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domingo, 14 de junho de 2020

Os EUA possuem generais constitucionais; o Brasil tem generais GOLPISTAS - Reinaldo Azevedo

Sem comentários; e precisa?
Bem, resolvi fazer o meu: 
"Quando eu ouço falar em impeachment, eu puxo logo o meu revólver", parodiando uma famosa frase que, nos tempos do nazismo triunfante se aplicava à... CULTURA.
Ora, ora vejam só: quando os nossos generais CONCLUEM que estão "esticando muito a corda", no TSE, por exemplo, ou até nesse antro golpista que é o STF, eles tratam de arrumar o seu próprio golpe.
Pôxa vida: e eu que pensava que os nossos generais já tinham sido curado dessa mania de golpes. Que ingênuo eu sou...
Paulo Roberto de Almeida

Ramos, o valente, nega golpe e ameaça com golpe! E Mark Milley, o fracote

Reinaldo Azevedo, 13/06/2020

General Luiz Eduardo Ramos, do Brasil, e general Mark Milley, chefe máximo da maior força militar da história da humanidade: a dos EUA. Adivinhem quem pede desculpas ao povo e quem decide ameaçá-lo caso seja contrariado - Sérgio Lima/Poder 360 e Chip Somodevilla/Getty Images
General Luiz Eduardo Ramos, do Brasil, e general Mark Milley, chefe máximo da maior força militar da história da humanidade: a dos EUA. Adivinhem quem pede desculpas ao povo e quem decide ameaçá-lo caso seja contrariado Imagem: Sérgio Lima/Poder 360 e Chip Somodevilla/Getty Images

Alguns militares brasileiros têm um estranho jeito de negar a possibilidade de um golpe de estado: primeiro simulam ofender-se até com a pergunta. Depois, bem... Rola um "É bom não abusar..." Vale dizer: sim, eles acham possível. Leiam este trecho da entrevista de Luiz Eduardo Ramos à "Veja". Ele é secretário de Governo e, ora, ora, general da ativa, o que é uma aberração única entre as democracias. Volto em seguida.
*
Qual a possibilidade de um golpe militar no Brasil?
Fui instrutor da academia por vários anos e vi várias turmas se formar lá, que me conhecem e eu os conheço até hoje. Esses ex-cadetes atualmente estão comandando unidades no Exército. Ou seja, eles têm tropas nas mãos. Para eles, é ultrajante e ofensivo dizer que as Forças Armadas, em particular o Exército, vão dar golpe, que as Forças Armadas vão quebrar o regime democrático. O próprio presidente nunca pregou o golpe. Agora, o outro lado tem de entender também o seguinte: não estica a corda.
O senhor se refere a exatamente o quê?
O Hitler exterminou 6 milhões de judeus. Fora as outras desgraças. Comparar o presidente a Hitler é passar do ponto, e muito. Não contribui com nada para serenar os ânimos. Também não é plausível achar que um julgamento casuístico pode tirar um presidente que foi eleito com 57 milhões de votos.
O que seria um julgamento casuístico?
Um julgamento do Tribunal Superior Eleitoral que não seja justo. Dizem que havia muitas provas na chapa de Dilma e Temer. Mesmo assim, os ministros consideraram que a chapa era legítima. Não estou questionando a decisão do TSE. Mas, querendo ou não, ela tem viés político.
E se essa impugnação vier a acontecer?
Sinceramente, não vou considerar essa hipótese. Acho que não vai acontecer, porque não é pertinente para o momento que estamos vivendo. O Rodrigo Maia (presidente da Câmara) já disse que não tem nenhuma ideia de pôr para votar os pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Se o Congresso, que historicamente já fez dois impeachments, da Dilma e do Collor, não cogita essa possibilidade, é o TSE que vai julgar a chapa irregular? Não é uma hipótese plausível.
(...)
RETOMO
Ou seja: Ramos acena com a hipótese ultrajante do... "golpe", só afastada caso, então, o TSE vote de acordo com a pretensão do governo.
Observem que ele nem mesmo se refere às acusações que pesam ou venham a pesar contra a chapa que elegeu Bolsonaro. Ele se volta para a chapa que elegeu Dilma-Temer — notando sempre que a presidente já havia sido afastada.
Mas e se aparecer razão para a cassação da chapa? Bem, aí ele nem quer pensar. Seu colega, o general Augusto Heleno, chama isso de "consequências imprevisíveis".
É um deboche.
O general pode ficar tranquilo que todos entendemos que ele quis deixar claro que tem, se preciso, as tropas nas mãos. Ele o diz ao menos. Afinal, foi instrutor de todos os que as comandam. Ele os conhece. Eles o conhecem.
É evidente que se trata de uma ameaça!
Alô, as sete excelências que compõem o TSE! Pouco importa o que possa aparecer por aí. O general Ramos, instrutor de todos os que comandam tropas, não aceita a cassação da chapa. Ele ignora o conteúdo dos autos. E daí? Já decretou que seria uma cassação casuística.
E por que ele pode ser, então, juiz dos juízes — ou melhor: por que ele pode ser o limite do juízo dos juízes? Deve ser, justamente, por causa das tropas.
Nem vou especular se um presidente que incita seus milicianos a invadir hospitais pode ser comparado a um líder fascista. O questionamento é bobagem porque o método é fascistoide.
"OUTRO LADO"
Acho impressionante, vexaminoso e perverso que um general-de-exército se deixe trair e se refira a uma parte dos brasileiros como "o outro lado". Parece que as Forças Armadas do Brasil, então, existem para sustentar as posições de um dos lados e, se preciso, prender o outro.
MARK MILLEY
Vejo este Ramos, um general da ativa que comete o despropósito de ser coordenador político de governo, ameaçando um tribunal superior e penso no general Mark Milley, chefe do Estado Maior Conjunto dos EUA.
Ele pediu desculpas por ter participado, de uniforme, no dia 1º de junho, da caminhada de Donald Trump para fazer uma foto na Igreja Episcopal de São João, perto da Casa Branca, depois de a Guarda Nacional ter dissolvido um protesto contra o racismo e a violência policial.
Disse sem tergiversar a autoridade máxima militar da maior máquina de guerra da história da humanidade: "Eu não deveria ter estado lá. Minha presença naquele momento e naquele ambiente criou uma percepção de envolvimento dos militares na política interna."
E o fez num vídeo, para ser replicado para o mundo, a ser exibido no início do ano letivo da Universidade Nacional de Defesa.
Disse Mais:
"Como oficial da ativa, foi um erro, e aprendi com ele. Espero sinceramente que todos nós aprendamos. Nós, que usamos as insígnias de nossa nação, que viemos do povo, devemos sustentar o princípio de Forças Armadas apolíticas, que tem raízes firmes na base da nossa República."
DOCUMENTO
Trump já havia classificado de terroristas as manifestações contra o racismo e ameaçado chamar as Forças Armadas ou convocar a Guarda Nacional.
Poucos se deram conta, mas, no dia 2, Milley assinou uma declaração, corroborada pelos comandantes de todas as forças militares do país, lembrando que:
- cada membro das Forças Armadas dos EUA jurou defender a Constituição e os valores que nela vão;
- a Constituição está fundada no princípio de que homens e mulheres nascem livres e iguais e têm de ser tratados com dignidade e respeito;
- a Carta garante o direito à liberdade de expressão e à reunião pacífica;
- os homens e mulheres que vestem farda estão comprometidos com os valores da Constituição;
- os destacamentos da Guarda Nacional estão sob o comando dos governadores e devem proteger a vida, a propriedade (a vida veio primeiro, note-se...), a paz e a segurança pública;
- as Forças Armadas são compostas por pessoas de todas raças, cores e credos e estão subordinadas à Constituição.
Vale dizer: Milley deixou claro que os militares não mandam na Constituição. É a Constituição que manda nos militares.
A maior máquina de guerra do mundo — que, a rigor, pode se impor em qualquer lugar do planeta — deixa claro que jamais se imporia a seu próprio povo e aos poderes constituídos.
Sem guerras para lutar, alguns dos nossos generais preferem se voltar contra os nacionais — que o general Ramos chama "o outro lado".
Isso me lembra a maior tragédia da história argentina: a guerra das Malvinas. Morreram ou desapareceram nada menos de 30 mil pessoas durante a ditadura militar.
Ou por outra: esmagar a população civil era tarefa fácil, coisa que qualquer covarde despreparado podia fazer.
Quando chegou a armada inglesa, então se pôde conhecer do que eram capazes aqueles valentões.
A lamentar que tantos jovens, quase crianças ainda, tenham perdido a vida em razão dos homicidas compulsivos que assumiram o comando das Três Forças no país.
ENCERRO
Que fique, então, o recado do general Ramos aos sete ministros do TSE: não importa quantas cobras e lagartos possam eventualmente aparecer por aí, o general não quer nem pensar na hipótese de uma cassação da chapa.
Ele diz que é bom não esticar a corda.
Todos os comandantes de tropas foram seus alunos, ele avisa também.
E, como sabemos, há uma tradição a ser honrada de forças militares latino-americanas, né? Sempre foram exímias na repressão ao próprio povo.
Mas, por favor, não falemos sobre golpe.
Isso é ultrajante.
A não ser quê.
Reinaldo Azevedo

segunda-feira, 8 de junho de 2020

O Poder Moderador de 1824 a 2020 - Gabriel Heller (Estado da Arte)

O Poder Moderador de 1824 a 2020: um diálogo constitucional intergeracional

por Gabriel Heller
O Estado da Arte, O Estado de S. Paulo, 05/06/2020
Em artigo publicado em meados de 2019 neste Estado da Arte, questionando a legitimidade e a legalidade do inquérito das fake news, bem como o avanço do Supremo Tribunal Federal sobre competências de outros Poderes, mencionei que “vários juristas e cientistas políticos entendem que, com a queda da monarquia, o Poder Moderador, atribuído ao Imperador pela Constituição de 1824, teria passado tacitamente aos militares e, a partir da Constituição de 1988, ao Poder Judiciário – ou, mais especificamente, ao STF”.
A recente crise institucional – motivada por ações judiciais, entrevistas, notas à imprensa e manifestações públicas – trouxe à tona novamente a questão do Poder Moderador, construção teorizada por Benjamin Constant e concretizada, na prática, no art. 98 de nossa Constituição do Império (1824). Na letra da Constituição, competia ao Imperador exercer tal mister, como “chave de toda a organização política” e “chefe supremo da nação”, “para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilíbrio e harmonia dos mais Poderes Políticos”.
Benjamin Constant
….
Agora, aparecem vozes sugerindo que o art. 142 da Constituição de 1988 conferiria às Forças Armadas o Poder Moderador, no sentido de que, usurpando um Poder a competência de outro ou desbordando daquela que a Lei Fundamental lhe outorgou, poderia o aparato militar agir para garantir a independência e a harmonia entre os Poderes (art. 2º da Constituição). Essa a interpretação que extraem da previsão de que as Forças Armadas “destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem”.
Uma leitura sistemática da Constituição, e não “em tiras” – a expressão é de Eros Grau[1] –, mostra a inviabilidade lógica e jurídica dessa exegese. Como lograriam as Forças Armadas arbitrar um conflito de atribuições entre os Poderes Políticos, se, conforme o art. 142, podem ser chamadas a atuar por provocação de qualquer deles para garantir a lei e a ordem? Diante de convocações simultâneas de dois Poderes em conflito, reclamando a ação das Forças Armadas em sentidos diametralmente opostos e, portanto, inconciliáveis, caberia aos militares a “interpretação constitucional do litígio” e, assim, uma função de guarda da Constituição ad hoc? Evidentemente, a resposta é negativa.
Desde 1891, com a promulgação da nova Constituição, nossa República tem duas grandes inspirações no que concerne ao chamado princípio da separação de Poderes: Montesquieu e os founding fathers estadunidenses. De Montesquieu, herdamos os postulados de equilíbrio e moderação entre os Poderes Políticos,[2] de inibição recíproca entre estes,[3] com vista a garantir a liberdade e evitar o despotismo. De seu turno, os founding fathers legaram-nos o federalismo e, a partir de John Marshall e pelas mãos de Ruy Barbosa, a atribuição ao Poder Judiciário de examinar a constitucionalidade das leis e dos atos dos demais Poderes. Se, no Império, a “chave de toda a organização política” estava no Poder Moderador, na República, the key-stone of our political fabric – palavras de George Washington em carta a John Jay[4] – deslocou-se para o que se tinha por the least dangerous branch – palavras de Alexander Hamilton.[5]
Jay, Madison e Hamilton (montagem de Juliana Jiménez)
Dessas premissas, podemos extrair algumas conclusões. A primeira é que crises políticas se resolvem politicamente – e não com recurso à força ou “às Forças”. Como expôs sabiamente, na década de 1920, Hermes Lima, Ministro do STF aposentado compulsoriamente após a edição do AI-5, “o fim da política, da arte verdadeira de governar, será a formação de instituições oportunas capazes de transformar em energia civil, […], em energia legal, a quantidade dinâmica de violência, que é a seiva perpetuamente renovada das reivindicações sociais”.[6]
A segunda conclusão, relacionada diretamente à primeira, é que, ao falar na atribuição das Forças Armadas de “garantia dos poderes constitucionais”, a Constituição não está se referindo à defesa de um Poder em detrimento de outro, mas sim ao conjunto da ordem legal e das competências do Poder Público, competências essas que têm natureza antes de dever do que de poder, prerrogativa ou direito. Por conseguinte, advogar que a Constituição abre as portas para o emprego das Forças Armadas em um embate entre Poderes vai frontalmente contra a ideia de Montesquieu, segundo o qual “como, pelo movimento das coisas, eles são obrigados a avançar, serão obrigados a avançar concertadamente”.[7]
A derradeira conclusão é que, embora seja demasiado falar que o Poder Judiciário ou, mais especificamente, o STF exerce o que um dia se chamou de Poder Moderador, a Constituição outorgou a este o que se vem chamando de “última palavra provisória”, no sentido de que a Lei Fundamental prevê os caminhos para a solução de conflitos, os quais têm um ponto final dentro de cada rodada procedimental, “que pode ser recomeçada indefinidamente”.[8] Exemplos claros disso são emendas constitucionais promulgadas como reação a decisões do STF, bem como a previsão de concessão de anistia pelo Congresso Nacional, com sanção do Presidente da República (art. 48, VIII), mecanismo de caráter eminentemente político que implica não apenas o perdão, mas o esquecimento da prática de um crime,[9] ainda que transitada em julgado a decisão condenatória.
Não poucas vezes tem errado o STF, dentro e fora dos autos; não poucas vezes tem ido além de suas competências – seja ocupando supostos vácuos de poder, seja avançando sobre questões que foram legítima e constitucionalmente tratadas pelos demais Poderes. Os equívocos do STF são de tal monta que é válido questionar se ele continua mesmo inofensivo, como via Hamilton, se ainda se mantém como o “menos perigoso dos Poderes”. Todavia, contra essas ocorrências, a Constituição previu tudo o que se pode fazer dentro da ordem, que não pode estar “à mercê de golpes que contra ela se desfiram fora dos processos legais do seu remodelamento”.[10] Nesse sentido bem se esclareceu que o povo, como delegante, “retém o poder de controlar os governos que ele formou, não por meios de golpes violentos e ilegais de força revolucionária, mas pelos meios previstos na Suprema Lei, que ele mesmo se traçou”[11] – e por certo não está entre esses instrumentos o uso das Forças Armadas para “harmonizar” os Poderes.
O ora famigerado art. 142 está incluído no Título V da Constituição Federal – Da Defesa do Estado e das Instituições Democráticas – Instituições Democráticas, conjunto indissolúvel, cujas partes são inoponíveis entre si, senão na forma da Carta de 1988. Como disse certa feita um Ministro aposentado do STF, a Lei Fundamental “não dá tiro no próprio pé”, não é suicida; não há como, portanto, ter previsto o uso da força por um Poder contra o outro. Repita-se: problemas políticos são resolvidos politicamente. Aqueles que se dedicam a clamar por AI-5 e intervenções militares bem fariam em considerar a lição de Hermes Lima: “Quem está com a Constituição? Esse estará na ordem, esse o conservador”.[12]
….
Hermes Lima
Notas:
[1]  GRAU, Eros Roberto. Por que tenho medo dos juízes: a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2017, p. 86-87.
[2] GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. 9. ed.. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 223-230.
[3] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 166; FERRAZ JR., Tércio Sampaio. Direito Constitucional: liberdade de fumar, privacidade, estado, direitos humanos e outros temas. Barueri, SP: Manole, 2007, p. 400; AMARAL JÚNIOR, José Levi Mello. Sobre a organização de poderes em Montesquieu: comentários ao capítulo VI do livro XI de O espírito das leisRevista dos Tribunais. São Paulo, ano 97, v. 868, fev. 2008, p. 63.
[4] Carta enviada por Washington a Jay por ocasião de sua indicação para presidir a Suprema Corte. Disponível em https://founders.archives.gov/documents/Washington/05-04-02-0094. Acesso em 03 de junho de 2020.
[5] HAMILTON, Alexander; JAY, John; MADISON, James. The federalist papers. [S.l.] Black & White Publications, 2015, p. 241.
[6] LIMA, Hermes. Direito de revolução. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1926, p. 75.
[7] MONTESQUIEU, Charles de Secondat, Baron de. O espírito das leis. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 176.
[8] MENDES, Conrado Hübner. Direitos fundamentais, separação de poderes e deliberação. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 170.
[9] BARBOSA, Ruy. Atos inconstitucionais. 2. ed. Campinas/SP: Russel, 2004, p. 172.
[10] LIMA, Hermes. Direito de revolução. Bahia: Imprensa Official do Estado, 1926, p. 70-71.
[11] Ibidem, p. 68.
[12] Ibidem, p. 34.

sábado, 30 de maio de 2020

Manifesto de Juristas sobre as FFAA e a Democracia

Mais um manifesto, e parece ter sido feito expressamente para contradizer, e chatear, o jurista Ives Gandra Martins, que sustentou que as FFAA poderiam atuar como Poder Moderador, e resolver as "pendências" ou fricções entre os poderes, que para ele são causadas por ILEGALIDADES do STF.
O grande jurista Ives Gandra escorregou feio nessa tese, e recebe pela frente um manifesto assinado por 170 outros juristas e profissionais do Direito.
Podia passar sem essa.
Paulo Roberto de Almeida

Manifesto jurídico rejeita intervenção das Forças Armadas e pede respeito a democracia
Texto é assinado por 170 profissionais do direito, incluindo advogados, professores e ex-ministros
SÃO PAULO
Folha de S. Paulo, 30 de maio de 2020 

Um manifesto assinado por 170 profissionais ligados ao direito, entre professores, advogados, procuradores, juízes e três ex-ministros da Justiça pede que as Forças Armadas respeitem a democracia e rejeita que elas tenham um suposto papel moderador.
O presidente Jair Bolsonaro participa de manifestação em frente ao quartel-general do Exército, em Brasília, em 19 de abril - Pedro Ladeira - 19.abr.2020/Folhapress

“Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado”, diz o texto.
Entre os signatários estão os ex-ministros da Justiça Miguel Reale Júnior (governo Fernando Henrique Cardoso), José Eduardo Cardozo (Dilma Rousseff) e Torquato Jardim (Michel Temer).
A presença de Reale, um dos autores do pedido de impeachment de Dilma, e de Cardozo, que defendeu a ex-presidente neste mesmo processo, exemplifica a amplitude ideológica da lista.
Também fazem parte, entre outros, o procurador-geral de Justiça do Estado de São Paulo, Mário Luiz Sarrubbo, o diretor da Faculdade de Direito da USP, Floriano de Azevedo Marques Neto, e a ex-representante do Brasil no no Tribunal Penal Internacional Sylvia Steiner. Entre advogados, há nomes como Antonio Claudio Mariz de Oliveira, Alberto Toron, Fabio Tofic Simantob, Flávia Rahal, Tecio Lins e Silva, Luiz Flávio Borges D’Urso e Eduardo Carnelós.
A intervenção das Forças Armadas em momento de crise vem sendo defendida por diversos aliados do presidente Jair Bolsonaro, como o ex-deputado Roberto Jefferson, além de ativistas digitais de direita.
Ela se baseia numa interpretação do artigo 142 da Constituição, que abriria margem para que os militares atuassem como uma espécie de força moderadora, o que é rejeitado pelos autores do manifesto.
“A nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles”, diz o texto.
Os pedidos de intervenção militar têm se acentuado nas últimas semanas, em razão de sucessivas derrotas que Bolsonaro tem sofrido por ação do Supremo Tribunal Federal.
Exemplos recentes foram o veto à nomeação de Alexandre Ramagem para dirigir a Polícia Federal e a divulgação praticamente na íntegra do vídeo da reunião ministerial de 22 de abril, contra a vontade do Planalto.
A temperatura subiu ainda mais na última quarta-feira (27), quando a PF, por ordem do ministro Alexandre de Moraes, fez ações de busca e apreensão contra apoiadores do presidente, no inquérito que apura a propagação de fake news.
Hamilton Mourão: Vice-presidente, é general da reserva do Exército

Hamilton Mourão: Vice-presidente, é general da reserva do Exército - Pedro Ladeira - 13.dez.2019/Folhapress
Bolsonaro protestou contra a ação e ameaçou não cumprir mais decisões do Supremo. O manifesto defende que discordâncias sobre decisões judiciais são normais e podem ser contestadas, mas sempre seguindo os caminhos constitucionais.
“Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado democrático de Direito. Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força”, afirma o documento.
Leia a íntegra do manifesto:
*
As Forças Armadas e a Democracia
A Constituição de 1988 reservou às Forças Armadas papel fundamental como instrumento de defesa do Estado de Direito e das instituições democráticas (Título V), tendo como missão a defesa da pátria, a garantia dos poderes constitucionais --Poder Legislativo, Poder Executivo e Poder Judiciário (art. 2º) -- e, por iniciativa de qualquer deles, a defesa da lei e da ordem.
Os Poderes da República são o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, e somente estes!
Às Forças Armadas não se atribuem prerrogativas de poder constitucional, sendo instituições nacionais permanentes e regulares a serviço do Estado.
Nem agregam o papel de poder moderador entre os Poderes, quer porque assim não está expresso na letra constitucional, quer por não terem vocação para tal mister, em função de seu próprio caráter de força.
Ademais, careceriam de condições para exercer tal incumbência, dada sua vinculação hierárquica e disciplinar ao presidente da República, chefe do Poder Executivo.
Os Poderes, por mandamento constitucional, são independentes e harmônicos entre si (art. 2º), tendo sua organização, funcionamento e atribuições expressamente previstos na Constituição, que ainda define como responsável por sua guarda o Supremo Tribunal Federal (art. 102).
Eventuais insatisfações e contrariedades sobre decisões do STF são fenômenos comuns e compreensíveis no Estado Democrático de Direito, da mesma forma como ocorrem em relação a deliberações dos Poderes Executivo e Legislativo.
Sua correção e ajustamento devem ser buscados no próprio texto constitucional, a Lei Maior, onde não há guarida para soluções com mobilização de força.
A nação conta com suas Forças Armadas como garantia de defesa dos Poderes constitucionais, jamais para dar suporte a iniciativas que atentem contra eles.
Conclamamos todos ao encontro da obediência à ordem legal, do caminho da harmonia e do respeito aos Poderes, sob a crença de que, por meio do diálogo, eles continuem o esforço de consolidação de nossa democracia e a merecer os aplausos dos brasileiros.
Só assim o Brasil poderá enfrentar as crises --sanitária, econômica e política-- que corroem o ânimo nacional e reencontrar a chama da esperança tão aguardada por todas as camadas de nossa população.

Marcos da Costa
Marcelo Knopfelmacher
Julio de Oliveira
Maucir Fregonesi
Felipe Locke Cavalcanti
Carlos José Santos da Silva (Cajé)
Walter Baere
Jose Eduardo Cardozo
Cristiane Romano
Miguel Reale Junior
Paulo Penteado
Leonardo Sica
Torquato Jardim
Antonio Cláudio Mariz de Oliveira
Eduardo Muylaert
Renato Cury
Tecio Lins e Silva
Floriano Marques Neto
Eduardo Carnelós
Rita Cortez
Rubens Naves
Marcos Fuchs
Fernando Castelo Branco
Arystóbulo de Oliveira Freitas
Luiz Flavio Borges D’Urso
Antonio Correa Meyer
Pierpaolo Cruz Bottini
Alberto Toron
Everaldo Patriota
Oscar Vilhena
Belisário dos Santos Junior
Ophir Cavalcante Jr.
Antonio Ruiz Filho
Marcia Diniz
Fabio Tofic Simantob
Nino Toldo
Marcio Kayatt
Juliano Breda
Hugo Leonardo
Celso Sanchez Vilardi
Roberto Delmanto Júnior
Homero Mafra
Marco Aurélio Carvalho
Eloisa Arruda
Marcio Elias Rosa
Paulo Sergio Domingues
Eleonora Rangel Nacif
Maria Cecilia Mello
Humberto Gouveia
Mário Luiz Sarrubbo
Marina Toth
Fernanda Tortima
Cristiane Battaglia
Leticia Bertolli Miguel
Thais Aroca Datcho
Priscila Moura Garcia
Rossana Brum Leques
Ana Beatriz Tango de Barros
Julia Mariz
Elaine Angel
Luiza Alexandrina Vasconcelos Oliver
Luísa Moraes Abreu Ferreira
Claudia Bernasconi
Gustavo Ungaro
Luis Otavio Camargo Pinto
Rafael Thomaz Favetti
Krishna Brunoni de Souza
Carolina de Queiroz Franco Oliveira
Juliana Rodrigues Malafaia
Gabriel Freire Talarico
Helena Lobo da Costa
José Rogério Cruz e Tucci
Renata Refinetti Guardia
Fabio Mariz de Oliveira
Giovana Mariz de Oliveira
Nicole Trauczynski
Marina Franco Mendonça
Ana Marcato
Adriana apazini de Barros Lima
Lilian Assumpção Santos
Vitorino Antunes Neto
Jose Gregori
Mario de Oliveira Filho
Jose Luis de Oliveira Filho
Heloisa Ramos de Campos Mello
Edson Vismona
Almino Affonso
José Renato Nalini
José Sales dos Santos Cruz
Carlos Figueiredo Mourao
Renato Stetner
Raphael Rodrigues Soré
Cláudio Castello de Campos Pereira
Juliana Garcia Belloque
Paulo Henrique Rodrigues Pereira
Rodrigo Quidute
Sérgio Pereira Braga
Mariângela Sarrubbo Fragata
Francisco Fragata Jr.
Rogéria Dotti
René Dotti
Marcela Vieira da Silva
Rafaela Meirelles Di Dio
Renato Villaça Di Dio
José Carlos Meirelles
Sylvia Steiner
Mariana Chamelette
Hannetie Koyama Sato
Juliana Costa Hashimoto Bertin
Greyce Mirie Tisaka de Oliveira
Theodoro Balducci de Oliveira
Renata Ramos Rodrigues
Clarissa Höfling
Marjori Ferrari Alves
Ana Luisa Porto Borges
Lara Marujo
Silvia Felipe Marzagão
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Fernanda Marques Pires
Priscila Pamela C dos Santos
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Flávio Filizzola D’Urso
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Danyelle Galvão
Janaina Matida
Flávia Rahal
Marina Helena de Aguiar Gomes
Gabriella Gomes Sorrilha
Paola Martins Forzenigo
Heloisa Estelita
Roberto Livianu
Ricardo Ariani
Carlos Eduardo Delgado
Décio Luiz Gimenez
Otávio Henrique Martins Port
Antonio Funari Filho
Maristela Basso

quinta-feira, 26 de março de 2020

Sobre intervenções DE militares e DAS FFAA na política brasileira - Paulo Roberto de Almeida

Sobre intervenções DE militares e DAS FFAA na política brasileira

Paulo Roberto de Almeida

Cerca de um ano atrás, mais exatamente na data antigamente muito comemorada entre os militares do 31 de março, dia consagrado como o do início da “Revolução de 31 de março de 1964”, e que andava um pouco esquecida desde os anos lulopetistas – pelo motivo óbvio de que muitos companheiros se encontravam entre as vítimas do regime militar –, o presidente Jair Bolsonaro fazia um apelo para que as Forças Armadas comemorassem novamente aquela data. Entendo que, muito a contragosto, os três comandantes das forças singulares e o Ministro da Defesa assinaram uma “Ordem do Dia” para ser nos quarteis e demais unidades das FFAA pela passagem da data. Lembro-me de ter lido e considerado com satisfação a “boa saída” dos comandantes militares, por meio de um texto que escondeu os aspectos incômodos do regime, ressaltou o tradicional compromisso da corporação militar com a preservação da ordem, com a promoção da democracia (aqui muitos franziriam os sobrolhos, como se dizia antigamente) e o seu absoluto acatamento dos valores e princípios constitucionais. No mesmo dia, o jornalista Mario Sabino, redator principal do site O Antagonista, divulgava um ensaio bastante crítico sobre a mesma data.
Aproveitei esses dois textos para juntar reflexões antigas sobre o papel das FFAA e dos militares na política brasileira e apresentei essas ideias num trabalho que pode ser lido, em sua versão completa (ou seja, incorporando todos eles), neste registro:

3442. “Sobre as intervenções de militares na política brasileira”, Brasília, 31 março 2019, 5+6 p. Introdução histórica e política e comentários de Mario Sabino (Crusoé, n. 48, 31/03/2019) ao texto da Ordem do Dia das FFAA a propósito do dia 31 de março. Publicado no blog Diplomatizzando (link: https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/03/para-ler-os-militares-em-1964-e-em-2019.html); disseminado no Facebook (link: https://www.facebook.com/paulobooks/posts/2387247414672028). Disponível na plataforma Academia.edu (link: https://www.academia.edu/s/f60c55b452/sobre-as-intervencoes-de-militares-na-politica-brasileira). Transcrita de forma parcial no Blog Diplomatizzando (18/04/2017; link; https://diplomatizzando.blogspot.com/2019/04/as-forcas-armadas-e-sociedade-cel.html).

Imagino que, com a crise pandêmica do Covid-19, não deverá haver nenhuma comemoração de “31 de março”, mas é possível que o “capitão-presidente” insista ainda assim sobre essa data altamente simbólica no passado, mas desprovida de maior impacto no contexto atual. Alguns, saudosistas do regime militar, vivem no passado, e desde as crises e manifestações políticas de 2013-2016, continuam insistindo numa inacreditável “intervenção militar constitucional”, sem atentar minimamente para a total contradição nesses termos. Mas, como esse termo de “intervenção militar” na política sempre desperta paixões desencontradas na população, e sobretudo entre os acadêmicos e entre os próprios militares.
Vou, portanto, reproduzir – com pequenas alterações de forma, meu trabalho 3442, mas unicamente com respeito à “memória histórica” do que são, ou do que foram, as intervenções militares do passado, eventualmente prenunciando alguma nova, na presente conjuntura, que identifico como sendo uma crise de governança, em vista da total inépcia do atual presidente, e da intromissão indevida, e altamente prejudicial ao nosso sistema político-partidário e ao regime democrático (relações entre poderes), dos seus filhos e de outros personagens profundamente perturbadores do funcionamento do governo e do próprio Estado. Minha intenção precípua é apenas a de distinguir entre o que vejo como intervenções “de militares” (como atores) na política e intervenções “das Forças Armadas” na política brasileira.

Minha “tese” sobre as intervenções militares é a de que 1964, diferentemente do que se prega habitualmente, não foi um golpe militar dado pelas FFAA, a exemplo de outras intervenções dos militares na política, mas sim foi uma crise político-militar, resolvido com a intervenção de militares na política, sem que houvesse, inicialmente, a intenção explícita de tomar o poder para nele se perpetuar, pelo menos inicialmente. O que ocorreu logo depois, e o prolongamento do regime por mais de duas décadas, foi consequência da dinâmica criada pelo movimento que se desenvolveu nos primeiros dias de abril de 1964, e do papel de alguns de seus protagonistas. Explico essa minha "tese", para que isso fique muito claro.
Só reconheço TRÊS oportunidades nas quais as FFAA tomaram o poder no Brasil, e nem 1889, nem 1964 pertencem a esses três únicos exemplos ou se enquadram no contexto geral das intervenções militares na política dos países latino-americanos. Quando eu escrevo FFAA, com maiúsculas, estou referindo-me às Forças Armadas enquanto corpo constituído do Estado brasileiro, ou seja, os comandantes militares atuando em conjunto, e com o consenso do conjunto das tropas, por ocasião de algum evento político com significado maior para a história do país. Distingo esse acrônimo, as FFAA, das intervenções de militares na política, muito mais numerosas, pois que situadas no contextos de graves crises políticas nas quais os militares também foram envolvidos, individualmente ou como setores das FFAA, ou que se envolveram a título político por julgarem que era de seu dever, ou sua vontade, participar de eventos, fatos e processos que também tocavam gravemente nos destinos do país.
Quais foram, pois essas três únicas oportunidades, no quadro das muitas intervenções de militares na política, que aliás começam no próprio Império e passam notadamente na proclamação da República, que NÃO é, segundo essa minha tese, uma intervenção das FFAA na política, e sim o envolvimento de militares com a política. 1889 é um movimento político, com grande envolvimento de militares republicanos, vários “jacobinos”, que conseguem a própria participação do chefe do Exército (apenas do Exército e não da Marinha) na deposição do gabinete de Ouro Preto (tal como concebia esse movimento o próprio marechal Deodoro da Fonseca, tomado de surpresa, ou enganado, pelos oficiais republicanos). A República é um movimento político com expressiva participação de militares, não um mero golpe militar, ao estilo das quarteladas de caudilhos latinos.
A primeira intervenção das FFAA (e apenas dos comandantes do Exército e da Marinha) na política, depois de todas as agitações de tenentes e outras patentes em episódios da política brasileira nos primeiros 30 anos da República, se dá exatamente em outubro de 1930, quando essa junta de dois comandantes militares (a Aeronáutica ainda não existia enquanto Força) depõe o presidente Washington Luís, o mantém detido por poucos dias, até que as forças do líder revoltoso Getúlio Vargas chega ao Rio de Janeiro e toma posse de um governo provisório, tal como ocorreu com Deodoro em 1889. Ou seja, as FFAA efetuaram essa intervenção para evitar um possível sangrento embate entre forças legalistas e forças revoltosas, que poderia ocorrer nos limites entre os estados de S. Paulo e Paraná, a famosa “batalha de Itararé”, que não ocorreu, e deu margem a que Aparício Torelly, famoso humorista da época, se autoproclamasse “Barão de Itararé”, e assim passasse a assinar suas saborosas crônicas que vão, justamente, até o golpe de 1964 (atenção: eu disse golpe, e não revolução).
A segunda intervenção das FFAA na política brasileira se deu exatamente 15 anos depois, em outubro de 1945, quando elas depõem o ditador Getúlio Vargas, que fazia ensaios continuístas no poder, depois que as FFAA, seus soldados e oficiais participaram da defesa da democracia nos campos de batalha da Segunda Guerra. Não o fizeram exatamente por amor à democracia, mas o ditador estava recebendo o apoio do Partido Comunista e do seu líder, Luís Carlos Prestes, os mesmos que tinham intentado tomar o poder pela força, comandados pela III Internacional e pelo Partido Comunista da União Soviética, em novembro de 1935, ocasião na qual vários soldados e oficiais foram mortos pelos revoltosos comunistas. A partir de então, o Brasil e as FFAA se tornaram oficialmente anticomunistas, e assim permanecerão até hoje, inclusive em 1964, quando militares se envolveram na política novamente, depois de vários outros exemplos ao longo dessas décadas. Assim como 1889, 1937 não é um golpe militar, e sim um golpe de líderes políticos, com participação e apoio de militares, até de sua alta cúpula, mas não um movimento planejado e implementado pelas FFAA para ser o início de um regime militar, com um plano de governo para a ocasião.
Venho ao meu terceiro episódio de intervenção das FFAA na política brasileira, que não é 1964, sequer 1961, e menos ainda as diversas revoltas e ações militares, ou de militares, em 1954 (suicídio de Getúlio, para evitar uma possível intervenção das FFAA na política), em 1955 (garantia pelo general Lott à posse de JK, eleito minoritariamente) e outros episódios menores (revoltas locais de militares). Em 1961 ocorreu, sim, uma reação das FFAA e dos militares na política, mas de forma improvisada e desorganizada em função da crise aberta com a renúncia de Jânio Quadros, um processo que se arrastou por mais de duas semanas, até que se chegasse, no âmbito do Congresso, ao remendo do parlamentarismo também improvisado (e removido um ano depois). Tampouco 1964 se encaixa na “teoria” do golpe militar, e não constitui, em minha visão, uma intervenção das FFAA na política, que poderia, sim, ocorrer, caso o presidente ousasse uma ruptura democrática (fechar o Congresso, por exemplo), de acordo com a visão do chefe do Estado Maior à época, general Castello Branco, um grande democrata e um dos raros intelectuais (com Golbery) do Exército. 1964 foi um movimento civil-militar, empurrado por governadores ambiciosos, e pela ansiedade das classes médias ante o descalabro inflacionário e político do inepto João Goulart, que patrocinou diversos episódios de quebra de hierarquia nas FFAA (sargentos em setembro de 1963 em Brasília, cabos e marinheiros em 1964, arroubos irresponsáveis sobre um “dispositivo militar” e outro “sindical” no grande caos que foi o seu governo) e ensejou a reação das FFAA e dos militares a partir do gesto ousado de um único general, Olympio Mourão Filho, ao mobilizar tropas e tanques em Juiz de Fora para, irrealisticamente, “depor” Goulart no Rio de Janeiro. Deu no que deu, ao precipitar o movimento, e a direita militar fez o resto, mas nisso Castello Branco não teve parte.
A terceira, e única, intervenção das FFAA, e não de “simples” militares, na política, se refere, não ao Ato Institucional n. 5, em dezembro de 1968, uma reação autoritária ainda comandada pelo presidente, enquanto chefe das FFAA, mas sobretudo enquanto chefe de Estado, e sim ao impedimento do vice-presidente Pedro Aleixo de assumir o poder, em agosto de 1969, quando as FFAA se constituem em Junta Militar e emitem a Emenda Constitucional n. 1 (à Constituição de 1967), e ficam no poder até a eleição, pelo Congresso, do general Emílio Médici, como novo presidente do Brasil, da mesma forma como tinha sido o Congresso que havia “eleito” o general Castello Branco como “presidente” do Brasil, em princípio até 1965, data de nova eleição presidencial no quadro da Constituição de 1946.
Esta é a minha visão das intervenções das FFAA, de um lado, e de militares, de outro, na política brasileira ao longo do século e meio republicano. Atualmente, no governo confuso do presidente Bolsonaro, com militares eleitos e outros escolhidos para participar no governo, em diversos níveis, o que temos é o mais próximo possível de uma intervenção de militares e das FFAA na política, sem o ser, pois não há uma crise declarada, não há um movimento em curso, não existe um programa de governo das FFAA, ou de militares, para conduzir o país, como talvez surgiu bem depois de março-abril de 1964. O assunto “governo militar” foi finalmente decidido entre o final de 1964 e o início de 1965, dando início a um regime não previsto inicialmente, e que tampouco estava planejado para durar tanto tempo; foi durando por inépcia da esquerda, que foram as verdadeiras responsáveis pela ditadura que finalmente se estabeleceu, e que teve vários ciclos, como demonstraram Elio Gaspari, Marco Antonio Villa e diversos outros historiadores ao longo do tempo, inclusive brasilianistas, como Tom Skidmore.
Resumindo, o que temos hoje é uma espécie de “maçonaria militar” – como já houve outros episódios em nossa história, a independência, a própria República e outras coisas que seria preciso identificar). Eu digo “maçonaria” num sentido lato, e não estrito, pois nem sei se os militares que “mandam” no governo Bolsonaro – que tem uma outra metade, a “kakistocracia”, comandada por uma família medíocre – são ou foram, ou integram de fato, uma das maçonarias existentes no Brasil. Pode ser que sim ou pode ser que não, o que não tem a menor importância. O que é importante é que os militares atualmente “no poder” já estão organizados nesse sentido desde 2013, e mais formalmente entre 2016 e 2017, quando aceitaram conviver com um “cavalo pangaré” no comando da República, pois era o único que tinha restado da grande mixórdia da política brasileira, tingida pela megacorrupção dos companheiros e dos tucanos, e pela mediocridade da classe política de forma geral. Eles, os militares – e não ainda as FFAA – sabem o que NÃO querem, mas não sabem ainda (ou não podem) o que querem, ainda que alguns deles saibam exatamente o que é preciso fazer.
Feitas estas longas digressões sobre as relações das FFAA e dos militares com a política – para que se possa distinguir entre uma situação e outras – passo agora a essa questão, sem sentido, de demandas por uma “intervenção militar constitucional”, o que, como já disse, é totalmente contraditório, ou não obedece a nenhuma lógica racional.  Ao que parece, muitos acreditam, apostam e até desejam uma NOVA INTERVENÇÃO das FFAA na política, eventualmente em função da mediocridade geral da política e das elites brasileiras. Para que isso pudesse ocorrer, as FFAA, e não apenas os “militares”, deveriam se manifestar e declarar estar prontas para exercer um “poder moderador”, que não está absolutamente previsto na Constituição.
Seriam, de fato, as FFAA as ÚNICAS forças democráticas do país, e não os partidos e os parlamentares atualmente no exercício dos seus respectivos mandatos? Não creio, e não creio que os comandantes militares – os três de cada arma e o ministro da Defesa – tenham suficiente clareza quanto a esse papel “tutelar” que elas exerceriam durante um curto período de transição, até o estabelecimento de um novo governo, em face do total descalabro da atual administração. Uma “solução” estaria na renúncia – voluntária ou forçada – do atual presidente e a assunção do vice-presidente, como mandatário efetivo até o final de 2022, presidindo, portanto, o processo eleitoral no país nos dois anos finais do atual mandato. O que parece claro, no presente momento, é que as crises que nos levaram das manifestações de 2013, ao impeachment de 2016, e às eleições de 2018, representaram uma nova oportunidade perdida para o Brasil.
Finalizo, portanto, com uma conhecida frase de Roberto Campos, para quem o Brasil é um país “que não perde oportunidade de perder oportunidades”. Por enquanto ainda estamos nisso, mas espero que estejamos melhor preparados para chegar a 2022. Afinal de contas, teríamos muita coisa a repensar em função do bicentenário de nossa Independência, em setembro daquele ano. Espero que estejamos um pouco melhor então.

Paulo Roberto de Almeida
Brasília, 26 de março de 2019