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segunda-feira, 20 de junho de 2022

Grupos traçam reação a golpe eleitoral de Bolsonaro e cobram adesões - Joelmir Tavares (FSP) e Paulo Roberto de Almeida

 Chega a ser inacreditável que movimentos da sociedade civil tenham de se mobilizar para impedir que o chefe do Executivo sabote o processo eleitoral que o conduziu ao cargo, fazendo todo o possível para tumultuar as eleições, chegando até mesmo a ameaçar a interrupção do mais importante rito do sistema republicano presidencialista sob o qual vive o Brasil desde 130 anos — com interrupções apenas sob golpes e ditaduras justamente— e que os mesmos movimentos sejam levados a se contrapor às falsidades continuamente difundidas pelo próprio chefe de Estado e de governo. Chega a ser surrealista que o supremo detentor do cargo maior da República queira implodir a legitimidade da função e interromper a via da escolha democrática de um detentor temporário do mandato presidencial.

Loucura semelhante, na supostamente maior democracia do mundo, levou à tentativa de deslegitimação das eleições e a uma invasão violenta do Legislativo que redundou em mortes. Seria essa a pretensão do chefe do Executivo brasileiro?

Teremos, provavelmente, o acirramento das tensões até outubro. Os dois outros poderes, Legislativo e Judiciário, vão se coordenar para criar desde já os anteparos necessários a uma condução normal do processo eleitoral, em face das promessas de tumulto do chefe do Executivo? Seria o minimo a esperar, na situação atual.

Paulo Roberto de Almeida 


Grupos traçam reação a golpe eleitoral de Bolsonaro e cobram adesões

Organizações da sociedade dizem que só mobilização ampla e conjunta fará frente a investida autoritária do presidente.


Joelmir Tavares
Folha de S. Paulo, 20/06/2022

SÃO PAULO


Organizações e ativistas que já trabalham com a previsão de que o presidente Jair Bolsonaro (PL) executará um plano golpista nas eleições tentam articular uma reação orquestrada à ameaça de ruptura democrática e convencer mais setores sobre a urgência de mobilização.

Centenas de entidades da sociedade civil, movimentos sociais e políticos, profissionais do direito, militantes e acadêmicos atuam, em público e nos bastidores, para traçarem o roteiro de uma resposta imediata a ataques efetivos contra a ordem eleitoral.

A maior parte das ações se dá em conjunto com o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), que ampliou o contato com vários segmentos para barrar a investida autoritária. O esforço conta também com iniciativas que querem se manter discretas para driblar perseguições do bolsonarismo.

Associações que participam de comissões montadas pelo TSE estão na linha de frente dos trabalhos, mas outros grupos igualmente alarmados estão por conta própria se somando à guerra.

A bandeira de todos é única e cristalina: respeito às urnas eletrônicas e ao resultado que sair delas. Falta agora descobrir como, exatamente, evitar que uma tentativa de golpe prospere no Brasil em 2022.

"Para nós está claro que essa tarefa não caberá somente a uma instituição ou classe, mas a todos os setores do Estado e da sociedade", diz Flávia Pellegrino, porta-voz do Pacto pela Democracia, uma rede que agrega mais de 200 organizações inseridas no debate.

Os caminhos adotados até aqui incluem ações de prevenção e alerta. São conversas dos movimentos com representantes do TSE, do STF (Supremo Tribunal Federal) e do Congresso Nacional, além de diálogos em fóruns que reúnem plataformas de redes sociais e partidos.

Reduzir o alcance das campanhas de desinformação e das alegações infundadas de fraudes no pleito é visto como prioridade geral.

Um grupo de 15 pesquisadores que tem feito estudos sobre a máquina de fake news optou por não figurar publicamente como comunidade organizada, sob o argumento de que temem ataques da base do presidente.

Os especialistas, ligados a universidades e reconhecidos em suas áreas, aparecem para divulgar as conclusões de suas pesquisas, mas sem se colocarem como parte de um movimento. A pedido dos próprios, esta reportagem omite os nomes dos membros e do coletivo.

Líderes da articulação antigolpe enxergam semelhanças com a narrativa promovida por Donald Trump nos Estados Unidos em 2021, que culminou com a invasão do Capitólio e a morte de cinco pessoas.

A versão brasileira passa pela tentativa de desmoralização do Judiciário —Bolsonaro ameaça deixar de cumprir ordem judicial— e a incitação de apoiadores, inclusive policiais e atiradores esportivos.

"Com a deslegitimação dos tribunais, o direito sozinho não vai dar conta de funcionar como anteparo", diz Estefânia Barboza, docente da Universidade Federal do Paraná que pertence à Demos, uma frente com professores de direito de vários estados que advertem sobre o risco à democracia.

"No momento crítico, vamos precisar da política e de todas as instituições, empresas, igrejas, sindicatos. E vai ter que ter povo na rua", segue ela. "Muita gente subdimensiona a gravidade. Nós estamos apavorados. Eu não sou militante, sou professora, mas a situação me obriga a fazer algo."

Rogério Sottili, que dirige o Instituto Vladimir Herzog e está engajado em discussões na Comissão Arns e em outros ambientes, afirma que Bolsonaro semeia elementos de ruptura desde 2018. "Mas esse jogo não vai dar em nada se antes gritarmos que ele quer fraudar o processo."

"Não acredito que os militares vão botar tanque na rua para defender isso. Não é mais 1964 [ano do golpe militar]. O cenário é diferente", segue Sottili, que serviu a governos do PT, partido do líder das pesquisas, Luiz Inácio Lula da Silva, com 48% de intenções no Datafolha, ante 27% de Bolsonaro.

Embora parte dos envolvidos nas coalizões faça oposição aberta ao atual mandatário ou declare apoio ao ex-presidente petista, muitos deles afirmam que as atividades são desconectadas de preferências.

"Nosso olhar não é partidarizado, não é contra nem a favor de um ou outro candidato", diz Flávia, do Pacto pela Democracia, que se define como plural e apartidário. "O que sair das urnas terá que ser reconhecido. Queremos, inclusive, atrair apoiadores de Bolsonaro [para a causa]."

Na esfera partidária, o temor de golpe é mais robusto entre siglas de oposição ou independentes, como mostrou levantamento da Folha no mês passado. Legendas aliadas do presidente se calam. Órgãos como a Procuradoria-Geral da República e entidades setoriais também demonstram apatia.

O Direitos Já! Fórum pela Democracia reuniu dirigentes de 11 partidos (como PC do B, PSDB, Podemos, Novo, PSD, PDT e PSB) para alinhar a resistência. "Queremos uma resposta firme e uníssona", diz Fernando Guimarães, coordenador do movimento.

No ecossistema que tenta desenhar reações, são repetidas as cobranças de um posicionamento enfático do empresariado e da elite. Um argumento lógico é mencionado como justificativa para a adesão: um golpe, ainda que malsucedido, prejudicará automaticamente finanças e negócios.

Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), por exemplo, não informa se avalia um posicionamento institucional sobre a violação às eleições.

Tampouco é discutida uma reedição do manifesto "Eleições serão respeitadas", publicado em agosto de 2021 por mais de 250 representantes de peso do PIB, economistas, intelectuais, políticos, banqueiros, artistas e personalidades. A mobilização paralisou mesmo com a piora no cenário.

Parte da explicação está no fato de que parcela do empresariado se identifica ideologicamente com Bolsonaro e apoia a reeleição. Há poucos dias, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, convidados aplaudiram discurso do presidente com ameaças ao STF e riram de piadas ofensivas a Lula.

Dois empresários paulistas com trânsito entre os pares e o meio político disseram à Folha, sob anonimato, que a inércia também pode estar ligada à vontade de parte do setor de fabricar uma terceira via. Segundo um deles, isso é visto como mais urgente do que interceder por eleições limpas.

"Quer motivo mais suficiente do que a elevação do risco Brasil para que a elite financeira se sinta pressionada e se contraponha a esse absurdo?", reivindica Estefânia, do Demos.

O grupo da professora expressou suas preocupações em documentos enviados à ONU (Organização das Nações Unidas) e à CIDH (Comissão Interamericana de Direitos Humanos). E pretende ainda acionar Mercosul e outros organismos multilaterais.

A avaliação é que a pressão estrangeira, embora limitada do ponto de vista prático, será fundamental. Os grupos entendem que o reconhecimento imediato de outros países ao nome do eleito será importante para sinalizar confiança externa no sistema brasileiro.

Em julho, uma comitiva viajará a Washington para reiterar esse pedido a autoridades e influenciadores do debate público global, de acordo com Paulo Abrão, diretor do WBO (Washington Brazil Office), centro que atua no tema em parceria com outras 32 entidades.

Abrão, que foi secretário da CIDH e integrou o governo Dilma Rousseff (PT), é da opinião de que ignorar ou minimizar o golpismo de Bolsonaro não é uma alternativa, ainda mais com tantas evidências. O mandatário já insufla apoiadores para irem às ruas no 7 de Setembro.

"A capacidade real de evitar o pior vai depender do que fizermos agora, em termos de mobilização e formação de consciência social. A tática da letargia ou da invisibilidade das ameaças não ajuda em nada", diz ele.

COMO SE ORGANIZA A RESISTÊNCIA AO GOLPE NA SOCIEDADE CIVIL

Roteiro da oposição
Líderes das organizações dizem que é preciso planejar ações em várias frentes (jurídica, política, social, internacional), mobilizar setores e pedir observadores estrangeiros. Lembram que nos EUA a tentativa de Trump ruiu porque forças (diplomacia, mídia, população) reagiram

O que é esperado
Ativistas dizem ser difícil prever datas ou armas a serem adotadas por Bolsonaro. Cenários podem ir de descumprimento de decisões judiciais até convocação de levantes. Há receio de decretação de estado de sítio em caso de conflitos ou convocação das Forças Armadas

Ações práticas
Grupos vêm abordando cortes (STF, TSE), Congresso e outras instituições para alertar sobre evidências e cobrar respostas. Também acionam organismos multilaterais (ONU, CIDH) em busca de acompanhamento das eleições, repúdio a ações autoritárias e eventuais sanções

Condições e riscos
O principal temor é o de que as Forças Armadas embarquem, mas a opinião mais frequente é a de que Bolsonaro não tem apoio majoritário para um golpe nem respaldo maciço da sociedade. Também há tensão sobre adesão de policiais e de bolsonaristas armados.

Organizações envolvidas
Algumas das entidades mais atuantes integram o Observatório de Transparência Eleitoral, criado pelo TSE, como: Pacto pela Democracia, Artigo 19, Instituto Igarapé, Comitê Gestor da Internet, Rede de Ação Política pela Sustentabilidade, RenovaBR, Instituto Ethos, Educafro

Outras trincheiras
Também estão empenhados na causa: Direitos Já!, Comissão Arns, Coalizão para a Defesa do Sistema Eleitoral, Demos (Observatório para Monitoramento dos Riscos Eleitorais), Observatório da Democracia, Washington Brazil Office, Movimento Derrubando Muros

Em silêncio
Há pouca ou nenhuma mobilização em entidades do empresariado, como Fiesp, e em movimentos como MBL (Movimento Brasil Livre) e Vem Pra Rua. Levantamento da Folha em maio já havia mostrado letargia de instituições como Firjan, OAB, CNBB, CNA, CNI e Febraban.


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Diplomacia de Bolsonao ainda aposta no retorno de Trump - Rafael Balago (FSP)

 Como vários outros aspectos da diplomacia bolsolavista, este também é inédito: buscar alternativas estaduais — republicanas e presumivelmente trumpistas — à falta de diálogo no plano fedeal em Washington, executivo e, sobretudo, Congresso. Ou seja, a representação diplomática brasileira investindo numa mudança de lideranças políticas nos EUA, num sentido que evidentemente coincide com as aspirações da atual tropa no poder no Brasil.

Se isso ocorrer, porém, Bozo já não mais estará à frente do Estado brasileiro, ainda que possa eventualmente cumprimentar seu “amigo” Trump.

Paulo Roberto de Almeida 

Embaixador do Brasil nos EUA busca se aproximar de estados após tensão com Congresso

Nestor Forster teve encontros com governos de Carolina do Sul e Geórgia, que combatem vacinação obrigatória

Folha de S. Paulo, 18.jan.2022 às 7h00
Rafael Balago

WASHINGTON - O embaixador do Brasil em Washington, Nestor Forster, tem apostado em se aproximar de governos e entidades estaduais dos Estados Unidos, em uma estratégia para melhorar a interlocução e desviar da pressão que o Brasil tem sofrido no Congresso americano. Vários parlamentares têm feito críticas fortes ao presidente Jair Bolsonaro (PL) e pedido por um esfriamento na relação entre os dois países.

Nos últimos meses de 2021, Forster fez ao menos quatro viagens. O diplomata alternou idas a estados governados por democratas (como Connecticut e Carolina do Norte) com áreas sob comando republicano (caso de Carolina do Sul e Geórgia), mas é nestes últimos que ele tem obtido mais resultados.

Na Carolina do Sul, por exemplo, o embaixador assinou um memorando de entendimento para ampliar o comércio e a troca de investimentos entre o estado e o Brasil, no final de outubro —em 2020, negociações entre os dois movimentaram US$ 910 milhões. Foi o primeiro termo do tipo já fechado com um ente subnacional dos EUA. "Continuaremos a trabalhar juntos no comércio e nos investimentos e a fortalecer nossa parceria", disse o governador republicano Henry McMaster, ao assinar o documento.

Crítico do presidente Joe Biden, McMaster tem combatido as determinações de vacinação obrigatória impostas pela Casa Branca para controlar a pandemia de coronavírus. A Carolina do Sul foi um dos estados que processaram o governo federal e conseguiram barrar a exigência na Justiça.

"Estamos chocados com os excessos do governo Biden. Nunca vi um presidente agir além da lei como esse. Nenhum morador da Carolina do Sul deveria ter de escolher entre seu emprego e uma vacina contra a Covid-19", disse o governador, em novembro. Ele também assinou um decreto para proibir órgãos estaduais de exigir a vacinação de funcionários.

O republicano se coloca ainda como defensor de pautas conservadoras. Pediu publicamente ao superintendente de educação do estado que investigue denúncias de livros com "trechos obscenos" em bibliotecas de escolas públicas; como exemplo, citou queixas de pais sobre a obra "Gender Queer: A Memoir", de Maia Kobabe, livro em quadrinhos sobre transição de gênero. Ele também defende que a Suprema Corte revogue o direito ao aborto.

Na vizinha Geórgia, cujo governo também processou a Casa Branca para suspender as exigências de vacina, Forster se encontrou com representantes dos departamentos estaduais de Agricultura e Desenvolvimento, no começo de novembro.

Pat Wilson, comissário do Departamento de Desenvolvimento Econômico, disse à Folha ter ficado honrado com a visita do embaixador. Segundo ele, a relação do estado com o Brasil vem de longa data, pois a Geórgia tem um escritório em São Paulo há 25 anos. "Um grande número de empresas brasileiras emprega milhares de georgianos. Negócios da Taurus [fabricante de armas], da Guidoni [de extração de rochas ornamentais] e da Embraer [aviação] se tornaram parte importante da nossa comunidade", disse.

Já em estados sob comando democrata, como Carolina do Norte e Connecticut, a agenda do embaixador se concentrou em visitas a fábricas —como a da Gerdau—, universidades e centros de pesquisa locais. "Assim como o Brasil, os EUA são um país complexo, de grande diversidade regional, e é importante que a embaixada busque ampliar sua presença junto a comunidades locais", disse Forster.

As visitas fazem parte de um plano para ampliar a interlocução do Brasil com estados americanos e buscar mais parceiros fora de Washington. A determinação foi encorajada por Bolsonaro, que antes da pandemia também fez visitas aos EUA em cidades afastadas da capital.

O presidente esteve na Flórida em 2020 e um ano antes foi ao Texas —nesta última viagem, para receber um prêmio que seria entregue inicialmente em Nova York, mas teve a cerimônia alterada após pressão pública do prefeito democrata Bill de Blasio, para que Bolsonaro não fosse à cidade. Os movimentos buscavam também reforçar o alinhamento com o ex-presidente Donald Trump; o brasileiro fez campanha aberta pela reeleição do republicano, que acabou derrotado por Biden em novembro de 2020.

Para Fernanda Magnotta, pesquisadora do Cebri (Centro Brasileiro de Relações Internacionais), essa atuação de Forster pode ser parte de um novo cenário global, no qual líderes locais ampliam a atuação internacional, e também uma resposta às ações recentes de governadores brasileiros. "Eles tomaram a frente na importação de vacinas e buscando protagonismo em agendas como a do ambiente. Em Glasgow [na COP26], havia a delegação brasileira e representantes dos estados, muitas vezes dissonantes", avalia.

Funcionários da embaixada também esperam que as viagens estaduais ajudem a fortalecer as relações com parlamentares americanos no Congresso. Forster teve reuniões recentes com o senador republicano Lindsey Graham, da Carolina do Sul, e com o deputado democrata Bill Keatind, de Massachussets.

O governo brasileiro tem sido alvo de fortes críticas no Congresso dos EUA. Desde setembro, nomes democratas do Capitólio mandaram ao menos três cartas ao governo Biden, pedindo um distanciamento na relação entre os dois países. Na mais recente delas, do começo de dezembro, oito senadores democratas pediram um "reset" diplomático e acusaram Bolsonaro de ser responsável pela alta no desmatamento no Brasil e por ameaçar a democracia no país.

Como mostrou a Folha, os textos se inserem em um contexto de pressão feita por ativistas e grupos progressistas do partido do presidente americano.

O embaixador respondeu aos críticos do governo brasileiro, também com cartas, nas quais defendeu as ações de Bolsonaro e chegou a dizer que parlamentares americanos estavam mal informados.

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2022/01/embaixador-do-brasil-nos-eua-busca-se-aproximar-de-estados-apos-tensao-com-congresso.shtml


segunda-feira, 3 de janeiro de 2022

Eleições presidenciais de 2022: uma possível plataforma de Ciro Gomes - Nelson Marconi (FSP)

 Ciro Gomes é o candidato que, no momento, apresenta o melhor, talvez o único, programa econômico estruturado e racional. 

Mas, como sabemos, o papel aceita tudo. Seria preciso que não apenas o eleitor comum, mas sobretudo os donos do capital, os representantes do poder político e a classe média comprassem as promessas bonitinhas e aparentemente factíveis do candidato, para que ele tivesse, pelo menos uma vez, a chance de colocar suas ideias em prática.

 Não tenho certeza de que o candidato — mais conhecido por sua metralhadora giratória verbal — seja capaz de convencer gregos e goianos, ou seja, os setores relevantes da opinião pública, para crescer nas preferências eleitorais. Em todo caso, ele deveria ter direito a uma chance nos debates eleitorais, tanto porque é um candidato sério e já provou ser bom administrador. Adelante!

Meu comentário puramente circunstancial ao artigo de Nelson Marconi sobre um possível programa econômico de Ciro Gomes, da série de economistas de candidatos, da FSP.  Merece aprofundamento analítico, mas tem certo estilo Ha-Joon Chang revisitado.

Paulo Roberto de Almeida 


É preciso coragem para mudar o modelo econômico fracassado

Um plano nacional de desenvolvimento pactuado entre os setores público e privado abriria uma nova rota para o crescimento 

Folha de S. Paulo, 2.jan.2022 às 23h15

Nelson Marconi

É professor da FGV-Eaesp, foi coordenador do programa de governo de Ciro Gomes em 2018


A economia brasileira está comendo poeira há muito tempo. Em 1980, nosso PIB per capita era 15 vezes maior que o chinês e 1,6 vez superior ao sul-coreano; em 2020 equivalia, respectivamente, a apenas 79% e 26% do observado nestes países.

O que fizeram os asiáticos? Perceberam que os países mais bem-sucedidos incentivam a indústria e os setores importantes ao redor; logo, ampliaram sua participação no mercado internacional via exportações de manufaturados, usando e abusando de planejamento, boas práticas macroeconômicas, políticas de desenvolvimento científico e tecnológico e educação, focando em áreas estratégicas e sempre defendendo os interesses de seus países.

Por aqui, entregamos nosso mercado interno, de mão beijada, via moeda apreciada, aos produtores de outros países, sem expandir as exportações de manufaturados; enquanto as vendas no varejo, descontada a inflação, hoje são o dobro do que eram em 2003, a produção industrial está no mesmo patamar de 2005.

Criaram-se todas as dificuldades possíveis para os produtores locais eficientes atuarem nos mercados interno e externo: além do câmbio, juros altos, estrutura tributária distorcida, políticas industriais ineficazes, investimento insuficiente em educação e ciência e tecnologia e má qualidade dos gastos públicos.

Como resultado, nos desindustrializamos e hoje sentimos a pior consequência deste processo: deixamos de gerar bons empregos e as pessoas estão tendo que se virar na informalidade, em ocupações muito mais precárias, e o PIB per capita do Brasil atual é igual ao de 2010. Perdemos 11 anos.

É possível reverter esse cenário e voltarmos a gerar bons empregos, que é um de nossos objetivos principais, e estimular o real empreendedorismo? Certamente que sim! Precisamos investir mais em educação? Lógico, e o Ceará de Ciro Gomes e seus sucessores é um exemplo mundial. Precisamos participar mais do comércio internacional? Sim, mas estimulando as exportações, e não aniquilando os produtores locais. Como fazer?

Primeiro, é necessário estruturar um cenário macroeconômico favorável a quem produz: devemos equacionar a questão fiscal a médio prazo, tornando a trajetória da dívida pública sustentável, via redução de subsídios e isenções, da mudança da lógica orçamentária —que premia quem gastou mais no passado, da instituição de tributação progressiva sobre lucros e dividendos, heranças e patrimônio, desonerando compensatoriamente a produção, e da melhoria na qualidade do gasto público. Assim, neutralizam-se as pressões contrárias à queda da taxa de juros, viabiliza-se a manutenção da taxa de câmbio em um patamar competitivo e os investimentos públicos que necessitamos para retomar o crescimento neste momento. Também são fundamentais ações para reduzir a inflação e o endividamento privado.

Do ponto de vista estratégico, vemos que EUA, Alemanha e França criaram planos para recuperar suas indústrias e seu espaço na economia mundial, incluindo elevados gastos em infraestrutura e pesquisa e desenvolvimento. Não há como agirmos de outra forma.

Um plano nacional de desenvolvimento pactuado entre os setores público e privado, nos moldes defendidos por Ciro, é essencial, prevendo tanto o desenvolvimento científico e tecnológico como a redução de desigualdades e a melhoria de indicadores sociais, que se recuperarão com a melhoria na qualidade dos empregos, o avanço educacional e políticas específicas para os mais desfavorecidos. A gestão pública deverá ser reorientada para o alcance das metas deste plano, atuando de forma matricial, monitorando e cobrando resultados e premiando o bom desempenho.

A pauta ambiental constitui uma oportunidade de investimentos: o desenvolvimento de novas fontes de energia, a reorientação do uso do petróleo, as alterações na forma de produzir carnes e outros alimentos, a implantação de uma infraestrutura de baixo uso de carbono e os necessários avanços tecnológicos na área da saúde, por exemplo. Todos esses fatores estimularão a inovação e sofisticação tecnológica, incluindo a microeletrônica, softwares e inteligência artificial. E pensemos em todos os serviços que serão demandados por estas atividades.

Há, sim, muito espaço para retomar o crescimento, os bons empregos e a dignidade do povo brasileiro. Mas é necessária disposição e coragem para mudar o modelo econômico fracassado que impera há décadas.


SÉRIE PENSAMENTOS ECONÔMICOS DOS PRÉ-CANDIDATOS

Artigos de economistas dos pré-candidatos à Presidência discutem principais temas para as campanhas

Domingo (2)

Ciro Gomes (PDT), por Nelson Marconi

Segunda (3)

João Doria (PSDB), por Henrique Meirelles

Terça (4)

Luiz Inácio Lula da Silva (PT), por Guido Mantega

Quarta (5)

Sergio Moro (Podemos), por Affonso Celso Pastore



domingo, 22 de agosto de 2021

Custo Bolsonaro vai superar a Grande Destruição Econômica do PT? - Fernando Canzian (FSP)

 Custo Bolsonaro' cobra fatura com dólar, inflação, juros e miséria em alta

Investimento externo despenca, e empresas brasileiras mantêm moeda americana fora do país

Fernando Canzian
Folha de S. Paulo, 22/08/2021

O Brasil vem sofrendo queda abrupta no ingresso de investimentos estrangeiros produtivos, e até empresas brasileiras evitam trazer ao país dólares obtidos em exportações, que cresceram muito nos últimos meses.

A nova tendência engrossa o que vem sendo chamado de “custo Bolsonaro”. Ele não se reflete apenas no dólar bem mais caro do que os fundamentos econômicos justificariam, mas em mais inflação e juros, com impactos deletérios sobre a dívida pública.

Essa combinação, numa espécie de círculo vicioso, colocou em xeque a recuperação pós-pandemia em 2021 e 2022 e vem aumentando o total de miseráveis no país.

O presidente Jair Bolsonaro durante entrevista para TVs em Eldorado, interior do estado de São Paulo
O presidente Jair Bolsonaro durante entrevista para TVs em Eldorado, interior do estado de São Paulo - Eduardo Anizelli - 21.ago.21/Folhapress
O “custo Bolsonaro” é identificado como a transmissão para a economia da instabilidade política alimentada diariamente pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido), com declarações golpistas, confronto com outros Poderes e questionamentos sobre o processo eleitoral.

Com menos crescimento e com dólar, inflação e miséria em alta, a expectativa é que Bolsonaro crie subterfúgios para gastar mais para tentar se reeleger. Hoje, o presidente está longe de ser o favorito no pleito de 2022.

A proposta de adiar o pagamento de dívidas judiciais (precatórios) para turbinar o Bolsa Família (rebatizado Auxílio Brasil) é o ponto mais visível desse contexto, em que se buscam alternativas para furar o chamado teto de gastos, que corrige a despesa pública pela inflação e é o principal instrumento de controle da elevada dívida pública brasileira.

Mas especialistas também veem o governo perdido, sem articulação política ou propostas coerentes de reformas, como no caso da tributária, e agora refém do chamado centrão, com seus políticos pressionando por mais verbas para o período eleitoral.

O resultado tem sido a deterioração de indicadores financeiros (índice Bovespa, dólar, inflação e juros futuros) e, mais recentemente, a paralisação dos planos de investidores estrangeiros e locais de ampliar a produção e o emprego no Brasil.

No acumulado em 12 meses, os investimentos líquidos de estrangeiros dirigidos ao setor produtivo no país caíram de quase US$ 70 bilhões, há um ano, para cerca de US$ 24 bilhões.

Mesmo empresas exportadoras nacionais, que multiplicaram recentemente suas receitas com o dólar em alta e um novo ciclo de valorização de commodities agrícolas e metálicas, têm preferido manter seus dólares longe do Brasil diante da instabilidade atual.

Os dois movimentos ajudam a pressionar ainda mais o valor da moeda norte-americana. Na comparação com outros países bastante endividados (com relação dívida bruta/PIB acima de 65%), é no Brasil onde o dólar mais sobe.

Grande parte dessa alta é transmitida diretamente para a inflação, via produtos importados ou commodities cotadas em dólar, como petróleo e gás, proteína animal e trigo.

Mesmo assim, segundo cálculos do economista Livio Ribeiro, do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas), os fundamentos econômicos do Brasil, sobretudo por causa das contas externas equilibradas, não justificam o dólar na faixa de R$ 5,30/R$ 5,40.

Pelas suas contas, sem “o gol contra da bagunça institucional” atual, a moeda norte-americana poderia valer ao redor de R$ 4,20 —quase 30% menos.

“Mas, dadas a estrutura de risco e a incerteza no Brasil, os exportadores agora mantêm a maior quantidade possível de dólares no exterior”, diz Ribeiro. Isso passou a ser permitido desde a virada da década passada.

“Em outros ciclos positivos de exportação como o atual, a entrada de dólares valorizava o real. Mas perdemos esse canal estabilizador.”

As reservas cambiais do Brasil explicitam a tendência: mesmo com um saldo positivo de US$ 44,1 bilhões na balança comercial (exportações menos importações) até julho, as reservas em dólar do país não aumentaram neste ano, permanecendo estacionadas ao redor de US$ 355 bilhões.

O chamado “custo Bolsonaro”, agora turbinado pela expectativa de descontrole no gasto público, também leva investidores a buscar proteção no dólar, alimentando um ciclo vicioso.

Nele, o dólar alto pressiona a inflação, sobretudo pelo canal das commodities, o que obriga o Banco Central a subir os juros para controlar os preços. Como o juro mais alto corrige a dívida pública, ela cresce. Para atrair investidores dispostos a financiá-la, o BC pode se ver obrigado a subir ainda mais os juros, tornando a dívida ainda maior.

“O comportamento errático de Bolsonaro vem produzindo estragos de ponta a ponta, expondo um governo que se revelou muito despreparado no geral”, diz Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados. Segundo ele, não só os investidores estrangeiros estão evitando o Brasil.

“Sem estabilidade política e macroeconômica, projetos na agroindústria e no óleo e gás também sofrem.”

O próprio Ministério da Infraestrutura admitiu há alguns dias que o cenário político conturbado deve afetar concessões importantes previstas para até 2022, como a Ferrogrão (ferrovia que ligará Sinop, em Mato Grosso, ao porto de Miritituba, no Pará), aeroportos de Congonhas (SP) e Santos Dumont (RJ) e a Via Dutra (BR-116, no trecho que liga São Paulo ao Rio de Janeiro).

Para Silvia Matos, coordenadora do Boletim Macro Ibre/FGV, o quadro de deterioração agravou-se com a adoção, por um Bolsonaro em baixa nas pesquisas eleitorais, de uma “narrativa para que se possa gastar mais visando maior apoio popular”.

Desde o segundo semestre de 2020, auge do pagamento do auxílio emergencial na pandemia, o total de pessoas na extrema pobreza no Brasil (renda mensal abaixo de R$ 261) disparou, passando de 5% da população (10,5 milhões) para 13% (27,4 milhões), segundo dados do FGV Social.

”Nos últimos 12 meses, a inflação dos pobres foi de 10%, quase três pontos percentuais maior que a da alta renda, resultado do aumento dos alimentos e do gás de cozinha, entre outros”, diz Marcelo Neri, diretor do FGV Social.

“Enquanto a renda média do trabalho caiu 11% entre os primeiros trimestres de 2020 e 2021, a queda na metade mais pobre foi de 21%.”

Assim, não só a pobreza extrema aumentou. Quase 32 milhões de pessoas deixaram a classe C (renda domiciliar de R$ 1.926 a R$ 8.303) desde agosto de 2020. A classe E (até R$ 1.205) foi a que mais inchou, com 24,4 milhões de pessoas. Já a D (R$ 1.205 a R$ 1.926) ganhou 8,9 milhões.

Nesse percurso, a taxa de reprovação de Bolsonaro saltou de 32% para 51% entre o fim de 2020 e julho deste ano, segundo o Datafolha. Num eventual segundo turno contra Lula (PT) em 2022, Bolsonaro seria derrotado por 31% a 58%.

“Mas tentar comprar a sociedade com estímulos acaba não dando certo e não se sustenta”, diz Silvia Matos. “Como o mercado se antecipa a esse movimento, com pressões sobre dólar, inflação e juros, o país acaba perdendo tempo e a oportunidade de consolidar a retomada do pós-pandemia.”

Grande parte das previsões de crescimento, do valor do dólar e do comportamento da inflação vem se deteriorando. O banco Fator, por exemplo, já trabalha com o dólar a R$ 5,80 em 2022 e crescimento do PIB ao redor de 1%.

Gonçalves lembra que os próximos meses devem ser marcados por uma reversão nos estímulos monetários pelos Estados Unidos, tornando cada vez mais provável o aumento dos juros americanos para conter pressões inflacionárias.

Quando isso ocorre, países muito endividados e desarranjados sofrem com a fuga de investidores para mercados mais seguros, derrubando preços de ações, de ativos como imóveis e desvalorizando a moeda local. O resultado é uma sociedade mais pobre e mais inflacionada.

“No caso brasileiro, teremos um problema adicional de inflação. A energia elétrica vai subir, o petróleo não deve cair e haverá uma crescente inflação nos serviços [que representam 2/3 do PIB] com a volta de alguma normalidade a partir de agora”, afirma Gonçalves.

Para Silvio Campos Neto, economista-sênior da consultoria Tendências, muitos agentes econômicos aceitariam, sem solavancos, um aumento de cerca de 50% nos benefícios hoje pagos pelo Bolsa Família, que poderiam chegar a R$ 300, em média.

“Haveria algum espaço no teto de gastos para isso. O problema é que parece não existir no governo um consenso mínimo do que fazer com a economia”, diz.

Em sua opinião, o fato de o Brasil estar com as contas externas equilibradas justificaria um dólar abaixo de R$ 4,50. Somando-se a isso, a ociosidade no mercado de trabalho (com 14,8 milhões de desempregados) e nas empresas suportaria uma eventual recuperação mais robusta sem grandes pressões inflacionárias.

“Seria toda uma outra história se tivéssemos outro tipo de liderança e postura. Isso cai na conta do presidente, símbolo desse desarranjo e principal causador de ruídos”, afirma o economista.


sexta-feira, 2 de julho de 2021

Os 100 anos do PCC, o caminho percorrido e o futuro da China — Paulo Roberto de Almeida, Fausto Godoy e Bruno Benevides (FSP)

 Artigo de meu amigo e colega Fausto Godoy sobre o primeiro centenário do PCC: não creio que chegue ao segundo, exatamente devido ao sucesso dos primeiros cem anos, que mudaram totalmente a China (mas não estarei mais aqui para pagar eventual aposta). Trata-se do ÚNICO partido comunista do mundo a ter tido “sucesso” no âmbito desse regime, mas as razões desse sucesso são duas: uma férrea ditadura e uma clara adesão ao capitalismo (ou a uma economia de mercado com flexível planejamento estatal, o que foi possível fazer graças a uma burocracia de alta qualidade, os mandarins do PCC). 

Escrevi um pequeno ensaio sobre os 100 anos do PCC e as mudanças realmente impressionantes nos últimos 30-40 anos na RPC, que pode ser lido neste mesmo espaço:

https://diplomatizzando.blogspot.com/2021/06/sobre-os-100-anos-do-partido-comunista.html?m=1

Paulo Roberto de Almeida

Leiam:

UMA CRÔNICA A RESPEITO  DE UM VELHO SENHOR : O CENTENÁRIO DO PARTIDO COMUNISTA CHINÊS

Fausto Godoy

Hoje, 01 de julho, o Partido Comunista da China celebra seu centenário. Nesta data, em 1º de julho de 1921 o PCC era criado pelo líder revolucionário e fundador da República Popular, Mao Zedong. Na verdade o dia da celebração deveria ser 23/07, data efetiva da reunião de 13 pessoas numa casa da concessão francesa em Xangai, onde, inspirados pela revolução bolchevique soviética e com a ajuda do Gabinete do Extremo Oriente do Partido Comunista da União Soviética e do Secretariado do Extremo Oriente da Internacional Comunista, revolucionários chineses encontraram abrigo para lançar na clandestinidade o projeto de um regime que mudaria radicalmente a história da China.

Atualmente, ainda que com cerca de 91,914 milhões de membros, segundo o senso de 2020, número relativamente modesto a se levar em conta a população de 1,4 bilhão de indivíduos do país, o PCC é o segundo maior partido do mundo, atrás apenas do “Bharatiya Janata Party”/BJP, da Índia. Como explicar, então, o seu poder num universo populacional tão mais amplo? O que justifica o apoio massivo da população? Qual é o princípio (dogma?...) político/econômico/civilizacional que lhe dá legitimidade? 

Para buscarmos entender o presente precisamos visitar o passado, sobretudo o chamado “século das humilhações” - o XIX – quando no declínio do Império Qing as potências ocidentais impuseram, com a Grã-Bretanha à frente, a abertura da China para o Ocidente e o consumo do ópio, única maneira que a corte de Saint James encontrou para equilibrar a balança de comércio bilateral exponencialmente favorável aos chineses, descortinando o cenário que foi palco das duas chamadas “Guerra do Ópio” (1839/1842 e 1856/1860). 

O trauma causado por este capítulo da História, até hoje presente na memória dos chineses cujos antepassados foram drogados de forma vil para equilibrar uma corrente de comércio, acirrou não somente a luta pela derrota do regime nacionalista que sucedeu à queda do Império mas não conseguiu pacificar o país dilacerado por disputas de poder entre os caudilhos (“warlords”) regionais, mas também propulsou o espraiamento da ideologia marxista-comunista que alimentou, aliás, o processo de descolonização de vários países da Ásia na segunda metade do século passado.

O caminho desde então foi árduo e a China passou por enormes vicissitudes, causadas principalmente pelo experimentalismo que se inaugurou desde então sob a liderança de Mao Zedong, que desde 1949 até a sua morte, em 1976, impôs políticas e práticas que hoje devem parecer estapafúrdias para muitos chineses. Tal é o caso do “Grande Salto Adiante”, campanha que ele lançou entre 1958 e 1960 com a ambição de tornar a República Popular numa nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde através da coletivização do campo por meio de uma reforma agrária atabalhoada e da industrialização urbana, com as chamadas “siderúrgicas de quintal”. Frustradas, estas experiências resultaram em dezenas de milhões de mortos; um cálculo conservador estima as vítimas em 18 milhões, porém outros estudos sugerem que o número foi mais próximo de 55,6 milhões.

Derrotado nestes seus propósitos e afastado do poder e do partido, Mao conclamou a juventude, e com o apoio do Exército de Libertação Popular (ELP), radicalizou a confrontação com seus opositores através da “Revolução Cultural”, de 1966 até 1976, que tinha por objetivo declarado “purgar os elementos capitalistas e tradicionais da sociedade chinesa e reimpor o Pensamento de Mao Zedong como a ideologia dominante do PCC”. Dezenas de milhões de pessoas foram perseguidas e figuras notáveis aprisionadas, ou mortas. Até mesmo o pai do Presidente Xi Jinping, Xi Zhongxun, que mais tarde desempenharia um papel fundamental no processo de abertura do país para o exterior ao inspirar Deng Xiaoping a criar as “zonas econônicas especiais”, foi para a prisão.

Entretanto, a partir da morte do “Grande Timoneiro”, em 1976, o retorno à cena política de Deng Xiaoping, companheiro de Mao na “Grande Marcha” que tinha uma proposta modernizante para o país, confrontando o pensamento oficial do Partido e que por isto fora banido e até emprisionado, mais uma vez viria a mudar os rumos da República Popular. Deng é o verdadeiro patriarca da China contemporânea. O plano de abertura e modernização econômica por ele lançado catapultou o país, até então majoritariamente rural, na China de hoje. Ele é, aliás, autor de famosos neologismos econômicos, tais como “economia socialista de mercado” e “socialismo com características chinesas”.  É dele a famosa frase “não importa se o gato é preto, ou branco, desde que cace ratos”. A economia cresceu radicalmente após uma série de medidas pró mercado que abriram o país aos investimentos externos e ao capital privado. Isto significa, em última análise, que a partir de então a República Popular – e o Partido Comunista – inauguraram um período de experimentalismo econômico que descontruísse o maoísmo “hard” ao tempo em que mantinham o mito do “Grande Timoneiro” para preservar a mitológica unidade da Nação Comunista.

Este processo teve andamento nas gerações posteriores de líderes, basicamente tecnocratas, que tiveram como missão concretizar e avançar as políticas e práticas “revolucionárias” lançadas por Deng. Até que na 18a. reunião do Congresso do PCC, em novembro de 2012, Xi Jinping foi eleito Secretário-Geral do Partido e subsequentemente, Presidente da República Popular e Presidente da Comissão Central Militar, ou seja, líder absoluto de todos os poderes da RPC.

Quem é Xi Jinping?

Filho do incentivador da abertura da China para o exterior, como mencionei, Xi é um homem moderno para os padrões da burocracia chinesa. Ele sofreu na adolescência as consequências nefastas por ser um “princeling” – filho de autoridade – durante a Revolução Cultural e foi exilado para um condado rural após a purga de seu pai. É casado com uma famosa cantora de música popular patriótica, Peng Liyuan, e tem uma filha estudando em Harvard com nome disfarçado. Sua biografia o situa, portanto, a milhas de distância de seus antecessores.

Mas ele é também um forte adepto da ortodoxia ideológica do Partido, cujas bases reconstruiu depois da série de notícias de malfeitos que assolavam o PCC nos últimos tempos. Xi consolidou com grande ímpeto seu poder, ampliando os limites constitucionais do cargo. O combate à corrupção passou a ser o lema de sua administração. Dizem, porém, as más línguas que a escolha dos incriminados inclui personalidades que lhe fazem oposição. Segundo seus antagonistas, desde a época de Mao, a sociedade chinesa não era tão controlada. 

Em contrapartida, milhões de pessoas foram resgatadas da pobreza na sua gestão. Xi anunciou em fevereiro deste ano que de acordo com os critérios atuais para a definição de “pobreza absoluta”, todos os 98,99 milhões de pobres da população rural do país foram retirados desse índice, assim como 832 municípios e 128.000 aldeias, ainda que alguns especialistas concluam que a China estabeleceu um nível baixo para a sua definição de pobreza e que continua sendo necessário um investimento contínuo em suas áreas mais pobres.

Não obstante, a China de Xi Jinping enfrenta desafios da dimensão do país. Entre outros, a urbanização massiva que tende a escapar ao controle das autoridades, inchando as cidades com uma população desacostumada à vida urbana, com os problemas agudos do processo, como alojamento, escolaridade, deterioração do meio-ambiente, etc.. A crescente disparidade entre as classes sociais é outro fator, a se constatar que a China – teoricamente comunista - abriga hoje centenas de milionários e é o segundo país com maior número de bilionários no mundo, de acordo com a Agência Forbes, assim como de algumas entre as maiores empresas privadas - Huawei, Ali Baba, Tencent, etc. - do planeta. Outro dilema complexo é a decalagem entre gerações, fruto do sistema de um “filho por família” implantado na década de 70 para impedir a explosão demográfica (agora são dois filhos e está-se cogitando aumentar para três) que se tornou um enorme desafio pois criou um vácuo geracional de consequências incalculáveis a longo prazo, sobretudo a se levar em conta que a curva da população já é decrescente. E “last but not least”, a deterioração do meio-ambiente que o crescimento exponencial e acelerado causa ao país, maior poluidor do planeta. E não nos esqueçamos do teorema - maior - da globalização / Ocidente. E estes são apenas alguns dos dilemas... 

São todas estas questões que o Presidente e o Partido terão que administrar se o PCC e a RPC ambicionam perseguir e atingir o plano delineado no livro “The China Dream”, do professor Liu Mingfu, segundo o qual “as China rises to the status of a great power in the 21st century, its aim is nothing less than the top – to be the leader of the modern global economy”; Xi repete este refrão em todos os seus discursos. Neste roteiro incluem-se projetos ambiciosíssimos como a “Belt and Road Initiative”, que visa unir a Ásia à Europa e à África, financiados pelos trilhões de dólares que o país detém de reservas, e tenciona aplicar no projeto, assim como no plano “Made in China 2025”, que pretende catapultá-la ao pináculo da era tecnológica.

O discurso do presidente Xi Jinping durante a abertura das comemorações do centenário demonstra um pouco do papel central que o Partido ocupa na sociedade chinesa: "dediquem tudo, até mesmo suas preciosas vidas, ao partido e ao povo", disse o presidente, enquanto exortava os membros do PCC a manterem seu amor pelo partido com firmeza e lealdade, no pronunciamento transmitido em rede nacional de televisão". 

A confirmar..

Recomendo aos amigos que desejem se inteirar a respeito do Partido Comunista Chinês que leiam a matéria abaixo da Folha de São Paulo.”

Fausto Godoy


Entenda como o centenário Partido Comunista controla o Estado e o poder na China

Modelo atual, que privilegia liderança coletiva, foi criado após excessos da era Mao

Bruno Benevides
Folha de S. Paulo, 29/06/2021

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ou as ferramentas oferecidas na página. 

segunda-feira, 10 de maio de 2021

Ernesto mina trabalho de novo chanceler e tenta manter influência ideológica no Itamaraty - Ricardo Della Coletta (FSP)

 Nas redes, Ernesto mina trabalho de novo chanceler e tenta manter influência ideológica no Itamaraty


Folha de S. Paulo, 9.mai.2021 às 17h32
Ricardo Della Coletta

Interlocutores apontam ambições políticas como justificativa para comentários de ex-chanceler

Com uma série de publicações nas redes sociais, o ex-ministro das Relações Exteriores Ernesto Araújo e membros da ala ideológica do governo têm criado constrangimentos e minado o trabalho do novo chanceler, Carlos França.

A avaliação foi feita à Folha por interlocutores no governo Jair Bolsonaro, que consideram as recentes publicações de Ernesto um empecilho para a guinada pragmática que França tenta empreender na chancelaria.

No feriado de 1º de maio, Ernesto afirmou que a partir do ano passado, com a pandemia, uma "reação do sistema" começou a "desmantelar" esperanças geradas com a eleição do presidente Bolsonaro em 2018.

"Hoje o povo brasileiro tem a oportunidade de recuperar sua esperança, ao pedir ao presidente Bolsonaro simplesmente que ele volte a ser o presidente eleito em 2018, aquele que prometeu derrotar o sistema, o líder de uma transformação histórica e constitucional, o portador de uma missão", escreveu.

Mas antes disso Ernesto já havia feito manifestações que deixam evidente sua discordância com França, criando no Itamaraty uma situação inusitada: a de um ex-chanceler que, mesmo permanecendo na ativa na carreira, alfineta a atual gestão.

Em uma sequência de publicações em que se defendeu das acusações de que era um empecilho para a obtenção de vacinas, Ernesto disse em 17 de abril que a situação do Brasil no tema “não mudou” desde que deixou o cargo. “Ou mesmo em alguns casos sofreu adiamentos depois disso. Dificuldades seguem no mundo todo. Minha atuação não foi empecilho para nada.”

Ele também destacou que até aquele dia, desde que deixara o cargo, não tinham chegado ao Brasil novas vacinas. E atribuiu sua queda à "armação de uma falsa narrativa" para tirar o ministério das Relações Exteriores de um projeto que, segundo ele, era transformador.

Dez dias depois, em uma sequência de tuítes sobre Mercosul, Ernesto afirmou que um de seus objetivos foi resgatar o “sentimento da liberdade” nas discussões internacionais, mas sugeriu que essa meta foi abandonada.

“O mundo deixou que a ideia e o sentimento da liberdade fossem excluídos do centro das discussões internacionais. O Brasil agora quer ajudar a corrigir isso, em nível global ou regional. E o Mercosul pode fazer parte deste novo mundo com a liberdade em seu centro”, escreveu.

Ernesto é um diplomata da ativa e em tese não poderia emitir opiniões pessoais sobre a condução da política externa brasileira sem autorização.

Mas interlocutores ouvidos pela Folha opinam que França, mesmo que incomodado, não tem condições políticas de repreender seu subordinado.

Isso porque Ernesto ainda conta com apoio de Bolsonaro e do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente.

Em discursos recentes, por exemplo, Bolsonaro fez questão de elogiar o ex-ministro.

A avaliação entre diplomatas é que Ernesto, alçado à posição de ídolo de movimentos conservadores e do núcleo duro do bolsonarismo, está se preparando para a disputa de um cargo eletivo no Legislativo.

Ainda de acordo com diplomatas, trata-se de uma das poucas opções do ex-ministro, uma vez que ele deixou o comando do Itamaraty sob um intenso desgaste com o Congresso. Nesse quadro, é improvável que ele consiga aval do Senado para assumir alguma embaixada no exterior, ao menos no curto prazo.

Ernesto não é o único que tenta, através das redes sociais, manter a chama do bolsonarismo viva no Itamaraty.

Recentemente, Eduardo Bolsonaro elogiou no Twitter o movimento encampado pelo presidente de El Salvador, Nayib Bukele, pelo qual o Congresso do país destituiu cinco juízes que compõem o Tribunal Constitucional, além do procurador-geral.

Bukele “tem maioria dos parlamentares em seu apoio”, escreveu Eduardo. “Agora, o Congresso destituiu todos os ministros da suprema corte por interferirem no Executivo, tudo constitucional. Juízes julgam casos, se quiserem ditar políticas que saiam às ruas para se elegerem.”

https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2021/05/nas-redes-ernesto-mina-trabalho-de-novo-chanceler-e-tenta-manter-influencia-ideologica-no-itamaraty.shtml