagonista no cenário mundial. Se traz benefícios, a nova situação exige uma política externa diferente para enfrentar um jogo comercial e político mais duro. Na semana passada, Patriota falou a ÉPOCA sobre esses desafios enquanto rabiscava um desenho de rosto de mulher. Pianista amador, ele trabalha em um amplo gabinete no Palácio do itamaraty e, de sua mesa de madeira maciça, enxerga na parede um quadro do pintor holandês Frans Post (1612-1680).

ÉPOCA – A União Europeia anunciou que pretende tirar o Brasil do Sistema Geral de Preferências, que dá privilégios a produtos de países em desenvolvimento. O argumento é que o Brasil não precisa mais disso. O que o itamaraty vai fazer?
Antonio Patriota – É uma decisão que não sabemos como será implementada e quando entrará em vigor. Alguns falam em 2014. Se o Brasil for excluído da lista, o beneficiado não será Bangladesh ou Haiti, será a China. Estamos preocupados, claro, porque pode distorcer o comércio e afetar a qualidade de nosso comércio com a União Europeia. É claro que queremos exportar mais bens agrícolas, mas também não queremos entraves aos manufaturados. Outro argumento é que nosso perfil exportador para a União Europeia não compete com os países de menor renda. Então, pode haver manifestação veladamente protecionista nisso. O governo brasileiro vai examinar com mais cuidado. Estamos negociando um acordo birregional de livre-comércio Mercosul-União Europeia. Esperamos que esse acordo ofereça oportunidades de aumento de comércio. A União Europeia é nosso principal parceiro comercial coletivo.

ÉPOCA – O que o Brasil pode fazer para contornar medidas desse gênero?
Patriota – A OMC (Organização Mundial do Comércio) existe para isso, para questionar práticas que encobrem intenção protecionista incompatível com regras multilaterais.

ÉPOCA – O Brasil atingiu um status internacional inédito em sua história recente. Isso implica enfrentar um jogo mais duro. Como a política externa vai lidar com isso?
Patriota – O Brasil não se furta a assumir responsabilidades adicionais. O Brasil está muito confortável com seu status de sétima economia do mundo, de país que oferece cooperação pacífica e harmoniosa com a vizinhança. Ao mesmo tempo, não devemos minimizar os desafios. Somos um país com bolsões de pobreza, uma renda per capita que não está entre a dos plenamente desenvolvidos. A presidente Dilma tem o compromisso de reduzir e até mesmo eliminar a miséria no Brasil, mas ainda existe pobreza extrema. À medida que o Brasil assume e participa de mecanismos mais restritos de tomadas de decisão, como o G20, não queremos deixar de ter sensibilidade com os mais pobres. Não queremos nos fechar numa redoma.

ÉPOCA – A China é um parceiro comercial fundamental para o Brasil. Mas desperta receio por sua concorrência e expansionismo agressivos. Como lidar com a China?
Patriota – É um desafio para o Brasil lidar com um novo mundo multipolar – e a China é um desses atores principais. Mas também é um desafio lidar com os Estados Unidos e com a União Europeia. Não nos esqueçamos de que, com a China, temos um superávit de US$ 5 bilhões. Mesmo comprando eletrodomésticos, brinquedos, manufaturados, que provocam ansiedade no setor produtivo – e há razões para isso porque existem condições diferentes de produção lá –, no cômputo geral tivemos superávit no ano passado. Agora, com a visita da presidente Dilma, houve uma comunicação real entre os dois lados. O lado chinês aceita a tese de que será desejável que o Brasil diversifique sua pauta de exportações. Não foi uma queixa para uma parte surda. Eles deram uma sinalização com a compra de 35 aviões da Embraer, a suspensão dos entraves à exportação de carne suína, a mais consumida na China. Conceitualmente não há divergência entre um lado e outro.

ÉPOCA – Como não perder espaço para a China na África e na América do Sul?
Patriota – A nossa ênfase na integração regional não deixa de ser uma estratégia, embora não precise ser apresentada dessa maneira. É importante que o Brasil trabalhe de forma próxima a seus vizinhos porque, mesmo com eles, somos menores que a China e os Estados Unidos.

ÉPOCA – O Mercosul impede que o Brasil faça acordos de livre-comércio fora do bloco. Críticos dizem que isso cria amarras. Não seria melhor que o país pudesse fazer acordos isoladamente?
Patriota – O Mercosul é fonte de ingressos extraordinária. O comércio intraMercosul cresceu de US$ 2 bilhões para US$ 22 bilhões entre 1991 e 2010. É um dado eloquente. É interessante porque exportamos produtos de valor agregado. A ausência de acordo de livre-comércio não é necessariamente um entrave ao crescimento do comércio. O Brasil teve recorde histórico de comércio com os Estados Unidos antes de 2008. Outros países com acordos de livre-comércio com os Estados Unidos, como o Chile, tiveram queda no comércio.

ÉPOCA – Quais são os próximos passos na relação com os Estados Unidos, após a visita do presidente Barack Obama?
Patriota – Eu devo ir a Washington no fim do mês para uma reunião com a secretária de Estado, Hillary Clinton, para começarmos a dar sentido concreto a algumas iniciativas. As mais importantes são em ciência e tecnologia, educação, novos instrumentos para conversas sobre a relação econômico-comercial, a questão de promoção da igualdade racial, de gênero, de cooperação em terceiros países e o Haiti.

ÉPOCA – Antes do terremoto estava programado o início da redução das tropas brasileiras no Haiti. Isso vai acontecer?
Patriota – Embora essa questão esteja – digamos, latente –, existe um sentimento que, com o terremoto, a epidemia de cólera e o processo eleitoral, ainda precisamos encarar um período de permanência da Minustah (Força de Estabilização das Nações Unidas para o Haiti) no Haiti.

ÉPOCA – A presidente Dilma fez uma defesa veemente dos direitos humanos ao condenar a sentença de apedrejamento da iraniana Sakineh Ashtiani. Por que, na visita à China, um país acusado de graves violações, o tema foi evitado?
Patriota – Mas o tema está mencionado no comunicado conjunto da visita à China, e isso não é comum. Estamos criando espaço para conversar com a China, sim, sobre direitos humanos. Aliás, nesse tema, é bom ter presente uma definição ampla. A pessoa que não come, não se veste, não tem um teto, nem água corrente não tem os direitos humanos mais básicos do indivíduo. Redução da pobreza e da fome tem uma dimensão humana. É a área em que o Brasil, e também a China, avançou muito. É claro que representamos a democracia. Mas cada país segue seu caminho.

"Estamos criando espaço para conversar com a China, sim,
sobre direitos humanos. Mas cada país segue seu caminho"

ÉPOCA – O governo passado evitou condenar o Irã por abusos aos direitos humanos. Recentemente, o Brasil votou pelo envio de um relator para investigar as garantias individuais no Irã. A relação mudou?
Patriota – Mesmo no governo anterior foram feitos esforços para que pessoas presas no Irã fossem soltas – com êxito. Não é assim, como se não tivesse menção ao tema. Tentamos ter um padrão de comportamento coerente. Queremos para os outros o que queremos para nós. Existe a figura do relator especial (da ONU) para tortura, execuções sumárias, condições carcerárias. Nós damos convites para que eles visitem o Brasil e façam relatórios. Outros países também devem admitir os relatores. Quando um país se recusa a recebê-los sistematicamente, caso do Irã, nós achamos que se justifica a indicação de um relator especial.

ÉPOCA – O Brasil está próximo de reconhecer o governo de Honduras?
Patriota – Há um processo interessante em curso, liderado pela Venezuela e pela Colômbia. Eles chamaram o presidente Pepe Lobo e o ex-presidente Manuel Zelaya, que não compareceu, mas estabeleceu algumas condições, aceitas na essência pelo Pepe Lobo. Eles estão negociando as condições que permitiriam o regresso do Zelaya. É um processo que não vamos precipitar para que não descarrile.

ÉPOCA – A publicação de um livro com evidências de colaboração entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo do presidente da Venezuela, Hugo Chávez, pode criar tensões?
Patriota – O governo venezuelano entregou às autoridades colombianas um sujeito chamado Joaquim Perez, considerado o embaixador das Farc na Europa. Isso foi no fim de abril. Agora Bogotá entregou a Caracas um narcotraficante. Eu acho que está aí o desejo dos dois países de virarem a página. Não vou me pronunciar sobre um relatório elaborado por um instituto inglês. Esses acontecimentos são mais eloquentes e falam mais da realidade atual.

ÉPOCA – Em 2012, o Brasil vai sediar a Rio+20, uma cúpula para discutir o desenvolvimento sustentável. Qual será a postura, agora que o país é dono de uma grande reserva de petróleo?
Patriota – A descoberta do pré-sal – a presidente Dilma me disse isso em várias ocasiões – não afastará nosso compromisso de manter grande parte de nossa matriz como renovável. Além de ser dono de uma reserva de petróleo importante, o Brasil também tem a matriz energética mais limpa. Vamos ser o único país do mundo com essa característica. O que nos credencia não só para ser o país-ponte entre ricos e pobres, mas entre grandes produtores de petróleo e países com consciência verde.

ÉPOCA – O itamaraty concluiu que a concessão de passaportes diplomáticos aos filhos do ex-presidente Lula foi legal. Por que, então, as regras mudaram?
Patriota – A nova legislação visa dar mais critério à concessão desse documento. Vai na linha do desejo da presidente Dilma de dar tratamento mais rigoroso às iniciativas do Estado. Para o itamaraty, será até útil tornar essa concessão mais rigorosa porque passaportes diplomáticos só devem ser concedidos nos casos efetivamente necessários.

QUEM É
Formado em filosofia, carioca de 57 anos, casado, dois filhos, é ministro das Relações Exteriores

O QUE FEZ
Foi embaixador do Brasil nos Estados Unidos e secretário-geral das Relações Exteriores, entre outros cargos

HOBBY
Desenhista habilidoso e pianista fã de jazz, gostava de tocar de madrugada, no casarão da embaixada do Brasil em Washington

domingo, 2 de janeiro de 2011

Politica externa do Itamaraty - discurso de posse do novo chanceler

Se existe uma política externa "do Itamaraty", ela será provavelmente mais conforme às tradições...

Discurso do Ministro Antonio de Aguiar Patriota na cerimônia de transmissão do cargo de Ministro de Estado das Relações Exteriores - Brasília, 2 de janeiro de 2011

Minhas primeiras palavras são de agradecimento à Senhora Presidenta da República pela honra com que me distingue ao nomear-me Ministro das Relações Exteriores.

Com entusiasmo antecipo a distinção de servir à primeira mulher a presidir o Brasil. A eleição de uma Presidenta é um acontecimento de importância intrínseca: é mais uma expressão concreta dos ideais de justiça, eqüidade e democracia que nos unem a todos como cidadãos brasileiros. Nossa Presidenta, Dilma Rousseff, representa honestidade intelectual, espírito público, destemor em face de desafios de qualquer tamanho, sensibilidade e humanismo. Para o Itamaraty, representa a certeza de que o Brasil continuará a afirmar-se como um interlocutor cada vez mais ouvido e respeitado no plano internacional.

Querido Embaixador Celso Amorim, meu Chefe por tantos anos – e sempre amigo. Vossa Excelência foi e seguirá sendo, para mim e para muitos de nós, fonte permanente de estímulo e inspiração. Foi na gestão de Vossa Excelência que o Brasil se consolidou, a um só tempo, como um país sul-americano convicto e um ator de influência mundial. Seu legado será referência uma incontornável em nossa História Diplomática. Faço votos de que, ao lado de nossa querida Ana Maria, seja muito feliz nesta nova etapa da vida. Ainda que de formas distintas, tenho certeza de que o Brasil continuará contando com a força de seu intelecto e sua coragem moral.

Para corresponder à confiança em mim depositada pela Presidenta Dilma Rousseff, dependerei de esforços coletivos, que envolverão necessariamente a valiosa colaboração e dedicação de todos os colegas: funcionários diplomáticos e administrativos, na Secretaria de Estado e nos Postos no exterior.

Aproveito esta cerimônia de transmissão de cargo para oficializar o convite ao Embaixador Ruy Nogueira para assumir a Secretaria-Geral das Relações Exteriores. Sua vasta experiência, seu profissionalismo, sua integridade pessoal serão particularmente apreciados neste momento em que enfrentamos uma agenda externa crescentemente ampla e complexa, e capacitamos o Itamaraty para defender os interesses de um novo Brasil.

Atuarei em estreita cooperação com o Secretário-Geral, com os Senhores Subsecretários e demais Chefias da Casa para levar adiante uma gestão inclusiva e integradora. Uma gestão que continue a valorizar a nossa principal vantagem comparativa, que são os recursos humanos, e que busque valer-se das novas tecnologias da informação para modernizar nossos métodos de trabalho.

Acredito que a escolha de um diplomata de carreira para o cargo de Ministro das Relações Exteriores pode ser interpretada como uma demonstração de respeito pelos quadros especializados deste Ministério e de reconhecimento por nosso compromisso com o Estado brasileiro – um Estado que se coloca cada vez mais a serviço da sociedade como um todo, e dos menos favorecidos em primeiro lugar.

Senhoras e Senhores, caros colegas,

Orientaremos a ação externa do Brasil preservando as conquistas dos últimos anos e construindo sobre a base sólida das realizações do Governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O Brasil mudou muito em relativamente pouco tempo. Em um ambiente de liberdade de expressão e participação crescente de setores antes excluídos no processo político, logrou-se conciliar crescimento econômico com distribuição de renda, em contexto de aprofundamento de nossa democracia. Foram obtidos avanços no respeito aos direitos humanos, na valorização da cidadania, na modernização da atividade econômica, na promoção de um desenvolvimento mais justo e ambientalmente sustentável.

Deixamos para trás o tempo em que um acúmulo de vulnerabilidades nos limitava o escopo de ação internacional. Não subestimamos o muito que ainda precisamos realizar para assegurar a cada brasileiro e brasileira educação e saúde de qualidade, segurança e oportunidades dignas de trabalho. Mas adquirimos uma autoridade natural para nos engajarmos em todos os grandes debates e processos decisórios da agenda internacional – políticos, econômicos, comerciais, ambientais, sociais, culturais.

É possível afirmar que, entre os pólos que configuram a nova geopolítica deste início de século, o Brasil, com sua tradição de paz e tolerância, se posiciona como um ator que reúne características privilegiadas para a promoção de modelos mais inclusivos de desenvolvimento e para o fortalecimento da cooperação entre as nações por intermédio de mecanismos de governança mais representativos e legítimos.

Permaneceremos atentos para evitar que os círculos decisórios que se formam em torno das principais questões contemporâneas reproduzam as assimetrias do passado, ignorando as aspirações legítimas dos que não os integram. Os G-20s e outros agrupamentos restritos só conseguirão consolidar sua autoridade se permanecerem sensíveis aos anseios e interesses dos mais de 150 países que não se sentam em suas reuniões.

Precisamos nos preparar para uma demanda por mais Brasil em todos os temas da frente externa. Dispomos para isso de uma apreciável rede de Postos no exterior, cujo ritmo de expansão talvez tenderá a desacelerar-se um pouco. Mas precisaremos continuar a formar quadros que nos garantam um nível de profundidade reflexiva autônoma e de eficácia operacional compatíveis com nosso perfil de ator global.

Devemos ter presente que, como a sétima economia do mundo, e havendo implementado um conjunto de políticas econômicas e sociais que têm produzido resultados tangíveis, o Brasil gera uma expectativa natural, em searas de cooperação as mais diversificadas, junto a países menos desenvolvidos – na América Latina e no Caribe, na África, no Oriente Médio e na Ásia. Nossa capacitação em termos de prestação de cooperação técnica, de assistência na adoção de políticas públicas bem sucedidas ou de ajuda humanitária – não obstante os avanços consideráveis dos últimos anos – precisará modernizar-se para atender a essa demanda.

Deparamo-nos hoje com um mundo em que os consensos de outras eras são cada vez mais questionados e os antigos formadores de opinião encontram dificuldade crescente para fazer prevalecer suas idéias. As aventuras militares e as práticas econômicas irresponsáveis que desestabilizaram a ordem internacional nos últimos anos exigem que cada participante do sistema assuma plenamente seu papel no tratamento de questões que afetam a todos indiscriminadamente. O Brasil não se furtará a defender interesses nacionais específicos e imediatos, mas tampouco deixará de afirmar sua identidade em função de objetivos sistêmicos amplos, vinculados a valores que nos definem como sociedade. Continuaremos a privilegiar o diálogo e a diplomacia como método de solução de tensões e controvérsias; a defender o respeito ao direito internacional, à não-intervenção e ao multilateralismo; a militar por um mundo livre de armas nucleares; a combater o preconceito, a discriminação e a arbitrariedade; e a rejeitar o recurso à coerção sem base nos compromissos que nos irmanam como comunidade internacional.

Um breve olhar sobre o mundo que nos envolve nos revelará o acerto das opções dos últimos anos na promoção de agendas de ordem sub-regional, regional e global que se complementam ao mesmo tempo em que se ampliam – o que não impede que busquemos adaptações e reconsideremos certas ênfases, em função de desdobramentos nos planos interno e externo.

Ancorados em nosso entorno sul-americano, teremos a nossa disposição um MERCOSUL robusto e uma UNASUL crescentemente coesa. Compete-nos completar a transformação da América do Sul em um espaço de integração humana, física, econômica, onde o diálogo e a concertação política se encarregam de preservar a paz e a democracia. Onde os elos que vimos estabelecendo entre nossas classes políticas, nossos setores privados e nossas sociedades contribuirão para uma região cada vez mais unida no propósito de oferecer melhores condições de vida a nossa gente.

Central nesse empreendimento é a relação Brasil-Argentina, que vive hoje um momento de plenitude e avança em um vasto espectro de iniciativas que incluem áreas como a cooperação em matéria espacial e dos usos pacíficos da energia nuclear. E cada vizinho na América do Sul receberá uma atenção crescentemente diferenciada. Caberá aos Governos trabalhar mais e melhor para cobrir as lacunas de conhecimento e interação que ainda caracterizam o relacionamento entre os países da região. Nosso destino comum exige que conheçamos melhor a História, a demografia, o potencial econômico e a cultura uns dos outros – da Terra do Fogo à Ilha de Margarita. Não se faz integração sem diálogo permanente, sem engajamento intelectual e até mesmo, diria eu, sem emoção e idealismo. É nessa direção que precisamos trabalhar.

Para além da América do Sul, o processo que teve origem na Cúpula América Latina e Caribe da Costa do Sauípe se consolida na Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos – a CELAC. Continuaremos engajados na pauta de cooperação com os países caribenhos, tendo como marco principal a Cúpula Brasil-CARICOM. Nosso compromisso com o Haiti, que enfrenta renovados desafios, insere-se nesse contexto.

A prioridade atribuída à vizinhança não se dará em detrimento de relações estreitas com outros quadrantes do Sul ou do mundo desenvolvido. Interessa-nos intensificar relações com uma pluralidade de parceiros nas esferas do comércio, dos investimentos, do diálogo político, entre muitas outras. Em um mundo no qual não se dissiparam ainda totalmente as dicotomias Norte-Sul, a ação diplomática do Brasil pode contribuir para a promoção de relações mais equilibradas em torno a interesses compartilhados. Nossos próprios imperativos de desenvolvimento econômico, social e tecnológico orientarão a busca de parcerias em uma variedade de temas, que incluirão a educação, a inovação, a energia, a agricultura, a produtividade industrial, a defesa; sem descuidarmos do meio ambiente, da promoção dos direitos humanos, da cultura, das questões migratórias.

Não enumerarei todas as parcerias estratégicas já estabelecidas, ou todos os mecanismos de aproximação inter-regional desenvolvidos nos últimos anos, sob a chefia do Embaixador Celso Amorim, que continuaremos a cultivar e aprimorar. Singularizo o IBAS, pelo seu valor emblemático como “mecanismo ponte” entre três grandes democracias multiétnicas do Sul. Acrescento que conversei com a Presidenta Dilma a respeito de um programa de viagens presidenciais para os próximos meses, que incluirá visitas aos países vizinhos e a alguns de nossos principais parceiros econômicos e comerciais, como Estados Unidos e China.

A Cúpula da ASPA, a realizar-se na capital peruana no próximo mês de fevereiro, constituirá uma valiosa oportunidade de contato da Presidenta com líderes da América do Sul e do mundo árabe. Comprometo-me ademais a manter uma agenda ativa com nossos parceiros na África – intensificando nossa cooperação e nosso diálogo com o continente irmão.

O comparecimento à posse da Presidenta Dilma de altos representantes de uma variedade de países, vários dos quais hoje aqui presentes – sejam de nossa região, da Europa, da África, do Oriente Médio ou do Extremo Oriente –, só pode ser visto como uma manifestação recíproca do interesse de Governos de todas as partes do mundo e de todos os níveis de desenvolvimento em fortalecer seus vínculos com o Brasil. Com relações diplomáticas que se estendem a virtualmente todos os países membros das Nações Unidas, o Brasil pode afirmar que pratica, hoje, uma diplomacia verdadeiramente universal.

Em paralelo à prioridade regional, à diversificação inclusiva de parcerias e ao aperfeiçoamento da governança global, não poderia deixar de mencionar a importância que continuaremos a atribuir às comunidades brasileiras no exterior. Seguiremos valorizando as atividades consulares e daremos continuidade a iniciativas pioneiras como a do Conselho de Representantes dos Brasileiros no Exterior.

A par dos progressos já alcançados, cumpre reconhecer que muito resta por realizar para que o Brasil se afirme como o País socialmente justo e democrático com que sonhamos; para que seu lugar no mundo reflita plenamente nossa vocação para o diálogo e a cooperação. Em última análise, esse será sempre um projeto inacabado, em que uma geração transfere para a seguinte as suas conquistas e as aspirações ainda não realizadas.

Surgirão desafios nas áreas econômica, financeira, comercial, ambiental que exigirão cuidadosa coordenação interna envolvendo diferentes setores do Governo e contatos com o setor privado, sindicatos, sociedade civil. A preocupação com a competitividade de nossa indústria e com a composição de nossa pauta exportadora requererá estratégias capazes de oferecer oportunidades para que conciliem interesses ofensivos e defensivos.

Manteremos contato com a presidência francesa do G-20 Financeiro e outros interlocutores, entre os quais os BRICS, para assegurar um ambiente propício à sustentabilidade da recuperação econômica e infenso a pressões protecionistas. Com o mesmo objetivo trabalharemos por resultados ambiciosos e equilibrados nas negociações da Rodada de Doha.

Senhoras e Senhores,

Comprometo-me a fazer o necessário para desenvolver uma comunicação abrangente com as diferentes Pastas do Executivo com as quais não podemos deixar de trabalhar em sintonia, como Justiça, Defesa, Indústria e Comércio, Fazenda, Direitos Humanos, Meio Ambiente, entre outras. O mesmo com relação ao Legislativo e ao Judiciário e, em sentido amplo, à sociedade civil, à comunidade empresarial, ao cidadão comum. Gostaria de ver o Itamaraty em contato com todos os Estados da Federação. Na verdade, a política externa serve a todas as esferas governamentais, e a todas as regiões do País. Por essa mesma razão, não devemos ser tímidos ao postularmos a alocação de recursos adequados para levarmos adiante nosso trabalho.

Importante também dizer que devemos à opinião pública, em cada circunstância específica, esclarecimentos sobre como encaramos o mundo e em que espírito interagimos com ele. Assim contribuiremos para o debate aberto e honesto que desejamos continuar promovendo sobre nossa política externa.

Senhoras e Senhores Embaixadores, caros colegas, amigo todos,

Temos diante de nós muito trabalho, em muitas frentes. Mas herdamos um País em excelentes condições econômicas e políticas; dispomos de uma Chancelaria que inspira respeito mundo afora; nos beneficiamos de um período de liderança particularmente inspirada e criativa. Sem minimizar os desafios do futuro, quero assegurar-lhes que dedicarei minha energia física e mental, o compromisso de uma vida inteira dedicada à diplomacia e alguma sabedoria e bom humor que terei adquirido no convívio com minha mulher, Tania, e com meus filhos, Miguel e Thomas, para contribuir para um Brasil, uma América do Sul e um mundo cada vez mais prósperos, justos e democráticos.

Muito obrigado.

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Um Patriota no Itamaraty, literalmente...

Existem vários Patriotas na carreira, inclusive pessoas que não levam esse nome. Mas sempre é bom ter uma conjugação...

Dilma formaliza convite e Patriota será novo chanceler, diz fonte
Por Jeferson Ribeiro, com reportagem adicional de Bruno Peres
Reuters, Quinta-feira, 09 Dez, 08h48

BRASÍLIA (Reuters) - A presidente eleita Dilma Rousseff convidou formalmente, nesta quinta-feira, mais dois aliados para sua equipe. O embaixador Antônio de Aguiar Patriota, que se reuniu com a futura presidente, aceitou assumir o Ministério das Relações Exteriores, segundo uma fonte.

Dilma reuniu-se com o secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Antonio Patriota, pela manhã e o convidou para ocupar a chancelaria brasileira. O convite foi aceito, segundo fonte da equipe de transição ouvida pela Reuters. O embaixador tem larga experiência internacional e já ocupou o posto de embaixador do Brasil nos Estados Unidos.

Fernando Pimentel, do PT de Minas Gerais, também reuniu-se com Dilma na residência oficial da Granja do Torto, e recebeu o convite formal para ser o novo ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio. Amigo pessoal de Dilma desde a adolescência, é mais um dos aliados que foi derrotado nas eleições de outubro e fará parte da equipe da nova presidente.

Após um difícil acordo construído com o PMDB, ele abriu mão de disputar o governo do Estado e concorreu ao Senado. Contudo, não teve votos suficientes para vencer o ex-governador Aécio Neves (PSDB) e o ex-presidente Itamar Franco (PPS), que venceram as eleições para as vagas.

Com a escolha, Dilma muda o perfil de comando nessa pasta em relação ao governo Lula. O atual presidente preferiu sempre nomes mais ligados à indústria ou mesmo industriais para o posto. Pimentel é economista, mas sua carreira sempre esteve mais ligada a temas políticos do que econômicos.

sábado, 4 de dezembro de 2010

Noticias da (Santa) Casa, 1: criador e criatura...

Blog do Ricardo Setti - Revista Veja
03/12/2010  à 12:3

Celso Amorim se consideraria “traído” pelo provável novo chanceler, Antonio Patriota

Patriota e Amorim: o chanceler se sentiria "traído" pelo secretário-geral
Se for mesmo confirmada hoje, em meio a uma fornada de futuros ministros, a designação como ministro de Relações Exteriores no governo Dilma do atual secretário-geral do Itamaraty, embaixador Antonio Patriota, não terá sido certamente por empenho do chanceler Celso Amorim.
O designação de Patriota chegou a ser anunciada ontem como certa pelo site do jornal carioca O Dia.
O criador, Amorim, parece ter-se voltado contra a criatura, Patriota.  Diplomatas próximos a Amorim chegaram a comentar, nos últimos dias, que o embaixador Patriota “traiu” o chefe ao indicar que estaria disposto a assumir a chancelaria.
Amorim até ontem ainda permanecia na luta para continuar no cargo e considera-se que ainda poderia fazer uma última tentativa para isso, com a ajuda de Lula.