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domingo, 11 de novembro de 2018

Como será a política externa do governo Bolsonaro - Fernando Martins (Gazeta do Povo)

Como será a política externa do governo Bolsonaro 

Fernando Martins

Gazeta do Povo, 11/11/2018

Esvaziamento do Mercosul e de outros blocos “ideológicos” de nações do qual os brasileiros fazem parte dos planos de Jair Bolsonaro para a política externa. | Mauro Pimentel/AFP
Pressão intensa e até mesmo guerra, se for necessário, para derrubar a ditadura de Nicolás Maduro na Venezuela. Rompimento de relações diplomáticas com Cuba. Forte alinhamento com os Estados Unidos e outros países comandados por conservadores, como Israel e Itália. Extradição de Cesare Battisti. Briga com a China para que ela não “compre o Brasil, mas compre no Brasil”. Esvaziamento do Mercosul e de outros blocos “ideológicos” de nações do qual os brasileiros fazem parte. Mudança da Argentina pelo Chile como parceiro preferencial na América do Sul. Abertura comercial ampla.
Durante a campanha eleitoral e até mesmos nos primeiros dias pós-eleições, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) e seus aliados deram a entender que o Brasil dará uma profunda guinada em sua política externa a partir de 2019. Especialistas em relações internacionais dizem que ainda é cedo para saber exatamente como será a diplomacia brasileira sob o comando de Bolsonaro. Mas eles acreditam que uma mudança muito profunda dificilmente vai acontecer. A possibilidade de o país dar um cavalo de pau na cena mundial tende a ser freada pelo risco de haver prejuízo para os interesses nacionais. 
Ou seja, a realidade da geopolítica vai se impor sobre o discurso do presidente eleito. “O Brasil não são os Estados Unidos e o Bolsonaro não é o Trump”, explica Giorgio Romano, professor de relações internacionais da Universidade Federal do ABC (UFABC). A nação norte-americana é uma superpotência militar e econômica com instrumentos para impor suas vontades – algo que não está disponível ao Brasil.
Bolsonaro, aliás, parece já ter tomado um choque de realidade ao anunciar que escolherá um profissional do ramo para o Itamaraty. O futuro ministro das Relações Exteriores será um diplomata de carreira .
Giorgio Romano lembra ainda que Bolsonaro, na campanha, buscou se contrapor à política externa do PT. Mas o governo de Michel Temer (MDB) já havia promovido mudanças em relação à diplomacia das gestões petistas, adotando uma visão mais pragmática. Com Temer na Presidência, o Brasil se distanciou da Venezuela, aproximou-se dos Estados Unidos e promoveu uma abertura ao capital externo – caso da permissão para que empresas estrangeiras explorem o pré-sal sem estarem subordinadas à Petrobras. A aproximação com países do Pacífico, como o Chile, tampouco é exatamente uma novidade na agenda brasileira.
O professor da UFABC aposta que Bolsonaro tende a manter as linhas gerais das relações exteriores do governo atual. Mas, para ele, haverá mudança no estilo da diplomacia presidencial: “A diferença entre o Temer e o Bolsonaro é que o Bolsonaro vai cacarejar antes de colocar o ovo”. Ou seja, o presidente eleito tende a ser mais “falastrão” que o antecessor.
Além de falar mais, o país também tende a ser mais falado no mundo. Para o professor de relações internacionais Argemiro Procópio, da Universidade de Brasília (UnB), o alinhamento do governo Bolsonaro com os Estados Unidos, se efetivamente ocorrer, vai dar mais visibilidade internacional ao Brasil, o que não necessariamente será bom. “Falem bem ou falem mal, mas falem de mim”, resume Procópio.

Especialista diz que país precisa recuperar imagem desgastada

Contudo, Alberto Pfeifer, coordenador do grupo de análise da conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP), acredita que o Brasil teria de caminhar justamente na direção de ser “bem falado” no mundo. Segundo ele, a imagem internacional do país está muito desgastada devido aos escândalos de corrupção, ao impeachment de Dilma Rousseff (visto por parte da opinião pública internacional como um “golpe”), à prisão de Lula (interpretada como injusta pela mesma parte da opinião pública externa) e pela própria imagem de Bolsonaro, mostrado no exterior como autoritário, machista, homofóbico, fascista.
Pfeifer aposta ainda que a política externa do governo Bolsonaro vai estar sujeita à agenda econômica: será mais um instrumento para promover o crescimento. E isso tende a ser feito por meio da abertura comercial.
Mas a política de livre comércio internacional também pode esbarrar nas circunstâncias internas. “Bolsonaro vai ter de superar a resistência da Fiesp [a Federação da Indústria do Estado de São Paulo]”, diz Giorgio Romano, professor de relações internacionais da UFABC. Ele alerta que uma abertura comercial unilateral traz o risco de quebrar o que sobrou da indústria brasileira – daí a possível resistência da Fiesp, a principal organização industrial do país.

Venezuela: guerra de palavras não deve virar guerra de fato

O caso da Venezuela é emblemático para mostrar como o discurso de campanha de Bolsonaro pode ser bem diferente do que vai acontecer na prática. 
A ditadura bolivariana de Nicolás Maduro foi usada na propaganda eleitoral de Bolsonaro como exemplo do que o Brasil se transformaria se o PT vencesse a disputa. A retórica pesada, associada a outros fatores, leva muita gente a acreditar que o presidente eleito pode até mesmo declarar guerra se for necessário para tirar Maduro do poder.
Filho do presidente eleito, o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), pouco antes do primeiro turno, em uma manifestação a favor de seu pai, em 30 de setembro, sugeriu que o Brasil invadisse a Venezuela para depor a ditadura bolivariana. “O general [Hamilton] Mourão [vice de Bolsonaro] já falou: a próxima operação de paz do Brasil será na Venezuela. O melhor para a crise imigratória que nós vivemos é a saída de Maduro do poder”, disse. 
Não era bem o que Mourão havia dito. Ele apenas havia afirmado que, se a ONU decidisse realizar uma operação de paz na Venezuela, o Brasil poderia participar – descartando a invasão militar pura e simples. O próprio Bolsonaro, pouco antes do segundo turno, disse não querer guerrear com a Venezuela. Ainda assim, o discurso do filho do então candidato serviu para inflamar os eleitores antipetistas. 
A declaração juntou-se a outros fatores que alimentaram a ideia de que, com Bolsonaro no Planalto, haverá a possibilidade de o Brasil compor uma coalização internacional para depor Maduro. Trump – a quem Bolsonaro admira e tenta se aproximar – afirmou publicamente em agosto de 2017 que cogitava a “opção militar” para lidar com o caso venezuelano. O presidente americano também teria conversado com os atuais presidentes do Brasil e da Colômbia sobre o assunto – o que foi negado pelo Planalto.
No dia 29 de outubro, logo após o segundo turno, a Folha de S.Paulo publicou reportagem em que afirma que fontes do governo colombiano diziam que o país estaria disposto a apoiar uma intervenção militar na Venezuela encabeçada pelo Brasil. A Colômbia negou a informação. E um dos principais braços-direitos de Bolsonaro, o general Augusto Heleno, também. “Isso contraria os princípios das nossas relações exteriores. Nós temos como preceito fundamental a não ingerência (...) em assuntos internos de outros países”, disse Heleno.

“O Brasil não vai cometer o suicídio de se meter numa brincadeira armada na Venezuela”

Rumor ou não, o fato é que uma guerra com os venezuelanos seria muito custosa ao país, o que tende a esfriar qualquer ânimo nesse sentido. “O Brasil não vai cometer o suicídio de se meter numa brincadeira armada na Venezuela”, diz Argemiro Procópio. “Eles podem não ter comida nos supermercados; mas têm muita bala”, complementa o professor, lembrando que a Venezuela dispõe de Forças Armadas bem aparelhadas, com equipamentos modernos comprados da Rússia, China e Europa.
Procópio afirma que há outras condições limitantes para uma ação brasileira mais radical em relação à Venezuela. O estado de Roraima não está interligado ao sistema elétrico brasileiro e depende de energia venezuelana. E há grandes empresas brasileiras com negócios no país vizinho, que seriam prejudicados num rompimento radical de relações. “O pragmatismo tende a falar mais alto”, diz.
Isso não significa, contudo, que o governo Bolsonaro não terá uma atitude diplomática dura em relação à Venezuela. Até mesmo porque o Brasil vem sendo afetado diretamente pela crise humanitária na nação vizinha, recebendo grandes levas de refugiados. Isso traz uma série de problemas como segurança, custos de acomodação, deslocamento, saúde.
“O presidente eleito provavelmente apoiará sanções e medidas mais rigorosas para conter o fluxo de refugiados venezuelanos para o Brasil”, escreveu o analista norte-americano Kevin Allison no relatório Signal do último dia 31, publicação de relações internacionais do Eurasia Group.
Para Giorgio Romano, a relação Brasil-Venezuela vai para a geladeira no governo Bolsonaro. Coordenador do grupo de análise da conjuntura internacional da Universidade de São Paulo (USP), Alberto Pfeifer acredita que é possível que haja um alinhamento diplomático do Brasil sob Bolsonaro com a Colômbia para pressionar a Venezuela. Os colombianos também estão recebendo milhares de imigrantes venezuelanos – aliás, muito mais refugiados do que o Brasil.

Estados Unidos: Trump pode ser ‘amigo’ de Bolsonaro, mas negócios à parte

Bolsonaro tem proximidade ideológica com Donald Trump. Ambos são conservadores e de direita. Argemiro Procópio lembra que o americano foi um dos primeiros chefes de Estado a telefonar para cumprimentar Bolsonaro após ele vencer o segundo turno. “Isso é significativo.”
Alberto Pfeifer destaca que a inclinação pró-norte-americana de Bolsonaro ocorre também do ponto de vista pragmático. Os Estados Unidos, afinal, são um parceiro fundamental no comércio, investimentos, transferência de tecnologia. E os brasileiros têm interesse em ampliar essa relação. 
Contudo, Giorgio Romano pondera que a proximidade ideológica entre Bolsonaro e Trump não terá influência nas negociações comerciais quando os interesses dos dois países se chocarem. “Todo amor que o Bolsonaro quer dar aos Estados Unidos não vai ter reciprocidade”, aposta Romano.
Trump vem adotando uma política econômica nacionalista, de proteção da indústria local, que contraria os interesses brasileiros. No fim de setembro, o norte-americano indicou que vai endurecer o jogo comercial com o Brasil. Disse que o país trata as empresas dos Estados Unidos “injustamente” e que esse comércio é “o mais difícil do mundo”. Trump também já havia fixado cotas para a importação de aço brasileiro.

Mercosul e América Latina: além do comércio, Brasil tem outros interesses que vão impedir mudanças profundas 

Logo após Bolsonaro ter sido eleito presidente, o futuro ministro da Economia, Paulo Guedes, afirmou que a Argentina e o Mercosul “não são prioridade”. Segundo ele, o bloco tornou o Brasil “prisioneiro de alianças ideológicas”. O anúncio de que o Chile será o primeiro país que o presidente eleito vai visitar após a posse também reforçou a percepção de que haverá um esvaziamento do Mercosul (bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai, Paraguai e a hoje suspensa Venezuela). O objetivo seria priorizar o comércio com outros países vizinhos.
Alberto Pfeifer admite que o Mercosul tem problemas e precisa se modernizar. Mas ele acredita que o futuro ministro da Economia desconhece todas as atribuições do bloco. “O que o Paulo Guedes fala de política externa não vale um vintém”, diz. Pfeifer lembra que o Mercosul não é apenas uma união comercial. Os países têm fronteiras e outras questões em comum que são de interesse do Brasil: circulação de cidadãos, tráfico de armas e drogas, vigilância sanitária. 
Argemiro Procópio, contudo, diz que Guedes pecou pela sinceridade. “Às vezes o Mercosul é mais ficção do que realidade.” Procópio diz que o bloco é um grande exportador de commodities agrícolas, essencial para garantir a segurança alimentar mundial. Portanto, teria de ter mais peso. “O Mercosul é uma bela onça que mia como um gato.”
Por isso, Procópio vê o bloco como uma oportunidade para o Brasil. Até mesmo porque há um alinhamento de direita com os governos da Argentina e do Paraguai para promover mudanças mais liberais no Mercosul.
Pfeifer avalia ainda que a Argentina não deixará de ser importante para o país. “A Argentina é grande compradora de manufaturados do Brasil; não é interessante mudar isso.” Ele também acredita que o Brasil pode ampliar a aproximação, que já está ocorrendo, do Mercosul com nações como o Chile, Colômbia e Peru (países que fazem parte da Aliança do Pacífico junto com o México).
Giorgio Romano diz que não é estratégico para o Brasil abrir mão de blocos com os quais pode vir a ter mais peso em negociações internacionais. A partir do ano que vem, aliás, o Brasil vai presidir o Mercosul, a Unasul (União de Nações Sul-Americanas) e os Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Cuba é uma incógnita: Bolsonaro diz que pode cortar relações

Na América Latina, há ainda outra incógnita: a relação com Cuba. A ilha comunista, assim como a Venezuela, foi outro país usado na campanha de Bolsonaro para dizer o que aconteceria com o Brasil se o PT vencesse. Após ser eleito, ele disse que poderia cortar relações diplomáticas com o país por desrespeitos aos direitos humanos dos cubanos. Mas o presidente eleito deixou aberta a possibilidade de não fazer isso.

China: Brasil vai perder muito se desafiar seu maior parceiro comercial

Bolsonaro passou a campanha dando a entender que entraria numa briga com a China se fosse eleito. Afirmou que não quer que os chineses “comprem o Brasil, mas comprem no Brasil” – referindo-se a sua rejeição a que os estrangeiros adquiram terras e estatais brasileiras, que pretende privatizar. Além disso, em março ele visitou Taiwan – o que teria irritado a China, considera que esse não é um país independente, mas uma província rebelde.
Pequim esperou a eleição passar para dar uma resposta. E ela foi incisiva. Editorial do China Daily, o principal jornal do governo chinês em língua inglesa, advertiu Bolsonaro. Disse que suas críticas ao país asiático podem “servir para algum objetivo político específico (...), mas o custo econômico pode ser duro para a economia brasileira, que acaba de sair de sua pior recessão da história”. “Ainda que Bolsonaro tenha imitado o presidente dos Estados Unidos ao ser verbalmente ultrajante para captar a imaginação dos eleitores, não existe razão para que ele copie as políticas de Trump [que adotou medidas protecionistas contra a China]”, prossegue o editorial.
A pressão diplomática também foi feita pessoalmente. Na última segunda-feira (5), Bolsonaro recebeu uma comitiva de empresários chineses encabeçada pelo embaixador da China no Brasil, Li Jinzhang. O embaixador saiu sem dar declarações.
A posição do presidente eleito sobre a China foi alvo de manifestação inclusive do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Se formos por esse caminho, vamos levar o Brasil para uma posição como se fosse os Estados Unidos, mas sem ser os Estados Unidos. Nós não temos esta possibilidade. A China é nosso maior parceiro comercial e, se o Brasil tomar certas medidas, eles vão reagir”, disse FHC. 
Os analistas de política internacional concordam. “O pragmatismo vai falar mais alto; Bolsonaro vai perceber que precisa tratar bem seu principal parceiro comercial”, diz Alberto Pfeifer. Giorgio Romano lembra que Bolsonaro tem apoio dos produtores rurais, que dependem do mercado chinês: “O agronegócio vai pedir para ele baixar a bola”.

Israel: a grande mudança de fato, mas que também esbarra em interesses comerciais

A aproximação do Brasil com Israel talvez seja a principal mudança de fato na diplomacia brasileira no governo Bolsonaro. Especialmente porque Bolsonaro dá sinais de que essa aliança se dará na mesma medida em que haveria um esfriamento das relações com a Palestina.
A intenção do presidente eleito de mudar a embaixada brasileira em Israel de Tel Aviv para Jerusalém, seguindo o exemplo dos Estados Unidos, é emblemática nesse sentido. Trata-se do reconhecimento de que a cidade sagrada é a capital dos israelenses. Isso não é aceito pelos palestinos e pelo mundo árabe em geral, que também reivindicam Jerusalém como sua capital. 
Na prática, o gesto de Bolsonaro dá respaldo internacional à política do atual primeiro-ministro de Israel, o conservador Benyamin Netanyahu, que congelou as negociações para a formação de dois Estados no atual território israelense: a Palestina e Israel. Netanyahu inclusive planeja comparecer à posse de Bolsonaro, numa visita que seria inédita de um premiê israelense ao Brasil.
Giorgio Romano afirma, se isso ocorrer, o Brasil rompe com a tradição histórica da diplomacia brasileira, que sempre apoiou a existência dos dois Estados. “É bastante drástico.” A mudança da embaixada, segundo ele, pode ter efeitos ruins e bons para o Brasil.
Do lado positivo, Romano diz que o Brasil pode firmar uma aliança estratégica com Israel, um país com alta tecnologia militar, de irrigação, de informação. Argemiro Procópio concorda. Segundo ele, Israel é um país boicotado no cenário internacional e essa proximidade poderia render bons frutos ao Brasil .
Contudo, há riscos. O principal é a ameaça de que países árabes promovam uma retaliação deixando de comprar produtos brasileiros – sobretudo frango e carne. O mundo árabe, aliás, é um dos principais mercados da indústria de carne brasileira – o que pode fazer com que haja pressão externa e interna sobre Bolsonaro para que ele desista da ideia de mudar a embaixada. 
Autoridades palestinas já criticaram a intenção de Bolsonaro. E o governo egípcio foi o primeiro aliado da Palestina a dar um sinal diplomático de seu descontentamento com a questão da embaixada. Desmarcou em cima da hora a visita que o ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, faria ao Egito entre os dias 8 e 11 deste mês. Oficialmente, foi um problema de agenda. Mas, nos meios diplomáticos, o gesto foi visto como um recado.
Bolsonaro parece ter percebido os riscos de mudar a embaixada. Recentemente, vem dizendo que ainda não bateu o martelo sobre o assunto.

Itália: Battisti pode ser um símbolo de aproximação, mas jogo comercial será duro

A Itália tende a ser a “ponte” de Bolsonaro com a Europa. É um país com o qual ele pretende se aproximar em função de um alinhamento ideológico de direita entre o presidente eleito com o do atual governo italiano. 
A extradição do terrorista italiano Cesare Battisti, mantido no Brasil por decisão do ex-presidente Lula, seria um gesto simbólico nessa direção. Bolsonaro já anunciou que, se o Supremo Tribunal Federal autorizar, vai enviá-lo à Itália, onde Battisti foi condenado pelo assassinato de quatro pessoas. 
Mas a possível aliança Brasil-Itália, do mesmo modo que ocorre com a aproximação com os Estados Unidos, pode esbarrar nos interesses econômicos divergentes dos dois países. O professor Giorgio Romano afirma que a direita italiana é nacionalista e o governo italiano vem buscando privilegiar as empresas do país – o que seria uma dificuldade para um comércio mais amplo entre as duas nações.

Meio ambiente será fator de pressão externa sobre o Brasil

A questão ambiental será um fator de pressão internacional sobre o futuro governo brasileiro. “Bolsonaro é um cético da mudança climática. E, embora tenha recuado de promessas anteriores de tirar o Brasil do Acordo Climático de Paris (...), ele prometeu facilitar as exigências de licenciamento ambiental para projetos de infraestrutura. (...) Não está claro o quanto isso afetaria o já acelerado desmatamento da Amazônia, mas ativistas ambientais estão preocupados”, escreveu o analista norte-americano Kevin Allison, num relatório do Eurasia Group.
Isso pode virar motivo de pressão internacional sobre o Brasil, inclusive com retaliações comerciais. Por exemplo: a fusão dos ministérios da Agricultura e Meio Ambiente, que ainda não foi decidida nem completamente descartada, já foi alvo de críticas de fora do país, além das internas.
O professor Argemiro Procópio, da UnB, avalia que Bolsonaro pode até mesmo resgatar a Organização do Tratado de Cooperação Amazônica (OTCE) para responder às críticas ambientais que possivelmente sofrerá. Procópio diz que a OTCE, que reúne os países amazônicos, foi usada por muito tempo como fórum de defesa dessas nações contra a pressão internacional sobre a Amazônia.

sexta-feira, 3 de agosto de 2018

Liberdades econômicas no mundo - Rodrigo Constantino

Gazeta do Povo lança Índice de Liberdade Econômica, melhor mapa para entender como tornar o Brasil uma nação rica

O Índice de Liberdade Econômica, calculado pela Heritage Foundation, é o mais tradicional indicador que mede o grau de capitalismo dos países. Há anos ele é utilizado no mundo todo como o melhor parâmetro para avaliar se um país tem ou não o que se pode chamar de economia livre.
E a correlação entre esse indicador e outros que medem qualidade de vida da população, riqueza e desenvolvimento humano, além de corrupção, é enorme e uma com elo causal: a liberdade econômica causa a riqueza, os avanços sociais e maior transparência.
Esse índice era publicado no Brasil pelo Instituto Liberdade, de Porto Alegre, e a Gazeta do Povo marca um golaço ao assumir sua publicação agora, provando seu compromisso com os valores da liberdade e do progresso. Entender os itens desse índice é a melhor forma de compreender as mazelas nacionais, assim como o que deve ser feito para finalmente colocar o Brasil na rota do crescimento.
O Brasil petista despencou no ranking, mostrando como caminhamos na direção do socialismo sob Lula e Dilma. A Venezuela já virou socialista de vez, e os resultados desastrosos estão aí para todos verem – menos os cegos ideológicos. Uma economia controlada pelo estado, fechada, com muita regulação e impostos é a receita mais segura para a catástrofe econômica e social de uma nação. E somos um patinho feio, um ótimo aluno marxista, ostentando a vergonhosa 153a posição no ranking:
Para sermos apenas medíocres ainda precisamos melhorar muito. Não temos direito de propriedade garantido, e basta pensar nos invasores do MST ou nas favelas sem título de propriedade. Os gastos do governo são altos demais, a carga tributária é muito elevada e complexa, a saúde fiscal é péssima, com rombo de quase R$ 200 bilhões por ano. O judiciário é lento, as leis são arbitrárias, nem o passado é certo. O protecionismo é grande e afasta o país da globalização. As leis trabalhistas são inspiradas no fascismo marxista de Mussolini e Vargas, com amplo poder sindical. O setor financeiro é concentrado demais, com muita barreira à entrada.
Enfim, o “neoliberalismo” é o fantasma da mitologia canhota inventado como bode expiatório para os males produzidos pelo excesso de estado. Só há duas saídas para o Brasil: aeroportos ou liberalismo! Nosso podcast Ideias desta semana foi justamente sobre esse relevante tema:
Estamos em ano de eleições. Cobre dos seus candidatos uma postura sobre esses pontos. Só vote em quem estiver comprometido com o avanço da liberdade econômica, quem tiver noção de que o caminho para a prosperidade passa inexoravelmente pela redução do estado e de seu intervencionismo. Pregar maior controle estatal é impedir nosso avanço, asfixiar aqueles que criam riquezas, manter as amarras que sufocam o Brasil. Chega de tanto estado! Vamos dar uma chance à liberdade…
Rodrigo Constantino

quarta-feira, 20 de junho de 2018

Miseria da universidade brasileira: tem remedio? - Artigo de Dennys Garcia Xavier (Gazeta do Povo)

Golpe? É hora do “contragolpe” nas universidades brasileiras


Querem falar sobre impeachment, sobre liberdade ou ciência? Ótimo, é mesmo preciso. Que não seja, entretanto, sob a égide da foice e do martelo balançando sobre nossas cabeças

Dennys Garcia Xavier 
Gazeta do Povo, 20/06/2018

Há vida inteligente dentro da Universidade brasileira e ela está farta de se submeter. Nossa história acadêmica não é muito diversa daquela verificada em outras instâncias dependentes da “arquitetônica do jeitinho”, própria da Zumbilândia chamada Brasil. 
Nos esportes, por exemplo, acontece de modo quase idêntico: não produzimos boa qualidade em série ou de forma sistemática – sequer em quantidade risível – e, então, na maioria das vezes, dependemos de talentos individuais/abnegados que surgem, aqui e ali, também como exceções que confirmam a regra da nossa reconhecida incompetência. 
No mundo das Instituições de Ensino Superior, o tal “curso sobre o golpe”, multiplicado pelas Universidades tupiniquins na velocidade que só a sua mediocridade permitiria, não poderia ficar sem resposta. Resolvemos agir (e não apenas neste caso). 
“Oras, mas não se pode oferecer livremente um curso sobre o tal ‘golpe’, mesmo com clara intenção ideológico-partidária, dentro de uma Universidade?”, alguém poderia justamente perguntar. Claro que pode, responderia eu, mas talvez não deva, especialmente diante de um quadro geral que coloca nosso sistema de ensino entre os piores do mundo, acompanhado de países miseráveis, alguns dos quais em guerra civil declarada. 
É preciso superar a fase do medo de reputações manchadas pelo submundo universitário, das ameaças patrocinadas por colegas, da perseguição sorrateira no interior dos Departamentos e Faculdades. É preciso avançar, mesmo com o inevitável sacrifício pessoal naturalmente derivado do combate a práticas políticas que nos arrastam progressivamente para a periferia da produção científica no mundo. Somos uma pátria de analfabetos/analfabetos funcionais. E a Universidade tem enorme parcela de culpa nesta história. É preciso mudar com máximo senso de urgência. 
A UniLivres, organização de alunos e professores que tem como principal objetivo exatamente a luta pela liberdade dentro das Instituições de Ensino Superior do país, oferece alternativa. Querem falar sobre impeachment, sobre liberdade ou ciência? Ótimo, é mesmo preciso. Que não seja, entretanto, sob a égide da foice e do martelo balançando sobre nossas cabeças. 
Eis aqui proposta concreta: curso de extensão “Democracia e Liberdade em tempos de crise - impeachment e ciência na Universidade brasileira”. Conteúdo ministrado gratuitamente, via WEB, por cinco professores universitários distantes do universo das utopias coletivistas, obtusas e castradoras que nos levaram a fracasso inequívoco. 
Estamos falando de atividade suprapartidária, de abordagem técnica, com bibliografia que não inclui, por exemplo, blogs patrocinados por vassalos de correntes políticas comprometidos com valores dificilmente confessáveis, mas sobremaneira explícitos nas trincheiras sindicais ideologicamente aparelhadas. São cinco módulos de formação, com, em média, uma hora cada, sobre Educação (Profa. Anamaria Camargo), Literatura (Profa. Fernanda Sylvestre), Filosofia (com o autor deste texto), Economia (Prof. Ubiratan Jorge Iorio) e Direito (Profa. Janaína Paschoal). 
Inscrita ou não, qualquer pessoa pode assistir às aulas pela página da UniLivres no Facebook ou pelo  YouTube
A importância de tais iniciativas? Bem, os fatos falam por si com eloquência. 
Há tempos a Universidade brasileira virou as costas para a sociedade que a mantém. Há uma série de fatores que explicam o fenômeno, sem, entretanto, justificá-lo minimamente. 
Em primeiro lugar, a estrutura pensada para as Instituições Públicas de Ensino Superior é o que poderíamos denominar “entrópica”. Com isso quero dizer que passam mais tempo a consumir energia para se manter em operação do que a fornecer, como contrapartida pensada para a sua existência, efetivo aperfeiçoamento na vida das pessoas comuns, coagidas a bancá-las por força de imposição estatal. 
Insisto para evitar mal-entendidos: não desconsidero as contribuições pontuais e louváveis que a custo conseguimos divisar no interior das IPES. No entanto, não é esse o seu arcabouço procedimental de sustentação. Os exemplos de desprezo pelo espírito republicano e pelo real interesse da nação se multiplicam quase que ao infinito: Universidades e cursos abertos sem critério objetivo de retorno, bolsas e benefícios distribuídos segundo regras pouco claras – muitas vezes contaminadas por jogos internos de poder político –, concursos e processos seletivos pensados “ad hoc” para contemplar interesses subjetivos e pouco nobres entre outros. Em texto que contou com grande repercussão nacional, o Prof. Paulo Roberto de Almeida esclarece o que aqui alego: 
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Não é segredo para ninguém que as IPES funcionam em bases razoavelmente “privadas” – isto é, são reservadas essencialmente para uma clientela relativamente rica (classes A, B+, BB, e um pouco B-, com alguns merecedores representantes da classe C), que se apropria dos impostos daqueles que nunca terão seus filhos nesses templos da benemerência pública. Na verdade, essa clientela é a parte menos importante do grande show da universidade pública, que vive basicamente para si mesma, numa confirmação plena do velho adágio da “torre de marfim”. Não se trata exatamente de marfim, e sim de uma redoma auto e retroalimentada pela sua própria transpiração, com alguma inspiração (mas não exatamente nas humanidades e ciências sociais). A Capes e o CNPq, ademais do próprio MEC, asseguram uma confortável manutenção dos aparelhos que mantém esse corpo quase inerme em respiração assistida, ainda que com falhas de assistência técnica, por carência eventual de soro financeiro. 
Nessa estrutura relativamente autista, a definição das matérias, disciplinas e linhas de pesquisa a serem oferecidas a essa distinta clientela não depende do que essa clientela pensa ou deseja, e sim da vontade unilateral dos próprios guardiães do templo, ou seja, os professores, inamovíveis desde o concurso inicial, independentemente da produção subsequente. A UNE, os diretórios estudantis, os avaliadores do Estado, os financiadores intermediários (planejamento, Congresso, órgãos de controle) e últimos de toda essa arquitetura educacional (isto é, toda a sociedade) e, sobretudo os alunos, não possuem nenhum poder na definição da grade curricular, no estabelecimento dos horários, na determinação dos conteúdos, na escolha da bibliografia, no seguimento do curso, enfim, no desenvolvimento do aprendizado, na empregabilidade futura da “clientela”, que fica entregue à sua própria sorte. Sucessos e fracasso são mero detalhe nesse itinerário autocentrado, que não cabe aos professores, às IPES, ao MEC responder pelos resultados obtidos (ou não), que de resto são, também, uma parte relativamente desimportante de todo o processo . 
Jamais questione, portanto, pelos motivos expostos, os tantos “gênios” produzidos e alimentados pela academia brasileira. No geral, pensam ser nada mais do que uma obviedade ter alguém para sustentar suas aventuras autoproclamadas científicas, os seus exercícios retóricos de subsistência e seu esforço em fazer parecer importante aquilo que, de fato, especialmente em um país pobre e desvalido, não tem qualquer importância (e me refiro com ênfase distintiva aos profissionais das áreas de Humanidades). Tem razão, portanto, Raymond Aron quando diz: 
Quando se trata de seus interesses profissionais, os sindicatos de médicos, professores ou escritores não reivindicam em estilo muito diferente do dos sindicatos operários. Os quadros defendem a hierarquia, os diretores executivos da indústria frequentemente se opõem aos capitalistas e aos banqueiros. Os intelectuais que trabalham no setor público consideram excessivos os recursos dados a outras categorias sociais. Empregados do Estado, com salários prefixados, eles tendem a condenar a ambição do lucro . 
Estamos evidentemente diante do renascimento do acadêmico egghead ou “cabeça de ovo”, segundo roupagem brasileira, naturalmente. Indivíduo com equivocadas pretensões intelectuais, frequentemente professor ou protegido de um professor, marcado por indisfarçável superficialidade. Arrogante e afetado, cheio de vaidade e de desprezo pela experiência daqueles mais sensatos e mais capazes, essencialmente confuso na sua maneira de pensar, mergulhado em uma mistura de sentimentalismo e evangelismo violento. O quadro, realmente, não é dos mais animadores. 
Depois, vale ressaltar outro elemento que configura o desprezo do mundo das IPES pela sociedade. A promiscuidade das relações de poder que se formam dentro dela, sem critério de competência, eficiência ou inteligência, o que a tornam problema a ser resolvido, em vez de elemento de resolução de problemas. Talvez esse seja um dos mais graves entraves a ser enfrentado no âmbito da educação brasileira de nível superior: seu compromisso ideológico com o erro, com o que evidentemente não funciona, com uma cegueira volitiva autoimposta que a impede de enxergar o fundamento de tudo o que é: a realidade, concreta, dura, muitas vezes injusta, mas...a realidade. Trata-se de uma máquina que se retroalimenta com sua própria falência e que, por isso mesmo, atingiu estágio no qual pensar a si mesma, se reinventar, é quase um exercício criativo de ficção. 
Certo, não podemos abrir mão de ciência de alto nível, de vanguarda, de um olhar ousado para o futuro. Isso seria reduzir a Universidade a uma existência “utilitária” no pior sentido do termo: e não é disso que estou falando nesta sede. 
Digo mais simplesmente que é passado o momento de darmos resposta a anseios legítimos da população, à necessidade de instruirmos com ferramentas sérias e comprometidas uma massa humana completamente alijada de conteúdos muitas vezes basilares, elementares, que permeiam a sua existência. 
O momento, não obstante complexo, é propício. Parte da Universidade brasileira parece querer acordar do “sono dogmático” que a deixou inerte diante do diferente nas últimas décadas. Seria mesmo inevitável.

Contexto atual

Vivemos período histórico particularmente afetado pelo bullshit. E, na condição de estudiosos, nos cabe mínima compreensão articulada do fenômeno de proporções evidentemente brutais. É a época da “pós-verdade” (post-truth). O termo foi escolhido em 2016 pelo Departamento Oxford Dictionaries daquela Universidade como a palavra do ano, em referência a substantivo que relaciona ou denota circunstâncias nas quais fatos objetivos têm menos influência em moldar a opinião geral do que apelos à emoção e a crenças pessoais. 
Segundo a Oxford Dictionaries, o termo “post-truth” foi usado com aquela inflexão semântica pela primeira vez em 1992, pelo dramaturgo sérvio-americano Steve Tesich. Apesar de uso razoavelmente corrente desde sua criação, a palavra registrou um pico de uso em tempos recentes, algo em torno dos 2.000% de aumento em 2016. 
A informação dá bem a medida do drama que enfrentamos atualmente. Para aquele Departamento, pós-verdade deixou de ser termo periférico para se tornar central no comentário político, agora frequentemente usado por grandes publicações sem ulterior necessidade de esclarecimento ou definição: um fenômeno que por certo não se verifica apenas em âmbito de macroesfera, mas também em microesfera, vale dizer, em relações pessoais e profissionais subjetivas e de menor visibilidade, igualmente importantes na composição geral do fenômeno bullshit no mundo de hoje. 
Eis que as consequências dessa nova forma de ideologismo se mostram nefastas enquanto transformam praticamente todas as expressões do espírito humano em formas diversas de ideologias, quase sempre contaminadas pelo desprezo da busca pela verdade, ao menos enquanto pode ser alcançada/desejada pelo homem, e, então, pelas causas que subjazem as coisas e os fenômenos. A esse propósito, diz Edgar Morin: 
As ideologias têm uma expectativa de vida superior à dos homens. Elas são mais biodegradáveis do que os deuses, mas algumas podem viver até por vários séculos. As que se definem “científicas” e garantem que sabem realizar na Terra sua promessa de Salvação (...) mostram-se em toda a sua fragilidade após a vitória, que assinala, ao mesmo tempo, sua falência . 
Se os fatos são obstinados, as ideias os esmagam com mais frequência do que o contrário. Estamos diante de uma forma de fé latente, abraçada por alguns como reflexo inequívoco da verdade e apresentada por outros (pelos ideólogos) como aquilo que se deve aceitar como verdadeiro, acreditem eles ou não no que convidam a conhecer. 
Essa é uma lição da qual simplesmente não devemos nos esquecer. A realidade não é um bloco monolítico, cujos problemas podem ser resolvidos com receita ingênua e engessada. A velha estrutura argumentativa “aut... aut...” (”ou isso... ou aquilo...”) – cuja gênese remonta à lógica aristotélica, mas que foi erroneamente aplicada a quase tudo no mundo da ciência pós-cartesiano – deve ser substituída por aquela “et... et...” (“e isso... e aquilo...”), mais rica, não redutiva e nada ingênua se bem aplicada. 
Não nos enganemos: aquela estrutura é sedutora também porque detentora de forte tom messiânico. Mesmo homens inteligentes foram seduzidos por ela e a abraçaram sem qualquer restrição. 
O adversário – e mesmo alguns dos nossos colegas associados à causa, seduzidos por inebriante convicção – se considera portador de verdade absoluta e há poucas coisas mais complexas do que tentar diálogo com portadores de dogmas inquestionáveis. 
Deixemos o sebastianismo a quem com ele se sente confortável e dele depende: na Universidade, até o fim, falaremos de realidade e de ciência, tudo calibrado por ceticismo e pragmatismo. 
Dennys Garcia Xavier é professor Associado de Filosofia Antiga, Política e Ética da Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Doutor em Storia della Filosofia pela Università degli Studi di Macerata. Tem Pós-doutorado pela Universidade de Brasília (UnB) e Pós-doutorado pela Universidade de Coimbra.

Mister Trump parte em guerra (comercial) - Paulo Roberto de Almeida (Gazeta do Povo)

Meu artigo sobre a "guerra comercial" deliberadamente provocada e deslanchada pelo presidente americano, escrito depois que ele anunciou as primeiras medidas de sobretaxas (de US$ 50 bilhões), mas antes que ele ameaçasse recrudescer em mais US$ 200 bilhões.
Ou seja, o que deveria ser uma ameaça de rusga bilateral, mas com armas de guerra, pode redundar em uma guerra aberta, com equipamento pesado e mobilização de todas as frentes e corpos bélicos, o que fatalmente atingirá outros países, mesmo os "neutros", onde o Brasil gostaria de estar. 
Como nos dois grandes conflitos bélicos do século XX, essas guerras, começadas num contexto regional limitado, logo se transformam em enfrentamentos globais, atingindo todos os países.
Vamos seguir o teatro de operações.
Paulo Roberto de Almeida 

Rumores de guerra comercial já não são

 mais exagerados

Depois da Guerra Fria geopolítica, o que temos hoje é uma Guerra Fria econômica

Gazeta do Povo (Curitiba, 18/06/2018)


Ficou conhecida a frase de Mark Twain, em comentário a jornalistas, quando confrontado a um obituário publicado a seu respeito: “Os rumores sobre a minha morte são grandemente exagerados”. O mesmo poderia ser dito, até recentemente, sobre as ameaças de uma guerra comercial, continuamente anunciada pelos jornais nos últimos meses, mas que ainda não tinha sido aberta de verdade. Não mais, agora já é um fato: o presidente Trump anunciou sua decisão de impor sobretaxas a produtos exportados pela China num valor aproximado a US$ 50 bilhões. A China anunciou imediatamente que iria retaliar por um montante equivalente, alvejando produtos da exportação americana para a China. Ou seja, a declaração de guerra já foi expedida: resta ver como serão feitos os movimentos dos batalhões respectivos das políticas comerciais nacionais.
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Em primeiro lugar, é preciso ficar claro que o anúncio americano não atinge apenas produtos chineses exportados para os EUA – muitos dos quais, por sinal, podem ser feitos na China, mas sob licença americana, ou seja, servindo aos interesses das empresas e dos consumidores americanos –, e sim os fluxos de comércio dessas linhas de produtos de quaisquer origens e destinações. A explicação é que as sobretaxas aplicadas pelas autoridades aduaneiras americanas atingem produtos, não fornecedores, como sempre ocorre com as salvaguardas (que são diferentes de outros mecanismos de defesa comercial, como pode ser o antidumping, que foca um fornecedor determinado).
Trump justificou a imposição dessas medidas como sendo por motivos de “segurança nacional”, o que é altamente discutível, e poderá ser facilmente desmentido por uma investigação no âmbito da OMC (como fatalmente ocorrerá a partir de reclamações de parceiros prejudicados, e não apenas a China, como já revelado no caso do alumínio e do aço). O problema é que uma investigação na OMC, e a consequente condenação de uma medida claramente violadora do Código de Salvaguardas do Acordo Geral de Tarifas Aduaneiras e Comércio (GATT), costuma demorar mais de ano e meio, talvez dois anos, para ser concluída, e a única coisa que o painel arbitral conseguirá aprovar será, provavelmente, uma autorização para retaliações legais dos atingidos, o que não resolve o problema para ninguém, uma vez que o comércio não se faz como mera expressão da vontade, e sim por razões de preço e qualidade. Assim, as contramedidas conseguem apenas agravar o problema original.
O comércio não se faz como mera expressão da vontade, e sim por razões de preço e qualidade
Uma coisa precisa ficar clara: os déficits comerciais dos EUA, atualmente gigantescos, não são uma novidade, mas um fenômeno praticamente crônico há várias décadas, ainda que eles tenham conhecido flutuações cíclicas – ao sabor das paridades cambiais e dos ciclos econômicos nas principais economias do planeta –, assim como o imenso desequilíbrio no intercâmbio comercial com a China, crescente desde o final do século passado. Dos quase 900 bilhões de dólares de déficit na balança comercial dos EUA, um terço é realizado por exportações chinesas em excesso de suas importações da mesma origem, uma conta que é largamente compensada pelos ganhos obtidos pelos EUA a partir dos serviços, rendas do capital (em diversas rubricas) investido sob a forma de investimento direto ou de aplicações de portfólio.
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A concepção primitiva que o presidente americano mantém a respeito do comércio internacional faz com que ele veja um “prejuízo” para o seu país cada vez que se manifesta um déficit bilateral, o que é absolutamente considerado uma insensatez por qualquer economista sério. O déficit geograficamente considerado a partir do território dos EUA é amplamente compensado pelas exportações das empresas americanas ao redor do mundo, como resultado de décadas de investimentos diretos em quase todos os quadrantes do planeta. Muitos outros países exibem balanças comerciais cronicamente deficitárias, mas cobrindo essas “lacunas” por retornos em outros capítulos do balanço de pagamentos, o que é exatamente o caso dos EUA, que justamente exporta sua moeda nacional ao resto do mundo. O euro não confirmou até o momento as expectativas de que poderia representar parte substancial das reservas nacionais e dos fluxos de pagamentos de fatores para um volume mais significativo dos intercâmbios mundiais.
O Brasil, por exemplo, país notoriamente protecionista, sempre manteve um estrito controle sobre os fluxos de sua balança comercial, uma vez que esses saldos são o único recurso de que dispõe para compensar uma balança de serviços cronicamente deficitária, mas justamente com os EUA acumula saldos negativos desde vários anos, o que não o impediu de ser também atingido pelas salvaguardas de Trump sobre o aço e o alumínio, cabendo-lhe apenas aceitar as sobretaxas (para o alumínio) ou redução dos volumes exportados, as chamadas “restrições voluntárias”, claramente ilegais aos olhos da OMC. Registre-se, desde já, que as mesmas medidas foram aplicadas contra os parceiros americanos do Nafta, Canadá e México, o que é propriamente incrível, pois entre os três países deveria vigorar o livre comércio.
A China saberá responder adequadamente – o que não quer dizer sem prejuízos para si mesma e outros países, entre eles o Brasil – a esse novo desafio lançado por um presidente claramente equivocado tanto no plano conceitual quanto no aspecto prático. Os primeiros prejudicados serão as empresas, os consumidores e os trabalhadores americanos, de uma ampla gama de setores (e segundo uma escolha chinesa visando atingir em primeiro lugar os eleitores de Trump em determinados estados). Pode-se, também, colocar esse complicado contencioso num quadro mais amplo, marcado pela irresistível ascensão da China a certa preeminência internacional, sobretudo no campo econômico, e pelo declínio relativo dos EUA como superpotência indiscutível em todas as vertentes do “grande jogo” geopolítico.
De fato, depois da Guerra Fria geopolítica conhecida durante as quatro décadas em que vigorou a bipolaridade EUA-União Soviética, o que temos hoje é uma Guerra Fria econômica, num contexto de crescente multipolaridade a partir da emergência de potências ascendentes fora do eixo norte-atlântico tradicional. Tanto em termos táticos, quando no plano estratégico, a China deve sagrar-se vencedora desse embate, na medida em que possuiu uma visão clara de quais são os seus objetivos permanentes, a despeito mesmo de suas práticas claramente oportunistas no âmbito comercial. O presidente Trump parece completamente perdido na condução de sua política comercial, uma vez que promete impor novas sanções, pelo dobro do valor, caso a China responda às suas medidas não apenas irracionais, como claramente ilegais segundo as regras da OMC.
O que vai ocorrer? Provavelmente uma crise inédita nas relações econômicas internacionais, provocada por um personagem também inédito na governança da maior potência planetária. Os americanos já “inventaram” a Lei de Murphy – o que pode dar errado, dará, da pior forma possível – e também conhecem a “lei das consequências involuntárias”, que é exatamente o que acontecerá neste caso. O presidente Trump vai conseguir prejudicar não só os seus próprios eleitores, como todos os cidadãos, dezenas de empresas americanas e o papel dos EUA na manutenção da ordem econômica mundial. Parece muito, mas ainda é pouco para um personagem nitidamente desequilibrado, o primeiro a governar o seu país – e a pretender mandar no mundo – a partir de seus tweets diários, já na altura de algumas dezenas de milhares. Podemos esperar novos e tresloucados gestos nas próximas semanas e meses. Parafraseando o título de uma antiga série da TV americana: incrível, mas verdadeiro!
Paulo Roberto de Almeida é diplomata de carreira, professor universitário e especialista do Instituto Millenium.