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domingo, 27 de janeiro de 2019

Governo restringe acesso as informacoes - Marcelo Issa (Transparencia Partidaria)

"DECRETO CAMINHA NA CONTRAMÃO DO QUE LEI DE ACESSO TENTA FOMENTAR", DIZ COORDENADOR DA TRANSPARÊNCIA PARTIDÁRIA

Ato assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, no exercício da Presidência, pode ser usado pela Justiça eleitoral por analogia, afirma Marcelo Issa. Ampliar autoridades com a possibilidade de restringir acesso a documentos pode aumentar burocracia no processo

Gabriel Hirabahasi

O decreto assinado pelo vice-presidente Hamilton Mourão, no exercício da Presidência da República nesta semana, que regulamenta a Lei de Acesso à Informação foi alvo de organizações envolvidas com a transparência. Coordenador do movimento Transparência Partidária e conselheiro da Transparência Brasil, o advogado e cientista político Marcelo Issa disse que o novo decreto pode ser aplicado pela Justiça eleitoral na divulgação das prestações de contas dos partidos políticos e diminuir o acesso a informações de interesse público.

"Se algum servidor, por qualquer razão, achar que vencimentos de um dirigente partidário significa informação pessoal, corre-se o risco de não termos mais acesso a essas informações que são de claro interesse público", afirma Issa. Ele também afirma que outro argumento que pode ser usado para diminuir o acesso a essas informações é se os dados estiverem "subsidiando investigação ou fiscalização", o que seria redundante, segundo Issa, já que a função da Justiça eleitoral é justamente fiscalizar a aplicação dos recursos públicos pelos partidos.

Assim como mais de 70 organizações ligadas à transparência do poder público, Issa concorda com a revogação do decreto e pede que o texto seja debatido com as entidades civis e com o restante da sociedade. A seguir, a entrevista de Marcelo Issa a ÉPOCA:

ÉPOCA - Qual o impacto do decreto assinado ontem pelo vice, general Mourão, que afeta a lei de acesso à informação?

Marcelo Issa - A lei de acesso à informação prevê que seria possível a delegação para classificação dos atos, mas o decreto anterior [assinado por Dilma Rousseff em 2012] vedava para a delegação de atos considerados secretos e ultrassecretos. Quem argumenta que o decreto não seria tão grave assim diz que o decreto [do governo Bolsonaro] na verdade restringe a quantidade de pessoas que podem classificar os documentos. Só que o que sustenta a análise das organizações que trabalham com transparência é o decreto anterior [assinado por Dilma e revogado com esse assinado por Mourão]. Eu me convenci de que o decreto é um retrocesso porque quando se compara ao decreto que vigorava anteriormente, há uma ampliação na quantidade de funcionários que podem classificar atos como secreto ou ultrassecreto. O decreto caminha na contramão daquilo que a lei de acesso procura fomentar, que é a cultura da transparência.

Para nós que trabalhamos com fiscalização de poder público era muito claro, por volta de 2008, que vigorava a cultura do sigilo. Sempre que ligávamos para pedir informação, queriam saber de onde era, para que que era. Desde que a LAI passou a vigorar, vemos uma mudança nesse sentido, de uma nova cultura de transparência em vez do sigilo. Principalmente a nível federal, onde essa cultura parece já mais consolidada. Conforme vai descendo para estados e municípios, vai ficando pior. Quando permite que funcionários DAS 5 e 6 [alta hierarquia de cargos comissionados] sejam responsáveis por essa classificação, há um prejuízo para essa cultura.

ÉPOCA - O governo diz que o decreto contribuirá com a desburocratização.

Marcelo Issa - Eu entendo que vai gerar mais burocracia, porque vai haver mais recurso para a comissão de avaliação. Provavelmente, haverá um número maior de documentos classificados. Mais gente [servidores públicos] vai passar a ter acesso a esses documentos [e poder classificá-los como secreto e ultrassecreto]. Pode ser contraproducente desse ponto de vista também. Quando você permite essa função a um servidor em cargo de comissão, sem estabilidade, deixa de ser uma dinâmica no nível de estado e passa a ser no nível de governo. Esse funcionário está lá enquanto dura o governo. Da mesma forma que o presidente, mas o presidente teve voto para isso e ele escolheu os seus ministros.

Além disso, esse decreto foi feito sem debate. A Transparência Brasil participou da última reunião do conselho da CGU [Controladoria-Geral da União] e ficou registrado em ata que qualquer processo de revisão da LAI passaria pela análise e deliberação do conselho. Mas não houve esse debate. Como a gente não tem um detalhamento sobre o que deve ser classificado secreto ou ultrassecreto, cada funcionário vai ter seus próprios critérios. Isso também pode criar divergência entre documentos com a mesma natureza. Em um determinado estado, pode haver uma determinação em tal sentido. Em outro, pode não ser considerado.

ÉPOCA - Qual seria a vantagem de essa discussão ter sido feita com a sociedade antes da formalização do decreto?

Marcelo Issa - Eu apontei alguns problemas que poderiam ser solucionados caso tivesse sido discutido com as organizações de transparência. Por exemplo, o critério a ser utilizado por cada servidor para a classificação.

ÉPOCA - E o que as organizações pretendem fazer sobre esse decreto?

Marcelo Issa - As organizações querem conversar com o governo, com a CGU. É o que está sendo pleiteado, que se revogue o decreto, já que, uma vez feita a classificação, há uma burocracia grande para se reverter. Queremos que volte a valer o decreto anterior e, a partir daí, haja um debate com a sociedade, as organizações civis e a gente debata as mudanças na lei de acesso. Do jeito que foi feito, há muitos problemas potenciais, num nível não só do governo federal, mas de outras instâncias da federação e de outros Poderes. Seja a informação dos partidos e do Poder Judiciário, por exemplo.

ÉPOCA - Essa mudança pode representar um risco por abrir o leque de pessoas em diversas instâncias do poder público?

Marcelo Issa - Sim, é exatamente isso. Pode vir a ser utilizado por analogia por estados, municípios e por outros Poderes, como o Judiciário. Vai gerar esse efeito cascata.
ÉPOCA - Quais mudanças podem ser aplicadas na transparência dos partidos políticos?

Marcelo Issa - Hoje, as informações estão com o TSE, que é quem reúne tudo e pode divulgá-las. O que me preocupa é que a partir dessa alteração de ontem, os servidores da Justiça de nível inferior àqueles que a resolução do CNJ determina como competentes para a classificação de documentos que estejam sob a guarda do Judiciário, que são poucas autoridades, possam agora interpretar para diminuir o acesso da população a esses dados.

Há na resolução do TSE uma possibilidade de classificar uma informação se houver de alguma maneira uma informação pessoal. Mas é evidente que quando tratamos dessa temática, falamos sobre processos que correm em segredo de Justiça, é a interpretação hegemônica hoje. Mas se algum servidor, por qualquer razão, achar que vencimentos de um dirigente partidário significa informação pessoal, corre-se o risco de não termos mais acesso a essas informações que são de claro interesse público, já que recebem do fundo partidário, financiado com dinheiro público.

ÉPOCA - A Justiça poderia negar, utilizando esse decreto como base, acesso a informações de interesse público que constam nas prestações de contas dos partidos?

Marcelo Issa - Segundo o art. 3º, inciso II, da Resolução 215, de 2015, do CNJ, os portais das instituições de Justiça devem divulgar informações de interesse público, independentemente de solicitações. A resolução diz que só o presidente do tribunal pode classificar um documento como ultrassecreto. No caso da classificação como secreto, só o presidente e membros do pleno do tribunal. E, por fim, como reservados, apenas o secretário-geral da presidência e o diretor-geral, além das autoridades já mencionadas. Caso se aplique por analogia esse novo decreto, seria possível a restrição ao acesso a informações referentes aos partidos políticos por outros servidores, desde que recebessem delegação para tanto. Poderiam usar como fundamento, por exemplo, no inciso VIII da resolução, que permite a restrição da publicidade, caso os dados estejam subsidiando investigação ou fiscalização. Só que os dados fornecidos pelos partidos sempre têm essa finalidade, uma vez que cabe à Justiça Eleitoral fiscaliza-los. É evidente que uma interpretação como essa estaria equivocada, porque viola o princípio da transparência, expresso no inciso II, do art. 3º da própria Resolução do CNJ e, portanto, nessa situação, é bastante provável que houvesse recurso do solicitante, aumentando a burocratização do processo, ao contrário do que se justificou para editar o decreto.

ÉPOCA - O decreto estabelece que além dos funcionários de cargos DAS 5 ou 6, também poderão classificar documentos como secretos ou ultrassecretos, respectivamente, aqueles servidores "de hierarquia equivalente". Mas não está claro o que é essa hierarquia equivalente. Como a LAI elenca como um dos possíveis motivos para decretar sigilo de um documento a possibilidade de ele "pôr em risco segurança de alta autoridade", essa mudança poderia favorecer políticos investigados pela Justiça?

Marcelo Issa - Essa questão responde por que é preciso debater com mais gente esse decreto. Se não está claro o que é hierarquia equivalente, esse questionamento é completamente pertinente. O inciso III do artigo 27 da LAI usa a expressão "de hierarquia equivalente", mas deixa para a regulamentação específica de cada órgão a definição do que é essa hierarquia equivalente. E além disso, o decreto também não deixa claro como se dá a delegação. Outro motivo com o qual a sociedade poderia contribuir com o debate sobre essa regulamentação é que a delegação não tem critérios objetivos sobre como deve ocorrer. Isso deve ocorrer no caso a caso? Ou é algo geral que o superior hierárquico atribui às pessoas por um determinado período, ou enquanto ele estiver na instituição?


domingo, 23 de junho de 2013

Emprestimos secretos a Cuba e Angola: Senado precisa fazer o seu dever - FSP, Senador Alvaro Dias

O Senado Federal é o órgão constitucionalmente mandatado para aprovar, ou não, todas as operações financeiras externas do Brasil, inclusive a dos Estados. Ou seja, a União, ou o Executivo, não pode perdoar dívidas de países, ou conceder empréstimos externos sem que o Senado aprove, ou desaprove, a operação.
Parece que o Senado não anda fazendo o seu papel...
Paulo Roberto de Almeida

FOLHA TRANSPARÊNCIA
Medida foi assinada pelo ministro Fernando Pimentel um mês após entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação
BNDES fez operações com 15 países em 2012, mas só as dos dois países receberam o carimbo de 'secreto'
RUBENS VALENTEDE BRASÍLIAFolha de S.Paulo, 9 de Abril de 2013

O ministro Fernando Pimentel (Desenvolvimento) tornou secretos os documentos que tratam de financiamentos do Brasil aos governos de Cuba e de Angola. Com a decisão, o conteúdo dos papéis só poderá ser conhecido a partir de 2027.
O BNDES desembolsou, no ano passado, US$ 875 milhões em operações de financiamento à exportação de bens e serviços de empresas brasileiras para Cuba e Angola. O país africano desbancou a Argentina e passou a ser o maior destino destes recursos.
Indagado pela Folha, o ministério disse ter baixado o sigilo sobre os papéis porque eles envolvem informações "estratégicas", documentos "apenas custodiados pelo ministério" e dados "cobertos por sigilo comercial".
Os atos foram assinados por Pimentel em junho de 2012, um mês após a entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação. É o que revelam os termos obtidos pela Folhapor meio dessa lei.
Só no ano passado, o BNDES financiou operações para 15 países, no valor total de US$ 2,17 bilhões, mas apenas os casos de Cuba e Angola receberam os carimbos de "secreto" no ministério.
Segundo o órgão, isso ocorreu porque havia "memorandos de entendimento" entre Brasil, Cuba e Angola que não existiam nas outras operações do gênero.
O ministério disse que o acesso a esses outros casos também é vetado, pois conteriam dados bancários e comerciais já considerados sigilosos sem a necessidade dos carimbos de secreto.
INEDITISMO
Antes da nova Lei de Acesso, já existia legislação que previa a classificação em diversos graus de sigilo, mas é a primeira vez que se aplica o carimbo de "secreto" em casos semelhantes, segundo reconheceu o ministério. O órgão disse que tomou a decisão para adaptar-se à nova lei.
O carimbo abrange quase tudo o que cercou as negociações entre Brasil, Cuba e Angola, como memorandos, pareceres e notas técnicas.
As pistas sobre o destino do dinheiro, contudo, estão em informações públicas e em falas da presidente Dilma.
Em Havana, onde esteve em janeiro para encontro com o ditador Raúl Castro, ela afirmou que o Brasil bancava boa parte da construção do porto de Mariel, a 40 km da capital, obra executada pela empreiteira Odebrecht.
Ela contou ainda que o Brasil trabalhava para amenizar os efeitos do embargo econômico a Cuba. "Impossível se considerar que é correto o bloqueio de alimentos para um povo. Então, nós participamos aqui, financiando, através de um crédito rotativo, US$ 400 milhões de compra de alimentos no Brasil."
Na visita a Luanda, em Angola, Dilma falou em 2011 que "os mais de US$ 3 bilhões disponibilizados pelo Brasil fazem de Angola o maior beneficiário de créditos no âmbito do Fundo de Garantias de Exportações" do BNDES.
O Desenvolvimento diz que os financiamentos têm o objetivo de estimular e dar competitividade às empresas brasileiras nas vendas ao exterior. A Folha não conseguiu falar com as embaixadas de Cuba e de Angola.
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Pronunciamento do Senador Álvaro Dias a respeito da operação, num plenário praticamente vazio: 
https://www.youtube.com/watch_popup?feature=player_embedded&v=3DE9E8LVuAo

domingo, 24 de fevereiro de 2013

Caixa Preta? O Brasil se enreda na sua propria selva legal...

Nossa tradição cartorialista nos impõe uma pletora de leis, decretos, portarias, regulamentos, atos administrativos os mais diversos, que se acumulam, se duplicam, se contradizem, e tornam a todos confusos, a começar pela burocracia encarregada de zelar pela pureza da legalidade formal.
Só que a legalidade formal nem sempre, ou quase nunca se coaduna com a realidade material, ou seja, a economia real, e aí começam a existir milhares de penduricalhos, aditivos, correções e exceções, uma série de "espertezas" que os mais espertos criam para beneficiar a si póprios, como por exemplo os 14o. e 15o. salários dos congressistas, os adicionais de qualquer coisa para os magistrados, sem falar nas famosas correções, que sempre são corrigidas para cima, muito acima, nunca para baixo.
E também tem aqueles que acham que o Brasil é o paradigma universal dos rendimentos globais, e que o teto (que por si já é uma grande embromação, pois todo mundo se acha no direito de bater no teto ou quase perto) fixado internamente deve valer para todas as latitudes e longitudes, independentemente de onde se viva, e de qual seja o custo de vida.
Parece que os funcionários do serviço exterior -- que no Brasil ganham muito menos que seus contrapartes funcionais de outros poderes, e que compensam, precariamente com salários razoáveis no exterior -- terão de se pautar pelo teto, em reais, para uma vida em dólares ou outras moedas, com padrões de consumo e índices de custo de vida totalmente diferentes dos nossos.
Bravo! Vão fazer com que ninguém mais queira ir para o exterior, pois os salários no Brasil até que melhoraram em relação ao passado de miséria.
Quando oferecerem um posto -- pode ser A, B, C, ou E -- a um secretário com dois filhos, ele vai perguntar: quanto vou ganhar? Quanto é que vai custar a escola -- internacional, ou americana, não coberta pelo MRE -- para os meus filhos? Sinto muito mas obrigado, prefiro ficar aqui mesmo...
É isso o que vão criar...
Paulo Roberto de Almeida

Caixa-preta: só Itamaraty não revela salários de funcionários

Ministério não revela vencimentos de servidores lotados no exterior; atraso já completou 6 meses
Carolina Brígido (Email · Facebook · Twitter)
O Globo,

Ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota
Foto: Reuters
Ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota Reuters
BRASÍLIA Seis meses após o governo divulgar a lista de salários dos servidores públicos federais, o Itamaraty continua sem revelar quanto ganham diplomatas e outros funcionários lotados no exterior. Atualmente, o Ministério das Relações Exteriores publica apenas os vencimentos dos que trabalham no Brasil. Em novembro, o Tribunal de Contas da União (TCU) deu prazo de um mês para que fossem divulgados também os vencimentos de pessoas a serviço em outros países. Também foi determinado que os salários superiores ao teto federal (R$ 28.059,29) fossem cortados. No mês seguinte, o próprio TCU revogou a decisão, diante de recurso proposto pelo ministro das Relações Exteriores, Antonio Patriota. Ele alegou falha técnica do TCU no processo e teve o pedido atendido.
O processo retornou ao gabinete do relator, ministro Benjamin Zymler, para ser reavaliado. A expectativa é que ele devolva o caso à apreciação dos colegas em breve. A próxima sessão plenária do TCU está marcada para o dia 23, mas não se sabe se o assunto será incluído na pauta de votações. Enquanto isso, os proventos de 1.934 servidores do Itamaraty que cumprem missão no exterior continuam sob sigilo.
A divulgação dos salários de todos os servidores públicos foi determinada pela Lei de Acesso à Informação, em vigor desde maio de 2012. No dia 27 de junho, todos os vencimentos foram ao ar no Portal da Transparência. Os funcionários do Itamaraty no exterior e dos servidores da Agência Brasileira de Inteligência (Abin) não entraram no sistema — esses últimos, por questões de segurança.
A decisão do TCU de enquadrar o Itamaraty na lei e nos limites impostos pelo teto constitucional foi proferida em 6 de outubro de 2012. Em 28 de novembro de 2012, o plenário do TCU julgou o recurso proposto pelo ministro Patriota. O chanceler argumentou que houve falha processual, pois a forma como o caso foi julgado desobedeceu ao Regimento Interno do tribunal.
Julgamento deveria ter sido individual
O TCU realiza julgamentos individuais e por relação. Na primeira situação, cada processo é amplamente discutido e votado separadamente. Na segunda, há uma lista de processos votada de uma só vez, sem haver discussão mais aprofundada de cada caso. O processo do Itamaraty, por se tratar de salários de servidores, deveria ter sido votado da primeira forma, mas foi decidido por relação.
“A determinação em questão amolda-se à hipótese vedada pelo dispositivo regimental ora citado, pois resulta na supressão de parcela remuneratória de interesse de servidores vinculados ao MRE”, afirma o acórdão do TCU de novembro. Para o TCU, houve “nulidade absoluta” da decisão anterior, que foi declarada insubsistente.
O processo para investigar eventuais ilegalidades na folha de pagamentos do Itamaraty foi instaurado em maio de 2012. O relator era o ministro Augusto Nardes. Como ele assumiu a presidência do TCU em dezembro, o processo mudou de relatoria e hoje está nas mãos do ministro Benjamin Zymler. Procurado pelo GLOBO, Zymler não quis falar sobre o assunto.
A decisão de outubro também dava ao Ministério das Relações Exteriores prazo de 180 dias para “interromper os pagamentos de valores referentes ao fator de correção cambial aos servidores lotados no exterior, tendo em vista a ausência de amparo legal para tais pagamentos”. Segundo o tribunal, esse tipo de parâmetro para a remuneração desrespeitava “os princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” previstos na Constituição.
O TCU também enviou recomendação à Casa Civil da Presidência da República, ao Ministério do Planejamento e ao Itamaraty para elaborar um projeto de lei disciplinando os procedimentos de fixação dos vencimentos no exterior, “de forma a eliminar o uso de parcelas não previstas legalmente, como é o caso do fator de correção cambial, o qual não se coaduna com a exigência constitucional de edição de lei específica para fixação de remuneração de servidores públicos”.
O projeto de lei também deveria conter a informação de que nenhum servidor do Itamaraty estaria autorizado a receber remuneração superior ao valor do teto constitucional. O fator de correção é aplicado para elevar os salários de diplomatas lotados em cidades no exterior com custo de vida elevado.

Leia mais sobre esse assunto em http://oglobo.globo.com/pais/caixa-preta-so-itamaraty-nao-revela-salarios-de-funcionarios-7317194#ixzz2LrZ5RrmA
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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A Lei de Acesso a Informacao e a Diplomacia - Joao Pedro Correa Costa

A Lei de Acesso à Informação e a Diplomacia Brasileira

Revista Interesse Nacional 17 de outubro de 2012 

JOÃO PEDRO CORRÊA COSTA, diplomata, é diretor do Departamento de Comunicações e Documentação do Ministério das Relações Exteriores, desde 2011. Serviu na Delegação Permanente do Brasil em Genebra, embaixadas em Assunção e Washington, e no Consulado-Geral do Brasil em Tóquio. É autor do livro “De Decasségui a Emigrante”, de 2007, sobre a comunidade brasileira no Japão.

Acesso à informação. Três palavras inofensivas.
“Acesso à informação. Três palavras inofensivas. Eu olho para essas palavras enquanto as escrevo e tenho vontade de balançar minha cabeça até que ela caia. Seu idiota. Seu ingênuo, tolo e irresponsável ignorante. Não há realmente descrição para essa estupidez”.
Tony Blair, The Journey, 2010.
No Reino Unido, a lei de acesso à informação (Freedom of Information Act, 2000) foi aprovada, em 2000, no governo de Tony Blair. O Partido Trabalhista chegou ao poder em 1997, e essa havia sido uma de suas promessas de campanha. Em suas memórias, no entanto, Tony Blair lamentou ter promovido a transparência: esse declarado arrependimento deveu-se ao fato de que a existência da lei permitiu serem reveladas posições conflitantes do ex-primeiro-ministro entre sua reticência pessoal e o apoio público à invasão do Iraque, em 2003. Desde outubro de 2001, pouco depois dos ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos, o governo britânico adiara a implementação de elementos essenciais da lei, estendendo por cerca de cinco anos o prazo para adaptar-se às novas exigências legais, que finalmente entraram plenamente em vigor em 2005.
Apesar de as declarações do ex-chefe de governo do Reino Unido refletirem, de forma ilustrativa, as hesitações de entidades públicas frente à ideia de liberdade de acesso à informação oficial, o fato é que as legislações de um número crescente de países têm passado a estipular proteção específica ao direito à informação. Essa preocupação encontra paralelo em organizações intergovernamentais, que, durante a maior parte de sua existência, operaram em segredo ou divulgaram informações a seu exclusivo critério. Um marco notável neste processo de transparência foi a adoção, pelos países membros das Nações Unidas, do Princípio nº 10 da Declaração do Rio sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento de 1992, pelo qual os Estados se comprometem a divulgar informações que detenham sobre o meio ambiente1. Desde a adoção da Declaração do Rio, o Banco Mundial e todos os quatro bancos regionais de desenvolvimento (Banco Interamericano de Desenvolvimento, Banco Africano de Desenvolvimento, Banco Asiático de Desenvolvimento e o Banco Europeu para a Reconstrução e Desenvolvimento) adotaram políticas de divulgação de informações sobre políticas, processos e recursos.
1Princípio 10: “A melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação, no nível apropriado, de todos os cidadãos interessados. No nível nacional, cada indivíduo terá acesso adequado às informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações acerca de materiais e atividades perigosas em suas comunidades, bem como a oportunidade de participar dos processos decisórios. Os Estados irão facilitar e estimular a conscientização e a participação popular, colocando as informações à disposição de todos. Será proporcionado o acesso efetivo a mecanismos judiciais e administrativos, inclusive no que se refere à compensação e reparação de danos”.
No caso específico da América Latina, as constituições tendem a concentrar-se em um aspecto importante do direito à informação, qual seja, a petição de habeas data, ou o direito de acesso à informação sobre a própria pessoa. No Brasil, a Lei 9.507, de 1997, regulamentou tal direito, já previsto no Art. 5º, LXXII,”a” da Constituição Federal de 1988.
O México e o Chile foram países pioneiros na América Latina em aprovar leis mais amplas sobre o direito de acesso à informação, respectivamente a Ley Federal de Transparencia y Acceso a la Información Pública Gubernamental, de 2002,e a Ley de Transparencia de la Función Pública y de Acceso a la Información de la Administración del Estado, de 2009. Hoje, 13 dos 19 países latino-americanos contam com leis de acesso à informação, aos quais se juntou mais recentemente o Brasil, com a promulgação da Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011. A lei brasileira está entre as mais avançadas do mundo e contempla, ademais do direito de solicitar acesso à informação pública, obrigações proativas de divulgação, possibilidade de recursos administrativos independentes, no caso de negativas de acesso, e medidas institucionais de promoção da abertura.
Pelas obrigações e demandas sobre o serviço público que tais regulamentos criam, é fato que os países necessitam de prazo para se adaptarem às obrigações decorrentes dessas leis. Similarmente ao que ocorreu no Reino Unido, por exemplo, nos Estados Unidos, a lei foi adotada em 1966 (Freedom of Information Act), mas, apenas em 1974, na esteira do caso Watergate, o acesso a dados públicos passou a vigorar de forma mais abrangente, com a aprovação do Privacy Act.
Na América, foi a Colômbia, em 1888, o primeiro país a prever o direito público à informação, com a aprovação do Código de Organización Política y Municipal, depois da Suécia e da Finlândia. A Suécia oferece um exemplo particular, já que sua Lei de Liberdade de Imprensa tem força constitucional e foi adotada em 1766, sendo a mais antiga legislação referente ao tema.

O direito de acesso à informação: um direito humano fundamental
A tendência à universalização do direito à informação pode ser compreendida tanto a partir dos grandes movimentos de democratização política dos anos 1980 quanto dos avanços tecnológicos recentes, que mudaram por completo a relação das sociedades com a informação e sua utilização. A tecnologia da informação melhorou, em termos gerais, a capacidade do cidadão comum de contribuir para os processos decisórios, investigando, cobrando e fiscalizando as ações de governos.
Organismos e tribunais internacionais, por sua vez, têm manifestado o entendimento de que o direito de acesso à informação deve ser considerado direito humano fundamental. Entre essas afirmações, inclui-se a sentença da Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), em 2006, primeira decisão tomada por um tribunal internacional que reconheceu o direito à informação como aspecto do direito geral à liberdade de expressão2 . Para o referido tribunal, garantir os direitos de buscar e receber informações significa proteger o direito de toda pessoa de solicitar acesso à informação sob o controle do Estado. Nesse sentido, abrange o direito dos indivíduos de receber as referidas informações e a obrigação positiva do Estado de fornecê-las, com as exceções reconhecidas. Entende a CIDH, ademais, que as informações devem ser fornecidas sem necessidade de o solicitante provar interesse direto ou envolvimento pessoal, exceto nos casos em que uma restrição legítima se aplique.
2Caso Claude Reyes et al vs. Chile, 19 de setembro de 2006, especialmente o parágrafo 7 da Decisão da Corte:”O Estado adotará, em prazo razoável, as medidas necessárias para garantir o acesso às informações em poder do Estado, de acordo com a obrigação geral de internalizar o estabelecido no Artigo 2º. da Convenção Americana sobre Direitos Humanos.” (Pacto de São José da Costa Rica, de 1969)
Fundamenta essa perspectiva a relativa desvantagem ou fragilidade do cidadão para dialogar, deliberar e monitorar as ações e decisões dos agentes públicos, fato que provoca uma assimetria da informação. Como assimetria de informação, no contexto da administração pública, entende-se a discrepância que existe entre os agentes do Estado e a sociedade quanto ao conhecimento das ações do governo. Nesse sentido, o direito à informação também pode ajudar a assegurar a participação mais equilibrada dos diversos atores sociais, pois são os próprios agentes do Estado que dispõem das informações a respeito das instituições a que pertencem, e o governo é a principal fonte de informações de interesse público. Melhorias na informação e na regra que rege sua divulgação podem reduzir a abrangência de abusos ou incorreções de vários níveis.
O tema assumiu tamanha relevância que a base para a maior parte das leis de acesso à informação mais recentes tem sido estipulada a partir de fundamentos teóricos e políticos moldados no âmbito da Organização das Nações Unidas. No Relatório de promoção e proteção do direito à liberdade de opinião e expressão (The Public’s Right to Know: Principles on Freedom of Information Legislation), formulado pela ONU, em 2000, foram expressos nove princípios que idealmente deveriam constar de legislações sobre acesso a informações: 1) divulgação máxima; 2) obrigação de publicar; 3) promoção de um governo aberto; 4) abrangência limitada das exceções; 5) procedimentos que facilitem o acesso; 6) custos (os indivíduos não devem se encontrar impedidos de fazer pedidos de informação em razão dos altos custos envolvidos); 7) reuniões abertas; 8) precedência legal da divulgação; e 9) proteção para os denunciantes.
Desses nove princípios recomendados pela ONU, a Lei 12.527 brasileira contempla oito em seu texto. Apenas o 7º princípio, relativo à realização de encontros e reuniões governamentais abertos ao público, não está inscrito no texto da nova Lei. Relevantes no novo diploma legal são as disposições relativas à observância da publicidade como regra e do sigilo como exceção, a determinação de prazos para a oferta de informação, o estabelecimento da divulgação de ofício de informações de interesse público e a obrigatoriedade de sua publicação na internet, a promoção da cultura da transparência e a criação de dois novos órgãos: a Comissão Mista de Reavaliação de Informações (CMRI) e o Núcleo de Segurança e Credenciamento (NSC), ambos com atribuições exclusivamente relacionadas ao acesso à informação pública.
Segredos de Estado: limites e responsabilidades
Existe a percepção comum de que os arquivos do Itamaraty são trancados a sete chaves e de que toda a informação produzida e trocada por agentes diplomáticos brasileiros está envolta em confidencialidade. Antecipava-se que a entrada em vigor, em 16 de maio último, da Lei no. 12.527/2011, que reduziu os prazos de manutenção de sigilo e estabeleceu, como norma, procedimentos transparentes e ágeis, revelaria importantes e impactantes segredos da história diplomática nacional.
O Ministério das Relações Exteriores, no entanto, sempre pautou seus procedimentos de produção, classificação e guarda da informação pelo princípio preconizado no Artigo 3º, item I, da Lei 12.527: “observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção”. Tal conduta pode ser atestada pelos números: de 2007 a 2011, o Itamaraty trocou com sua rede de 226 representações diplomáticas e consulares no exterior 1,41 milhão de mensagens eletrônicas ou “telegramas” no tradicional jargão da Casa de Rio Branco, quase 300 mil por ano. Desse total, apenas 10 mil, ou 0,7% foram classificados como “secreto”, e menos de 900 (0,06% do total) como “ultrassecreto”. Acrescidos os expedientes com grau de sigilo “reservado”, não passa de 7,5% do total a média de documentos classificados produzidos anualmente pelo Ministério, confirmando, pois, que a restrição de acesso atribuída a determinadas informações constitui, sim, uma excepcionalidade.
Essa exceção deriva da própria natureza da atividade diplomática, cujo objetivo – em grandes linhas, a promoção, defesa e representação dos interesses estratégicos do País no exterior – é realizado em distintos processos negociadores sobre temas específicos, internamente e com outros Estados soberanos.
Em qualquer processo de negociação, seja entre indivíduos seja entre Estados, é fundamental que haja confiança entre os interlocutores. No caso da diplomacia, essa confiança é forjada na discussão de posições e argumentos, em reuniões bilaterais ou multilaterais e por meio de comunicações escritas entre os participantes, consubstanciadas em relatórios, análises e instruções.
Ainda que, finalmente, essa informação venha a se tornar pública, na forma de acordos e tratados, sua elaboração e tratamento por vezes têm de ser conduzidos de maneira sigilosa, a fim de assegurar a integridade da informação e a credibilidade do agente diplomático, pois, durante o processo, será ele o guardião das informações passadas confidencialmente por seus interlocutores.
Reconhecendo, pois, a necessidade de manter essas ressalvas formais, para a defesa e promoção dos interesses internacionais do País, a própria Lei 12.527 considera que informações “cuja divulgação ou acesso irrestrito possam prejudicar ou pôr em risco a condução de negociações ou as relações internacionais do País, ou as que tenham sido fornecidas em caráter sigiloso por outros Estados ou organismos internacionais”3 são consideradas imprescindíveis à segurança da sociedade e do Estado, portanto, passíveis de classificação em um dos três graus de sigilo previstos no referido marco legal4. Assim, no Itamaraty, a classificação da informação pode ser determinada, por exemplo, para envio de instruções a uma delegação brasileira presente em reunião internacional; para preservar, como ocorre no meio jornalístico, a fonte da informação; para relatar encontro com autoridades de outros países, cujos termos, uma vez divulgados, poderiam comprometer a credibilidade do interlocutor brasileiro ou do representante estrangeiro; ou para agregar a dados públicos análise, opinião ou informações de terceiros. Ao mesmo tempo, o sigilo temporário é fundamental para garantir a segurança física de altas autoridades brasileiras no exterior ou estrangeiras no Brasil.
Para que se possa melhor compreender como se dá o tratamento da informação no Itamaraty e os primeiros impactos da Lei de Acesso à Informação sobre a atividade diplomática, conviria tecer um breve apanhado histórico sobre a gestão documental do Ministério.
3 Lei 12.527/11, Artigo 23, Inciso II.
4Reservado: prazo de 5 anos; Secreto, 15 anos;
e Ultrassecreto, 25 anos.

Os arquivos do Itamaraty: quilômetros de história preservada e acessível ao público
Por força do artigo 17 da lei nº 8.159 de 1991, sobre a Política Nacional de Arquivos, o arquivo do Ministério das Relações Exteriores é considerado Arquivo Federal do Poder Executivo, condição reconhecida não somente pela importância de seu acervo, como também pela contribuição dada à historiografia nacional e pela especificidade advinda de o Ministério operar fora do âmbito da soberania nacional.
A atividade arquivística do MRE tem seu marco administrativo inicial surgido na regência do futuro rei D. João VI, no Brasil colônia. Ao longo de todo o Império, surgiram novos marcos legais que aperfeiçoaram não somente a guarda como também a gestão de papéis produzidos e tramitados pelo “Cais da Glória”, a antiga denominação do Ministério de Negócios Estrangeiros. Com a mudança da Secretaria de Estado das Relações Exteriores, do Rio de Janeiro para Brasília, em 1970, tomou-se a decisão de transferir para a nova capital apenas os documentos produzidos a partir de 1960. No Palácio do Itamaraty, no Rio de Janeiro, ficaram os documentos herdados desde a vinda da Corte Portuguesa e os subsequentes registros diplomáticos das relações exteriores do Império e República do Brasil até 1959, além de coleções particulares, dentre as quais os apontamentos do Barão do Rio Branco, do Marechal Floriano Peixoto e de Joaquim Nabuco. No total, esse acervo contabiliza mais de 50 milhões de páginas.
O Arquivo Histórico do Itamaraty (AHI), no Rio de Janeiro, integra um complexo memorial que abriga o Museu Histórico Diplomático, estrutura responsável pela guarda e conservação de 5.633 itens de inestimável valor cultural, patrimonial e histórico, a Mapoteca do Itamaraty, unidade que custodia mais de 3 mil itens cartográficos, incluindo antiquíssimos esboços que foram trazidos por ocasião da transferência da Coroa portuguesa para o Brasil, em 1808; e uma riquíssima biblioteca, referência histórico-diplomática no país, responsável por um acervo de mais de 70 mil volumes, importante parte vinda com a família real lusitana, no qual se incluem obras raríssimas do século XIV e publicações de Gutenberg.
A documentação constante do AHI já se encontra totalmente desclassificada, sendo de livre acesso a pesquisadores e interessados. Há uma grande mistificação, disseminada de forma equivocada, de que existem “segredos eternos” sob guarda do Ministério, referentes à documentação de diversos períodos históricos, como a Guerra da Tríplice Aliança, a evolução política da fixação das fronteiras – mais especificamente a chamada “Questão do Acre” – e o papel do Brasil no cenário internacional antes da entrada do país na II Guerra Mundial. Se existe alguma restrição àquele acervo hoje, concentra-se no manuseio direto dos suportes, por serem antigos e requererem cuidados especiais na hora da seleção para pesquisa.
Em Brasília, o Arquivo Histórico do Itamaraty encontra-se distribuído em aproximadamente 3,8 quilômetros lineares de modernas estantes deslizantes, instaladas em 2007, abrigando documentos de caráter ostensivo, e aproximadamente 1,2 quilômetro linear de prateleiras, abrigando documentos ainda considerados classificados, ou seja, com a menção ultrassecreto, secreto e reservado. O total de documentos alcança a cifra de 30 milhões de faces, acrescido, anualmente, em cerca de 500 mil documentos, dos quais 60% são expedientes telegráficos trocados com as missões no exterior.
Esse universo documental é destino frequente de pesquisadores, jornalistas e estudantes, que solicitam anualmente – e são prontamente atendidos – cerca de 300 acessos ao arquivo do Rio de Janeiro e de 150 ao de Brasília.
Ademais, o Itamaraty foi o primeiro órgão público a atender à requisição da Casa Civil da Presidência da República, em 2006, de encaminhar ao Arquivo Nacional toda a documentação referente a pessoas, fatos e eventos relacionados aos regimes de exceção no Brasil e em outros vizinhos latino-americanos, no período de 1964 a 1985. Ao todo, foram mais de 120 caixas de documentos, totalizando cerca de quatro toneladas de papéis, enviadas ao Arquivo Nacional em 2007, o que reforça o compromisso da instituição com a transparência e a divulgação de suas informações.
A implementação da Lei 12.527 no Itamaraty
As mudanças mais evidentes nas rotinas e procedimentos internos de tratamento da informação diplomática e consular decorrentes dessa nova regulamentação foram a exigência formal de inclusão, no corpo do documento, da justificativa e base legal para a classificação da informação sigilosa e a paralela elaboração e assinatura do formulário Termo de Classificação da Informação (TCI), que necessariamente é anexado ao documento sigiloso; a criação do Serviço de Informação ao Cidadão (SIC); e a reavaliação de toda a documentação ultrassecreta e secreta desde, respectivamente, 1982 e 1992, processo este já iniciado.
Assim, os diversos modelos de documentos utilizados pelo Ministério foram adaptados para neles constarem os novos campos exigidos pela lei (base legal e justificativa da classificação) e foi elaborado um TCI eletrônico, que inclui um novo código indexador numérico, que será o índice padronizado para a divulgação pública, na internet, do rol de documentos classificados e desclassificados anualmente.
O Serviço de Informação ao Cidadão, por sua vez, recebeu, até o momento, mais de 230 demandas, que incluíram, entre vários outros temas, pedidos de documentos históricos, despesas realizadas por postos, custos de viagens oficiais (diárias e passagens), remuneração dos diplomatas, relação das obras de arte localizadas em embaixadas e trocas de comunicações sobre temas bilaterais e multilaterais específicos. O Ministério tem-se prontificado a fornecer toda a informação disponível, à exceção daquela que exige compilação, interpretação ou análise de dados ou, evidentemente, a que se encontra classificada sob um dos três graus de sigilo.
Ao contrário do que se podia imaginar, com menos de 1% do total de pedidos, o Itamaraty não figura entre as instituições públicas que mais receberam solicitações de informação. Segundo a Controladoria Geral da União, nos três primeiros meses de vigência da lei, foram recebidos mais de 30 mil pedidos de informação em todos os órgãos públicos, 30% dos quais destinados à Superintendência de Seguros Privados, ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ao Banco Central, à Caixa Econômica Federal e à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos.
Além do atendimento a demandas de acesso a informações específicas, a lei determinou a divulgação espontânea de toda a informação produzida ou acumulada pelo órgão público. Trata-se do chamado princípio de transparência ativa. Nesse sentido, segundo o padrão estabelecido pela Controladoria-Geral da União, foi incluída no sítio institucional do Ministério página específica sobre acesso à informação. A mencionada página, disponível no endereço www.itamaraty.gov.br/acesso, contém as seguintes seções com informações cuja divulgação passou a ser mandatória: 1) institucional, com organograma, telefones e e-mails e agenda de altas autoridades do Ministério; 2) ações e programas; 3) auditorias; 4) convênios; 5) despesas; 6) licitações e contratos; 7) servidores; 8) perguntas frequentes; 9) sobre a Lei de Acesso à Informação; e 10) serviço de informação ao cidadão.
Mas não é apenas objetivamente, em termos operacionais e administrativos, que a Lei de Acesso trouxe mudanças à maneira de produção da informação diplomática, sobretudo no que se refere à classificação, ou sigilo. Subjetivamente, também, é possível que ela venha a induzir uma nova e distinta percepção individual dos responsáveis pela elaboração de documentos sobre a necessidade ou conveniência de classificar a informação como sigilosa.
Cai o número de telegramas classificados
Levantamento realizado pelo Departamento de Comunicações e Documentação do Ministério das Relações Exteriores revela que houve, nos dois primeiros meses de vigência da lei, redução visível no número de telegramas classificados. No bimestre que antecedeu a implementação da Lei 12.527 (março a maio de 2012), foram produzidos 3.259 expedientes telegráficos reservados e 591 secretos. Nos dois meses subsequentes, essas cifras caíram para 2.333 e 421, ou seja, uma redução de 28% e 29%, respectivamente. Comparativamente, neste mesmo período do ano anterior (junho a julho de 2011), foram produzidos 3.518 telegramas reservados e 665 secretos, números semelhantes àqueles tramitados no bimestre anterior à entrada em vigor da lei.
Embora ainda muito preliminares, essas cifras podem ser explicadas por uma maior seletividade ao classificar a informação, contrastando com o comportamento caracterizado por uma propensão a atribuir confidencialidade a assuntos que não necessariamente mereceriam tal classificação.
Conforme se procurou demonstrar, não há, no Itamaraty, resistência a compartilhar informações de interesse público. Com efeito, os arquivos históricos do Rio de Janeiro, com 150 anos de registros diplomáticos, já há muito estão abertos a pesquisadores e acadêmicos, que deles têm se valido para realizarem importantes estudos das relações externas do Brasil.
Na questão de gastos, 44 postos, que respondem por quase 40% das despesas realizadas, já estão interligados ao Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI) do Governo federal, que permite a verificação, pela internet, de sua execução orçamentária por meio do Portal da Transparência, onde também ficam registrados os vencimentos de todos os servidores públicos.
Há projeto em andamento para a digitalização dos acervos documentais, o qual deverá começar pela série histórica da correspondência ostensiva trocada com a Missão Permanente do Brasil junto às Nações Unidas em Nova York, desde 1946. Uma vez concluído, este acervo será colocado na internet, à disposição do público, e será progressivamente ampliado para incluir outras Missões e Embaixadas.
Ao mesmo tempo, os procedimentos burocráticos criados pela Lei 12.527, como a exigência de assinatura, pela autoridade classificadora, do formulário TCI para acompanhar cada documento sigiloso produzido, ou a obrigatoriedade de o órgão reavaliar, periodicamente, toda sua documentação classificada, poderá fazer com que muitas das informações que anteriormente eram registradas em documentos oficiais sejam tramitadas por meios oficiosos, como o correio eletrônico ou telefone. Essa tendência não necessariamente comprometerá o trabalho e os objetivos da diplomacia, mas poderá deixar, no futuro, importantes lacunas nos arquivos sobre os fundamentos, as negociações e as motivações episódicas das relações exteriores do País.
São incipientes, ainda, os elementos concretos disponíveis para que se possa avaliar a efetiva sedimentação das repercussões duradouras da Lei de Acesso à Informação, tanto no que se refere à adaptação dos órgãos públicos a seus dispositivos, como a formação de uma consciência na sociedade brasileira de exigir do Estado a prestação de contas dos mandatos que lhe são conferidos pelo processo eleitoral e pelo pagamento de impostos.
Mas, já se identifica, no Ministério das Relações Exteriores, uma perceptível mudança de cultura, administrativa e política, em linha com as orientações da Lei nº 12.527. Dentro da necessidade institucional e finita de classificar determinadas informações, o que constitui uma das ferramentas indispensáveis da diplomacia de Estado, caminha-se na direção do fortalecimento da gestão transparente de dados e da garantia de sua disponibilidade e integridade.

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Arapongas unidos, jamais serao vencidos...

Pois é: o caçador de marajás, o homem macho que acabou com o SNI e desmantelou o pouco de inteligência que restava no governo federal, hoje está unido aos antigos "secretas" para impedir o acesso à informação...
Nada como um dia depois do outro...
Paulo Roberto de Almeida

Senado pretende votar Lei de Acesso a Informação na semana que vem

De acordo com senador Romero Jucá (PMDB-RR) o Senado deverá votar o projeto de lei que regulamenta o acesso a informação assim que a pauta do Plenário estiver liberada

O senador Romero Jucá (PMDB-RR) afirmou na tarde de hoje (22) que assim que abrir uma janela no trancamento da pauta do Plenário da Casa, o que pode acontecer já na semana que vem, o projeto de lei 41/2010 que regulamenta o acesso a informação pública deverá ser finalmente votado. De acordo com o senador, o projeto é uma das prioridades do governo no Congresso e já foi concedido tempo suficiente para que fosse discutido nas comissões. O projeto chegou ao Senado em abril do ano passado.
De acordo com o senador, os integrantes da base aliada que forem contrários ao texto enviado pela Câmara poderão apresentar voto em separado, caso do senador Fernando Collor (PTB-AL), relator do projeto na Comissão de Relações Exteriores.
No entanto, ficou decidido na reunião ordinária da CRE, hoje pela manhã (22), que será votado na próxima semana um requerimento do senador Francisco Dornelles (PP-FJ) para realizar audiência pública com o ministro chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência da República, general José Elito Carvalho Siqueira, para debater o projeto sobre acesso a informação.
Presidente da comissão, Collor aproveitou para criticar a resposta que o GSI enviou sobre o pedido de informação feito na semana passada pelo senador. Das oito perguntas, apenas quatro foram respondidas, e as respostas foram classificadas como “genéricas” por Collor. A senadora Ana Amélia (PP-RS) sugeriu que um novo requerimento seja enviado ao GSI. Porém, o senador Aníbal Diniz (PT-AC) informou que pediria verificação de votação, caso o requerimento fosse votado. Por isso, Collor desistiu de votar, uma vez que não haveria quórum suficiente. Manifestaram-se a favor do novo requerimento os senadores Sérgio Souza (PMDB-PR) e Luís Henrique (PMDB-SC).
De acordo com o GSI, existem apenas dois documentos classificados como ultrassecretos no governo federal. O general José Elito informou ainda que existem documentos classificados como secretos (4.116); confidencial (56.644) e reservados (8.344). De acordo com a resposta, o GSI produz por ano cerca de 2.850 documentos sigilosos e 1.860 “documentos ostensivos”.
Collor disse estranhar que existam apenas dois documentos ultrassecretos, enquanto a “esmagadora maioria” seria de documentos confidenciais.
Acrescentou ainda que, de acordo com a resposta obtida do governo, o ministro confirma não só haver subscrito o PLC 41/10 como também haver participado das discussões sobre o texto original do projeto. Segundo o senador, o documento enviado pelo GSI não esclarece se o número mencionado de documentos classificados inclui os referentes à Agência Brasileira de Informação (Abin). – O GSI informa que acompanha tramitação e aguarda a eventual aprovação do projeto, para posterior adaptação do órgão às novas regras. Coloca-se em posição passiva diante da matéria, apesar de ser talvez o maior interessado na nova lei – disse Collor, ao comentar a resposta obtida.
Collor ainda relatou diversas conversas sobre o tema mantidas com integrantes do governo, incluindo o ex-ministro chefe da Casa Civil Antônio Palocci e a presidenta Dilma Rousseff. Ainda que o pedido de urgência do governo pela aprovação do projeto tenha sido enviada há mais de três meses, o senador disse ter sido pego de surpresa e reiterou a necessidade de maior debate sobre a matéria na comissão.
O senador também disse que “os acordos internacionais hoje existentes sobre a matéria viabilizam a troca de informações sigilosas, bem como o credenciamento de pessoas envolvidas em negociações de caráter sigiloso. Até o momento, o Brasil celebrou tratados sobre a matéria com seis países: Portugal, Espanha, França, Rússia, Israel e Itália”.

quarta-feira, 15 de junho de 2011

E por falar em censura...: Brasil esconde fatos históricos...

Na verdade, eu pessoalmente considero toda essa conversa em torno da guerra do Paraguai e de supostos documentos diplomáticos sensíveis uma balela e uma desculpa esfarrapada, a começar pelo fato de que nenhum -- repito NENHUM - dos que se utilizam desse argumento saberia explicitar o que exatamente se está protegendo, em relação a quais fatos do passado e quais países, exatamente.
Tudo isso é um subterfúgio para evitar a transparência sobre fatos muito presentes ainda na memória dos brasileiros, ocorridos menos de uma geração atrás...
Paulo Roberto de Almeida

Presidente Dilma, anote o nome deles!
Luiz Cláudio Cunha*
Congresso em Foco, 14/06/2011

"A presidente deveria respeitar mais sua própria história, bem mais exemplar do que a de seus dois oblíquos aliados e antecessores. Dilma combateu de armas na mão o regime militar que Collor e Sarney apoiaram sem peias, nem meias medidas"

Presidente Dilma, que coisa feia, hein?

Resistiu bravamente à pressão do ex-presidente Lula e agora está sucumbindo vergonhosamente à pressão combinada dos ex-presidentes Fernando Collor e José Sarney.

Semana passada, apesar do bafo salvador de Lula, que carimbou Antônio Palocci como “o Pelé da Economia”, Dilma defenestrou o poderoso ministro-chefe do Gabinete Civil, aquele que caiu no governo passado por estuprar o sigilo do caseiro e que voltou a cair neste governo pela comovente defesa da virgindade de seu próprio sigilo.

Esta semana começa com Dilma se dispondo a manter o abjeto ‘sigilo eterno’ (sic) sobre documentos oficiais, uma ignomínia que atravessou incólume os 16 anos de governo somados do sociólogo FHC e do metalúrgico Lula, uma dupla que garantia ter um pé na cozinha da esquerda mais consciente.

Presidente da Comissão de Relações Exteriores do Senado, Fernando Collor sentou em cima do projeto original de Dilma, que quebrava a eternidade do sigilo e permitia o máximo de 50 anos de segredo.

“É temerário”, repudiou o senador das Alagoas, alegando “constrangimentos diplomáticos” para fatos como a ditadura militar (1964-1985), o Estado Novo getulista (1937-1945) e até a Guerra do Paraguai (1864-1870), episódio este ocorrido há século e meio e que levou à morte 50 mil brasileiros.

Presidente do Senado Federal, José Sarney vem agora em socorro de seu temerário sucessor no Palácio do Planalto, alegando que segredos eternos evitariam lesões nas relações diplomáticas do Brasil com seus vizinhos.

“Documentos que fazem parte de nossa história diplomática, que tenham articulações como Rio Branco teve que fazer muitas vezes, não podem ser revelados, senão vamos abrir feridas”, explicou, sem explicar nada, o cuidadoso Sarney, que nasceu 18 anos após o falecimento do Barão do Rio Branco (1845-1912).

Diante da curiosidade geral, cabe a pergunta: que feridas, cara-pálida?

O que poderia sangrar tanto nossa diplomacia? Que bobagens teria cometido o bom barão, o homem que redesenhou nossas fronteiras, para merecer esta santa proteção do bem informado Sarney?

Dias atrás Sarney expurgou da exposição oficial do ‘túnel do tempo’ do Senado o glorioso impeachment de Collor — o único afastamento legal de um presidente em 122 anos de República —, relegado por seu solidário colega de sigilo como um simples ‘incidente’, talvez uma ferida a ser escondida.

É sempre bom lembrar que, dentro de 48 dias, completam-se dois anos em que o jornal O Estado de S.Paulo vive sob a censura patrocinada pela família Sarney, que deseja um sigilo eterno para as estripulias do filho do senador, Fernando, indiciado na (agora secreta) ‘Operação Boi-Barrica’ da Polícia Federal por formação de quadrilha, lavagem de dinheiro e caixa 2.

Sabemos todos o que teme no presente o senador Sarney, mas ninguém imagina o que no passado pode assustar tanto o senador Collor, que aparenta um personagem bifronte da política brasileira.

Na tribuna, com voz grave e empostada, porte ereto e ternos sem vinco que parecem recém saídos da lavanderia, Collor pode ser confundido com um lorde inglês desavindo num parlamento qualquer ao sul do Equador. De repente, porém, Collor pode perder a compostura, o palavreado e a elegância para revelar seu lado mais tosco, mais agreste, mais indecoroso.

Como fez em 2009, quando ganhou a imortalidade dos anais para um fétido discurso, no plenário do Senado, onde confessava que estava ‘obrando, obrando e obrando” na cabeça de um colunista da revista Veja. Como fez em 2010, quando ameaçou enfiar a mão na cara de um repórter da IstoÉ, num telefonema gravado onde o polido senador distinguia o jornalista como “filho da puta”.

Sabemos todos o que são Sarney e Collor. O que não se sabe, porém, é o que pretende Dilma Rousseff ao capitular diante de argumentos tão pífios de uma dupla de ex-presidentes tão contestados por episódios tão polêmicos no passado e no presente.

Dilma fez muito bem ao seu governo ao se livrar, em boa hora, de Palocci. Dilma faz muito mal à sua biografia ao se render tão facilmente aos desígnios pouco claros de Collor e Sarney.

A presidente da República deveria respeitar mais sua própria história, bem mais exemplar do que a de seus dois oblíquos aliados e antecessores. Dilma combateu de armas na mão o regime militar que Collor e Sarney, no verdor da idade e no fervor da utilidade, apoiaram sem peias, nem meias medidas.

Um foi jovem da ARENA, outro foi cacique da velha ARENA. Dilma foi ao limite do sangue para combater essa gente e aquele regime.

Agora mesmo, 39 documentos sustentam uma ação civil pública na 4ª Vara Cível de São Paulo contra três oficiais do Exército e um da PM paulista, integrantes da Operação Bandeirante (OBAN), mãe do DOI-CODI da rua Tutóia, símbolo maior da repressão da regime.

O grupo é acusado pela morte de seis presos políticos e pela tortura em outros 20. Um dos acusados pelo suplício é o tenente-coronel reformado do Exército Maurício Lopes Lima, uma das presas torturadas é uma guerrilheira de 22 anos da VAR-Palmares chamada Dilma Rousseff.

Com o cinismo típico de sua turma, o coronel Lopes Lima deu uma entrevista, em novembro passado, logo após a eleição de Dilma: “Se eu soubesse naquela época (1970) que ela seria presidente, eu teria pedido – ‘Anota aí meu nome, eu sou bonzinho’”, admitiu ao jornal Tribuna de Santos.

O coronel teve o seu nome anotado pela história, como queria, mas com certeza não era bonzinho — apesar da fantasia de pacato veranista que hoje desfila nas águas mansas da praia das Astúrias, no Guarujá do litoral paulista, onde vive.

O frade dominicano Tito de Alencar Lima, o Frei Tito, sobreviveu a terríveis torturas no DOPS do delegado Fleury. O que restava dele foi levado ao DOI-CODI do coronel Lopes Lima, que o deixou sob o trato de seis homens de sua equipe e do inefável pau-de-arara. No seu depoimento, frei Tito contou: “O capitão Maurício veio me buscar em companhia de dois policiais: ‘Você agora vai conhecer a sucursal do inferno’, ele me disse”.

Meses depois, cada vez mais atormentado pelos fantasmas da tortura, frei Tito foi para o exílio e acabou se enforcando numa árvore de um mosteiro nos arredores de Lyon, França, em 1974, um mês antes de completar 30 anos.

Agora, com a candura dos impunes, o coronel que teve seu nome anotado por Dilma e frei Tito reconhece: “Tortura no Brasil era a coisa mais corriqueira que tinha. Toda delegacia tinha seu pau-de-arara. Dizer que não houve tortura é mentira, mas dizer que todo delegado torturava também é mentira. Dependia da índole”.

Dilma conhecia bem a índole da turma do capitão Lopes Lima, que ela mesma impugnou como testemunha de acusação no seu processo da Justiça Militar: “O capitão é torturador e, portanto, não pode ser testemunha”, alegou Dilma, com lógica exemplar e o nome do bonzinho Lopes Lima devidamente anotado.

Apesar da natureza de seu algoz, Dilma sobreviveu a 22 dias de tortura e superou o trauma da dor. Quatro décadas e uma ditadura depois, em vez de escalar os galhos do balouçante desespero de Tito, Dilma subiu a rampa do Planalto como primeira mulher eleita presidente sobre o chão sólido da democracia.

Os homens que machucaram e atormentaram gente como Tito e Dilma eram simpatizantes, aliados, partidários e defensores do regime sustentado pela ARENA de gente como Sarney e Collor.

Entende-se, claramente, porque Sarney e Collor defendem o sigilo eterno.

O que não se entende, presidente Dilma, é como a senhora possa estar ao lado dessa gente, depois de tudo o que a senhora fez, depois de tudo o que eles fizeram.

Os nomes deles, presidente Dilma, estão todos anotados.

Sarney e Collor, presidente, não eram bonzinhos. Nunca foram.

Por favor, anote aí!

*Luiz Cláudio Cunha é jornalista.