POLÍTICA EXTERNA
A passividade de Antonio Patriota
Frederico Bartels Ferreira
Opinião e Notícia, 30/07/2011
O chanceler brasileiro se mostra disposto a aceitar que a ONU lide com questões que ameacem a paz e a segurança internacionais ficando em silêncio. Por Frederico Bartels Ferreira
Em uma entrevista concedida ao Estado de S. Paulo no dia 16 de julho de 2011, o atual chanceler brasileiro Antonio Patriota discutiu uma miríade de assuntos relevantes e determinantes para a política externa, inclusive a questão da diferença entre as situações da Líbia e da Síria em meio à Primavera Árabe.
Como abordado em artigo anterior, a delegação brasileira na ONU tem tomado posições distintas em relação a questões similares. Ambos os países árabes têm uma população que deseja se ver livre das mãos opressoras de seus ditadores – Khadafi e Assad. Quando perguntado sobre as duas situações e o posicionamento do Brasil, a resposta que melhor resume o caso foi que na Síria “é mais complicado”.
Explorarei neste artigo as complicações que são expostas por Patriota buscando iluminar os valores que norteiam a política externa do Itamaraty.
Um dos momentos mais elucidantes dos valores da política externa brasileira é a comparação feita pelo entrevistado entre as profissões de um diplomata e de um médico. Patriota coloca que “assim como o credo do médico é não piorar a doença do seu paciente, (..) a responsabilidade do diplomata em termos de paz e segurança é não piorar uma situação. Não torná-la mais grave, não torná-la mais instável”. A importância desse argumento está na definição dos valores que orientam a condução da política externa, determinados como sendo a busca da estabilidade internacional, através da manutenção da paz e da segurança. A fala de Patriota é mais relevante do que a breve discussão de valores feita por ele, quando exalta a importância da democracia, da diminuição da desigualdade, do pleno exercício dos direitos humanos, das soluções diplomáticas e de outros elementos que circundam a política externa brasileira. A crença de que a estabilidade é o valor primeiro do trabalho diplomático ilustra o ordenamento de preferências, onde a estabilidade e o não-agravamento de conflitos é imperativo.
Quando se analisam as questões da Síria e da Líbia pelo prisma da estabilidade, qualquer ação do Conselho de Segurança deveria ser evitada. Tais ações poderiam ser vistas como apoio às populações locais, fazendo com que elas fiquem mais agressivas em suas iniciativas contra seus ditadores; assim como qualquer ação de apoio ao governo poderia ser vista como carta branca para que ele continue a fazer o que têm feito.
Outro elemento que o chanceler aponta como sendo uma das divergências importantes entre as questões dos dois países é o fato de que antes de chegar no Conselho de Segurança da ONU, a situação Líbia já contava com resoluções da Liga Árabe e do Conselho de Direitos Humanos. Essa trajetória é vista pelo diplomata como sendo benéfica, apesar de significar que a questão simplesmente demorou mais para chegar à opinião pública internacional devido à atenção que cada uma dessas instâncias comanda. O diplomata se refere a esse elemento ao falar que a Síria ainda estaria em um estágio diferente. Estágio este no qual aparentemente o ditador ainda pode massacrar sua população sem sofrer condenação do Conselho de Segurança.
Patriota, a respeito do caso da Síria no Conselho de Segurança, conta ter tentado “avançar na ideia de uma declaração presidencial, que é uma manifestação menos contundente que uma resolução, e que é sempre por consenso. O chanceler afirma até ter recebido sinal verde da China e da Rússia para ir adiante na aprovação da declaração presidencial, mas não do Líbano. Com isso, China, Rússia, Brasil e África do Sul conseguiram não só não colocar uma resolução fraca em votação como também conseguiram acabar com as possibilidades de que do Conselho tome qualquer ação no último mês em relação à Síria.
A partir dessa inação do Conselho, Patriota se mostra disposto a aceitar que o órgão encarregado pela Carta da ONU lide com questões que ameacem a paz e a segurança internacionais ficando em silêncio. O chanceler discute a possibilidade de uma gestão diplomática liderada por Brasil, Índia e África do Sul em Damasco, almejando “dar um voto de confiança a esse desejo do governo Assad de promover reformas políticas, da reforma da lei eleitoral”. Sem dúvida, reformas políticas na Síria são um objetivo nobre, porém a existência de uma resolução do Conselho de Segurança condenando a violência praticada pelo governo e clamando por reformas políticas serviria para encorajar a oposição e reforçar o argumento. Acredito que esses termos passariam até mesmo pela peneira do diplomata brasileiro que procura não criar instabilidade.
A busca pela estabilidade e pelo consenso no caso sírio fez com que o Conselho ficasse passivo diante de uma questão que tem sido coloca como uma ameaça à paz e à segurança internacionais. Uma pergunta válida para o chanceler nesta situação é: a inação não irá contribuir mais para a instabilidade? Espero que o povo sírio não dependa da comunidade internacional para se tornar uma democracia, pois se depender da política externa pragmática de Patriota, a bota de Assad não sairá do lugar.
*Frederico Bartels Ferreira é mestrando em Relações Internacionais na George Washington University e bacharel em Relações Internacionais pela PUC Minas.
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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