O debate, obviamente, é relevante, quer se goste dele ou não. Como escrevi em algum post abaixo, o Brasil não é um país normal. Longe disso.
Só de pensar que somos chamados de idiotas cada vez que vamos comprar algum durável ou semi-durável (por vezes até no supermercado, ou seja, para produtos absolutamente perecíveis), e que ouvimos como se fosse a coisas mais normal do mundo: "seis vezes sem juros"; ou então: "em quantas vezes você prefere?".
Inacreditável como as pessoas não se dão conta de que estão pagando, provavelmente, o dobro do que custa o bem em questão, e não se dão conta disso. Pagam dois e levam um para casa, e ainda acham que fizeram um grande negócio só porque entrou naquela mentira do "seis vezes sem juros".
O Brasil, decididamente, não é um país normal.
Como eu não gosto de ser chamado de idiota, recuso-me a entrar nessa conversa dos "seis vezes sem juros", mas o crime é que, quando você diz que quer pagar à vista, a vendedora diz que "é o mesmo preço!".
Aí você se recolhe à sua insignificância de mercado e à esquizofrenia econômica brasileira e aceita pagar 100% a mais, diluído nos "seis vezes sem juros". Juro que eu fico possesso, mas infelizmente não posso fazer nada, a não ser xingar as autoridades econômicas que não colocam um final nesse absurdo, ou pelo menos avisam a todos que estão sendo chamados de idiotas...
Enfim, isso para iniciar o debate abaixo transcrito, por motivos puramente intelectuais.
Paulo Roberto de Almeida
Os juros, a democracia e um e-mail de Alexandre Schwartsman
Reinaldo Azevedo, 28/07/2011
Escrevi ontem um post sobre a taxa de juros no Brasil, a valorização do real e as medidas sugeridas por especialistas, em reportagem da VEJA desta semana, para corrigir algumas distorções que estão em curso. Leiam lá. Fiz uma ironia: dadas as saídas apontadas, então precisamos de uma tirania virtuosa para aplicá-las porque os políticos não as adotarão — não, ao menos, se estiverem de olho nas urnas. É preciso um grande senso de dever para fazer a coisa certa, numa perspectiva de médio e longo prazos, mesmo correndo o risco da impopularidade no curto. Quem tem hoje esse senso de grandeza? Um dos economistas ouvidos é Alexandre Schwartsman, que tem um blog, como sabem, que recomendo: A Mão Visível. Ele me mandou o seguinte e-mail, que publico com a sua autorização. Trata-se, vocês lerão, de um pequeno artigo. Alexandre, concordem com ele ou não, tem uma virtude inegável entre muitas: é claro. Leiam.
Caro Reinaldo,
Como sempre gostei do seu artigo e aproveito para deixar claro que não acredito na incompatibilidade entre democracia e juros baixos. Só não acho que iremos convergir rapidamente para a taxa mundial de juros, como parecia ser a aposta de muitos dos meus colegas.
Para ser sincero, sou também simpático à tese da poupança; apenas não me parece razoável que esta explique toda a diferença entre o juro real brasileiro e o juro de países similares a nós.
Isso dito, no que tange à poupança, o principal entrave não aparenta vir do consumo das famílias (não muito distinto do consumo observado em outros países latino-americanos - embora esta ainda seja evidência insuficiente), mas sim do consumo público. No Brasil, o governo consome cerca de 20% do PIB. Este número, é bom dizer, não inclui as transferências feitas pelo governo às famílias (Previdência, Bolsa-Família, LOAS, RMV etc), mas apenas a parcela do produto apropriada pelo governo para seus próprios fins.
Em comparação, na média de Argentina, Chile, Colômbia e México, o consumo público roda em torno de 15% do PIB. A Colômbia, que apresentava consumo público próximo aos níveis brasileiros (até por conta de lutar uma guerra civil), conseguiu trazê-lo para valores mais em linha com os demais países da América Latina, o que sugere compatibilidade entre democracia e ajuste fiscal. Obviamente, compatibilidade não assegura o ajuste, mas, pelo menos, indica que não precisamos de um Pinochet para fazer nossa lição de casa.
De qualquer forma, minha opinião (que, diga-se, apenas tomei emprestado de economistas mais discretos) é que também a existência do crédito direcionado no volume que se observa no Brasil (praticamente um terço do total) pode explicar parcela grande da diferença entre nossa taxa de juros e a do resto do mundo. Aqui, eu diria que a democracia é obstáculo menor do que seria no caso do ajuste fiscal, até porque o crédito direcionado favorece apenas fração da população.
Mas não é por ser economista que sou ingênuo: minorias podem operar (e o fazem costumeiramente) para impor sua agenda como se fosse do interesse da população como um todo. Sempre digo que a estridência da Fiesp a cada reunião do Copom seria um choro bem-comportado perto do barulho que ouviremos quando (e se!) o CMN um dia ousar aumentar a TJLP. Ainda assim, creio que o balizamento do custo dos empréstimos do BNDES em torno da taxa de juros de (digamos) um título de 5 anos do Tesouro Nacional poderia fazer com que a Selic (e, portanto, a taxa de 5 anos) caísse. Não há como evitar um aumento nos custos do crédito direcionado, mas isso poderia ter efeitos benéficos sobre todo o resto.
Vai acontecer? Eu esperaria sentado, com um bom livro e uma pilha de DVDs, além de todas as amenidades possíveis, mas não acho que seja impossível (mesmo sendo difícil). Aliás, se acontecer, será antes do ajuste fiscal.
Abs,
Alex
Temas de relações internacionais, de política externa e de diplomacia brasileira, com ênfase em políticas econômicas, viagens, livros e cultura em geral. Um quilombo de resistência intelectual em defesa da racionalidade, da inteligência e das liberdades democráticas. Ver também minha página: www.pralmeida.net (em construção).
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